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Direito à literatura, de Antonio Candido

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O direito à literatura 
 
 Vários Escritos, 1995 
 Antonio Candido 
 
 
 Conceito formado no século XVII e amplamente discutido nas eras posteriores, os 
debates acerca dos direitos humanos foram, ao longo do tempo, preponderantemente 
centralizados nas esferas civil, política e econômica. Em seu texto “Direito à literatura”, do livro 
“Vários Escritos”, de 1995, Antonio Candido objetivou, porém, enfocar na correlação entre 
direitos humanos e arte, com especificidade na literatura. 
 O autor, atento às necessidades do indivíduo e aos entraves sociais, aponta e discorre 
sobre alteridade, desigualdade social, humanização pela literatura e literatura engajada, tudo 
interessantemente entrelaçado por ideias bem articuladas. Candido passeia pela história em 
vários aspectos e oportunidades para contextualizar seus argumentos, além de utilizar de 
notável conhecimento sociológico, necessário para a abordagem de um tema que visa analisar 
o papel da arte numa sociedade capitalizada, industrializada e estratificada. 
 O texto inicia com uma reflexão sobre o papel da alteridade e da empatia na busca 
pelos direitos humanos e sobre a mudança histórica ocorrida na forma de comportamento 
para com as minorias e o desenvolvimento de recursos técnicos inovadores. Este último ponto 
é notável quando voltamos os olhos para o desenvolvimento tecnocientífico do mundo 
contemporâneo e, por que não, desenvolvimento da mentalidade humana; hoje podemos 
vislumbrar esperançosas soluções para a problemática dos direitos do cidadão através de 
recursos materiais e formas de organização que possibilitariam superar a discrepância de 
oportunidades e tratamentos que ameaçam o bom equilíbrio social; porém, em contrapartida 
temos a iminência de conflitos armados e formas de opressão ainda maiores devido a estas 
mesmas inovações: “Assim, com a energia atômica podemos ao mesmo tempo gerar força 
criadora e destruir a vida pela guerra; com o incrível progresso industrial aumentamos o 
conforto até alcançar níveis nunca sonhados, mas excluímos dele as grandes massas que 
condenamos à miséria” (1995, p.235); além disso, os grupos minoritários não são mais 
encarados como naturalmente submissos, inferiores ou destinados a viver sem os mesmos 
direitos que a maior parcela da população. A busca pelos direitos humanos se dá pela empatia 
que indica as necessidades do outro através do conhecimento das nossas próprias 
necessidades, como bem observa Candido: “pensar em direitos humanos tem um pressuposto: 
reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também indispensável para 
o próximo” (1995, p.238). 
 A grande questão a ser considerada a respeito de se a literatura deve ser incluída nos 
direitos essenciais do homem é se ela, como necessidades do tipo de moradia, saúde, 
segurança, liberdade de expressão e educação, pode causar desorganização pessoal em se 
faltando na vida do indivíduo. Neste ponto é onde entra o papel humanizador da literatura, 
tanto enfocado por Candido: “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o 
sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo ela é fator 
indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade” (1995, 
p.240). Não há uma única pessoa que passe um só dia sem exercitar sua imaginação fictícia, 
seja através de um livro ou música, seja através de uma novela televisiva ou uma simples 
anedota; sendo assim, a fabulação e a narrativa fictícia são inerentes ao ser humano, são suas 
necessidades básicas. A narrativa literária enquanto um todo estruturado e articulado nos 
auxilia a nos espelharmos nela para nos organizar também, primeiro mentalmente e 
individualmente para depois, por consequência, socialmente. O autor pondera de forma 
inteligente: 
 
De fato, quando elaboram uma estrutura, o poeta ou o narrador 
nos propõem um modelo de conferência, gerada pela força da 
palavra organizada. Se fosse possível abstrair o sentido e pensar 
nas palavras como tijolos de uma construção, eu diria que esses 
tijolos representam um modo de organizar a matéria, e que 
enquanto organização eles exercem papel ordenador sobre a 
nossa mente. Quer percebamos claramente ou não, o caráter de 
coisa organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa 
mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e 
em consequência, mais capazes de organizar a visão que temos 
do mundo (1995, p.242). 
 
 A literatura é posta pelo autor não só como parte seminal dos direitos do homem, mas 
também como um mecanismo de combate pelo mesmo, se caracterizando nestes casos como 
uma literatura socialmente engajada. Este papel foi assumido principalmente durante o 
Romantismo e mais assiduamente durante o Naturalismo, sendo o primeiro com caráter mais 
tradicionalista e o segundo com uma abordagem mais positivista e científica. A literatura 
empenhada se torna agente por aqueles que não têm acesso a ela, mas que quando têm 
conseguem apreciá-la perfeitamente, demonstrando que o relativo pouco alcance dela em 
sociedades como a brasileira é devido à falta de contato, não à incompetência. 
 Antonio Candido é um autor de verve socialista e demonstra isso de forma bastante 
clara no texto estudado; enquanto a visão dos direitos humanos pelo capitalismo é voltada 
para direitos políticos e civis, a visão socialista se debruça sobre direitos sociais e culturais, e é 
este aspecto que recebe os cuidados de Candido. Entretanto, tal observação não significa que 
o escritor renegue ou ache superável a importância de dispor de igualdade civil e democracia 
política - sem entrar na discussão se são perfeitamente assegurados, inclusive na sociedade 
capitalista, ou se não passam de conceitos mal aplicados -, pelo contrário, ele afirma a 
necessidade destas também, mas é tanto pelo acesso às obras clássicas quanto pela 
distribuição eficaz e indiscriminada das mesmas que o autor milita. 
 Talvez a solicitação da literatura e da arte em geral como necessidade elementar a qual 
não se pode privar a um indivíduo possa parecer para alguns um excesso de sentimentalismo 
ou expressão de uma utopia de uma sociedade melhor, mas devemos lembrar que não existe 
vida sem arte, nenhum ser humano conseguiria sobreviver sem o entretenimento, o lazer e o 
enlevamento causado por música de qualidade, um bom filme ou uma obra literária, nem a 
cidadania pode ser assegurada sem identidade, e esta não pode ser encontrada sem o 
autoconhecimento proporcionado pela arte. Afinal, recordando as palavras do grande 
Monteiro Lobato, “um país se constrói com homens e livros”. 
 
 
 Douglas Paraguassú Coelho 
 Universidade Federal de Viçosa

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