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Fichamento - O Contrato Social (Capítulo a capítulo)

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Anotações para O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau
Livro I
Capítulo I
Objeto deste primeiro livro
O autor anuncia o propósito do livro: buscar os fundamentos legítimos da organização social. Em relação ao poder político, Rousseau concede que o exercício do poder de uns sobre outros está baseada no direito, mas adianta que tais direitos são convencionais, e não naturais.
Capítulo II
Das primeiras sociedades
Rousseau toma a família como a única sociedade natural e extrai desse exemplo analogias úteis no entendimento da sociedade política. Os vínculos afetivos que unem pais e filhos são obra de convenções porque, nascidos livres e iguais, os filhos só se prendem aos pais enquanto são jovens demais para se conservarem e para discernir racionalmente entre bem e mal. Finda essa relação de necessidade, os pais estão desobrigados de amparar seus filhos e estes estão também eximidos do dever de obediência. Assim, a família esboçada por Rousseau não se sustenta por afetos permanentes como amor, respeito e obediência; ela só subsiste naturalmente enquanto os filhos dependem dos pais para sobreviver.
A lei primeira do homem é sua própria conservação. Quando alcança a idade da razão, portanto, o homem está habilitado para escolher com autonomia seus próprios caminhos. Note-se que Rousseau acrescenta um condicionante à situação do homem nascido livre e igual a todos os demais: a razão. Somente a razão possibilita ao homem atingir sua autonomia, portanto. Um homem destituído de razão não poderá conservar-se? Um homem insano obriga sua família a cuidar dele por toda a sua vida? É, portanto, não-livre naturalmente?
Nas sociedades políticas, em relação análoga à família, o chefe subordina um povo e todos, naturalmente livres e iguais, consentem em alienar sua liberdade em proveito próprio. Aqui, Rousseau caracteriza pela primeira vez a sociedade política como produto de um contrato firmado entre todos os homens reunidos: todos concordam em renunciar a sua liberdade e a sua igualdade naturais para que todos se beneficiem de uma sociedade harmoniosa e orgânica. Mais tarde, porém, ele apontará por que a sociedade política precisa ser reformulada por meio de um novo contrato que corrija suas imperfeições.
Nos próximos parágrafos, Rousseau atacará o pensamento de Hugo Grócio e Thomas Hobbes. Segundo eles, o governante é soberano e está destinado ao domínio absoluto sobre os súditos. Rousseau se voltará contra a raiz da tradição absolutista, onde ocorre a deificação dos homens que detêm o poder político e a consequente legitimação da obediência devida pelos homens comuns ao soberano. Aqui a essência igualitária do pensamento rousseauniano ganha forma.
Em franca oposição a Aristóteles, Rousseau afirma que não existem escravos em natureza. O autor destaca que os partidários da escravidão natural confundem a origem do status de escravo. Os homens nascem livres e iguais entre todos, e, se acontece de ser sujeitados ao domínio de outros homens, não se revelam naturalmente escravos – a escravidão é obra contingencial, um produto das convenções humanas. Se os escravos reconhecerem a si mesmos como escravos por natureza, então foram ensinados a acreditar na fatalidade de sua condição e a amar seus grilhões. Note-se a antevisão do pensamento marxista, no qual os proletários são levados a ignorar ou apreciar a opressão que sofrem pelos burgueses. A superestrutura inocula o veneno da ideologia burguesa na mentalidade proletária e a convence que as coisas são como são. Por meio da crença na ideologia de seus opressores, portanto, o proletário aprende a venerar seus senhores e a apreciar sua servidão.
No último parágrafo, Rousseau parece satirizar as doutrinas do direito divino dos reis. Segundo Robert Filmer, por exemplo, os monarcas europeus são descendentes diretos de Adão, a quem Deus concedeu o domínio sobre a terra e os direitos de sua exploração. Em outra passagem do capítulo seguinte, Rousseau dirá que os tiranos podem ser removidos do poder, apesar de lá terem sido colocados por vontade divina; pela mesma razão por que os médicos tratam de doenças surgidas não sem o arbítrio supremo de Deus.
Capítulo III
Do direito do mais forte
Rousseau desmonta o direito do mais forte ao demonstrar que a força não acompanha o direito, pois o direito é composto de moralidade e a força é um poder físico que dispensa toda moral. Além disso, se a força cria o direito, então não há direito constante e, por conseguinte, não pode haver justiça. Não há legitimidade, portanto, no poder político exercido somente pela força, seja ela a disposição de meios coercitivos ou simplesmente uma ameaça constante de agressão. Segue-se que o poder político legítimo, segundo Rousseau, antecede eventuais recursos à força e ao aparelho coercitivo do Estado. Para o autor, direito é um conceito moral fundado na razão – segundo nota do livro.
Capítulo IV
Da escravidão
O autor usa a escravidão para traçar analogias entre a submissão de escravos ao senhor e a sujeição de súditos ao rei. Tendo por pressupostos que a força não produz direito e que não há autoridade natural de homem nenhum sobre seus semelhantes, e que toda ordem social é pura convenção e contingência, Rousseau recusa a tese de que um povo poderia dar-se ao monarca como em doação ou acordo bilateral. Se o povo não pode exigir tudo do governante que colocou no poder, e se o poder político reside inteiramente nas mãos de um só para atingir a todos os demais, então a sujeição política se aproxima da escravidão em muitos aspectos. Mais uma vez, o autor se opõe com veemência às bases das doutrinas do absolutismo, pois enquanto Bodin e Hobbes entendem a soberania como atributo do Estado, entendido como entidade centralizadora da vida política e não como o conjunto organizado dos cidadãos, Rousseau radica a soberania no povo. Assim, o homem posicionado na governança dispõe de um poder político emprestado pelo Estado e pode ser destituído do cargo conforme não se ajuste às vontades do povo.
Em seguida, Rousseau rejeita as ideias da escravidão contraída em função de guerras. Segundo esse pensamento, os vencidos poderiam ser escravizados pelos vencedores para manterem a vida e servirem justamente a seus senhores. Esse raciocínio se baseia no estado de guerra evocado por Locke, entre outros autores. Dois homens em estado de guerra podem concluir que a escravização é uma saída proveitosa para poupar a vida do vencido e beneficiar o vencedor. Rousseau ataca as bases dessa modalidade de escravidão quando rejeita a existência do estado de guerra entre os homens, afirmando que as relações de guerra e conflito se dão entre Estados e não entre homens isoladamente. Assim, homens não podem alienar sua liberdade natural em troca de sua sobrevivência em função de conflitos travados entre Estados, entre soldados ou defensores de Estados, e não entre homens. Note-se a guinada estratégica operada por Rousseau quando dispensa o estado de guerra e ressalta a ação de Estados na guerra: de uma só feita, ele atinge as bases do contrato lockeano e resgata um jusnaturalismo que compreende os homens em sentido estritamente individual, ao separar a essência humana das ações empreendidas pelo Estado por mãos humanas. Por fim, Rousseau recusa todo direito de guerra com base na máxima segundo a qual a força não produz nenhum direito, e a guerra é, por definição, uma relação de forças em colisão mútua. A escravidão, encerrando o capítulo, é ilegítima por não se basear em nenhum direito.
Capítulo V
De como é sempre preciso remontar a uma convenção anterior
Neste brevíssimo capítulo, Rousseau aponta que é necessário haver povo antes de haver rei. A afirmação traz consigo a base dos postulados rousseaunianos: o liame social transforma os indivíduos isolados em componentes do mesmo corpo político que partilham do mesmo bem público e compartilham entre si a soberania. Ainda que exista um império constituído sobre um amontoado de escravos – isto é, súditos desvinculados entre si e igualmente submetidos ao despotismo –, e exista um imperadore uma coroa, nada disso resistirá se não houver um povo que constitua um corpo político e testemunhe da legitimidade do monarca. Aqui podemos ver cristalino o comunitarismo que caracteriza o corpo político rousseauniano: só um povo que se reconheça como povo pode dar significado ao Estado, nunca um monarca ou magistrado isoladamente.
Capítulo VI
Do pacto social
Em princípio, as sociedades se formam quando os homens necessitam unir forças para vencer obstáculos à sua própria conservação. Podemos imaginar um povo se agregando para fugir ao inverno rigoroso do norte europeu, outro se formando a partir de caçadores-coletores buscando regiões férteis e úmidas etc. Um problema se levanta: como fundar uma associação para o benefício coletivo sem comprometer a liberdade e a conservação própria de cada associado? Rousseau adverte que a cláusula principal do contrato social é a alienação total dos direitos de cada associado à comunidade inteira, pelo que todos se dão em igual medida ao conjunto do corpo político. Além disso, se restassem direitos individuais haveria conflitos entre o que quer o indivíduo e o que ordena a vontade coletiva. Ou seja, para evitar a sublevação do indivíduo sobre a comunidade, o caminho óbvio é a eliminação da individualidade de cada um. Quando são absorvidos pelo pacto social, os indivíduos são dissolvidos e só existem cidadãos. A mudança terminológica indica que não é possível compreender o sujeito fora da esfera pública, porque só se é reconhecível como membro do Estado e não tomado isoladamente. O fim último do contrato social é, portanto, tornar todos fiadores do bem de todos, de modo que todos sejam igualmente responsáveis pelo zelo da liberdade de todos por meio do exercício da soberania que pertence a todos.
No vocabulário rousseauniano, a pessoa pública que se forma pela união das forças de todos os homens recebe o nome de república, corpo político, e é chamado pelos seus membros de Estado, quando passivo; soberano, quando ativo. Isso significa que o Estado é entendido como o ajuntamento político de homens e que o poder soberano desse corpo político se faz presente em deliberações públicas, ações e medidas gestadas no interior da sociedade. Os partícipes do Estado se chamam coletivamente povo; cidadão, individualmente conforme já vimos mais acima; súditos, quando submetidos às leis do Estado.
Capítulo VII
Do soberano
Neste capítulo, Rousseau reafirma o que fica subentendido no capítulo anterior: o pacto social inclui compromissos recíprocos entre o público e o particular. Toda deliberação oriunda do soberano requer a participação ativa dos particulares que compõem o corpo político, pela mesma razão por que o movimento do corpo humano envolve necessariamente a participação de músculos, ossos, nervos e outros órgãos que atuam em conjunto para promover o corpo inteiro. Isso significa que, em relação ao soberano todo súdito está obrigado a participar, pois essa ação implica a defesa dos interesses coletivos e, logicamente, os interesses pessoais de cada um. Rousseau alerta, porém, que as vontades pessoais não podem vir na contramão da vontade geral e soberana. Portanto, se algum particular violar o compromisso tácito envolvido no pacto social, e vier a recusar a vontade geral ou mesmo a estimular dissensões ou conspirações contra o soberano, ele deverá ser punido. A soberania popular de Rousseau é bipartida em autoridade e sujeição, com a peculiaridade de que ambos são levados a efeito pelo povo: a vontade geral guia a autoridade a que está sujeita a comunidade dos súditos.
Capítulo VIII
Do estado civil
O autor entende o estado civil como a transição entre um estado de selvageria e barbárie e um estado civilizado de ordem e moral. Em estado natural, os homens são absolutamente livres e não estão sujeitos a nenhum obstáculo moral para a satisfação de seus desejos e apetites. Porém, como um trem não pode mover-se senão limitado aos trilhos, do contrário caindo em destruição, também o homem não pode subsistir fora dos limites da moral e das leis. Nesse sentido, vemos que Rousseau enxerga a civilização como a realização máxima dos homens em sociedade e como evolução positiva da humanidade. Logo, o autor anuncia que irá distinguir posse de propriedade no próximo capítulo. Antes de encerrar, porém, Rousseau diz que o estado civil possibilita ao homem atingir a liberdade moral que substitui a escravidão dos apetites vigente no estado de natureza. Podemos antever nessa afirmação a moral durkheimiana, que mantém os indivíduos conformados à sociedade e permite ao corpo social orientar-se com coesão interna. Também em Rousseau a moralidade parece inatingível pelo homem em estado de natureza, apartado de outros homens, isolado e embrutecido.
Capítulo IX
Do domínio real
No momento mesmo em que firmam o contrato, os homens unem todas as suas forças, inclusive seus bens. Pelo contrato, o soberano tem poder sobre todas as posses de todos os súditos sem, no entanto, privá-los da fruição de seus bens. Os bens de cada um passam ao domínio do Estado na medida em que são protegidos pela união da força comum e em que também podem ser desapropriadas pelo soberano, conforme as circunstâncias. Além disso, somente um ato positivo do Estado garante a propriedade de seus súditos, o que garante a segurança jurídica dos bens. Pode-se fazer um paralelo com os estados modernos em que a propriedade privada de todo cidadão está sujeita à administração pública e pode ser desapropriada ou demolida pela mesma autoridade que, por outro lado, a garante legalmente diante de usurpadores e ladrões. É claro que no pensamento rousseauniano nós devemos imaginar um usufruto comunitário dos bens pessoais que não se compara ao uso a que estamos acostumados em nossos dias. Sobre a garantia dos bens pela autoridade do Estado, convém salientar que o direito e a convenção criam uma igualdade inexistente na natureza, de modo que, se a maior ou menor força de cada homem rendesse a cada um posses equivalentes ao que pode obter por força, aconteceria de muitos terem menos que o necessário para sobreviver por ter menos força que o necessário. Assim, quando o Estado chancela judicialmente a propriedade de seus súditos, ainda que tenha poder sobre ela em última instância, ele equivale artificialmente homens naturalmente diversos que iriam adquirir posses em medida diversa – enquanto se considere uma medida fixa que é o mínimo necessário para sobreviver. Está posta, assim, a base do estado de bem-estar social.
Livro II
Capítulo I
A soberania é inalienável
O Estado só pode ser guiado pela vontade geral acessível somente pelo soberano. Somente o bem-comum interessa ao soberano e somente com base nele o poder político é exercido, de modo que a soberania é inalienável na medida em que não se transfere a particulares ou a chefes isolados do corpo político. A soberania reside no povo reunido (soberano); o povo, composto de cidadãos com interesses diversos; contudo existe algo de comum em todos os interesses. É por meio do que há de comum nos interesses particulares que se conhece a vontade geral. Portanto, se a soberania é tão somente o exercício da vontade geral, está claro que somente o povo possui a soberania.
No primeiro parágrafo, Rousseau afirma que é impossível não haver pontos comuns entre os interesses particulares, e, se não houvesse, nenhuma sociedade seria possível. Diz que, por meio do conflito de interesses particulares fundou-se a sociedade – por meio do acordo entre esses mesmos interesses. Ou seja, o autor radica a manutenção da ordem social nas próprias forças do homem e assim faz eco ao humanismo iluminista de seu tempo. A autossuficiência dos homens em conjunto se opõe – em princípio – a soluções metafísicas propostas pela teologia medieval e a doutrinas políticas de centralização do estado nas mãos do monarca.
Capítulo II
A soberania é indivisível
Ao contrário da tese da tripartição dos poderes de Montesquieu, Rousseau não vê a divisão administrativa e funcional da máquina do Estado como um ato de divisão da soberania.Se a soberania está acima dos agentes públicos e das instâncias decisórias, isso significa que existe uma autoridade superior a juízes, magistrados, governantes e comissários; uma autoridade que não está fracionada em vários níveis; a soberania transpassa, absoluta e implacável, todos os órgãos do Estado. Em outras palavras, a divisão do poder em executivo e legislativo tem para o autor uma função pragmática de facilitar a execução das decisões públicas, e não o propósito de equilibrar o poder ou diluir a soberania em quantidades inofensivas. Portanto, a soberania não se divide e é a autoridade soberana que autoriza ou desautoriza ações isoladas no interior da máquina do Estado. 
Nesse ponto, Rousseau combina com os teóricos absolutistas, Bodin e Hobbes. Com a clara diferença de onde reside a soberania, Rousseau concorda que a autoridade soberana não se esmigalha em pequenas instâncias decisórias: ela é absoluta e indivisível. Contudo, os teóricos do absolutismo atribuem a soberania ao Estado e ao Soberano, entendidos de modo diverso da filosofia política de Rousseau. Em Bodin, o estado é dotado de soberania absoluta e perpétua, enquanto o governante tem prerrogativas exclusivas provindas da soberania; em Hobbes, a soberania é absoluta e indivisível e se encontra toda nas mãos do governante, que, instituído por contrato, tem autoridade total sobre seus súditos. Para Rousseau, porém, o Estado é sim dotado de soberania; mas se orienta única e exclusivamente pela vontade geral, razão pela qual nesse ponto está o limite de aproximação entre Rousseau e o absolutismo.
Capítulo III
Se pode errar a vontade geral
Neste capítulo, Rousseau parece defender-se dos que o acusam de atribuir à confusão das massas um entendimento são e lúcido demais. Pergunta-se se poder errar a vontade geral, e Rousseau mais uma vez reafirma a autossuficiência dos homens reunidos em povo. Quando se reúnem para deliberar sobre a vida pública, as vontades particulares se aglutinam e se ajustam mutuamente para formar a vontade geral. Quando, porém, os homens são influenciados por facções no interior da sociedade política, então as vontades deixam de ser gerais em relação ao Estado e passam a ser particulares em relação ao soberano, e gerais em relação à facção. Quanto maior a influência dessas facções, menos puro será o voto de cada cidadão.
Pode-se dizer que um sistema partidário de representação política é uma dupla blasfêmia para Rousseau: primeiro, a soberania não se representa por ninguém, ela é exercida diretamente pelo soberano; depois, a competição entre partidos pelo poder político só estimula a dissensão e a desunião da sociedade. Por outro lado, o sufocamento das divergências por meio da fabricação de uma opinião majoritária e dominante pelo Estado pode ser visto como um fruto totalitário desse capítulo.
Capítulo IV
Dos limites do poder soberano
Rousseau esclarece os direitos e os deveres dos súditos em relação ao soberano, o que envolve questões como a extensão dos direitos do soberano sobre a vida de cada súdito ou a licitude de quem se furta às obrigações sobre a vida pública. Em relação aos compromissos firmados entre os homens na instituição do contrato social, o autor afirma que as obrigações só o são por serem mútuas e que nenhum homem colabora pelo bem-comum sem pensar de imediato no que pode obter pessoalmente de vantagens pelo bem de todos. Estaria aqui o fundamento egoísta do coletivismo pregado por Rousseau? Se sim, é mais prova de que o autor não pretende reformar a natureza humana já corrompida.
Um limite para o poder soberano está em contendas travadas entre particulares que não tenham antecedentes na jurisprudência ou convenções gerais já estabelecidas pela vontade geral. Se dois contendores são dois particulares em relação ao Estado, o soberano não pode agir senão particularmente – o que seria contrário à natureza do corpo político. Como diz Rousseau, “a vontade geral não pode pronunciar-se sobre objeto particular ou fato”. Se não há utilidade pública na contenda, então não há nada de interesse comum que habilite a vontade geral a se pronunciar a respeito. Aqui temos uma divisão interessante entre o público e o privado, no sentido de que o primeiro não tem sempre prevalência sobre o segundo – como é costume pensar em relação ao comunitarismo rousseauniano.
No parágrafo seguinte, Rousseau reafirma que o pacto social institui uma igualdade tal entre os homens que funda direitos e deveres equitativos para todos. Não é possível, portanto, que um particular ou um grupo de particulares seja momentaneamente excluído do corpo político para ser violado em seus bens ou em sua liberdade, pois isso constitui rompimento do contrato no momento em que as forças públicas são usadas contra particulares. O arbítrio é condenado ainda que chancelado por autoridades públicas, portanto.
Como o poder soberano não pode ultrapassar seus próprios limites, como uma força centrífuga que não pode aproximar-se do centro, pois suas ações são sempre orientadas pela igualdade entre os homens e pela equidade de direitos e deveres entre os súditos, não há espaço para tiranias ou autoritarismo no Estado rousseauniano. Além disso, pela reciprocidade entre os súditos e o soberano, ninguém deve ser ingrato e considerar que é inútil pertencer ao corpo político ou que talvez fosse igualmente proveitoso permanecer em estado de natureza.
Capítulo V
Do direito de vida e de morte
Neste capítulo, o autor aborda até que ponto é lícito ao soberano tirar a vida de um particular e por que razões se devem evocar a pena capital. Primeiramente, Rousseau discute se é lícito ao soberano exigir a morte de algum súdito. Em referência à reciprocidade inerente ao pacto social, todo súdito está obrigado a consentir em morrer pelo Estado, caso assim seja solicitado pelo soberano. O raciocínio é bastante simples: se todos se arriscam mutuamente para garantir a vida de cada um, então cada um deve se arriscar particularmente para garantir a vida de todos. Nesse sentido, se o Estado é fiador da segurança e da paz em que vivem todos os súditos, o soberano pode exigir que um ou mais súditos percam suas vidas pela mesma razão por que um presente pode ser tomado de volta por quem presenteou.
Também pelas cláusulas do contrato social, um criminoso que atente contra a vida pública se torna passível de condenação à morte. O mesmo raciocínio se aplica neste caso: se o súdito gozou de segurança até o momento em que decidiu assassinar seu semelhante, logo ele deve aceitar a pena capital pela mesma razão por que viveu até então confortável e seguramente. Nesse caso particular, o poder de julgamento é delegado pelo soberano a seus juízes. Como se vê, o direito de vida e de morte está subordinado às cláusulas de reciprocidade do contrato social: só é lícito matar um criminoso que rompa o pacto e agrida seus concidadãos.
Capítulo VI
Da lei
Se o pacto institui a sociedade política, as leis garantem a ela vontade e movimento. Rousseau adverte que toda justiça provém de Deus, mas o homem só pode acessar a justiça por meio da razão, visto que Deus não veio à terra e a cada república em particular entregar a seus chefes leis específicas. Para garantirem direitos e deveres, as leis têm de ser recíprocas. Então, o autor define lei como a vontade estatuída pelo povo sobre si mesmo: um ato da vontade geral que fixe os direitos e os deveres dos súditos e do soberano em geral. Ora, o objeto do poder legislativo é sempre geral. Isso significa que a lei jamais terá alcance sobre um particular ou sobre um grupo de particulares. Toda vontade expressa do soberano em relação a matérias particulares se chama decreto, no máximo, e nunca lei; é um ato de magistratura, não soberania.
Segundo o pensamento de Rousseau, somente as leis conferem legitimidade ao Estado. Toda lei é produto da vontade geral, manifesta na faculdade legislativa do soberano; assim, todo governo republicano é legítimo na medida em que estatui leis que orientam seu próprio funcionamento e ordenam a felicidade geral. O autor encerrao capítulo ensinando que as leis são as condições do pacto social: cabe aos associados, simultaneamente, a instituição e o cumprimento das leis. Se o poder legislativo é tão importante e requer um prolongado processo de deliberação pública, é natural que a sociedade se sinta desorientada para gerir a si mesma. Pode, enfim, faltar luzes ao entendimento do povo e é nesse momento que surge a figura do legislador.
Capítulo VII
Do legislador
O cargo de legislador é certamente dos mais singulares no Contrato Social. Rousseau diz que um legislador deve estar apto para conduzir as vontades particulares rumo ao bem-comum, sem envolver-se em paixões que o desviem do seu dever. Um legislador funciona, nos estados recém-formados, como a lâmpada na escuridão da ignorância do povo. Como já advertira o próprio autor, o povo quer sempre o bem, mas nem sempre sabe por que caminhos seguir. Contudo, as leis redigidas pelo legislador precisam ser sancionadas pela vontade geral por meio de consulta ao povo. Parece-nos que o legislador tem a função de esclarecer um povo que deverá receber as leis que saírem de sua lavra. Surge o problema de como o legislador poderá exercer influência sobre o povo de modo a exortá-lo no esclarecimento.
Para exercer autoridade sem diminuir a autoridade do povo, o legislador deve saber portar-se com reverência e influência sobre o soberano – a massa leiga. Com esse fim, o legislador deve investir-se de autoridade religiosa, como sugere Rousseau. Aqui se entrevê a importância da religião civil, abordada mais detalhadamente no quarto livro da obra.
Capítulo VIII
Do povo
Rousseau interpreta o povo como um substantivo próprio, como um bloco heterogêneo e coeso de pessoas dotadas todas de qualidades similares. Por entender o povo dessa maneira, não nos estranha que o autor se refira aos povos em escalas evolutivas e temporais como as fases da vida humana: infância, juventude, maturidade etc. O povo é para Rousseau a pedra fundamental da sociedade política, o que significa que para cada povo existe uma formação política específica, como as peças de um carro são feitas conforme as estradas ou como os alicerces de uma casa são postos em solo seguro.
Usando termos como “incorrigíveis”, “aptos”, “tolos”, o autor se refere ao povo como um homem a ser domesticado e disciplinado segundo regras específicas que dizem respeito a sua compleição peculiar. Um povo ibérico deve ser encarado de maneira diferente de um povo nórdico, por exemplo. Embora esse entendimento possa ser encarado como antecipação das noções de alteridade que surgirão com a antropologia moderna, pode-se pensar se essa forma de catalogação dos povos não seja simplista e reducionista ao limite quando pretende entender as dinâmicas sociais no interior de cada povo. É evidente que Rousseau não poderia pensar como um sociólogo e buscar entender cada povo conforme suas próprias dinâmicas, mas, nesse caso, Montesquieu soube analisar com mais distanciamento e perícia a heterogeneidade sócio-cultural de cada povo. Rousseau parece compreender os povos, enfim, como personas coletivas que oferecem um quadro psicológico e político tão claro como um paciente no divã do analista.
Capítulos IX-X
Continuação
Durante todo o capítulo nono, Rousseau se dedica a distribuir exortações sobre o tamanho do Estado, administrativa e geograficamente. Toma claramente o exemplo do Império Romano como exemplo a não ser jamais seguido: administração gigantesca e extensão geográfica com a convivência caótica de povos diversificados culturalmente. No capítulo seguinte, o autor nos adverte que é preciso haver equilíbrio entre a capacidade de produção de alimentos pelo território e a quantidade de homens a ser alimentados. Parece um rol de considerações pré-malthusianas.
Capítulo XI
Dos vários sistemas de legislação
Aqui Rousseau estabelece dois objetivos gerais que devem acompanhar toda instituição: a igualdade e a liberdade. Segundo o autor, a igualdade não é nunca aquela uniformidade de graus de poder ou riqueza na sociedade, mas tão somente uma situação de equilíbrio que evite a total miséria e a absoluta opulência. A liberdade civil deve ser preservada a todo custo, o que importa em garantir os bens e a vida de todos os súditos. Por outro lado, Rousseau entende que cada sociedade deve orientar-se segundo suas próprias peculiaridades e que há legislações distintas para povos distintos. Além disso, o autor ressalta que as leis devem desempenhar a função de garantir as relações naturais no interior de cada sociedade. Isso significa que a legislação deve se esforçar por preservar as características definidoras de cada comunidade. Uma lei que proíba o fumo não pode passar num país com maioria fumante, pra ficar num exemplo tosco.
Capítulo XII
Divisão das leis
Há quatro tipos de lei a ser consideradas. Chamam-se leis políticas as que regulamentam as relações entre o soberano e o Estado, ou como diria Rousseau, o todo com o todo. Por leis civis se entendem as formas de regulamentar as relações entre os súditos em relação ao soberano, ou a relação entre cada particular e a pólis. As leis que dispõem sobre penalidades destinadas aos que violarem as leis estabelecidas são as leis criminais. Rousseau chama a atenção para outro tipo de lei que não passa diretamente pela pena do legislador: usos e costumes e a opinião. Aqui são considerados os hábitos de um povo e o conjunto de ideias que formam sua mentalidade. Séculos mais tarde, a dimensão ideológica da ordem social importaria fundamentalmente para o comunismo soviético e outros desdobramentos do marxismo.

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