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Análise Geopolítica da Península da Crimeia

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Análise Geopolítica da Península da Crimeia 
 
Renato Maldonado 
 
 
 
 
 
 
Angra do Heroísmo 
2020 
 
 Mestrado em Relações Internacionais: 
 O Espaço Euro-Atlântico 
 
 2 
UNIVERSIDADE DOS AÇORES 
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Análise Geopolítica da Península da Crimeia 
 
 
 
 
Renato Maldonado 
Aluno n.º 2019104262 
 
Trabalho realizado do âmbito da disciplina de Geopolítica e Geoestratégia sob a 
docência do Professor Doutor Luís Andrade e Mestre Nuno Lopes 
 
 
 
 
 
 
 
 
Angra do Heroísmo, 3de fevereiro de 2020 
 3 
Índice 
Introdução .............................................................................................................. 4 
§1. Caracterização Geoestratégica da Península da Crimeia ........................ 4 
§2. Relação da Ucrânia com o Ocidente ............................................................ 8 
§3. Relação da Ucrânia com a Rússia ................................................................ 9 
§4. Entre a Rússia e o Ocidente ........................................................................ 10 
Conclusão ............................................................................................................ 13 
Bibliografia ........................................................................................................... 15 
 
 
 4 
Introdução 
 
 A dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 
1991 alterou significativamente a configuração do sistema político internacional. 
A nível regional, o abalo nas repúblicas que constituíam a URSS foi iminente: 
uma série de desafios internos de carácter étnico, institucional e económico. Ao 
mesmo tempo que pretendiam afirmar a sua identidade e singularidade face à 
Rússia com tentativas de aproximação ao ocidente, em particular à União 
Europeia, continuavam a depender económica, política e culturalmente de 
Moscovo. 
 Com o presente trabalho procura-se responde às seguintes questões: 
pode existir estabilidade política em zonas de transição ou de fronteira entre dois 
blocos com orientações opostas? A posição geoestratégica privilegiada constitui 
uma mais valia no processo de estabilização ou, pelo contrário, constituí um 
entrave? 
 A Crimeia, Península situada no Mar Morto é um desses exemplos de 
posicionamento geoestratégico privilegiado, caracterização essa que é feita no 
primeiro capítulo do presente trabalho. Em seguida, no segundo capítulo é 
realizado um enquadramento daquilo que é a relação da Ucrânia com o bloco 
ocidental e, no terceiro capítulo, a relação com a Rússia. 
 No capítulo final será efetuada a síntese com o resultado daquilo que foi 
o embate de pretensões opostas numa zona de fronteira entre dois sistemas 
com interesses divergentes. 
 Não se pretende ser exaustivo naquilo que foi o percurso histórico do 
território e em particular do cronograma dos acontecimentos e focos de tensão 
ocorridos desde 1991 até à atualidade, mas sim perceber de que modo um 
território com uma geografia singular e numa zona do planeta de grande 
importância energética pode ser afetado na sua integridade e soberania. 
§1. Caracterização Geoestratégica da Península da 
Crimeia 
 
De modo a melhor compreender a importância geoestratégica da Crimeia 
haverá que observar primeiro o Mar Negro. Este ocupa uma posição 
 5 
geoestratégica de grande importância dado o seu posicionamento entre as 
fronteiras sul e oriental da Europa com o Médio Oriente e Ásia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 1 – Fronteiras políticas limítrofes do Mar Negro1 
 
 
O Mar Negro, tendo sido considerado como um mar fechado ou um mar 
bloqueado, sem interesse geoestratégico, viu a sua importância neste domínio 
acrescida de valor na sequência do aumento da importância comercial do Rio 
Danúbio e, sobretudo, com a descoberta de reservas de petróleo no Mar Cáspio 
(Gerald, 2010). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 2 – Reservas de petróleo no Mar Cáspio2. 
 
 
 Outro dos motivos apontados para o aumento da importância do Mar 
Negro deve-se ao facto de este constituir um ponto de convergência do bloco 
 
1 Fonte: https://www.newstrategycenter.ro/programe-de-cercetare/ 
 
2 Fonte: 
https://www.researchgate.net/publication/321151712_Central_Asian_Energy_Market/figures?lo
=1 
 6 
Euro-Atlântico, representado pelas fronteiras da Bulgária, Roménia (União 
Europeia e Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN), do bloco russo 
e do bloco islâmico (idem). Considera-se ainda que a região é marcada por duas 
dinâmicas potencialmente desestabilizadoras. Por um lado, a substituição da 
influência russa pela americana, por outro lado, a emergência de eixos 
energéticos que ligam o petróleo e o gás natural da Ásia Central e da região do 
Mar Cáspio com os Balcãs e a União Europeia. 
 O Mar Negro assegura ainda a ligação ao Mar Mediterrâneo através dos 
Estreitos do Bósforo do Dardanelos, ambos controlados pela Turquia, que para 
além de membro da OTAN, beneficia das condições definidas pelo Tratado de 
Montreux, de 19363, assegurando-se a passagem de um mar interior para o 
oceano. O mesmo é afirmado por Alfred T.Mahan, para quem, nas palavras de 
Adriano Moreira, o controlo dos mares é decisivo na balança geral de poderes, 
assim como alguns teóricos explicam o dinamismo histórico russo como 
determinado pela busca de saídas para os mares quentes (Moreira, 2016). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 3 – Acesso do Mar Negro ao Mar Mediterrâneo4 
 
 
 Não obstante, o fator determinante da importância geoestratégica 
da região deve-se a esta ser um ponto central dos pipelines de gás natural e 
petróleo provenientes da Rússia e do Mar Cáspio, em particular do Azerbaijão 
(Bosbotinis, 2009). Esta proximidade com os recursos de hidrocarbonetos da 
bacia do Cáspio aumenta ainda mais devido à ênfase que a União Europeia e a 
 
3 A Convenção de Montreux sobre o Regime dos Estreitos confere à Turquia o controle dos 
Estreitos do Bósforo e do Dardanelos e regula a atividade militar da zona. 
4 Fonte: https://maps-istanbul.com/bosphorus-strait-map 
 7 
OTAN têm atribuído às questões relacionadas com a segurança energética 
(idem). O Mar Negro é atualmente para a Europa um dos mais importantes 
corredores de energia proveniente de países como o Cazaquistão, Azerbaijão e 
Turquemenistão, os três Estados do litoral do Mar Cáspio com maiores reservas 
de combustíveis e que podem contribuir para a diminuição da dependência 
energética da Europa face à Rússia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mapa 4 – Ligação entre o Mar Cáspio e a Europa através de pipelines5. 
 
 Por seu turno, a Península da Crimeia encontra-se ligada ao continente 
europeu pelo Istmo de Perokop, como uma largura que varia entre os 5 a 7 km, 
e é banhada pelo Mar Negro e pelo mar de Azov. 
 Este território, só integrado no Império Russo durante o Reinado de 
Catarina “A Grande” e russificado após o fim da II Guerra Mundial numa altura 
em que as populações do centro da União Soviética procuravam melhores 
condições de vida e em que, ao mesmo tempo, eram deportados para a Sibéria 
a população que ali vivia, ainda descendente da ocupação otomana, constituiu 
um ponto de discórdia entre a Rússia e a Ucrânia desde o fim da União Soviética 
e a independência de 1991 uma vez que a instalação e manutenção da base 
naval na Península era crucial para a Rússia. As tensões daqui decorrentes 
apenas surgem amenizadas em maio de 1997 após a assinatura do Tratado de 
Amizade, Cooperação e Associação, entre a Federação Russa e a Ucrânia. 
 Segue-se aqui a enumeração de interesses da Península da Crimeia 
enumerados por Gerald (Gerald, 2010): 
 
5 Fonte: 
https://www.researchgate.net/publication/321151712_Central_Asian_Energy_Market/figures?lo
=1&utm_source=google&utm_medium=organic 
 
 8 
i) É uma torrede controlo localizada na confluência de algumas das principais 
regiões geopolíticas: Balcãs, Europa de Leste, Ásia Menor e Médio Oriente; 
ii) É um ponto fulcral estratégico quer do ponto de vista defensivo, quer do 
ponto de vista defensivo da Rússia em relação à OTAN; 
iii) Ponto de controlo dos países fronteiriços com saída para o oceano; 
iv) Está incluída na proposta de rotas de trânsito energético provenientes do 
Mar Cáspio e da Ásia Central para a Europa Ocidental; 
v) É o caminho mais curto da Rússia para o Sul, para o Leste (via Canal do 
Suez) e para a costa Norte-Africana; 
vi) Importância para a colocação de meios aéreos com possibilidade de cerco 
por forças navais prontas para a ação; 
vii) Ponto de partida para a projeção da influência russa na região. 
 
Brzezinski, ao analisar a importância da Ucrânia para a afirmação russa 
afirma que a Ucrânia é um importante espaço do tabuleiro de xadrez da Eurásia 
e um pivô geopolítico, concluindo que a existência de uma Ucrânia independente 
determina que a Rússia deixe de ser um império da Eurásia (1997: 46). Perante 
a análise de Brzezinski não há como não recordar o pensamento de Halford 
Mackinder acerca da Eurásia, a grande massa continental que designava como 
Área Pivot e relativamente à qual equacionava o impacto do seu controlo por 
uma potência continental. Mackinder, reforça esta convicção com a teoria do 
Heartland, composto pela Eurásia e Norte de África, designado como Ilha 
Mundial. Considerava que “He who rules Eastern Europe commands the World 
Island of Europe, Asia and Africa; and he who rules the World Island commands 
the World” (1919:150). 
§2. Relação da Ucrânia com o Ocidente 
 
 O ocidente, em especial a União Europeia, vê o Leste da Europa como uma 
área de oportunidade de reforço de segurança económica e energética e, ao 
manter esta zona sob a sua influência política, económica e de segurança, 
possibilita a criação de condições de estabilidade nas suas fronteiras (Barata P, 
2014). 
 9 
Em 2004, na sequência do alargamento da União Europeia, foi lançada a 
Política Europeia de Vizinhança (PEV), que permitiu a criação de um laço político 
mais forte entre os países do Sul e Leste da Europa. Este relacionamento levou 
a uma integração económica e aliança política entre os dois blocos, contudo, a 
Rússia não subscreveu qualquer aliança (idem). No âmbito da PEV a Ucrânia 
obteve uma posição privilegiada dado que nenhum outro país do Leste da 
Europa que não seja Estado-membro conseguiu com o mesmo nível de acesso 
ao mercado comum da União. Com isto a União Europeia consegue a criação 
de uma zona tampão relativamente à Rússia e manter a estabilidade nas 
fronteiras do espaço comunitário (Archick, 2016) e, por outro lado, consegue 
manter sob a sua esfera de influência o principal transporte de gás natural para 
o ocidente. 
§3. Relação da Ucrânia com a Rússia 
 
 
Com o fim da Guerra Fria e o desmoronamento do sistema bipolar, a Rússia, 
enquanto herdeira da URSS, perdeu o estatuto de superpotência. No entanto, 
logo em 1991, propôs a criação da Comunidade de Estados Independentes 
(CEI)6, com o objetivo de permitir à Rússia a manutenção do controlo sobre os 
mercados regionais e o fortalecimento da sua posição sobre as antigas 
Repúblicas da URSS (Smith & Harari, 2014). 
A importância da CEI para a Rússia, seguindo a enumeração de Maria 
Raquel Freire (2014: 37) deve-se ao passado histórico partilhado e localização 
geográfica desta área que lhe confere importância estratégica entre Este e 
Oeste; às ligações históricas provenientes do período soviético, em particular 
relativamente a mercados e rotas de trânsito, com a energia a constituir elemento 
central; a questões de segurança, com Moscovo a assumir um posicionamento 
de que, instabilidade na sua área de vizinhança tem implicações diretas na sua 
segurança. 
 
6 Organização criada em dezembro de 1991 que incluía originalmente a Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, 
Moldova, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Tjiquistão, Arménia e Azerbaijão. Os 
seus objetivos prendiam-se essencialmente com a harmonização das políticas externas dos seus 
membros e a criação de espaços económicos e militares comuns. 
 10 
Desde o final da Guerra Fria até à atualidade o relacionamento da Rússia 
com os países vizinhos tem variado entre dinâmicas de cooperação e de 
competição ou até mesmo confrontação (Daehnhardt e Freire, 2014). É 
indiscutível que a interdependência que marcou as suas relações durante o 
período da União Soviética deu lugar a uma forte dependência política e 
económica e que a forte dependência dos recursos energéticos russos tem 
constituído uma vantagem política para a Rússia, permitindo-lhe explorar esta 
vulnerabilidade em seu proveito (Dias, 2014). 
Para a Rússia, a Ucrânia representa um vasto mercado com muitas 
oportunidades de investimento e constitui o principal país de trânsito de gás para 
a Europa, com 80% da quota de mercado (Closson, 2008). Não obstante, se esta 
posição aumenta a sua importância geoestratégica também a torna mais 
vulnerável pois a sua aproximação ao ocidente é percecionada como uma 
ameaça à segurança russa (Baek, 2009). 
As tensões entre a Ucrânia e a Rússia, que se faziam sentir já desde o fim 
da União Soviética, ganham novo fôlego com a chegada de Vladimir Putin ao 
poder em 2000, numa altura em que a política externa russa ganha um novo 
ímpeto realista e procura novas vantagens competitivas assente no uso dos 
recursos energéticos (Freire, 2014), situação que veio a desembocar no uso de 
da força na área que considera de influência russa, conforme referido por 
Patrícia Daehnhardt e Maria Raquel Freire, “quando Moscovo recorre à força 
militar tende a fazê-lo dentro do seu ‘estrangeiro próximo’ onde sente interesses 
seus a serem ameaçados e onde se atribui um droit de regard” (2014, p.18). 
§4. Entre a Rússia e o Ocidente 
 
O alargamento da União Europeia a oito países da Europa de Leste, em maio 
de 2004, correspondeu a um alargamento da fronteira entre a União Europeia e 
a Rússia e os vários alargamentos institucionais da OTAN desde 1999 foram 
contestados pela Rússia por significarem o avanço da instituição até às suas 
fronteiras (Daehnhardt e Freire, 2014). 
O desenvolvimento da PEV, com uma abordagem mais especializada no 
espaço pós-soviético através da parceria a Leste criada em maio de 2009 – que 
incluía os três países do Cáucaso do Sul, a Bielorrússia, a Moldova e a Ucrânia, 
 11 
é entendida por Moscovo como ingerência no seu espaço preferencial de 
atuação e gerou grande descontentamento (Freire, 2014). 
As tensões entre a Ucrânia e a Rússia fizeram-se sentir, como já se referiu, 
desde a desagregação da União Soviética. Na década de 90 as tensões eram 
marcadas pela permanência de arsenal russo em solo ucraniano, pelo controlo 
da frota russa estacionada na Crimeia e pela aproximação da Ucrânia ao 
ocidente (Dias, 2014). Houve um alívio nas tensões em 1997 quando Kiev 
consentiu a permanência da frota russa em troco do reconhecimento da Crimeia 
como parte integrante do seu território e do perdão de grande parte da sua dívida 
energética (Donaldson e Nogee, 2005). 
No entanto, o carácter estratégico da base naval de Sebastpol e a utilização 
por Moscovo da elevada percentagem de russos no território da Crimeia (cerca 
de 60%) como forma de promover sentimentos anti Ucrânia levou a que as 
tensões fossem retomadas (Dias, 2014). 
Temos assim que durante a década de 90 a Ucrânia oscilou entre, por um 
lado, procurar a aproximação à União Europeia e à OTAN por forma a obter 
vantagens que lhe permitissem levar a cabo a sua transição política e económica 
e, por outro lado, tentar não alienar o Kremlin, do qual depende económica e 
energeticamente (idem). Esta política de equilíbrio é abandonada em 1999 com 
a eleição do presidente Leonid Kuchma que se aproxima de Moscovoem troca 
de apoio político, cooperação militar e económica e garantia de preços reduzidos 
no fornecimento de gás. 
Com o alargamento a Leste da EU e desenvolvimento da PEV a Ucrânia 
enceta uma política de aproximação ao ocidente muito apoiada pela 
generalidade da opinião pública ucraniana, tanto que perante a ocasional 
viragem de rumo e aproximação a Moscovo, no final de 2004 deu-se início à 
Revolução Laranja na Ucrânia que levou as forças pró-ocientais ao poder e “a 
possibilidade de a Ucrânia reforçar a sua independência em relação à Rússia, 
tornando-se um país europeu ocidental, passou a ser levada muito a sério em 
Moscovo” (Almeida, 2008, p. 21). 
Assim, nas eleições de 2006, a Rússia apoia política e financeiramente o 
candidato pró-russo Viktor Yanukovitch. Contudo, Viktor Yushchenko viria a 
ganhar as eleições e a imprimir uma orientação pró-europeia à política externa 
ucraniana. Com isto desencadeia-se a crise energética de 2006 (Dias, 2014). 
 12 
Para além desta circunstância dá-se um agravamento da relação entre os dois 
países uma vez que Kiev deixa em aberto o futuro da frota russa estacionada na 
Crimeia numa altura em que se colocava o contrato celebrado em 1997. 
Nova crise energética dá-se em 2009 na sequência da realização da cimeira 
EU-Ucrânia, em setembro de 2008, que consagra a intensificação da sua 
cooperação económica e energética e, em dezembro, celebra com os EUA uma 
parceria estratégica nos domínios defensivos e securitários (idem). Nesta altura 
já havia ocorrido a intervenção militar russa na Geórgia e o reconhecimento de 
duas novas repúblicas, a Ossétia do Sul e a Abcázia, não só como forma de 
reagir à política de aproximação ao ocidente conduzida pelo governo da Geórgia, 
mas também como reação à possibilidade de alargamento da OTAN à Geórgia 
e Ucrânia. Com esta ação militar “Moscovo demarcou as linhas relativas a áreas 
de influência e interferência, reforça a sua política de contenção dos EUA e 
sublinha o seu reposicionamento internacional como grande potência” (Freire, 
2011, p. 164). 
A relação entre a Rússia e a Ucrânia só se estabiliza em 2010 com a eleição 
de Viktor Yanukovitch que chega a acordo com a Rússia quanto à extensão da 
permanência da frota russa na Crimeia até 2042 e extingue a comissão 
governamental que preparava a adesão da Ucrânia à OTAN. Não durou, 
contudo, este período de estabilidade dada a recusa de Putin em rever o acordo 
de abastecimento de gás uma vez que as contrapartidas exigidas eram ou a 
cedência à Gazprom do controlo do seu sistema de trânsito energético ou a 
integração do país numa união aduaneira liderada por Moscovo (idem). Para 
além disso, Yulia Timoshenko – primeira ministra que em 2009 celebrou o acordo 
energético com a Rússia – é presa por abuso de poder na negociação dos 
acordos de gás. 
Em 2013, novamente com o pró-russo Yanukovich na presidência da 
república, a Ucrânia abandona as negociações comerciais com a União Europeia 
e assina com a Rússia um acordo económico, desencadeando fortes protestos 
em Kiev, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, conhecidos como 
Euromaidan. Estes foram vistos pelo ocidente como uma manifestação 
inequívoca da sua vontade democrática de acelerar a transição e cortar com o 
passado (Ferreira, 2016) e forçaram o presidente a assinar um compromisso 
com a oposição e a abandonar o país no dia seguinte. 
 13 
 A crise interna Ucrânia proporcionou à Rússia a oportunidade de anexar 
o território da Península da Crimeia com o argumento de que as transformações 
políticas ucranianas levaram a um estado de caos que configurava uma ameaça 
à segurança dos cidadãos russos e militares residentes no território (Salmon & 
Rosales, 2014). Outro argumento utilizado foi o de que o golpe de Estado que 
colocou fim ao governo de Yanukovich inviabilizou os acordos entre os dois 
países e, considerando a importância estratégica da Crimeia para a Rússia, a 
atuação russa estava perfeitamente justificada. 
 Com a anexação da Crimeia, a Rússia, transmite à Ucrânia a mensagem 
política de que qualquer afastamento face aos interesses estratégicos russos 
levaria ao desmembramento do território (Götz, 2015). Com esta ação, Putin não 
pretendeu uma invasão de larga escala à Ucrânia, mas sim reconquistar algum 
controlo sobre a orientação da política externa ucraniana e alastrar a sua área 
de influência numa região com fortes manifestações pró-russas (idem). Exemplo 
disso foi o não reconhecimento das duas repúblicas que se declararam 
independentes da Ucrânia, numa zona chamada de Nova Rússia: Donetsk e 
Luhansk. 
Conclusão 
 
 Analisada a cronologia da relação entre a Ucrânia com o Ocidente e com 
a Rússia verifica-se que têm existido oscilações que vão de momentos de tensão 
a cooperação. Sendo certo que as relações entre a Rússia e o Ocidente, em 
particular a União Europeia, são um elemento fundamental para as perspetivas 
de estabilidade da Europa, a zona de fronteira entre estes dois blocos tem sido 
frequentemente palco de agitação política e económica. 
 Esta agitação tem sido tanto mais sentida quanto maior importância 
estratégica possui a zona em causa. A Ucrânia, pela sua posição geográfica e 
dimensão ocupa a maior parte da fronteira entre os dois blocos e é neste país 
que se têm refletido as maiores tensões entre as duas potências. 
 No início dos anos 90, a Rússia, herdeira da URSS, procurou manter na 
sua esfera de influência as repúblicas que resultaram da sua desagregação com 
a criação da CEI, mas, fragilizada económica e politicamente não foi capaz de 
manter o domínio que a história em comum lhe proporcionava. Ao mesmo tempo, 
 14 
estados como a Ucrânia procuravam atingir o nível de desenvolvimento que as 
democracias ocidentais apresentavam na altura e foram atraídas para a esfera 
ocidental que, ao mesmo tempo, procurava estabilizar as zonas de fronteira e 
garantir com isso a sua segurança energética. 
 Com a sua eleição em 2000, Putin conseguiu “transformar as incertezas 
da época do seu antecessor [Boris Ieltsin] criando uma Rússia mais estável, 
tanto interna como externamente” (Fernandes, 2014, p. 203). Para além disso, o 
discurso de Putin assente em representações míticas e afetivas derivadas da 
“alma russa”, mas também com um cunho realista e que procura retirar o maior 
proveito possível da riqueza energética do país tem levado a um extremar de 
posições perante qualquer aproximação da zona que considera de influência 
russa ao ocidente. 
 Neste contexto, tal como descrito, considera-se que é de extrema 
dificuldade a manutenção da estabilidade em zonas de fronteira entre dois 
blocos com orientações opostas e, principalmente, devido à dependência 
energética relativamente a um dos lados. Poder-se-á ainda afirmar que a 
ocupação de uma posição geoestratégica privilegiada como é a da Ucrânia, in 
maxime da Península da Crimeia, tem sido um entrave para que o país se possa 
libertar do ascendente russo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 15 
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