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91 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Unidade III 7 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 7.1 Violência de gênero 7.1.1 Aspectos conceituais A palavra violência vem do latim violentia, que significa caráter violento ou bravio. A violência é composta de vis, que em latim significa força e sugere a ideia de vigor, potência, impulso. Também traz a ideia de excesso e de destemor. Então, mais do que uma simples força, a violência pode ser conceituada como o próprio abuso da força. Desse modo, pode ser entendida como o ato de brutalidade, constrangimento, abuso, proibição, desrespeito, discriminação, imposição, invasão, ofensa e agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém, caracterizando relações que se baseiam na ofensa e na intimidação pelo medo e pelo terror (RITT; CAGLIARI; COSTA, [s.d.]). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso de força física ou do poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou que possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação (OMS, 1996b). A violência afeta a vida de milhões de pessoas no mundo: em torno de meio milhão são assassinadas a cada ano. Além das mortes, milhões de crianças, mulheres e homens sofrem em função da violência nas casas, nas escolas e nas comunidades. Essa violência contribui para problemas de saúde ao longo da vida, sobretudo entre as mulheres e as crianças. Geralmente, os problemas como o consumo inadequado de bebidas alcoólicas e de drogas, a depressão, o suicídio, a evasão escolar, o desemprego e as recorrentes dificuldades de relacionamento interpessoal ocorrem como consequência da violência. As mortes representam apenas uma fração do fardo social e de saúde decorrente da violência (OMS, 2014; 2016). A violência afeta a vida de milhões de pessoas, com consequências permanentes. Contudo, as mulheres, as crianças e os idosos sofrem maior impacto das consequências não fatais dos abusos físicos, sexuais e psicológicos. Segundo o relatório mundial sobre a prevenção da violência, publicado pela OMS em 2014, 25% de todos os adultos já relataram ter sofrido abusos físicos quando crianças; uma em cada cinco mulheres relataram ter sofrido abusos sexuais quando criança; uma em cada três mulheres foi vítima de violência física ou sexual praticada por parceiro íntimo em algum momento da vida e um em cada 17 idosos relatou ter sofrido abusos no mês que antecedeu a pesquisa (OMS, 2014; 2016). A violência contra as mulheres está baseada no gênero (OMS, 2016). Joan Scott (1989), uma historiadora influente nos estudos sobre gênero, definiu gênero como um elemento construtivo das relações sociais humanas fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e um primeiro modo 92 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III de dar significado às relações de poder entre homens e mulheres. Gênero pode ser entendido como um construto social fundamentado no biológico (genitália), representando uma construção histórica cultural de que o biológico define a cultura. Desse modo, uma criança deve viver e agir conforme o seu gênero, ditado pela sociedade. Desde a infância, homens e mulheres são condicionados a exercerem um papel socialmente determinado. Quando uma criança nasce com a genitália masculina (pênis), lhe são exigidos predicados como coragem, força e agressividade. Desse modo, o menino deve exercer um papel de dominação, pertencendo ao domínio público. Por outro lado, à criança com genitália feminina compete o papel social de passividade, dependência e submissão, com vocação para a maternidade e pertencente à esfera privada. De acordo com a OMS (2016), a violência contra a mulher está enraizada na desigualdade entre os gêneros masculino e feminino, fundamentada na cultura patriarcal existente em todo o mundo. Essa violência pode ocorrer em diferentes estágios das vidas das mulheres e incluem diferentes tipos, tais como: • a violência perpetrada por parceiros íntimos e por membros da família; • a violência sexual (incluindo estupro) por não parceiros (por exemplo, conhecidos, amigos, professores e estranhos); • o tráfico, inclusive para exploração sexual e econômica; • o feminicídio, incluindo o do parceiro íntimo (ou seja, o assassinato de uma mulher por um parceiro atual ou antigo); • os assassinatos em nome de honra ou por dote, assassinatos especificamente dirigidos a mulheres, mas por alguém que não seja seu parceiro, ou assassinatos envolvendo violência sexual; • o ato de atirar ácido no corpo da mulher; • o assédio sexual em escolas, locais de trabalho e lugares públicos; • a violência on‑line por meio da internet ou das mídias sociais, que está cada vez mais frequente. Todos os tipos de violência estão fortemente associados a consequências negativas para a saúde ao longo da vida. No entanto, a violência contra as mulheres e crianças contribui de forma desproporcional para prejuízos à saúde. A figura a seguir apresenta as consequências não fatais para as vítimas, representando a carga social e de saúde decorrente da violência, de acordo com a OMS (2014): 93 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Figura 30 – Consequências da violência para o comportamento e a saúde A violência sexual contra as mulheres e as meninas é considerada um importante fator de risco para as infecções sexualmente transmissíveis, o vírus da imunodeficiência humana (HIV), as gestações indesejadas e outros problemas de saúde reprodutiva. Por exemplo, mulheres que sofreram violência praticada por parceiro íntimo têm probabilidade 16% maior de ter um bebê com baixo peso ao nascer e, no mínimo, duas vezes maior de praticar um aborto induzido. Em determinadas regiões do mundo, mulheres que sofreram esse tipo de violência têm probabilidade 1,5 vezes maior de adquirir HIV e 1,6 vezes maior de ter sífilis (OMS, 2014). Ademais, a violência contra as mulheres e as crianças também está fortemente associada a muitas outras condições adversas à saúde, que afetam o cérebro e o sistema nervoso, os sistemas gastrointestinal e geniturinário, assim como as funções imunológicas e endócrinas. Associa‑se também aos comportamentos de alto risco, tais como tabagismo e consumo abusivo de álcool e drogas, que, por sua vez, são fatores de risco para diversas causas importantes de morte, entre as quais doenças cardiovasculares, câncer, doenças pulmonares crônicas, doenças hepáticas e outras doenças não transmissíveis. Além disso, as mulheres vítimas de violência apresentam maior risco de depressão, ansiedade, transtornos de estresse pós‑traumático e comportamento suicida (OMS, 2014). 94 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III De acordo com a OMS (2014), as consequências sociais dos atos de violência geram um custo econômico importante para os países. Entre os custos diretos associados à violência citam‑se a necessidade de tratamento, serviços de saúde mental, cuidados emergenciais e respostas da justiça criminal. Existe também uma ampla gama de custos indiretos. As vítimas de violência são mais propensas a vivenciar períodos de desemprego e absenteísmo e a sofrer problemas de saúde que afetam o seu desempenho no trabalho. Essas informações indicam que a violência é um importante problema para a saúde pública, pois além de ser um substancial fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde ao longo da vida, também é responsável por um leque de problemas sociais e econômicos. 7.2 Violência contra a mulher no Brasil 7.2.1 Aspectos sociais e políticos A violência contra a mulher é definida pelo Ministério da Saúde do Brasil (BRASIL, 2012a) como toda e qualquer conduta baseadano gênero, passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada. É considerada uma questão complexa e multifacetada, que viola os direitos humanos. Além disso, possui estreita relação com as categorias de gênero, classe, etnia e suas relações de poder. No Brasil, a partir das décadas de 1970 e 1980, o governo brasileiro propôs as primeiras políticas na área de enfrentamento da violência contra a mulher, com destaque para a Lei Maria da Penha e a Lei de Obrigatoriedade da Notificação de Violência contra Mulher. A Lei n° 10.778, publicada em 24 de novembro de 2003, estabelece a notificação compulsória no território nacional, dos casos de violência contra a mulher atendida nos serviços de saúde, públicos ou privados. Ela define que a violência contra a mulher inclui a violência física, sexual e psicológica que tenha ocorrido: • dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus‑tratos e abuso sexual; • na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus‑tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; • perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (BRASIL, 2003). 95 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Saiba mais Para obter mais informações sobre a Lei Maria da Penha, consulte: BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília: 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004‑2006/2006/lei/ l11340.htm>. Acesso em: 12 jul. 2017. É importante mencionar que esta notificação compulsória foi universalizada para todos os serviços de saúde a partir da publicação da Portaria n° 104, de 25 de janeiro de 2011 (BRASIL, 2011b). A Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi importante por criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispondo sobre a criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher e também sobre o estabelecimento de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006). A referida Lei configura violência doméstica e familiar como a violência ocorrida: • no âmbito da unidade doméstica, entendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; • no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; • em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. A Lei Maria da Penha representou avanços importantes na assistência à mulher vítima de violência por tipificar a violência doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos. Ainda, possibilitou que agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada quando ameaçarem a integridade física da mulher. Além disso, prevê as medidas de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, o atendimento pela autoridade policial, as medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação física junto à mulher agredida e, ainda, a assistência judiciária e da equipe de atendimento multidisciplinar. Outros avanços importantes nesse contexto foram a criação da Rede de Atenção Integral para mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica ou sexual, o estabelecimento e implantação de normas técnicas e protocolos específicos para a assistência à saúde das mulheres e adolescentes vítimas de violência e a permissão do abortamento legal nos casos de gravidez resultante de violência sexual (estupro) (BRASIL, 2013c). 96 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Para fortalecer essas ações e monitorar os acidentes e violências ocorridos no Brasil, o Ministério da Saúde implantou o sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) integrando dois componentes (BRASIL, 2012a; 2013c): • vigilância sentinela: realizada por meio de inquérito nas portas de entrada de emergências de municípios selecionados; • vigilância contínua: feita por meio da notificação compulsória das violências doméstica, sexual e outras violências interpessoais ou autoprovocadas em serviços de referência e outros serviços de saúde, que são notificadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Com a implantação da Viva nos serviços de saúde, o Ministério da Saúde espera subsidiar ações para o enfrentamento dos determinantes e condicionantes das violências em uma perspectiva intersetorial, incentivando a formação de redes de atendimento às vítimas de violência. Dessa forma, o Estado espera garantir a atenção integral, compreendidas a promoção da saúde e da cultura de paz e a preservação de direitos. 7.2.2 Características da violência contra a mulher no Brasil O estudo descritivo desenvolvido pelo Ministério da Saúde utilizando os dados de notificação de violência doméstica, sexual e outras formas de violência contra mulheres com idade entre 20 e 59 anos identificou as características das vítimas de violência no Brasil e as circunstâncias das ocorrências, a partir dos casos de violência notificados ao Viva Contínuo do ano de 2010. Nesse período foram notificados 27.176 casos de violência nos serviços de referência no País. As principais vítimas foram as mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos (42,5%), seguida pela faixa etária entre 30 e 39 anos (32,6%); 41,7% se autodeclaram brancas e 34,3% eram negras. Em relação à escolaridade, o estudo constatou que a distribuição da violência era praticamente uniforme entre as faixas de escolaridade, com destaque para as mulheres com 12 anos ou mais de escolaridade (18,1%). Quanto à situação conjugal e a orientação sexual, 34,7% das vítimas eram casadas ou com união consensual, 24,4% eram solteiras e 36% referiram que mantinham relações sexuais apenas com homens. A maioria das vítimas residia em zona urbana (90%). Entre os casos notificados, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2012a) identificou que 37,2% da violência eram de repetição e 57,1% ocorreram na residência. Com relação ao tipo de violência, a maioria das vítimas sofreu violência física (76,2%), seguida pela psicológica/moral (34,8%) e pela sexual (9,4%). Quando investigado o meio de agressão, verificou‑se que a força corporal ou espancamento foi a mais frequente (58,1%), seguida pela ameaça (22,9%). Quanto à natureza da lesão, 23,8% das vítimas sofreram contusão e 16,8% sofreram corte, perfuração ou laceração. O estudo verificou que, na maioria dos casos, o provável autor da agressão foi do sexo masculino (61,7%), das quais 28,7% foram perpetradas pelo próprio cônjuge e 9,3% foram perpetradas pelo ex‑cônjuge, conforme dados apresentados na tabela a seguir, que apresenta a caracterização do provável 97 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER autor da agressão das violências domésticas, sexuais e outras violências contra as mulheres adultas (20 a 59 anos de idade), notificadas por serviços de referência e outros serviços de saúde selecionados (Viva Contínuo) no Brasil em 2010: Tabela 3 – Caracterização do provável autor da agressão das violências domésticas,sexuais e outras violências contra as mulheres adultas Características (n = 27.176) % Número de envolvidos Um 18.900 69,5 Dois ou mais 3.599 13,2 Sem informação 4.677 17,2 Sexo do provável autor da agressão Masculino 16.769 61,7 Feminino 4.659 17,1 Ambos os sexos 452 1,7 Sem informação 5.296 19,5 Relação com a vítima* Cônjuge 7.805 28,7 Própria pessoa 2.924 10,8 Desconhecido 2.765 10,2 Ex‑cônjuge 2.536 9,3 Amigos/conhecidos 2.103 7,7 Namorado(a) 655 2,4 Irmão 596 2,2 Ex‑namorado(a) 554 2,0 Filho 520 1,9 Pai 227 0,8 Mãe 196 0,7 Pessoa com relação institucional 105 0,4 Policial/agente da lei 84 0,3 Padrasto 81 0,3 Patrão/chefe 58 0,2 Cuidador 35 0,1 Madrasta 31 0,1 Outros 1.527 5,6 Suspeita de uso de álcool 8.042 29,6 Notificações relativas a 2.131 serviços em 970 municípios, distribuídos em 26 estados da Federação e no Distrito Federal. * A soma das respostas pode superar 100% pois se trata de questão que permite múltiplas escolhas de respostas. Fonte: Brasil (2012a, p. 336). 98 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Resumidamente, os dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012a) revelaram que entre as vítimas de violência no Brasil no ano de 2010 destacaram‑se as mulheres adultas jovens, casadas ou em união consensual, residentes da zona urbana, com escolaridade mais elevada e de cor branca. O agressor foi predominantemente do sexo masculino, na maioria cônjuge, e em cerca de um terço dos casos havia suspeita de uso de álcool. Destacaram‑se, ainda, a violência de repetição em cerca de um terço dos casos e a violência física, por meio de força corporal. Dados mais recentes da Central de Atendimento à Mulher no Brasil – Ligue 180, que completou 10 anos de funcionamento em 2015, informam que foram registrados 749.024 atendimentos nesse mesmo ano. Desse total, 10,23% (76.651) corresponderam a relatos de violência, dos quais 58,86% foram cometidos contra mulheres negras. Entre esses relatos, 50,16% corresponderam à violência física; 30,33%, à violência psicológica; 7,25%, à violência moral; 2,10%, à violência patrimonial; 4,54%, à violência sexual; 5,17%, ao cárcere privado; e 0,46%, ao tráfico de pessoas (BRASIL, 2015b). Existe uma complexa relação entre o gênero e a violência. Os diferentes papéis e comportamentos de homens e mulheres, ditados pelas normas de gênero na sociedade, contribuem para a construção das relações desiguais, caracterizada, sobretudo, pelo papel de subordinação da mulher ao homem. Essa desigualdade de gênero pode ter um grande impacto na sociedade, aumentando o risco de atos de violência dos homens contra as mulheres. Desse modo, acredita‑se que a promoção da igualdade de gênero é fundamental para a prevenção da violência. Entretanto, isso envolve ações que confrontam crenças e normas culturais arraigadas na sociedade, o que a torna ainda mais complexa. Acredita‑se que somente por meio da promoção da cultura da paz nas sociedades será possível prevenir a violência, sobretudo a perpetrada contra a mulher, criança e adolescente. Lembrete A violência contra a mulher está enraizada na desigualdade entre os gêneros masculino e feminino, e fundamentada na cultura patriarcal existente no Brasil. Por isso, a promoção da igualdade de gênero é fundamental para a prevenção desse tipo de violência no país. 7.3 Atenção à vítima de violência doméstica e sexual De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013c), o atendimento às mulheres e adolescentes vítimas de violência doméstica e sexual deve incluir o acolhimento, a consulta e o acompanhamento psicológico. Durante a consulta, o profissional de saúde deve proceder a entrevista, o registro da história e o exame clínico e ginecológico, caso haja a suspeita de violência sexual, e solicitar exames complementares. Deve‑se considerar também a necessidade de encaminhamento para intervenções de emergência ou internação hospitalar. 99 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER O acolhimento pressupõe que os profissionais de saúde devem receber e escutar a pessoa, com respeito e solidariedade, procurando maneiras de compreender suas demandas e expectativas. É parte fundamental do atendimento às vítimas de violência. O estabelecimento de uma relação de confiança entre o profissional de saúde e a vítima é elementar para garantir a continuidade da assistência (BRASIL, 2013c). O atendimento psicológico e as medidas de fortalecimento devem ser oferecidos à vítima, com o objetivo de auxiliar no enfrentamento dos conflitos e os problemas inerentes à situação vivida. Deve ser iniciado o mais precocemente possível e mantido pelo tempo necessário (BRASIL, 2013c). Com o objetivo de preparar a equipe de saúde para identificar os sinais que sugerem violência, o Ministério da Saúde relacionou alguns sinais de alerta para as situações de violência, conforme citados no quadro a seguir: Quadro 10 – Sinais de alerta para a equipe de saúde que podem indicar situações de violência. Brasil, 2013. Violência doméstica • Queixas crônicas, porém vagas, sem causa física óbvia • Ferimentos que não condizem com a explicação de como ocorreram • Parceiros que observam excessivamente ou controlam os movimentos da mulher com muita insistência ou que não se afastam da mulher • Ferimentos físicos durante a gravidez • Demora a iniciar o atendimento pré‑natal • Histórico de tentativa ou tendência ao suicídio • Demora em buscar tratamento para ferimentos sofridos • Síndrome do intestino irritável • Dor pélvica crônica Violência sexual • Gravidez de mulheres solteiras com menos de 14 anos • Infecções sexualmente transmitidas em crianças • Prurido ou sangramento vaginal • Evacuação dolorosa ou dor ao urinar • Dor pélvica ou abdominal • Problemas sexuais e perda de prazer na relação • Vaginismo (espasmos musculares nas paredes vaginais, durante a relação sexual) • Ansiedade, depressão, comportamento autodestrutivo • Problemas de sono • Histórico de sintomas físicos crônicos inexplicáveis • Dificuldade ou recusa em fazer exames pélvicos Fonte: Brasil (2013c, p. 264). 100 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Considera‑se fundamental que a equipe e os profissionais de saúde estejam preparados e capacitados para atuar nas situações de violência para garantir o atendimento integral e humanizado das vítimas, assim como os direitos estabelecidos por lei. A articulação entre os diferentes setores envolvidos com essa questão é igualmente importante para garantir uma verdadeira rede de atenção, apoio e proteção a essas pessoas. Nesse sentido, a conscientização e a sensibilização da sociedade constitui um dos pilares para a mudança de comportamentos e atitudes que culminem na redução da desigualdade de gêneros e, consequentemente, na prevenção de qualquer forma de violência. Observação A palavra “sexo” remete a um conjunto de características genotípicas e biológicas, enquanto o termo “gênero” compreende um construto social, histórico e cultural. Em muitas sociedades, as relações de gênero são desiguais. 8 SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA 8.1 Direitos e saúde sexual e reprodutiva Nas duas últimas décadas, grandes avanços na legislação internacional e nacional sobre as dimensões da reprodução e da sexualidade como direitos humanos e de cidadania foram registrados. Direitos humanos devem ser compreendidos, como o direito à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, ao afeto, aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos. Respeitá‑los é promover a vida em sociedade, sem discriminação de classe social, de cultura, de religião, de raça, de etnia e de orientação sexual. Para o pleno exercício da cidadania, é preciso a garantia do conjunto dos direitos humanos (BRASIL, 2013c). Os direitos e a saúde sexual e reprodutiva são conceitos desenvolvidos recentementee representam uma conquista histórica, fruto da luta pela cidadania e pelos direitos humanos e ambientais. A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, organizada em Pequim (Beijing), em 1995, promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), foram marcos referenciais internacionais para essa definição, estabelecendo acordos internacionais que foram assumidos por quase duas centenas de países (CÔRREA; ALVES; JANNUZZI, 2015). A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, foi um marco importante, pois conferiu um papel primordial à saúde, aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, abandonando a ênfase na necessidade de limitar o crescimento populacional como forma de combater a pobreza e as desigualdades, focalizando‑se no desenvolvimento do ser humano (BRASIL, 2013c; CÔRREA; ALVES; JANNUZZI, 2015). 101 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Em seus debates sobre população e desenvolvimento, a CIPD considerou as questões relacionadas à mulher e as desigualdades de gênero, assim como o meio ambiente e a questão dos Direitos Humanos. Ainda, ampliou e ratificou o conceito de saúde reprodutiva definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1988 (BRASIL, 2013c; CÔRREA; ALVES; JANNUZZI, 2015): A saúde reprodutiva é um estado de completo bem‑estar físico, mental e social, e não de mera ausência de doença ou enfermidade, em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo, suas funções e processos. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tendo a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes deve fazê‑lo. Está implícito nesta última condição o direito de homens e mulheres de serem informados e de terem acesso aos métodos eficientes, seguros, aceitáveis e financeiramente compatíveis de planejamento familiar, assim como a outros métodos de regulação da fecundidade a sua escolha e que não contrariem a lei, bem como o direito de acesso a serviços apropriados de saúde que propiciem às mulheres as condições de passar com segurança pela gestação e parto, proporcionando aos casais uma chance melhor de ter um filho sadio. Em conformidade com a definição acima de saúde reprodutiva, a assistência à saúde reprodutiva é definida como a constelação de método, técnicas e serviços que contribuem para a saúde e o bem‑estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo os problemas de saúde reprodutiva. Isto inclui igualmente a saúde sexual, cuja finalidade é a melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais e não o mero aconselhamento e assistência relativos à reprodução e às doenças sexualmente transmissíveis (BRASIL, 2013c). Ainda, apresentou a definição de direitos reprodutivos, a saber: Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência (BRASIL, 2013c). A utilização do termo “saúde sexual” foi ampliada e intensificada a partir da primeira metade da década de 1980, por efeito da eclosão e rápida expansão da epidemia do HIV/aids. Nas negociações do Cairo, o termo não chegou a ser objeto de uma definição. Os conteúdos da saúde sexual foram incorporados na própria definição de saúde reprodutiva (CÔRREA; ALVES; JANNUZZI, 2015). Imediatamente após a Conferência do Cairo, duas definições formuladas de saúde sexual foram formuladas, conforme descrito a seguir: A saúde sexual é parte da saúde reprodutiva e inclui o desenvolvimento sexual saudável; os relacionamentos responsáveis e equitativos com prazer 102 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III sexual; e a ausência de enfermidades, doença, deficiências, violência e outras práticas de risco relacionadas com a sexualidade. A saúde sexual é a habilidade de mulheres e homens para desfrutar e expressar sua sexualidade, sem risco de doenças sexualmente transmissíveis, gestações não desejadas, coerção, violência e discriminação. A saúde sexual possibilita experimentar uma vida sexual informada, agradável e segura, baseada na autoestima, que implica numa abordagem positiva da sexualidade humana e no respeito mútuo nas relações sexuais. A saúde sexual valoriza a vida, as relações pessoais e a expressão da identidade própria da pessoa. Ela é enriquecedora, inclui o prazer e estimula a determinação pessoal, a comunicação e as relações (BRASIL, 2013c). A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida em Pequim, em 1995, avançou alguns passos no sentido de formular um conceito dos direitos sexuais como parte dos princípios dos direitos humanos ao redigir o seguinte: Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle e decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, livre de coação, discriminação e violência. Relacionamentos igualitários entre homens e mulheres nas questões referentes às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito pela integridade da pessoa, requerem respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades sobre o comportamento sexual e suas consequências (BRASIL, 2013c). É importante mencionar que a OMS produziu novas definições operacionais em relação à sexualidade em 2002, com o intuito de contribuir nos debates em curso sobre a temática, conforme apresentado no quadro a seguir: Quadro 11 – Novas definições operacionais da OMS em relação à sexualidade Sexo Sexo refere‑se às características biológicas que definem humanos como mulheres e homens. Enquanto esse conjunto de características biológicas não é mutuamente exclusivo, desde que há indivíduos que possuem ambas, ele tende a diferenciar os humanos como homens e mulheres. De uso generalizado em muitos idiomas, o termo “sexo” é usualmente utilizado com o significado de “atividade sexual”, mas, para propósitos técnicos no contexto das discussões sobre sexualidade e saúde sexual, dá‑se preferência à definição que acabamos de apresentar. Sexualidade Sexualidade é um aspecto central do ser humano do começo ao fim da vida e circunda sexo, identidade de gênero e papel, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. Sexualidade é vivida e expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relacionamentos. Enquanto a sexualidade pode incluir todas estas dimensões, nem todas são sempre vividas ou expressadas. A sexualidade é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais. 103 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Saúde sexual Saúde sexual é um estado físico, emocional, mental e social do bem‑estar em relação à sexualidade; não é meramente a ausência de doenças, disfunções ou debilidades. A saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitosa da sexualidade das relações sexuais, tanto quanto a possibilidade de ter experiências prazerosas e sexo seguro, livre de coerção, discriminação e violência. Para se alcançar e manter a saúde sexual, os direitos sexuais de todas as pessoas devem ser respeitados, protegidos e satisfeitos. Direitos sexuais Direitos sexuais abarcam os direitos humanos que já são reconhecidos em leis nacionais, documentos internacionais de direitoshumanos e outras declarações acordadas. Eles incluem os direitos de todas as pessoas, livre de coerção, discriminação e violência, para: a obtenção do mais alto padrão de saúde sexual, incluindo acesso a cuidados e serviços de saúde sexual e reprodutiva; procurar, receber e conceder informação relacionada à sexualidade; educação sexual; respeito pela integridade corporal, escolher seus parceiros; decidir ser ou não sexualmente ativo; ter relações sexuais consensuais; casamento consensual; decidir se, não, ou quando ter filhos; e buscar satisfação, vida sexual saudável e prazerosa. O exercício responsável dos direitos humanos requer que todas as pessoas respeitem os diretos dos outros. Fonte: Côrrea, Alves e Jannuzzi (2015, p. 53). Nos dias atuais, é importante reconhecer que, no mundo das práticas humanas, a atividade sexual não implica, necessariamente, em reprodução. Embora a reprodução, geralmente, envolva a atividade sexual, as novas técnicas de fertilização in vitro possibilitam cada vez mais a reprodução sem relação sexual. Nesse sentido, é muito importante compreender que gênero, sexualidade e reprodução são esferas da vida humana que se tangenciam, mas correspondem, ao mesmo tempo, a terrenos distintos em termos de representação, significado e prática sexual. O claro discernimento entre direitos reprodutivos e direitos sexuais é parte desse mesmo esforço de esclarecimento (CÔRREA; ALVES; JANNUZZI, 2015). Nas Conferências do Cairo e Pequim, os governos de vários países, inclusive o Brasil, assumiram o compromisso de fundamentar as políticas e os programas nacionais dedicados à população e ao desenvolvimento nos direitos sexuais e reprodutivos, incluindo os programas de planejamento familiar (BRASIL, 2005). Os programas e as plataformas de ação propostos nessas conferências enfatizaram a necessidade da promoção da igualdade entre homens e mulheres como requisito essencial para a conquista de melhores condições de saúde e de qualidade de vida (BRASIL, 2005). A partir dessas conferências, muitos avanços foram conseguidos no sentido de assegurar que as pessoas de todas as orientações sexuais e identidades de gênero possam viver com a mesma dignidade e respeito a que todas as pessoas têm direito (BRASIL, 2013c). O reconhecimento da universalidade dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos é fundamental para a qualificação da proposição de políticas públicas que contemplem as especificidades dos diversos segmentos da população. De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013c), a prática sexual e a maternidade/paternidade são direitos de todos, que devem ser garantidos pelo Estado a partir de ações e estratégias que promovam o compromisso e responsabilidade dos cidadãos com seu exercício de modo responsável e mediante condições saudáveis e libertas de riscos. 104 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Para facilitar a compreensão dos diferentes conceitos, o quadro a seguir apresenta um resumo das definições de direito sexual e reprodutivo: Quadro 12 – Direitos sexuais e reprodutivos Direitos reprodutivos • Direito de as pessoas decidirem, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas • Direito de acesso a informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos • Direito de exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência Direitos sexuais • Direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições, e com total respeito pelo corpo do(a) parceiro(a) • Direito de escolher o(a) parceiro(a) sexual • Direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças • Direito de viver a sexualidade, independentemente de estado civil, idade ou condição física • Direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual • Direito de expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade • Direito de ter relação sexual, independentemente da reprodução • Direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez e de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e aids • Direito a serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e um atendimento de qualidade, sem discriminação • Direito à informação e à educação sexual e reprodutiva Fonte: Brasil (2013c). 8.2 Direitos e saúde sexual e reprodutiva no Brasil No Brasil, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013c), destacam‑se cinco marcos referenciais relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos, os quais estão brevemente apresentados a seguir: • Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. • Constituição Federal de 1988. • Lei nº 9.263, de 1996, que regulamenta o planejamento familiar. • Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. • Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos. 105 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER 8.2.1 Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que incorporou o ideário feminista na atenção à saúde da mulher, introduzindo um novo enfoque nas políticas públicas de saúde voltadas para essa população. Centralizado na integralidade e na equidade do atendimento, o PAISM propôs uma abordagem global da saúde da mulher em todas as fases do seu ciclo vital, e não apenas no ciclo gravídico‑puerperal (BRASIL, 2013c). O PAISM incluía ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência à mulher em clínica ginecológica, no pré‑natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar, em infecções sexualmente transmissíveis, em casos de câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres (BRASIL, 2009b). Esse programa significou um avanço em relação aos direitos reprodutivos para as mulheres brasileiras. Contudo, enfrentou dificuldades políticas, financeiras e operacionais para a sua implementação, que impediram que se concretizasse de forma efetiva no cotidiano da atenção à saúde da mulher (BRASIL, 2013c). 8.2.2 Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi importante para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e para garantir aos cidadãos os direitos sexuais e reprodutivos no Brasil ao entender o planejamento familiar como de livre escolha das pessoas e incluir a responsabilidade do Estado nas questões relacionadas ao planejamento reprodutivo, devendo disponibilizar recursos educacionais e científicos para viabilizar o exercício desse direito (BRASIL, 2013c; COSTA et al., 2013). 8.2.3 Lei nº 9.263, de 1996, que regulamenta o planejamento familiar Em 1996, a Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o planejamento familiar. O artigo 2º desta Lei define o planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal, sendo proibida a utilização das ações a que se refere para qualquer tipo de controle demográfico (BRASIL, 1996; 2013c; COSTA et al., 2013). O artigo 9º da referida Lei descreve que para o exercício do direito ao planejamento familiar devem ser oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção aceitos cientificamente e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção (BRASIL, 1996). Portanto, as instâncias gestoras do SUS, em todos os seus níveis, devem garantir, obrigatoriamente, a atenção integral à saúde que inclua a assistência à concepção e à contracepção (BRASIL, 2013c). Dessa forma, compete ao Programa de Planejamento Familiar desenvolvido peloSUS o fornecimento de informações às pessoas, por meio de um conjunto de ações e atitudes clínicas e práticas em saúde, bem como a orientação sobre a anticoncepção e a concepção, fornecendo total liberdade de escolha, 106 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III sem distinção, para que seus usuários possam, com informação e conhecimento, decidir de forma segura e eficaz, o momento que considerem mais pertinente para a concepção (COSTA et al., 2013). 8.2.4 Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) Em 2004, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), que reflete o compromisso com a implementação de ações de saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis. A PNAISM incorpora, sob o enfoque de gênero, a integralidade e a promoção da saúde como princípios norteadores e buscou consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual. Além disso, ampliou as ações de saúde para os grupos historicamente alijados das políticas públicas nas suas especificidades e necessidades, como as mulheres vivendo com HIV/aids e as portadoras de doenças crônicas não transmissíveis e de câncer ginecológico (BRASIL, 2009b; 2013c). 8.2.5 Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos A Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos foi implementada pelo Ministério da Saúde em 22 de março de 2005, com o propósito de garantir os direitos de homens e mulheres, adultos e adolescentes, em relação à saúde sexual e à saúde reprodutiva, com ênfase no planejamento familiar (BRASIL, 2005; 2013c). Entre as propostas dessa política, destacam‑se as ações direcionadas a (BRASIL, 2005; 2013c): • ampliação da oferta de métodos anticoncepcionais reversíveis no SUS e ao incentivo à implementação de atividades educativas em saúde sexual e saúde reprodutiva para usuários da rede SUS; • capacitação dos profissionais da atenção básica em saúde sexual e saúde reprodutiva; • ampliação do acesso à esterilização cirúrgica voluntária (laqueadura tubária e vasectomia) no SUS; • implantação e implementação de redes integradas para atenção às mulheres e aos adolescentes em situação de violência doméstica e sexual; • ampliação dos serviços de referência para a realização do aborto previsto em lei e garantia de atenção humanizada e qualificada às mulheres em situação de abortamento. 107 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER 8.2.6 Política Nacional de Planejamento Familiar De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), a Política do Planejamento Familiar vem sendo desenvolvida no âmbito nacional com o intuito de promover as ações direcionadas à concepção e anticoncepção, assim como a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST). A assistência em planejamento familiar deve incluir acesso à informação e a todos os métodos e técnicas para concepção e anticoncepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, de acordo com a Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/1996). Desde a segunda metade da década de 1980, quando se iniciou a implementação do PAISM no Brasil, o governo brasileiro vem atuando nas questões relativas ao planejamento familiar, por meio da adoção de medidas para permitir o acesso da população aos meios de contracepção. Os primeiros esforços nesse sentido incluíram a provisão de insumos contraceptivos para os serviços públicos de saúde, sendo que alguns métodos contraceptivos começaram a ser distribuídos gratuitamente pelo Estado, e a capacitação dos profissionais para proverem atenção em planejamento familiar com qualidade. Entretanto, esse processo foi marcado pela descontinuidade e baixa efetividade (BRASIL, 2005; OSIS et al., 2006). Em 2007, foi lançada a Política Nacional de Planejamento Familiar, que também foi considerada um importante marco na promoção dos direitos e da saúde sexual e reprodutiva aos cidadãos brasileiros. Entre as suas ações, a Política Nacional de Planejamento Familiar englobou a distribuição gratuita de contraceptivos – incluindo os anticoncepcionais orais e injetáveis, o dispositivo intrauterino (DIU), o diafragma e os preservativos –, a venda de anticoncepcionais na Farmácia Popular e o fortalecimento de ações educativas relacionadas à saúde sexual e reprodutiva em unidades de saúde e escolas. Portanto, observa‑se que os direitos, a saúde sexual e a saúde reprodutiva estão na pauta governamental. Por isso, diante das conquistas legais e políticas discutidas anteriormente, os gestores e os profissionais de saúde têm papel fundamental no sentido de conhecê‑las e torná‑las uma realidade no planejamento e na prática de atenção à saúde. 8.3 Políticas de atenção à saúde da mulher no Brasil 8.3.1 Evolução das políticas públicas de saúde da mulher no Brasil – um breve histórico No Brasil, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde nas primeiras décadas do século XX. No entanto, os programas implementados voltavam‑se, exclusivamente, para a assistência aos aspectos referentes à gestação e ao parto. Os programas materno‑infantis, elaborados nas décadas de 1930, 1950 e 1970, traduziam uma visão restrita sobre a mulher, fundamentada em sua especificidade biológica e no seu papel social de mãe e doméstica, responsável pela criação, pela educação e pelo cuidado com a saúde dos filhos e dos demais familiares. Esses programas foram exaustivamente criticados pela perspectiva reducionista com que tratavam a mulher (BRASIL, 2009b; 2013c). 108 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Com forte atuação no campo da saúde, o movimento de mulheres contribuiu para introduzir na agenda política nacional as questões relacionadas às desigualdades nas relações sociais entre homens e mulheres que se traduziam também em problemas de saúde que afetavam particularmente a população feminina. Entre as reinvindicações do movimento feminista, incluía‑se o entendimento da mulher como sujeito de direito, com necessidades que extrapolam o momento da gestação e parto, demandando ações que lhes proporcionassem a melhoria das condições de saúde em todo o ciclo vital da mulher. Em conjunto com as ações promovidas pelo movimento feminista, a Reforma Sanitária e o processo de redemocratização do Brasil, ocorridos nas décadas de 1970 e 1980, contribuíram para a mudança no modelo de atenção à saúde da mulher no País. Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), marcando, sobretudo, uma ruptura conceitual com os princípios norteadores da política de saúde das mulheres e os critérios para eleição de prioridades nesse campo (BRASIL, 2009b). O PAISM incorporou como princípios as propostas de universalidade, integralidade e equidade da atenção à saúde, bem como as diretrizes de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços. Paralelamente, no âmbito do Movimento Sanitário, foi concebido o arcabouço conceitual que embasou a formulação do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Saúde. O PAISM foi anunciado como nova e diferenciada abordagem à saúde da mulher, rompendo a visão do modelo materno‑infantil que compreendia a mulher simplesmente como uma reprodutora. Contudo, apesar de promover avanços significativos na saúde da mulher no Brasil, o PAISM não considerou em suas ações a necessidade de articulação com outras áreas técnicas e de ações direcionadas à saúde das mulheres que compõem grupos socialmente excluídos, como as mulheres rurais, com deficiência,negras, indígenas, presidiárias e lésbicas. Considerando essas perspectivas, o Ministério da Saúde lançou, em 2004, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), fortalecendo e ampliando as ações propostas pelo PAISM. Os objetivos gerais da PNAISM são os seguintes (BRASIL, 2009b): • Promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres brasileiras, mediante a garantia de direitos legalmente constituídos, e ampliar o acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde em todo o território brasileiro. • Contribuir para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil, especialmente por causas evitáveis, em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie. • Ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher no SUS. 109 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Além das ações de promoção à saúde da mulher na terceira idade, da negra, das trabalhadoras do campo e da cidade, da indígena e das mulheres em situação de prisão, a PNAISM também incluiu estratégias para (BRASIL, 2009b): • ampliar e qualificar a atenção clínico‑ginecológica, inclusive para as mulheres com infecção pelo HIV e outras IST; • estimular a implantação e implementação da assistência em planejamento familiar, para homens e mulheres, adultos e adolescentes, no âmbito da atenção integral à saúde; • promover a atenção obstétrica e neonatal, qualificada e humanizada, incluindo a assistência ao abortamento em condições inseguras, para mulheres e adolescentes; • promover a atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual; • promover a prevenção e o controle das infecções sexualmente transmissíveis e da infecção pelo HIV/aids na população feminina; • reduzir a morbimortalidade por câncer na população feminina; • implantar um modelo de atenção à saúde mental das mulheres sob o enfoque de gênero; • implantar e implementar a atenção à saúde da mulher no climatério; • fortalecer a participação e o controle social na definição e implementação das políticas de atenção integral à saúde das mulheres; No âmbito da PNAISM, destaca‑se, ainda, a proposta de atenção humanizada e de boa qualidade, que são condições indissociáveis e essenciais para que as ações de saúde se traduzam na resolução dos problemas identificados, na satisfação das usuárias, no fortalecimento da capacidade das mulheres frente à identificação de suas demandas, no reconhecimento e reivindicação de seus direitos e na promoção do autocuidado. Para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009b), humanizar e qualificar a atenção em saúde refere‑se a aprender a compartilhar saberes e reconhecer direitos, implicando no estabelecimento de relações entre sujeitos, seres semelhantes, ainda que possam apresentar‑se muito distintos conforme suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero. Trata‑se de um processo contínuo, que demanda reflexão permanente sobre os atos, condutas e comportamentos de cada pessoa envolvida nessa relação. Desse modo, a PNAISM consolidou os avanços do PAISM e redefiniu a agenda relativa à saúde da mulher, ampliando o seu leque de ações, incluindo grupos historicamente alijados das políticas públicas, como as mulheres lésbicas, as bissexuais, as no climatério, as mulheres do campo e da floresta, as índias, as negras quilombolas, as que vivenciam a transexualidade, aquelas em situação de prisão, portadoras de deficiência, em situação de rua e as ciganas (BRASIL, 2009b). 110 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Portanto, a PNAISM reflete o compromisso do País com a implementação de ações de saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis no Brasil. 8.4 Humanização da assistência 8.4.1 Aspectos teóricos O termo “humanizar” significa “tornar humano, dar condição humana”. Também é definido como “tornar benévolo, afável, tratável” e, ainda, “fazer adquirir hábitos sociais polidos, civilizar”. Humanizar é estar coerente com os valores humanos. É afirmar o humano na ação (WALDOW; BORGES, 2011). Waldow e Borges (2011) descrevem que humanizar a saúde compreende o respeito à unicidade de cada indivíduo, personalizando a assistência. Para as autoras, o cuidado é uma expressão de nossa humanidade, constituindo um elemento essencial para o desenvolvimento de todas as pessoas como seres humanos. Para Deslandes (2006), a humanização está relacionada a distintas e complexas dimensões relacionadas à produção e gestão do cuidado em saúde, tais como: integralidade, satisfação do cliente, necessidades de saúde, qualidade da assistência, gestão participativa, protagonismo dos sujeitos e a intersubjetividade envolvida no processo de atenção à saúde. A autora acrescenta que humanização remete a uma assistência capaz de promover o acolhimento e a resolutividade do cuidado. Ainda, invoca a ideia de um modelo assistencial que seja capaz de valorizar como sujeitos os diferentes atores envolvidos no processo de produção de cuidados, a partir de um amplo e cotidiano investimento em comunicação entre os gestores, os profissionais de saúde e os usuários (DESLANDES, 2006). Desse modo, pode‑se inferir que a humanização se relaciona à construção de uma nova cultura de atendimento que instaure padrões de relacionamento ético entre os gestores de saúde, profissionais e clientes. Deve, ainda, estar fundamentada no respeito, na solidariedade e na cidadania de todos os atores envolvidos. 8.4.2 Marcos políticos No contexto político, os primeiros programas de atenção à saúde lançados pelo Ministério da Saúde do Brasil que focaram a humanização da assistência foram: • Programa Nacional de Humanização da Atenção Hospitalar (2000‑2002). • Programa de Humanização do Pré‑natal e Nascimento (2000). • Norma de Atenção Humanizada ao Recém‑nascido de Baixo Peso – Método Canguru (2000). 111 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Contudo, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), para a construção de uma política de qualificação do SUS, a humanização deve ser entendida como uma das esferas fundamentais. Não deve ser compreendida como um “programa” a ser aplicado nos diferentes serviços de saúde. A humanização deve ser uma política que opere transversalmente em toda a rede SUS. Tornar a humanização um “programa” seria o mesmo que aprofundar as relações verticais em que são estabelecidas normativas que devem ser aplicadas e operacionalizadas. Isso significa a efetuação burocrática, descontextualizada e dispersiva da atenção à saúde, com ações pautadas nos índices a serem cumpridos e metas a serem alcançadas (BRASIL, 2004). A humanização deve ser uma diretriz política transversal entendida como um conjunto de princípios e diretrizes que se traduzem em ações nas diversas práticas de saúde caracterizando uma construção da coletividade. Neste sentido, humanizar pressupõe troca de saberes, incluindo os usuários, diálogo entre os profissionais e trabalho em equipe. Humanização deve ser entendida com uma estratégia de interferência no processo de produção de saúde que considere que quando os sujeitos sociais são mobilizados, são capazes de transformar a realidade, modificando a si mesmos. Assim, trata‑se da produção de um novo tipo de interação entre os sujeitos que constituem os sistemas de saúde e deles usufruem, acolhendo e fomentando o seu protagonismo. Considerando essas premissas, o Ministério da Saúde do Brasil lançou, em 2003, a Política Nacional de Humanização (PNH), também conhecida como HumanizaSUS (BRASIL, 2014a). Essa política busca efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificandoa saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários. A PNH estimula a comunicação entre os gestores de saúde, os profissionais de saúde e os usuários para construir processos coletivos de enfrentamento das relações de poder, trabalho e afeto que, muitas vezes, promovem atitudes e práticas desumanizadoras, inibindo a autonomia e a corresponsabilidade desses atores sociais (BRASIL, 2014a). Os princípios norteadores da PNH são a transversalidade; a inseparabilidade entre a atenção e a gestão dos processos de produção de saúde; e o protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos. Esses princípios estão explicados a seguir (BRASIL, 2013d): • Transversalidade: refere‑se ao fato que a PNH deve estar presente e inserida em todas as políticas e programas do SUS. Deve transformar as relações de trabalho a partir da ampliação do grau de contato e da comunicação entre as pessoas e grupos, tirando‑os do isolamento e das relações de poder hierarquizadas. Transversalizar significa reconhecer que as diferentes especialidades e práticas de saúde podem conversar com a experiência daquele que é assistido. Juntos, esses saberes podem produzir saúde de forma mais corresponsável. • Inseparabilidade entre a atenção e a gestão: significa que trabalhadores e usuários devem buscar conhecer como funciona a gestão dos serviços e da rede de saúde, assim como participar ativamente do processo de tomada de decisão nas organizações de saúde e nas ações de saúde 112 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III coletiva. Além disso, o usuário e sua rede sociofamiliar também devem se corresponsabilizar pelo cuidado, assumindo a posição de protagonismo com relação a sua saúde. • Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos: reconhece cada pessoa como cidadã de direitos e valoriza e incentiva sua atuação na produção de saúde. Para alcançar esses princípios, a PNH assume o compromisso de (BRASIL, 2013d): • Valorizar a dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão, fortalecendo/ estimulando processos integradores e promotores de compromissos/responsabilização. • Estimular processos comprometidos com a produção de saúde e com a produção de sujeitos. • Fortalecer o trabalho em equipe multiprofissional, estimulando a transdisciplinaridade e a grupalidade. • Atuar em rede com alta conectividade, de modo cooperativo e solidário, em conformidade com as diretrizes do SUS. • Utilizar a informação, da comunicação, da educação permanente e dos espaços da gestão na construção de autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos. A Política Nacional de Humanização atua a partir de orientações clínicas, éticas e políticas, que se traduzem em determinados arranjos de trabalho. As diretrizes da PNH são as seguintes (BRASIL, 2013d; 2014a): • Gestão participativa e compartilhada (cogestão) do processo de produção de saúde. • Clínica ampliada, incluindo as dimensões social e subjetiva na abordagem dos processos de adoecimento e produção de saúde, a interação dos diferentes saberes profissionais e a incorporação do olhar do usuário. • Acolhimento, com responsabilização e vínculo, na continuidade do processo terapêutico. • Ambiência acolhedora, com espaços de trabalho propiciadores de encontros produtivos. • Valorização do trabalho e da saúde do trabalhador. • Garantia dos direitos dos usuários: visita aberta, direito a acompanhante. • Inclusão das redes sociais de apoio e controle da prestação de serviços. Nota‑se que a PNH tem dedicado esforços e produzido interfaces a partir de seus princípios, diretrizes, dispositivos e métodos, para a qualificação das práticas de saúde no SUS. Nesse sentido, e considerando as ações a serem adotadas em todo o território nacional, o Movimento HumanizaSUS ampliou o campo de atuação ao analisar os temas relativos à humanização em diversos campos da saúde. 113 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Desse modo, em consonância com os conceitos e princípios ético‑políticos que norteiam a humanização da assistência, o Ministério da Saúde publicou diferentes normas e manuais dirigidos aos sujeitos que constroem o SUS. No que concerne à saúde da mulher, destacam‑se as ações direcionadas à humanização da assistência às mulheres no pré‑natal, parto e puerpério; no climatério; em situação de abortamento (referida anteriormente) e vítimas de violência (referida anteriormente). Na sequência, apresenta‑se uma breve discussão acerca da humanização da assistência à mulher durante o ciclo gravídico‑puerperal no Brasil. Saiba mais Para obter mais informações sobre a humanização considerando os diferentes contextos da atenção à saúde da mulher no Brasil, recomenda‑se a leitura das seguintes publicações, disponíveis integralmente na internet: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticos de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. ___. Ministério da Saúde. Humanização do parto e do nascimento. Cadernos HumanizaSUS. Volume 4. Brasília: Ministério da Saúde, 2014a. ___. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida. Brasília: Ministério da Saúde, 2017a. ___. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual de atenção à mulher no climatério/menopausa. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. ___. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2011a. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_ abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017. ___. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde sexual e saúde reprodutiva. Brasília: Ministério da Saúde, 2013c. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ saude_sexual_saude_reprodutiva.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2017. 114 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III 8.5 Humanização da assistência no parto e nascimento 8.5.1 Humanização do parto e nascimento Os avanços da obstetrícia contribuíram com a melhoria dos indicadores de morbidade e mortalidade materna e perinatais no mundo. Entretanto, durante a assistência obstétrica tradicional, no ambiente hospitalar, as mulheres e os recém‑nascidos são altamente expostos a intervenções, muitas vezes realizadas desnecessariamente. Esse excesso de intervenções desconsidera os aspectos emocionais, humanos e culturais envolvidos no processo e aumenta as chances de complicações maternas e perinatais (BRASIL, 2017a). Considerando esses aspectos e o elevado número de cesáreas realizadas no mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou em 1996 um documento intitulado Boas Práticas de Atenção ao Parto e ao Nascimento. Nesse material foi apresentada uma definição de parto normal e uma classificação das práticas comuns na condução do parto normal, orientando os profissionais de saúde que assistem ao parto sobre as condutas que devem ou não ser realizadas no processo de parturição. Essa classificação foi fundamentada nas evidências científicas concluídas de pesquisas desenvolvidas em todo o mundo (OMS, 1996b). Observação De acordo com a OMS (1996b), existem quatro competências fundamentais do profissional de saúde durante a assistência ao parto normal: • Dar apoio à mulher, ao seu parceiro e à sua família durante o trabalho de parto, no momento do nascimento e no pós‑parto. • Observara parturiente; monitorar o estado fetal e, posteriormente, o estado do recém‑nascido; avaliar os fatores de risco; detectar os problemas precocemente. • Realizar intervenções se necessário; prestar os cuidados ao recém‑nascido após o nascimento. • Encaminhar a parturiente a um nível de assistência mais complexo, caso surjam fatores de risco ou complicações que justifiquem. O objetivo da assistência é ter uma mãe e uma criança saudáveis, com o menor nível possível de intervenção compatível com a segurança. Seguindo as orientações da OMS (1996b), o Ministério da Saúde lançou o Programa de Humanização no Pré‑natal e Nascimento (PHPN) no Brasil, por meio da Portaria nº 569, de 1º de junho de 2000 (BRASIL, 2000). Os objetivos desse programa foram a redução das elevadas taxas de morbimortalidade 115 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER materna e perinatal; a adoção de medidas que assegurem a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré‑natal, da assistência ao parto, puerpério e neonatal; e a ampliação das ações na área de atenção à gestante. Em 2001, com base no documento publicado pela OMS, o Ministério da Saúde publicou o manual Parto, Aborto e Puerpério: Assistência Humanizada à Mulher, no qual estabeleceu os princípios da atenção que deve ser prestada à mulher no ciclo gravídico‑puerperal no País. Esse material foi fundamental para disseminar os conceitos e as práticas assistenciais direcionadas ao parto e puerpério entre os profissionais de saúde e as instituições que atendem às mulheres no Brasil (BRASIL, 2001). Em junho de 2011, foi instituída a Rede Cegonha no âmbito do SUS, com o objetivo de assegurar à mulher o direito à atenção humanizada na gestação, parto e puerpério, assim como o direito ao planejamento reprodutivo e o direito da criança ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis (BRASIL, 2017a). Observação Para uma assistência segura durante o parto normal, o profissional deve basear‑se na premissa de que deve existir uma razão válida para interferir no processo natural (OMS, 1996b). Merece destaque que o componente Parto e Nascimento da Rede Cegonha refere que a adoção de práticas de atenção à saúde no parto e nascimento no Brasil deve estar baseada em evidências científicas, conforme apresentado no documento da OMS (BRASIL, 2017a). Entre os direitos estabelecidos pela Rede Cegonha, destacam‑se (BRASIL, 2011c): • ampliação do acesso aos serviços de saúde, o acolhimento e a melhoria da qualidade do pré‑natal; • transporte para o pré‑natal e para o parto; • vinculação da gestante à unidade de referência para assistência ao parto; • realização de parto e nascimento seguros, por meio de boas práticas de atenção; • acompanhante no parto, de livre escolha da gestante; • atenção à saúde da criança de zero a 24 meses com qualidade e resolutividade; • acesso ao planejamento reprodutivo. Considera‑se igualmente importante mencionar os princípios da estratégia Rede Cegonha (BRASIL, 2011c), os quais se configuram em: 116 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III • respeito, proteção e realização dos direitos humanos; • respeito à diversidade cultural, étnica e racial; • promoção da equidade; • enfoque de gênero; • garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres, homens, jovens e adolescentes; • participação e mobilização social; • compatibilização com as atividades das redes de atenção à saúde materna e infantil em desenvolvimento nos estados. Em 2014, foi lançado o quarto volume dos Cadernos HumanizaSUS, do Ministério da Saúde, com a finalidade de continuar apresentando as experiências de apoio à humanização no Brasil. Essa referência busca dar visibilidade a um conjunto de lutas pelo direito à saúde e ao acesso de qualidade equânime a mulheres grávidas brasileiras (BRASIL, 2014a). Observação Após a discussão das evidências científicas, o grupo de trabalho da OMS classificou as recomendações sobre as práticas relacionadas ao parto normal em quatro categorias, conforme descritas a seguir (OMS, 1996b). • Práticas demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas. • Práticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas. • Práticas em relação às quais não existem evidências suficientes para apoiar uma recomendação clara e que devem ser utilizadas com cautela, até que mais pesquisas esclareçam a questão. • Práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado. A Portaria nº 353, de 14 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017b), aprovou as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, para utilização no SUS e na Saúde Suplementar no Brasil. Essas Diretrizes foram publicadas com o objetivo de sintetizar e avaliar sistematicamente a informação científica disponível em relação às práticas mais comuns na assistência ao parto e ao nascimento, baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis, fornecendo subsídios e orientação a todos os envolvidos no cuidado (mulheres, profissionais e gestores de saúde), no intuito de promover, proteger e incentivar o parto normal (BRASIL, 2017a). 117 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Observação A OMS (1996b) define como parto normal o de início espontâneo, com baixo risco no início do trabalho de parto, permanecendo assim durante todo o processo, até o nascimento. O bebê nasce espontaneamente, em posição cefálica de vértice, entre 37 e 42 semanas completas de gestação. Após o nascimento, mãe e filho estão em boas condições. Nesse sentido, para a efetiva realização da humanização da assistência à mulher durante o ciclo gravídico‑puerperal, é essencial que o profissional de saúde, sobretudo o enfermeiro, tenha conhecimento sobre as recomendações nacionais e internacionais para atender a esse público, visando a garantir à mulher e ao bebê um parto e nascimento seguros. Lembrete A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher implementada pelo Ministério da Saúde destaca a promoção da atenção humanizada e de boa qualidade como condições indissociáveis e essenciais para as ações de saúde realizadas no País. Saiba mais Recomenda‑se a leitura das seguintes referências: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida. Brasília: Ministério da Saúde, 2017a. Disponível em: <http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/marco/08/ Diretrizes‑Parto‑Normal‑resumida‑FINAL.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2017. ___. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. Disponível em: <http://bvsms. saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2017. 118 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III ___. Ministério da Saúde. Secretaria‑Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização – a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ humanizasus_2004.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2017. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Assistência ao parto normal: um guia prático. Genebra: OMS, 1996b. Boa leitura! Resumo Nesta unidade, vimos que de acordo com a OMS (2016), a violência contra a mulher está enraizada na desigualdade entre os gêneros masculino e feminino, fundamentada na cultura patriarcal existente em todo o mundo. Essa violência pode ocorrer em diferentesestágios das vidas das mulheres e incluem diferentes tipos. Todos eles estão fortemente associados a consequências negativas para a saúde ao longo da vida. No entanto, a violência contra as mulheres e crianças contribui de forma desproporcional para prejuízos à saúde. Por isso, a violência é um importante problema para a saúde pública, pois além de ser um substancial fator de risco para o desenvolvimento de problemas de saúde longo da vida, também é responsável por um leque de problemas sociais e econômicos. O atendimento às mulheres vítimas de violência deve incluir o acolhimento, a consulta e o acompanhamento psicológico. O acolhimento é parte fundamental do atendimento às vítimas de violência. Os profissionais de saúde devem receber e escutar a pessoa, com respeito e solidariedade, procurando maneiras de compreender suas demandas e expectativas. O estabelecimento de uma relação de confiança entre o profissional de saúde e a vítima é elementar para garantir a continuidade da assistência (BRASIL, 2013c). De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013c), a prática sexual e a maternidade/paternidade são direitos de todos, que devem ser garantidos pelo Estado, mediante ações e estratégias que promovam o compromisso e responsabilidade dos cidadãos com seu exercício de modo responsável e mediante condições saudáveis e libertas de riscos. Os direitos sexuais e os reprodutivos são direitos humanos reconhecidos em leis nacionais e documentos internacionais. A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, e a IV Conferência 119 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Mundial sobre a Mulher, organizada em Pequim, em 1995, promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), foram marcos referenciais internacionais para a formulação conceitual da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, estabelecendo acordos internacionais que foram assumidos por quase duas centenas de países (CÔRREA et al., 2015). No Brasil, segundo o Ministério da Saúde (2013c), destacam‑se cinco marcos referenciais relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos: Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), a Constituição Federal de 1988, a Lei que regulamenta o planejamento familiar, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos. Em 1984, o Ministério da Saúde do Brasil elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que incorporou como princípios as propostas de universalidade, integralidade e a equidade da atenção à saúde, bem como as diretrizes de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços. O PAISM foi anunciado como nova e diferenciada abordagem à saúde da mulher, rompendo a visão do modelo materno‑infantil que compreendia a mulher simplesmente como uma reprodutora. Contudo, não considerou em suas ações a necessidade de articulação com outras áreas técnicas e de ações direcionadas à saúde das mulheres que compõem grupos socialmente excluídos, como as mulheres rurais, com deficiência, negras, indígenas, presidiárias e lésbicas. Em 2004, considerando essas perspectivas, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), fortalecendo e ampliando as ações propostas pelo PAISM. Destaca‑se, com essa política, a proposta de atenção humanizada e de boa qualidade, que são condições indissociáveis e essenciais para que as ações de saúde se traduzam na resolução dos problemas identificados, na satisfação das usuárias, no fortalecimento da capacidade das mulheres frente à identificação de suas demandas, no reconhecimento e reivindicação de seus direitos e na promoção do autocuidado. Em 2003, o Ministério da Saúde do Brasil lançou a Política Nacional de Humanização (PNH), também conhecida como HumanizaSUS (BRASIL, 2014a). Essa política busca efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários. Também estimula a comunicação entre os gestores de saúde, os profissionais de saúde e os usuários para construir processos coletivos de enfrentamento das relações de poder, trabalho e afeto que, muitas vezes, promovem atitudes e práticas desumanizadoras, inibindo a autonomia e a corresponsabilidade desses atores sociais (BRASIL, 2014a). 120 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 Unidade III Também conhecemos a assistência obstétrica tradicional, realizada no ambiente hospitalar, que expõe as mulheres e os recém‑nascidos a intervenções, frequentemente realizadas sem necessidade. Esse excesso de intervenções desconsidera os aspectos emocionais, humanos e culturais envolvidos e aumenta as chances de complicações maternas e perinatais. Considerando esses aspectos e o elevado número de cesáreas realizadas no Brasil, o Ministério da Saúde, em consonância com a Organização Mundial da Saúde, preconiza a humanização da assistência à mulher durante o ciclo gravídico‑puerperal, com base nas melhores evidências científicas disponíveis. Por meio do lançamento das diretrizes nacionais de assistência ao parto normal, o referido Ministério fornece subsídios e orientações a todos os envolvidos no cuidado (mulheres, profissionais e gestores de saúde), no intuito de promover, proteger e incentivar o parto normal no país (BRASIL, 2017a). Encerramos esta unidade estudando a saúde sexual e reprodutiva. Conhecemos o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), a Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos e a Política Nacional de Planejamento Familiar. Vimos ainda os aspectos da humanização da assistência no parto e no nascimento. Exercícios Questão 1 (UFCG, 2016). Segundo o Ministério da Saúde, são objetivos gerais e específicos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, exceto: A) Promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres brasileiras, mediante a garantia de direitos legalmente constituídos e ampliação do acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde em todo território brasileiro. B) Contribuir para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil, especialmente por causas evitáveis, em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie. C) Ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher no Sistema Único de Saúde. D) Violência doméstica e sexual. E) Contribuir para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil, especialmente por causas não evitáveis, em alguns ciclos de vida, sem discriminação de qualquer natureza. Resposta correta: alternativa E. 121 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 4/ 12 /1 7 POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: busca‑se fortalecer a participação e o controle social na definição e implementação das políticas de atenção integral à saúde das mulheres e promover a integração com o movimento de mulheres feministas no aperfeiçoamento da política de atenção integral à saúde da mulher. B) Alternativa incorreta. Justificativa: busca‑se contribuir para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil, especialmente por causas evitáveis, em todos os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie, tais como negras, indígenas, presidiárias, terceira idade etc. C) Alternativa incorreta. Justificativa: busca‑se ampliar e qualificar a atenção clínico‑ginecológica, inclusive para as portadoras da infecção pelo
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