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Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 237 (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL EM TEMPOS DA COVID-19 Sandrelena da Silva Monteiro Doutora em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora, MG, Brasil sandrelenamonteiro@gmail.com RESUMO As portas das escolas foram fechadas de forma abrupta, a suspensão das aulas não estava prevista no planejamento escolar, aconteceu motivada por um fator externo: a pandemia da COVID-19. Profissionais da educação, estudantes e familiares se inquietaram. As informações oficiais eram, não poucas vezes, desencontradas. O que realmente estava acontecendo? Sem previsão de retorno das aulas presenciais o MEC propôs o ensino a distância, inclusive para a Educação Básica. Mas como isso se daria? Essa modalidade de ensino seria acessível a todos os estudantes e professores? Seria computada no calendário escolar? Essas e muitas outras perguntas estavam sem respostas, o que acabou por gerar uma situação de ansiedade e insegurança no contexto escolar. É em meio a esse cenário de interrogações que esse ensaio teórico tem como objetivo propor uma reflexão sobre alguns dos impactos da COVID-19 na educação escolar brasileira. A partir de uma proposta metodológica interrogativa, busca indícios, no diálogo com autores como Paulo Freire, Henri Bergson e Viktor Frankl, de sentidos e valores que possam promover a resiliência contribuindo para a reconstrução da vida e (re)invenção da profissão docente e da educação escolar em meio à adversidade dos dias atuais. Palavras-chave: Pandemia. COVID-19. Educação escolar. Ensino a distância. Resiliência. REINVENTING ESCOLAR EDUCATION IN BRAZIL AT TIMES OF COVID-19 ABSTRACT The doors of the school were sudden closed, the suspension of classes wasn’t foreseen in the school planning, it was motivated for an external factor: the COVID-19 pandemic. Educational professional, students and relatives disturbed themselves. The official information’s, not few times, was disconnected. What was happening for real? Without forecast about the return of the regular school MEC propose distance learning, including basic education. But how it would work? This teaching modality would be accessible for every student and every teacher? These classes would be considered in the regular school calendar? These and many other questions without answers brought a situation of anxiety and insecurity in the school context. In the Middle of this scenery of questions, that theoretical essay has as objective to propose a reflection about some COVID-19 impacts in Brazilian school education. Based on an interrogative methodological proposition, searching evidences, in dialogue with authors such as Paulo Freire, Henri Bergson and Viktor Frankl, of feelings and values than could promote resilience contributing for reconstruction of the life and reinvention of the teaching profession and the school education between now a days adversity. (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 238 Keywords: Pandemic. COVID-19. School education. Distance learning. Resilience. (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 239 1 PORTAS FECHADAS Mal começaram as atividades do ano letivo/2020 nas escolas brasileiras e já fomos surpreendidos com a necessidade de interrupção das aulas. A suspensão se deu em função da pandemia da COVID-19. Milhares de professores, professoras e outros profissionais que atuam nas escolas, estudantes e suas famílias começaram a se fazer uma pergunta central: E agora, o que vai acontecer? Desta questão outras surgiram: Como será feita a reposição das aulas? Teremos que trabalhar aos sábados? Os dias foram passando. As respostas a essas perguntas não surgiram. E muitas outras começaram a ganhar a cena. Isso, por que as aulas não voltaram. De forma abrupta, mas natural em uma situação de crise, de alerta mundial, as aulas foram interrompidas. Os professores e professoras não retornaram às escolas para buscar o material que já haviam preparado para aquele início de ano letivo. Os armários ficaram sendo os guardiões de planejamentos e propostas pedagógicas. Ao cabo de mais alguns dias algumas outras notícias começaram a ganhar o cenário: as aulas seriam “dadas”, de forma remota, usando do ensino a distância, também para os estudantes da Educação Básica, dentre eles os alunos e alunas da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Começam as inúmeras “idas e vindas”, “disse-que-não-disse” (infelizmente, corriqueiros no cenário brasileiro atual não apenas na área da educação). Em meio a tudo isso, os menos consultados, ouvidos ou considerados: professores, professoras, estudantes e suas famílias. É em meio a esse cenário de interrogações que esse ensaio propõe como objetivo estabelecer uma reflexão sobre alguns dos impactos da COVID-19 na educação escolar brasileira. A partir de uma proposta metodológica interrogativa, busca problematizar os documentos legais, e, no diálogo com autores como Paulo Freire (1997, 2016), Henri Bergson (1988, 2006, 2009), Viktor Frankl (2008, 2010), busca indícios de sentidos e valores que possam promover a resiliência contribuindo para a reconstrução da vida e (re)invenção da profissão docente e da educação escolar em meio à adversidade dos dias atuais. 2 IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID-19 NA EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA Diante da situação de fechamento das escolas de Educação Básica, os estudantes, crianças e adolescentes, ficaram em casa. Ante a preocupação de não os deixar sem atenção (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 240 escolar o Ministério da Educação (MEC) juntamente com os Conselhos de Educação Nacional e Estaduais propuseram que o atendimento educacional fosse feito de forma remota. O ensino a distância, com o uso de plataformas como a Google Classroom, ou alguma outra específica dos Sistemas de Ensino ou da própria escola, como é o caso de algumas escolas particulares. Ou, ainda, redes sociais como Facebook, Instagram, WhatsApp, dentre outras. Aqui, o que poderia ser uma possibilidade de manter uma comunicação ativa entre a escola e a família, entre os professores, professoras e os estudantes, de acolhimento e atenção nesse momento de distanciamento social, acabou ganhando contornos não muito acolhedores. O uso do ensino a distância tem respaldo na atual LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira), Lei nº 9.394 de 1996) (BRASIL, 1996), em seu Artigo 80, estabelecendo que o “Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”. No que se refere mais especificamente ao Ensino Fundamental, encontramos no Artigo 32, § 4º, que reza que “O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais”. Em relação ao Ensino Médio, o Artigo 36, § 11º diz que “Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento”. Quanto a Educação Infantil, não foi encontrada, na atual LDB, nenhuma referência quanto a possibilidade do ensino a distância. No mês de março(2020) já se fazia presente nas mídias sociais a proposta do governo de oferta do ensino a distância para a Educação Básica, e com ela muitas outras interrogações: Como isso acontecerá? Quais são as orientações? Quem irá fazer? Como as escolas irão se organizar? Os professores e professoras irão planejar aulas para o ensino a distância para crianças? Será para todos os estudantes, mesmo as crianças da Educação Infantil e primeiro segmento do Ensino Fundamental? Aos questionamentos que já vinham se avolumando desde a suspensão das aulas, somaram-se muitos outros. Diante de discursos desencontrados sobre como se daria esse ensino a distância na Educação Básica, muitos profissionais da educação e pais começaram a entender que iria se estabelecer a modalidade de Educação a Distância (EaD). A EaD já é bastante conhecida no Brasil pela oferta, principalmente, de cursos de Graduação e Pós-Graduação Latu Senso. Então, seria essa a (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 241 proposta que o Governo estava fazendo às instituições de ensino para Educação Básica? A resposta a essa questão, como a todas as outras, não estava clara. Fomos em busca de algum entendimento. Em 17 de março de 2020, o MEC publica a Portaria n° 343 (BRASIL, 2020a), que dispõe sobre a possibilidade de substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação da pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Importante atentar para o fato de que essa portaria faz menção apenas a instituições de educação superior integrantes do sistema federal de ensino. Portanto, não há na mesma, referência à Educação Básica. Em relação a esse seguimento, foram encontradas duas Notas de Esclarecimento sobre o assunto. A Nota de Esclarecimento do Conselho Nacional de Educação (CNE) datada de 18 de março de 2020 (BRASIL, 2020b), que, considerando as implicações da pandemia da COVID-19 no fluxo do calendário escolar, dentre elas a necessidade de reorganização das atividades acadêmicas ou de aprendizagem face a suspensão das atividades escolares, como ação preventiva à propagação do vírus, fala sobre a possibilidade da realização de atividades a distância, sendo da competência das autoridades dos Sistemas de Ensino autorizar e organizar as mesmas. A Nota de Esclarecimento e Orientações n° 01/2020, de 26 de março de 2020, do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEE-MG)1 (MINAS GERAIS, 2020) esclarece e orienta sobre a reorganização das atividades escolares do Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais devido a pandemia da COVID-19. Na Nota o CEE-MG (MINAS GERAIS, 2020) orienta e recomenda, para a continuidade das atividades escolares, que as instituições de Educação Básica, vinculadas ao Sistema de Ensino do Estado de Minas Gerais, públicas ou privadas, planejem “atividades voltadas para a aprendizagem” e reorganizem ”seus calendários escolares, nesta situação emergencial, podendo propor, para além da reposição de aulas de forma presencial, formas de realização de atividades escolares não presenciais, adotando regime remoto, via internet, se possível”. Dentre as premissas para reorganização dos calendários escolares, no item IV propõe “computar, nas 800 (oitocentas) horas de atividade escolar obrigatória, as atividades programadas, fora da escola, caso atendam às normas vigentes sobre dia letivo e atividades escolares (Pareceres CEE/MG 1132/1997 e 1 Limitamos nossa reflexão aos documentos referentes ao Estado de Minas Gerais e, mais especificamente, à cidade de Juiz de Fora. (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 242 1158/1998 e Parecer 5/1997 do CNE)”. (MINAS GERAIS, 2020). No que se refere a programação da atividade escolar obrigatória, o subitem V, recomenda o uso de todos os recursos disponíveis, inclusive por “meios remotos diversos”. Os subitens VII e VIII falam mais explicitamente sobre o uso de [...] recursos oferecidos pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação para alunos do Ensino Fundamental [...] considerando quaisquer atividade didática, módulos ou unidades de ensino centrados na autoaprendizagem e com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes de informação que utilizem tecnologias de informação e comunicação remota, bem como o Plano de Estudos Tutorado, a ser regulamentado pela Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais [...]. (MINAS GERAIS, 2020). E, ainda, que poderá ser trabalhado, de forma remota, quaisquer componentes curriculares, “nas escolas que puderem oferecê-lo, observadas as possibilidades de acesso, pelos estudantes e professores”. (MINAS GERAIS, 2020). A Nota esclarece que essas atividades “deverão ser registradas e, eventualmente, comprovadas perante as autoridades competentes, e farão parte do total das 800 (oitocentas) horas de atividade escolar obrigatória”. (MINAS GERAIS, 2020). No item 3, ao falar das medidas concretas para a reorganização do calendário escolar, a Nota, no subitem IV, esclarece que a reorganização dos calendários escolares deve ser realizada de forma a preservar o padrão de qualidade prevista na atual LDB e na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF). No item 4, a Nota ainda recomenda que as escolas orientem “as famílias para que criem um plano de estudos para as crianças que seja adequado à rotina de isolamento por causa do corona vírus”. (MINAS GERAIS, 2020). No mesmo item 4 a Nota atribui responsabilidades aos pais dizendo que é “essencial que os pais ou responsáveis desenvolvam uma lista das possíveis atividades e responsabilidades que as crianças terão, nesse período em casa”. (MINAS GERAIS, 2020). Finalizando o item 4, diz ser “fundamental estudar, mas é importante que a criança brinque, jogue, assista filmes e exerça outras atividades importantes, no seu cotidiano”. (MINAS GERAIS, 2020). No momento de publicação destas duas Notas já havia uma movimentação sem precedentes para que fosse instituído o ensino a distância na Educação Básica, particularmente por parte das instituições particulares. No entanto, uma movimentação permeada por inquietação, angústia e até mesmo certa descrença, isso por não haver nenhuma coordenação geral, quer seja por parte do MEC, ou por parte dos CNE e/ou CEE. (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 243 Uma febricidade se instala, especialmente no âmbito das escolas públicas, já que essas, em sua maioria, apresentam uma realidade em que grande parte de seus estudantes não têm acesso, em casa, a computadores e/ou internet. Em alguns contextos nem mesmo os professores e professoras teriam condições de realizar tal trabalho em suas casas. No caso mais específico do Estado de Minas Gerais, não foi encontrada nenhuma outra forma de organização por parte do Conselho Estadual de Educação ou da Secretaria Estadual de Educação. E, nesse contexto começou uma corrida de “cada um por si”. Escolas particulares, especialmente as que já tinham em suas propostas pedagógicas e rotinas de trabalho com o uso de plataformas digitais, como forma de complementação das atividades dos estudantes, intensificaram seu trabalho. Nestas tanto os profissionais quanto os estudantes e as famílias já tinham alguma familiaridade com a proposta de ensino a distância. Necessárias algumas adaptações e reformulações, mas “a vidasegue”. No entanto, há as outras escolas, os outros profissionais da educação, os outros estudantes da Educação Básica, as outras famílias. Será que para estes também “a coisa” foi apenas uma intensificação de algo que já acontecia ou se trata de algo totalmente novo em se tratando de dinâmica escolar? Ao buscar por regulamentação governamental para essa proposta de ensino a distância na Educação Básica, especialmente na Educação Infantil e Ensino Fundamental, no Estado de Minas Gerais, o que encontramos foram estas Notas de Esclarecimento do CNE e do CEE-MG. Aqui chama a atenção a ausência de uma coordenação por parte do MEC ou mesmo dos Conselhos de Educação, seja Nacional ou Estadual para o momento de crise que também é enfrentado por gestores e docentes no contexto da escola de Educação Básica. Nestas notas (BRASIL, 2020; MINAS GERAIS, 2020) alguns pontos são convites a reflexão, dentre eles: 1 - delegar aos sistemas de ensino autorizar e organizar a oferta de ensino a distância na Educação Básica, mas, até o momento essa organização ainda não existe. Quando acontecerá? 2 - Essas atividades remotas poderem ser computadas na programação da atividade escolar obrigatória. E quanto àqueles estudantes que não tiverem acesso, por motivos diversos, a essas atividades, como isso se dará? 3 - É atribuída, às famílias, a responsabilidade de construir um direcionamento para os estudos dos filhos em casa. No entanto, o que realmente cabe às famílias nesse contexto? Aqui ganha corpo a ideia de que pais e mães precisarão ensinar os filhos em casa, caberia a eles uma função que é da escola? 4 - As instituições escolares têm autonomia para construção de suas propostas (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 244 pedagógicas e o desenvolvimento da mesma, e para que estas atividades do ensino a distância sejam computadas dentro das 800 (oitocentas) horas de atividade escolar obrigatória, serão avaliadas pelos órgãos competes. Quais serão os critérios ou parâmetros de realização dessa avaliação? Nesse momento essa proposta de ensino a distância na Educação Básica tem muito mais perguntas que respostas. Perguntas que nascem de questões que não são de simples resolução. Pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), em 2018, aponta que 33% dos domicílios pesquisados não têm acesso a internet. (CETIC.BR, 2018). Fato que vem sendo reafirmado pela preocupação expressa por professores e professoras que declaram não ter acesso a internet com velocidade adequada ao planejamento e implementação de um ensino a distância; e por famílias que não têm condições, especialmente financeiras, para oferecer a seus filhos computador e internet em casa. Considerar a oferta de educação nessas condições pode acentuar ainda mais as desigualdades sociais. (KNOP, 2017). Consideremos uma outra hipótese, que todos os profissionais e estudantes tivessem acesso a equipamentos e internet em condições adequadas para que o ensino a distância pudesse acontecer. Surge uma outra questão, apontada e explorada por Modelski, Giraffa e Casartelli (2019, p. 14), “o fato de o professor ser usuário de tecnologia não lhe garante a transposição didática”. A transposição didática implica que o professor seja capaz de fazer as transformações necessárias ao processo de ensino e aprendizagem, quer seja dos recursos a serem utilizados, quer seja do próprio saber. (PERRENOUD, 2000). No mesmo sentido, “a transposição didática não é imediata, ou seja, o fato de o docente ser usuário de tecnologias digitais não garante que ele fará uso pedagógico dos seus conhecimentos com seus alunos”. (PERRENOUD, 2000, p. 14). Estes mesmos autores apontam para a necessidade de uma formação docente que possibilite o desenvolvimento de competências como a fluência digital, dando-lhes condições de modificar suas práticas pedagógicas criando alternativas de uso, em nível didático, destes recursos. Não basta que se tenha os recursos tecnológicos, é imprescindível saber fazer uso dos mesmos como apoio ao estudo e a aprendizagem. Talvez seja esse mais um grande desafio do momento atual. Pesquisa realizada por Teles et al (2018) aponta que a quantidade de disciplinas encontradas em cursos de licenciatura que relacionam docência e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) ainda não têm considerado os saberes tecnológicos na (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 245 formação docente. Quando estas existem, são, em sua grande maioria disciplinas optativas e não obrigatórias. Os autores sinalizam para a necessidade de uma formação docente que “mobilize os licenciandos a visualizarem e vivenciarem a conexão entre essas duas áreas do saber”. (TELES, et al, 2018, p. 64). Mais uma vez a realidade bate à nossa porta: o fato de os estudantes dos cursos de licenciatura serem, em sua grande maioria nativos digitais não é garantia de que sejam capazes de fazer a transposição didática destes recursos para suas práticas pedagógicas. É fato que nem todos os professores e professoras tiveram formação ou alguma experiência anterior com ensino a distância, ou, com uso de tecnologias digitais como recurso didático, como o farão agora, em meio à tensão própria do momento em que vivemos? Como reinventar a própria profissão em meio a uma crise? Como lidar com a angústia que envolve esse momento diante do não saber fazer, do desconhecido? Mais uma vez a incerteza nos lembrando que não temos controle sobre o acontecer da vida. Na legislação nacional o ensino a distância pode e deve existir na Educação Básica, mas como complemento e não substituição à intervenção pedagógica presencial dos professores. Será que é esse entendimento de complemento ou uso em situação emergencial (Art. 32, § 4º da LDB 9394/1996) (BRASIL, 1996) que os envolvidos estão tendo? Ou será que está sendo construído um entendimento desse ensino a distância, em uma situação emergencial, como sendo a modalidade de Educação a Distância (EAD) já existente em cursos no Ensino Superior? Que entendimentos e sentidos estão sendo construídos na relação com essa possibilidade de ensino a distância? Em relação à Educação Infantil, no dia 7 de abril de 2020 foi publicada uma Nota de Esclarecimento do Conselho Municipal de Educação de Juiz de Fora – MG, em seu item 2 fala da “impossibilidade da modalidade de educação a distância para a Educação Infantil, face às especificidades da faixa etária atendida nessa etapa da Educação Básica”. (JUIZ DE FORA (MG), 2020). Nosso pensamento e entendimento é de que esse ensino a distância deveria se constituir em uma oportunidade de manter uma comunicação ativa entre escola e família, entre professores, professoras e estudantes, de forma a criar uma rede de proteção e acolhimento nesse momento de crise que afeta a todos nós, indistintamente. Mas será que é isso que está acontecendo? (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 246 Esse questionamento se faz pertinente, pois o que temos visto, lido e ouvido nas redes sociais são professores e professoras inquietos, angustiados, estressados e até mesmo desesperançados por não saber o que fazer, como fazer, quando fazer e até mesmo o porquê fazer. Em proporção não menor pais e mães, dos estudantes que já estão com atividades do ensino a distância emcasa, desabafarem sobre as dificuldades de acompanhar os filhos nas inúmeras e intermináveis atividades enviadas pelas escolas como parte das atividades escolares obrigatórias. Lembrando, ainda, os próprios estudantes, crianças e adolescentes, que por mais que gostem de ir à escola, não têm feito com alegria as atividades impostas em suas casas. Há discursos que afirmam que as famílias estão, de certa forma, vivendo, agora, em casa, um pouco da dinâmica diária dos professores e professoras em sala de aula. Aqui vemos pelo menos duas possiblidades: uma primeira, valorização destes profissionais; e outra, que seria intensificar ainda mais a relação estressora com a escola. Será que as pessoas estão realmente se dando conta da importância da instituição escolar na formação das crianças, adolescentes e jovens ou estamos criando mais uma ilusão no contexto da crise? Será que após esse momento haverá uma valorização e reconhecimento da importância do espaço-tempo escolar ou a escola continuará sendo apenas um local onde os pais “depositam” seus filhos por algumas horas diárias? Será que conseguiremos construir o tão desejado trabalho compartilhado entre escola e famílias? Se a comunicação, a relação, o diálogo da escola com a família, em muitas situações, já era difícil com o contato presencial direto, será que será facilitada mediada pelas tecnologias/espaços virtuais? Se havia a reclamação das famílias de que não eram ouvidas/acolhidas pelas escolas no contato presencial, será que isso será facilitado, nos espaços virtuais? Como construir um movimento de comunicação com as famílias em meio a essa crise, uma vez que essa não existia? Será que a pandemia será motivo suficiente para nossa sensibilização enquanto seres humanos nos oportunizando “baixar a guarda”, desistir da “busca por culpados”, e, finalmente, nos reconhecer naquilo que nos enriquece, nossas diferenças? Será que, havendo essa sensibilização, seremos capazes de estabelecer uma cultura da paz no contexto da educação escolar? Será que a pandemia, nos colocando diante da finitude da vida, nos possibilitará encontrar outros sentidos na/da vida? Nesse contexto, conseguiremos encontrar outros sentidos, de reconhecimento, valorização e cooperação com a educação escolar? O sentimento de solidariedade espontânea irá realmente se (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 247 consolidar ou isso é apenas efeitos em um cenário de crise? Como seremos depois de viver tudo isso? Não poderia ser diferente, o momento que vivemos suscita muito mais interrogações, dúvidas, incertezas que certezas e, qualquer tentativa de responder, nesse momento, essas questões poderiam não passar de mera especulação. 3 EM MEIO AO CAOS LIBERDADE E RESPONSABILIDADE SE IMPLICAM Podemos falar do futuro, mas conscientes de que não passa de especulação e/ou manifestação do nosso desejo de que algo aconteça ou não. Isso porque, falar do que estamos vivendo agora é falar de algo ainda desconhecido. Toda experiência só pode ser avaliada quando já é passado. No entanto, a partir do que estamos vivendo agora, das escolhas que estamos fazendo, podemos criar esperanças e estratégias de resiliência que nos possibilitem viver o momento atual com melhor qualidade de vida e saúde emocional, o que, com certeza, irá reverberar no futuro. Como a educação escolar pode agir, hoje, em relação a esse futuro incerto? Com certeza, se não podemos preestabelecer, ou predeterminar o futuro, é um equívoco pensar em preparar um estudante para ele. Como preparar para enfrentar/viver algo que não sabemos o que é, ou como será? Nesse sentido, corroboramos com Bergson (2006) quando nos diz que a melhor contribuição que a educação pode oferecer ao futuro é ser capaz de oportunizar aos estudantes desenvolver sua liberdade, iniciativa e criatividade. “O ato criador surge de uma situação de liberdade; educar é fomentar a libertação, fomentar a liberdade, de modo que o homem se engaje em atos com toda a sua alma. Educar é levar o homem a se expor na sua ação, a criar, através da ação.” (TREVISAN, 1995, p. 9). Uma pergunta que é sempre pertinente, mas, especialmente nesse momento é: educar para quê? O que desejamos com esse ensino a distância? O que está em jogo é a preocupação com o conteúdo escolar? Com a perda ou não do ano letivo? Ou criar uma possibilidade de se fazer presente, de cuidado e acolhimento? De criar sentidos saudáveis para o distanciamento social e encontrar sentidos em tudo isso, para a continuidade da vida, apesar das adversidades? Quais são os objetivos do Estado quando propõe o ensino a distância? Qual o nosso objetivo quando colocamos em ação esse ensino a distância? Ter clareza desse objetivo, mais do que nunca é fundamental. E, ainda, ter consciência que, (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 248 especialmente nesse momento, esse objetivo é pessoal, subjetivo, íntimo. Aqui a tomada de consciência (FREIRE, 2016) sobre nossas ações educativas se fazem mister. Educar para quê? Fazer esse ensino a distância proposto pelo governo para quê? Que valores estão fundamentando essa prática? Que conteúdos deve ter esse ensino em um momento em que uma pandemia nos coloca cara a cara com a finitude da vida? E, ainda que nos fosse imposto, como obrigatoriedade, o foco nos conteúdos escolares, ainda cabe à nossa liberdade de escolha o como iremos mediar essa relação com os estudantes e suas famílias. A liberdade de escolha se implica de forma indissociável à responsabilidade: o que temos oferecido de nosso em todo esse processo? Liberdade com responsabilidade, certamente, é a coragem de sermos nós mesmos, de colocar em cena nossos valores, de sairmos da condição de passividade e (re)inventar uma educação possível em tempos de pandemia. Será possível ser livre e possibilitar tal liberdade aos estudantes? Para Bergson (1988) a liberdade não é algo predeterminado em cada um de nós e nem determinado externamente, por isso não é algo que pode ser dado por uma pessoa à outra. Para esse filósofo, liberdade não é a ação simples de escolher entre dois possíveis, mas sim uma criação. Assim, somos livres quando nos permitimos criar. Em nosso contexto atual, poderíamos pensar em criar formas outras de viver e nos relacionar, criar novos sentidos para tudo o que nos vem acontecendo. Na mesma perspectiva, liberdade não é algo estável, é movimento, duração. Por isso, liberdade é, também, fazer escolha diante das mudanças. Fazer escolhas não poucas vezes revela nossas próprias hesitações, mas, também com elas desenvolvemos e evoluímos. Nesse processo, chegamos ao ato verdadeiramente livre, a (re)criação de nós mesmos. Em cada experiência, em cada uma das situações que enfrentamos as adversidades da vida, acrescentamos algo novo ao que em nós já existia. Em um processo de ressignificação, reorganização, readaptação criamos novos estados de consciência que não se explicam pelos que o precederam, pois que é único. Não se trata aqui de uma justaposição de experiências, mas sim de uma nova experiência, enriquecida por todas as anteriores, mas diversa, nunca antes vivida. Quem nunca viveu situações adversas no cotidiano escolar que levante a mão! Quem nunca foi surpreendido por uma política e/ou determinação dos “órgãos superiores”, que levante a mão! Então, a situação em si, em que a escola e seus profissionais são colocados ante a uma situação desconhecida, sem orientação ou coordenação segura por (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelenada Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 249 parte destes mesmos órgãos, não é novidade. Mas viver uma pandemia nas proporções da COVID-19, isso sim é novidade. Ter que reinventar a própria profissão em meio à tensão dessa crise, é novidade. No entanto, os princípios de liberdade de escolha e responsabilidade permanecem. Independente das determinações ou não dos órgãos governamentais, a liberdade de escolha é algo que não pode ser tirada de nenhum ser humano. Para Bergson (1988), muito do que nos impede de agir livremente é o fato de, não raras vezes, vivermos aprisionados em um exercício superficial do eu, não exercemos o ato livre em sua plenitude. Isso, a nosso ver faz parte do movimento pelo qual nos inserimos na vida social. Optamos por permanecer em ações reflexas, repetindo comportamento já socialmente consolidados, no entanto, o fazemos de forma autômata, caindo no que Frankl (2008) denomina de totalitarismo, que é quando a pessoa faz o que desejam que ela faça, independentemente de sua vontade ou entendimento do que está sendo feito. Ou, assumindo uma postura conformista (FRANKL, 2008), ou seja, fazendo o que as outras pessoas estão fazendo, simplesmente pelo motivo de elas estarem fazendo e não por um entendimento da situação. Tanto na situação do totalitarismo quanto do conformismo, o que temos são profissionais autômatos, agindo em uma ausência de consciência da própria prática. Um convite para pensar liberdade, responsabilidade, (re)invenção da profissão docente em tempos tão adversos nos chega em diálogo com o pensamento de Sayegh (1998) quando diz que: [...] vive-se uma época de acomodação mental, em que recebe-se informações prontas, métodos de estudo dirigido repetitivos, devido aos quais os espíritos amoldam-se na passividade de simples combinações de idéias prontas. Não se aprende a pensar por si mesmo, mas vive-se a superficialidade da soma de concepções adquiridas; eis já o início de preconceito a que a sociedade nos conduz. A verdadeira liberdade está no poder de criação. Não podemos nos preocupar apenas em resolver uma questão dada, pois buscar a solução é uma operação aplicada a termos estáticos. Descobrir? Sim, mas a descoberta consiste ainda em colocar aquilo que já existia virtual ou atualmente. Porém, inventar, criar é suscitar engendrando-se na realidade dinâmica do espírito. É criar a si mesmo, inserindo-se na articulação natural da realidade do espírito, somente assim encontraremos a liberdade, ou seja, este poder de decisão semi divino, de criação, de atualização do verdadeiro. (SAYEGH, 1998, p. 46-47). (Re)inventar a profissão docente em tempos de adversidade não é nada fácil, (re)inventar a nós mesmos e nossos modos de vida em situação de distanciamento social, também não é nada fácil, mas sim, é possível. (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 250 O convite para nos (re)inventarmos enquanto professores e professoras não é novidade. Ele já vem sendo feito há tempos. Talvez com outros nomes, mas sua natureza de (re)invenção permanece. É o convite que nos vem sendo feito por Nóvoa (1999) e por Schön (1997), para que sejamos professores reflexivos, ou seja, profissionais capazes de pensar, analisar e questionar a própria prática com a finalidade de agir e aprimorá-la construindo uma atuação autônoma, possibilitando, também aos estudantes, a construção da autonomia, tão importante em tempos de crise em que a tomada de decisão é um imperativo. É também o convite feito por Becker e Marques (2010), para que sejamos professores-pesquisadores, cuja principal característica é contextualizar o que ensina por força de uma atividade investigadora e reflexiva da própria prática, considerando tanto a própria condição quanto a do estudante em termos cognitivos, sociais, econômicos e tecnológicos. Ou ainda, o convite que nos é feita na Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1997) e conseguirmos, apesar de tudo manter (ou quiçá, construir) a esperança. Já estaremos agindo nesse processo de (re)invenção. Sem negar o desespero que não poucas vezes nos assalta. Sem negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer suas razões históricas, econômicas e sociais. Mas, acreditando, como o fez Paulo Freire (2016) na esperança e no sonho como estratégias de luta. Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola ilusão. [...] O que é essencial [...], é que ela, enquanto necessidade ontológica, precisa de ancorar-se na prática. Enquanto necessidade ontológica, a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. (FREIRE, 2016, p. 15) Continua o educador que, sem esperança, não podemos nem mesmo começar o embate. Talvez seja isso, exercer nossa liberdade de escolha, assumir a responsabilidade por nossos atos, sustentados pela esperança de que em tudo há aprendizado. Conjugar o verbo “esperançar” certamente é esse primeiro conteúdo a ser trabalho no ensino a distância em tempos de pandemia. (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 251 4 A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES FINAIS: RESILIÊNCIA COMO MECANISMO DE (RE)INVENÇÃO DA EDUCAÇÃO A vida é “uma frase única, iniciada já no primeiro despertar da consciência, frase cheia de vírgulas, mas em parte alguma interrompida por pontos.” (BERGSON, 2009, p. 56). É entendendo a vida como essa continuidade que é duração, que caminhamos para uma finalização dessa reflexão. No entanto, ainda há algo de suma importância a trazer, trata-se da pergunta não mais de “como será depois?” ou “quando isso irá acabar?”, mas sim, do “como viver tudo isso?”. Ao refletir sobre o “como viver tudo isso” uma palavra que não pode deixar de ser trazida ao diálogo é a palavra resiliência. Não entendemos resiliência como uma simples adaptação à situação que supostamente está posta. Entendemos resiliência como um “processo interativo entre o sujeito e o meio, sobretudo ao ser vista como uma alteração individual em respostas aos mecanismos mediadores de risco.” (FRANCISCO; COIMBRA, 2015, p. 68). Ainda, nesta mesma perspectiva, entende-se a resiliência como um processo dinâmico e flexível, que se modifica de acordo com as circunstâncias, uma construção que se dá nas relações interpessoais e que “transita do plano interpsíquico para o intrapsíquico. Ou seja, ao se dirigir para o interior. Potencializa tanto os recursos próprios do indivíduo, já consolidados, quanto sua atitude para recorrer àqueles de sua comunidade, os quais podem não estar sob seu alcance.” (FRANCISCO; COIMBRA, 2015, p. 65). Sem resiliência sucumbiremos. Ainda que não morramos vítimas do coronavírus ou qualquer outra situação (sim, uma vez que as outras causas de morte continuam a existir), passar tudo isso sem resiliência pode nos levar a estados de sofrimento emocional que pode gerar uma morte em vida. Estamos denominando de morte a uma vida que se encontra sem um sentido. É possível que não apenas em um, mas em vários momentos desta caminhada, sejamos surpreendidos por um cansaço existencial, como bem nos alertou Paulo Freire (2016) quando também esteve em uma situação de adversidade e que sofreu o exílio do próprio país. Mas, assim como Freire,não podemos abrir mão da esperança, da fé e da crença no ser humano. Estas virtudes, juntamente com a certeza de que não há permanência, que a própria vida é mudança, seremos capazes de encontrar outros sentidos na vida e para a vida (FRANKL, 2008), independente do que venha a acontecer. Segundo (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 252 Frankl (2010, p. 170) “[..] A razão de ser em nossa vida pode ser encontrada independentemente da situação do ambiente em que nos encontramos [...]”, basta que para isso possamos destacar os motivos que temos para continuar: os objetivos a alcançar, as construções por fazer, os amores a viver. Especialmente, enquanto professores e professoras, cabe a nós, mais que a qualquer outro, acreditar em práticas pedagógicas capazes de dar sentidos e significados ao momento presente, à educação não presencial, às interações mediadas pelas mídias digitais, a um aprendizado de outro modo. A essa capacidade de ressurgir, renascer e encontrar sentidos para e em cada experiência chamamos resiliência. Assim, torna-se fundamental construirmos mecanismos de resiliência, para que possamos, com a liberdade e responsabilidade que nos caracteriza enquanto seres humanos reconstruir a vida e (re)inventar a educação escolar a cada dia. REFERÊNCIAS BECKER, F.; MARQUES, T.B.I. (org.) Ser professor é ser pesquisador. Porto Alegre: Mediação, 2010. BERGSON, H. O Pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BERGSON, H. A energia espiritual. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. BERGSON, H. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Lisboa: Edições 70, 1988. BRASIL. 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O Conselho Nacional de Educação (CNE), considerando as implicações da pandemia da COVID-19 no fluxo do calendário escolar, tanto na educação básica quanto na educação superior, vem a público elucidar aos sistemas e às redes de ensino, de todos os níveis, etapas e modalidades, que porventura tenham necessidade de reorganizar as atividades acadêmicas ou de aprendizagem em face da suspensão das atividades escolares por conta de ações preventivas à propagação da COVID-19. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 18 de março de 2020b. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376 (RE)INVENTAR EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Sandrelena da Silva Monteiro EM TEMPOS DA COVID-19 Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 237- 254 | jul./out. 2020. 253 https://abmes.org.br/arquivos/documentos/CNE%20%20Nota%20de%20Esclarecimento%20 (1).pdf. Acesso em: 13 abr. 2020. CETIC.BR. TIC Domicílios 2018. 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Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 255 AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORES DO NÍVEL SUPERIOR SOBRE AS AULAS REMOTAS André Machado Barbosa Mestre em Desenvolvimento local pelo Centro Universitário Augusto da Motta (UNISUAM), RJ, Brasil Professor da Universidade Estácio de Sá (UNESA) Professor da Faculdade Internacional Signorelli, RJ, Brasil andre.mb.adm@gmail.com Marco Antônio Serra Viegas Especialista em Educação e Inclusão pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), RJ, Brasil Professor da Rede Municipal de Mesquita, RJ, Brasil srmarcoviegas@gmail.com Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Mestre em Desenvolvimento localpelo Centro Universitário Augusto da Motta (UNISUAM), RJ, Brasil Professora da Universidade Estácio de Sá (UNESA) reginafelicio01@gmail.com RESUMO Este estudo buscou analisar e apresentar os dados obtidos através de pesquisa por meio do método quali-quantitativo, os impactos identificados e relatados pelos profissionais de educação do ensino superior, do município do Rio de Janeiro e Região Metropolitana, mediante isolamento social, sobre suas experiências do novo modelo de aula proposto pelas instituições, denominado como aula remota. As IES foram fechadas por determinação Ministério da Educação e Cultura (MEC) através da portaria nº 343 de 17 de março de 2020, e autoriza a substituição das aulas presenciais nas instituições de ensino do país, por aulas que favoreçam os meios e as tecnologias de informação e comunicação. Neste contexto, esta pesquisa volta-se a dar vozes aos educadores, na tentativa de compreender a visão deles sobre as dimensões do acesso ao ensino e às condições oferecidas pelas instituições, com a pretensão de obter respostas as implicações descritas no objetivo geral e específicos desse trabalho. Desse modo, apresentamos em relatos e discussões, a tabulação dos dados obtidos, utilizando a estatística descritiva das respostas para apresentá-las aos leitores. Nos utilizamos de gráficos, com fins a aprimorar e demonstrar a amplitude da pesquisa. E, por fim, nas considerações finais, além de relatar a ampla análise do estudo, deixamos reflexões para futuras pesquisas, a respeito da concussão da COVID-19 no âmbito educacional e cultural. Palavras-chave: Capacitação. COVID- 19. Ensino Híbrido. Aprendizagem. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 256 PRESENTIAL LESSONS IN PANDEMIC TIMES: RELATIONSHIPS OF EXPERIENCES OF HIGHER LEVEL TEACHERS ON REMOTE LESSONS ABSTRACT This study sought to analyze and present the data obtained through research using the qualitative and quantitative method, the impacts identified and reported by higher education professionals in the city of Rio de Janeiro and the Metropolitan Region, through social isolation, about their experiences of the new class model proposed by the institutions, called remote class. The HEIs were closed by determination of the Ministry of Education and Culture (MEC) through Ordinance No. 343 of March 17, 2020, and authorizes the substitution of face-to-face classes at educational institutions in the country, with classes that favor the means and technologies of education. Information and communication. In this context, this research, returns to give voices to educators, in an attempt to understand their view on the dimensions of access to teaching and the conditions offered by the institutions, with the intention of obtaining answers to the implications described in the general objective and specific to that work. Thus, in reports and discussions, we present the tabulation of the data obtained, using the descriptive statistics of the responses to present them to the readers. We use graphics to improve and demonstrate the scope of the research. And finally, in the final remarks, in addition to reporting the broad analysis of the study, we leave reflections for future research, regarding the concussion of COVID-19 in the educational and cultural scope. Keywords: Training. COVID- 19. Hybrid Teaching. Learning. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 257 1 INTRODUÇÃO A pandemia do COVID-19, nos remete à reflexão do quanto é importante a relação interpessoal, pois a falta de contato físico, por muitos, pode ser considerada um impedimento para expressar sentimentos e uma comunicação assertiva. No entanto, em um mundo em que a tecnologia é a ferramenta que tanto ansiamos e necessitamos para a solução de problemas, seja de ordem profissional, sentimental e/ou familiar, esta, torna-se a única aliada. E a privação dessa liberdade, na maioria da sociedade poderá despertar a necessidade de se relacionar fisicamente, um com os outros, ou não, mas talvez apontar uma nova cultura mundial. Como vivemos na sociedade do conhecimento, os holofotes estão voltados não só à saúde para a cura dos já infectados pelo vírus, mas, também, pela democratização do acesso ao ensino. Na preocupação de ser um fator essencial para ajudar na contínua e necessária busca do aprendizado, buscou-se formas de continuar o processo de ensino/aprendizagem. Assim, emerge o ensino híbrido1 (BACICH; TANZI NETO; TREVISANI, 2015, p. 13) como ferramenta, através das metodologias ativas, a propor um instrumento tecnológico antes por muitas organizações utilizados, apenas para reuniões no formato de vídeo conferência, o modelo conceituado de aula on-line ou remota2. (ALMEIDA, 2003, p. 332). Dentro desta perspectiva futurista, ainda não vivenciada no Brasil, o governo se depara com essa problemática, e busca soluções por meio de normatizações a possibilitar as instituições de ensino ofertar aulas aos estudantes do país. Claro, principalmente, as privadas, tendo em vista a quebra de contrato na relação de consumo, caso deixem de ofertar, aos alunos, o ensino. Assim, o modelo de aula remota, seguindo tendências similares à implantação já praticada do ensino à distância, mas sobre o aspecto de ser online, ou seja, aulas ao vivo em tempo real, passam a ser utilizadas em caráter emergencial. Em virtude dos fatos relatados, houve a necessidade de normatização, a qual foi realizada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) através da portaria nº 343 de 17 de março de 2020, para permitir a substituição das aulas presenciais nas instituições de ensino do país, por aulas que favoreçam os meios e as tecnologias de informação e comunicação. 1 Ensino híbrido é uma abordagem pedagógica que combina atividades presenciais e atividades realizadas por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs). 2 Educação on-line é uma modalidade de educação a distância realizada via internet, cuja comunicação ocorre de forma sincrônicas ou assincrônicas. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 258 Segundo o MEC, a intenção é de não ser prejudicial ao andamento dos cursos. A portaria, inicialmente, vale por 30 dias, com possível prorrogação face às orientações dos Órgãos competentes como: Ministério da Saúde e as demais secretarias de saúde estaduais e municipais. Nesse contexto, esta pesquisa volta-se a dar vozes aos educadores, na tentativa de compreender a visão destes sobre as dimensões do acesso ao ensino e às condições oferecidas pelas instituições. Ouvi-los sobre o necessário processo de capacitação para utilizarem essa ferramenta tecnológica, como buscar saber sobre suas experiências mediante a aplicabilidade do novo modelo de aula. Tendo em vista, que a qualificação do trabalho do professor e a relação ensino – aprendizagem já vinha sendo desenvolvida por muitas instituições de ensino, mas não nesse aspecto. Logo, na compreensão que as políticas públicas de educação são direitos preservados na Constituição Federal, em uma perspectiva na qual o direito compreende o acesso e a garantia da qualidade do ensino, se faz necessáriocapacitar os protagonistas dessa importante relação ensino-aprendizagem, independente da modalidade a que for disponibilizada. Contudo, a não capacitação e/ou instrumentação destes profissionais, pode tornar a portaria nº 343 um divisor de águas nas políticas educacionais, assim instituindo um sistema que altera a oferta da Educação na modalidade presencial em atendimento às necessidades dos conteúdos aplicados. Dadas as dimensões sem precedentes, esta pandemia tende a provocar inúmeras transformações positivas, ou não, na vida dos envolvidos nessa nova forma de lecionar. Portanto, a proposta é ouvir esse importante profissional no intuito de obter informações que se transformem em conhecimento científico, a fim de contribuir para construção de uma sociedade igualitária e perene. Como, também, através destes dados coletados, embasar discussões não meramente de caráter técnico e operacional, mas também a saber e considerar os aspectos físicos e emocionais. Até porque, estes profissionais estão atravessando, em meio a essa pandemia, uma abrupta mudança no seu modelo adaptável de ensino e vida. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 259 2 OBJETIVO GERAL Este trabalho tem como objetivo central ouvir e tabular as respostas dos profissionais de educação do ensino superior sobre suas experiências com o novo modelo de aula proposto pelas instituições de ensino. 3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Obter informações sobre o seu processo de capacitação para utilizar a ferramenta proposta. Identificar a percepção do impacto do uso destas ferramentas tecnológicas disponibilizadas pelas organizações educacionais, se cumprem o objetivo proposto. Analisar se houve transtornos que impactassem sua vida pessoal, como alterações psicossomáticas. Verificar sobre a satisfação do profissional sobre o novo modelo de aula. 4 METODOLOGIA Este trabalho tem como objetivo central ouvir e tabular as respostas dos profissionais de educação do ensino superior sobre suas experiências no novo modelo de aula proposto pelas instituições de ensino, bem como obter informações sobre o seu processo de capacitação para utilizar as ferramentas propostas. E, ainda, identificar a percepção do impacto do uso destas ferramentas tecnológicas disponibilizadas pelas organizações educacionais e se cumprem o objetivo proposto e, também, analisar se houve transtornos que impactassem sua vida pessoal, como alterações psicossomáticas e, por fim, verificar sobre a satisfação do profissional sobre o novo modelo de aula. A metodologia desta pesquisa inicia-se por levantamentos de dados coletados a partir de referencial teórico, em literatura específica, e consultas a artigos científicos, selecionados por meio de busca em banco de dados do Scielo, Emerald Insight e Periódicos Capes. No segundo momento, realizar a coleta de informações dos protagonistas do objetivo geral apresentado, visto ser a melhor forma de averiguar, é perguntar para alguém que está utilizando o modelo de aula proposto pelas organizações. Assim como considerou- se a questão de o estudo envolver um fator social inédito, por tais motivos ouvir esses AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 260 indivíduos, por meio de questionários estruturados que foram processados em caráter exploratório, o que foi considerado imprescindível. Em um terceiro momento, tabular os dados obtidos no estudo qualitativo e quantitativo, utilizando a estatística descritiva das respostas e apresentá-las, por meio de gráficos no campo, resultados e discussões deste artigo. Para tal método, determina-se a identificação de falhas, erros, vantagens, tendências e interesses, ou não, do público alvo, abrangendo uma faixa delimitada apenas dos profissionais da região sudeste do país, como amostra, os docentes de ensino superior do estado do Rio de Janeiro, sendo mais específico, a sua capital e região metropolitana, que lecionam nas instituições públicas/privadas. 5 REFERENCIAL TEÓRICO 5.1 Capacitação Em um mundo onde a tecnologia está atrelada a praticamente todas as profissões, possuir conhecimentos relativos às ciências tecnológicas, no exercício profissional de educador tem se tornado essencial. Mas ainda há muitos questionamentos por parte de professores que demonstram ter limitações com ferramentas tecnológicas. No momento em que os processos educativos sofrem grandes mudanças, como neste, vem à tona ainda mais essas indagações quanto a inabilidade das ferramentas tecnológicas. A dar sentido à discussão, Minozzo, Cunha e Spindola (2016, p. 2) contribuem ao informar quanto a utilização de metodologias diferenciadas do convencional, levando o professor a perceber que o processo de ensino e aprendizagem também sofre alterações. Por isso, a necessária capacitação. Pois ao sair da sala de aula física para a virtual, sem ser o habitual e milenar uso dos métodos tradicionais de ensino, se faz necessárias adaptações não instantâneas. Sendo assim, recorremos a Tardif (2002, p. 175) pois destaca sobre rejeitar a ideia de que, para ensinar, precisamos apenas conhecer o conteúdo específico da disciplina, ou seja, da sua área de formação. Deste modo, na visão do autor, tal conhecimento é necessário, mas não o suficiente, e não garante a competência dos professores, fazendo jus, a necessária capacitação destes profissionais para o novo ambiente de ensino. Dentro deste aspecto, buscamos em Alves (2018, p. 27) evidenciar ainda mais a respeito do assunto: AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 261 Analisando esse contexto, pode imaginar um grande desafio para os docentes atuais em participarem de um processo de mudança tão grande, no qual de um lado, uma grande parcela dos alunos nasce e cresce em contato constante com o meio digital, através de seus tablets e smartphones por exemplo, e do outro lado, docentes que já se atentavam com suas diversas atividades, agora tendo que repensar novas possibilidades mediante a conjuntura das novas tecnologias. E não falamos apenas do esforço em conhecer o uso de um novo dispositivo, ou ambiente virtual, aplicativo etc., mas, sim, pensarmos em como colocar isso em prática e de maneira com que o processo de ensino aprendizagem alcance seus objetivos. (ALVES, 2018, p. 27). Nas instituições de ensino superior privadas, esta mudança deu-se quase imediatamente ao surgimento da pandemia, sob as orientações de isolamento social e decretos de fechamento dos espaços educacionais. Levando pesquisadores a debruçarem-se sobre a ótica de compreender os impactos da abrupta mudança na relação ensino- aprendizado na percepção dos protagonistas do fato, ‘os professores’. A justificativa das instituições de ensino é a lógica de continuidade da prestação de serviço ao aluno, regido por contrato, como também o calendário letivo. Mas será ser possível fazer uma alteração imediata de um habitual modelo educacional sem uma correta capacitação de profissionais, e não causar impactos negativos? Esta incógnita, também é uma questão a se encontrar respostas conforme um dos objetivos específicos deste estudo. O Censo da Educação Superior de 2018 (INSTITUTO NACIONAL DEESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2019) no Brasil informa que são 384.474 professores atuando na rede público/privada. Sendo que a média de idade está entre 40 a 50 anos, ou seja, fazem parte da Geração X que teve de aprender a lidar com a tecnologia após a década de 1980, segundo Moraes (2011, p. 20). Mas diante da transformação instantânea, mesmos os que possuem habilidades, necessitam ser capacitados para atuarem com as novas ferramentas utilizadas, a fim de não comprometer o nível de excelência no método de ensino/aprendizado. Maxwell (2016, p. 55) destaca “Capacitar é semelhante a treinar”. Como na questão abordada a respeito da necessária habilidade dos professores com as novas ferramentas, concerne nesta pesquisa a ação de treinar e, por isso, buscou-se a visão de Chiavenato (1999, p. 55) ao destacar que: “Treinamento é o processo educacional de curto prazo aplicado de maneira sistemática e organizada, através do qual as pessoas aprendem conhecimentos, atitudes e habilidades em função de objetivos definidos”. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 262 De modo a atender às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde (MS), já destacada, as equipes pedagógicas, assim como os alunos, necessitaram de capacitações para o uso de plataformas digitais em substituição às aulas presenciais. Visto que Moraes (2011, p. 34) corrobora ao informar sobre treinar, ser um recurso essencial para o desempenho profissional, pois permite aprendizado amplo, desenvolvimento de habilidades e promove exponencialmente a diminuição de erros, como também amplia a capacidade de realizar múltiplas tarefas. Ainda que seja momentânea a utilização das ferramentas propostas pelas instituições de ensino, as estimativas diante das experiências em outras regiões do mundo demonstram que o prazo se estenda, até porque, no Brasil, segundo Croda et al. (2020, p. 2) a doença mostrou um aumento no número de casos em 31 de março, com 5.933 casos notificados e 206 óbitos registrados no Brasil. Nos levando a acreditar que este prazo da quarentena se estenda, o que cabe o entendimento da capacitação ter por objetivo o bom desempenho dos colaboradores na execução das ferramentas propostas pelas instituições de ensino superior. Desta forma, buscamos em Camilo, Gomes e Fortim (2018, p. 60) porque destaca sobre a observação da homogeneidade em relação aos gaps3 e às necessidades apresentadas pelos treinados, que devem ser, na medida do possível, observadas. No presente momento, esses profissionais estão a vivenciar novas experiências das suas atividades laborais, com um pouco mais de complexidade. Visto que requer operações mentais mais completas para excelência da prestação de serviço. Sendo assim, tanto professores como alunos podem, de certa forma, identificar e/ou apresentar algumas dificuldades em todo o processo. Até porque, diante de tantas metodologias fundamentais para esse processo de aprendizado, são necessários muitos dispositivos habilitados, como equipamentos que suportem as instalações, e conexões da web, visando também a segurança de dados e informações, logo, se faz necessário entender melhor o estudo do ensino híbrido, para compreender a importância da capacitação. 3 Gap: Segundo dicionário eletrônico Houaiss da língua versão 3.0, significa quebra de continuidade, descompasso ou disparidade entre coisas. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 263 5.2 Ensino Híbrido As expressões da atualidade são: ensino híbrido, metodologias ativas e ensino remoto para aprendizagem. Deste modo, momento oportuno para aplicar esses métodos em busca de melhoria da dinamização das aulas e quem sabe melhorar as práticas utilizadas no ensino tradicional. Dentro desta perspectiva, Moran (2015) contribuiu ao destacar: Híbrido significa misturado, mesclado, blended. A educação sempre foi misturada, híbrida, sempre combinou vários espaços, tempos, atividades, metodologias, públicos. Esse processo, agora, com mobilidade e conectividade, é muito mais perceptível, amplo e profundo: é um ecossistema mais aberto e criativo. (MORAN, 2015, p. 27). Na busca por compreender o conceito de aulas remotas, a pesquisa bibliográfica se conduziu à definição da expressão ensino híbrido. Sendo assim, recorremos aos estudos da Associação Brasileira de Educação à Distância – ABED (2019) no qual encontrou-se em um Clipping (TOMELIN; BARROS, 2020) sobre o tema, o entendimento como um propósito de mudança significativa para caminhos pedagógicos. Bem como de uma organização didática para ensino aprendizado, reunindo o melhor dos dois mundos, ou seja, o presencial e a distância. Logo, mediante a necessidade do isolamento social, essa metodologia torna-se eficiente a considerar urgência na continuidade do processo educacional. Importante destacar que com o método de Ensino a Distância (EAD) se diferencia do ensino híbrido em toda sua contextualização. Nesta lógica, ter a real noção entre o que significam esses métodos, recorreu-se ao Portal do Ministério da Educação que define ensino a distância, como sendo a modalidade educacional na qual alunos e professores estão separados, física ou temporalmente e, por isso, faz-se necessária a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação. (BRASIL, 2020). Contudo, novas formas de transmitir o conhecimento e os conteúdos são ofertados nas diversas plataformas digitais online, na qual as aulas acontecem de forma remota através do modelo síncrono (em tempo real) ou assíncrono (não é em tempo real), pois há recursos que funcionam também como o modelo EAD, que é o da gravação e disponibilização da aula, caso o aluno, naquele momento, não possa assistir. Cabendo destacar, que o recurso de gravar e disponibilizar o material, não se refere a tornar o método similar ao EAD, e sim, o de tentar potencializar a ferramenta. Até porque, a visão deste recurso, é o de proporcionar não só o acesso dos alunos que não AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 264 acompanharam a aula de forma remota, mas também destes alunos poderem revisar a explicação do professor (a), e esclarecer possíveis dúvidas. Estas abordagens alternam diferentes etapas na aprendizagem e ao professor (a) desenvolver outras possibilidades de apresentar os conteúdos e provocar nos alunos a assimilação do conhecimento. Neste contexto, Rodrigues (2015, p. 124) destaca sobre no modelo de ensino híbrido, a tecnologia viabilizar novos e distintos métodos de avaliação, como recursos diversos, sistemas de cooperação ou de registro individual de resultados, formas variadas de entrega e apresentação do conteúdo programático. Tais ferramentas digitais como: Teams da Microsoft, ZOOM, Hangouts, Duo, entre outras, são softwares de teleconferência, antes muito utilizados para reuniões coorporativas. Neste momento, viabilizam esse processo educacional remoto, trazendo além da conexão, a percepção do quanto o mundo tecnológico tem a contribuir em todo método de ensino aprendizado, ao qual Fantin (2011, p. 28) ressalta sobre importância das tecnologiasdigitais para a sociedade, abrindo espaço para a reflexão sobre o papel que as mídias têm desempenhado na contemporaneidade, e na formação dos sujeitos, em destaque aqui, para os estudantes, futuros profissionais. Nesse aspecto, Filatro e Cavalcante (2019) contribuem na percepção de: Estudantes e profissionais deixam o papel passivo e de meros receptores de informação, que lhes foi atribuído por tantos séculos na educação tradicional, para assumir um papel ativo e de protagonistas da própria aprendizagem...como selecionamos a perspectiva mais adequada para a aplicação de metodologias ativas no contexto educacional em que atuamos? A resposta é o nível de autonomia que os estudantes possuem para aprender. (FILATRO; CAVALCANTI, 2019, p. 18-19). Contudo, dado aos fatos já dispostos, considerando o necessário processo de capacitação, a destreza do profissional com a ferramenta tecnológica, para o novo modelo apresentado, relaciona a pesquisa para abordagem dos impactos da práxis na relação ensino/aprendizado. 5.3 Aprendizagem A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre durante toda a vida do sujeito, e se organiza de várias formas e como muitos teóricos da educação destacam em inúmeros conceitos. Podemos citar alguns, dentre eles Vigotsky (1989), ‘a aprendizagem passa por um AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 265 processo de internalização de conceitos’, Skinner (1972) ‘o sujeito aprende quando produz modificações no ambiente’; Piaget (1996) ‘aprendizagem se dá por assimilação’, Freire (1997) ‘aprendizagem se dá na realidade dos sujeitos, aprendem com suas vivências’. A ação de ensinar contempla uma compreensão que alcança mais que o espaço físico, o de conhecimento do professor (a), e das atividades realizadas pelos alunos (as). No entanto, todos os envolvidos nesse processo, docentes, discentes, e as instituições de ensino, deparam-se em contextos globais que interferem na relação. No caso deste estudo, a nova metodologia proposta para continuidade da aprendizagem se sobressai. Replicar conteúdos, experiências e/ou práticas a alguém contempla visões diversificadas, seja de mundo, ou planejamento de ações. O trabalho destinado ao docente como instrumento de qualidade nesta relação, requer um planejamento e comprometimento do profissional de educação. Consoante a este contexto, Mattar (2017, p. 16) no prefácio assinado pelo professor Doutor Alvino Moser4, ao explicar sobre a diferença das metodologias tradicionais e ativas em meio à ação do ensino/aprendizado, destaca: [...] Nas tradicionais, o professor concentrava a prerrogativa de dispor os conteúdos aos alunos: textos, vídeos, filmes e outros meios. Nas metodologias ativas, é o aluno que procura o conteúdo, seja em livros, seja em materiais digitais disponíveis na internet [...] (MATTAR, 2017, p. 16). As propostas em debate no atual momento são de educação à distância, aulas remotas, plataformas de ensino entre outras e são muitas que vem a mobilizar as instituições de ensino em todas as instâncias, mas principalmente as instituições de ensino superior. Suas propostas metodológicas de interação do professor com o aluno, nomeadas de chats, fóruns, salas de tarefas e uma infinidade de ferramentas disponíveis na qual os envolvidos não dominam sua utilização, o que nos traz ao embate se somos seres tecnológicos, porém, não dominamos tais tecnologias e suas metodologias. Desse modo, recorremos a Munhoz, nos trazendo a reflexões, quando cita: As mudanças exigidas no perfil de um novo profissional são presentes e deixam muitos professores insones na procura de como ensinar em um mundo com tantas mudanças. Elas não param de acontecer a uma velocidade de que não permite que o acompanhamento seja generalista. (MUNHOZ, 2018, p. 34). No entanto, estamos enfrentando mudanças em nossos hábitos mais comuns, que têm causado muitas discussões e divergências quanto ao isolamento social e a 4 Professor do Programa de Mestrado em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional Uninter. AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 266 impossibilidade de frequentar espaços de socialização, como é o do ensino/aprendizagem. Por conseguinte, Vera, Zúñiga e Bernal (2013, p. 1) contribui ao destacar o fato de a virtualização da educação estar tomando atualmente um interesse geral importante, dada a dinâmica social e didática educacional que representam a este respeito uma consequência positiva da evolução tecnológica. No que concerne à maneira pela qual, de forma eficaz, as instituições de ensino buscaram alternativas para continuar a assistir os discentes, sem comprometer a qualidade do ensino. A experiência de aprendizagem neste modelo remoto envolve as instituições de ensino, equipes pedagógicas, docentes e discentes, todos vivenciando algo novo e de forma repentina. Recorremos a Franco (2015, p. 603) pois, neste sentido, considera que as relações entre professor, aluno, currículo e escola são relações que impõem uma convivência, tensional e contraditória, entre o sujeito que aprende e o professor que se organiza e prepara as condições para ensinar. Umas das particularidades a serem atenuadas sobre esse aspecto, é justamente a importância do docente dentro desse cenário, ou seja, a sua percepção diante do processo de ser e/ou sentir-se capacitado para essa moderna ferramenta na sua prática profissional. Todavia, é uma novidade que entra de maneira imposta como a solução de todos os problemas da educação na realidade mundial. Novas metodologias são trazidas a público, especialistas trazem seus métodos revolucionários para a resolução de problemas, mas esquecem do foco, o aluno e sua relação com o conhecimento. Entretanto, Santos (2015, p. 103) nos traz um contraponto ao informar sobre os alunos e o uso das tecnologias: Os alunos do século XXI, das chamadas geração Y ou Z, aprendem por muitos canais de informação, utilizam várias ferramentas que dinamizam o aprendizado e querem poder instrumentalizar seu ensino com a tecnologia que já utilizam para se comunicar e relacionar com seus amigos. É uma geração que não só ouve, mas fala, critica e constrói. (SANTOS, 2015, p. 103). Em razão da demanda que emerge da sociedade, novas práticas têm sido bem- vindas, a considerar o relatório da OCDE5 (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2010) que sugere ainda repensar em novas e melhores práticas de ensino, destaca Mattar (2017) no prefácio do seu livro. No qual, também, informa sobre o mesmo relatório indicar, sobre o século XX, que o conceito de aprendizagem ter tido 5 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em inglês, Organisation for Economic Co- operation and Development (OECD). AULAS PRESENCIAIS EM TEMPOS DE PANDEMIA:... André Machado Barbosa Marco Antônio Serra Viegas Regina Lucia Napolitano Felício Felix Batista Rev. Augustus | ISSN: 1981-1896 | Rio de Janeiro | v.25 | n. 51 | p. 255-280 | jul./out. 2020. 267 desenvolvimentos importantes, sendo, na atualidade, a concepção de socioconstrutivismo a mais dominante. Nesse contexto, os protagonistas desta relação ensino aprendizado “docentes” deparam-se com esse turbilhão de demandas a serem atendidas, como: a capacitação
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