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ESTADO E SOCIEDADE Professor: Afrânio de Oliveira Silva Dados Pessoais Nome: _________________________________________________________ Turma:____________ Matrícula:__________ Curso: __________________ Endereço: _____________________________________________________ Cidade: _____________________________________ UF: _______________ CEP: ________________ Telefone: _________________________________ E-mail: ________________________________________________________ CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito - Cx. P. 191 - 89.130-000 INDAIAL/SC - Fone Fax: (47) 3281-9000/3281- 9090 - www.uniasselvipos.com.br Programa de Pós-Graduação EAD CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Revisão de Conteúdo: Delaine Martins Consta Revisão Gramatical: Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 320 S586e Silva, Afrânio de Oliveira. Estado e Sociedade / Afrânio de Oliveira Silva.. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Indaial : Grupo UNIASSELVI, 2012. 112 p. : il. ISBN 978-85-7830-613-7 1. Ciência Política I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. Copyright © UNIASSELVI 2012 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. PARCERIA ENTRE IBAM E UNIASSELVI No momento atual, em todos os países, em qualquer instância de governo, observa-se um movimento de revisão do papel do Estado, somado à exigência das populações por atuação governamental de qualidade. Esta tendência conduz à demanda expressiva para que se consolide a existência e o funcionamento de um sistema qualificado de Gestão para a implementação de políticas públicas. A institucionalização dos processos de gestão e a profissionalização dos servidores públicos passam a ser instrumentos estratégicos para alavancar condições de melhor execução de atividades e projetos, bem como dos meios de controle necessários para avaliação de resultados da atuação governamental. Inúmeras iniciativas são implementadas para dar consistência a este modelo de gestão governamental que se apoia na valorização da transparência, da participação e do controle social, que não podem existir sem instrumentos adequados e pessoas qualificadas. É neste contexto que se forma a parceria do IBAM com a UNIASSELVI. Aprimorar o sistema de gestão pública, apoiar a formação de profissionais que queiram ser ou já são do quadro do setor público e ampliar a informação para o cidadão sobre como deve funcionar o governo são os propósitos iniciais do MBA em Gestão Pública que passa a integrar o programa de pós-graduação da UNIASSELVI. A equipe de Professores Autores que o compõe se destaca pelo desempenho profissional em projetos da Administração Pública e como docentes universitários. A experiência da UNIASSELVI em processos educacionais em nível superior, aliada à do IBAM, que há 60 anos atua, em nível nacional e internacional, para o aprimoramento da administração pública, é composição de excelência para enriquecer o cenário que se quer alcançar. O IBAM e a UNIASSELVI desejam a todos os participantes uma boa jornada de estudos. Aos que se dirigem ao setor público, que consolidem sua formação; e, aos demais, que ampliem o nível de informação sobre governo e aprendam a articular-se com ele como cidadãos. Paulo Timm Superintendente Geral do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM Prof. Carlos Fabiano Fistarol Pró-Reitor de Pós-Graduação a Distância UNIASSELVI Afrânio de Oliveira Silva Possui graduação em Ciências Sociais pela PUC-RIO, mestrado em Ciência Política pela UFRJ, doutorando no CPDA/UFRRJ e é Doutor em Ciências Sociais. Atualmente é assessor técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM e professor. Área de atuação: Ciência Política, estrutura e transformação do Estado, gestão pública e políticas pública. Publicações: Cooperação federativa & política pública de assistência social: algumas reflexões. Fórum Administrativo, 2010. Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval, 2009, Gênero e Raça no Orçamento Municipal: Um Guia para Fazer a Diferença, 2006, “A Dinâmica Perversa da Violência e seus Efeitos sobre a Cidadania”. In: A Utopia da Comunidade, 2002. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTuLo 1 o ESTAdo ....................................................................................9 CAPÍTuLo 2 AS ExPLiCAçõES SoCioLógiCAS dE FunCionAmEnTo dA SoCiEdAdE ...29 CAPÍTuLo 3 rELAção ESTAdo E SoCiEdAdE ......................................................45 CAPÍTuLo 4 ESTAdo E SoCiEdAdE no BrASiL ....................................................61 CAPÍTuLo 5 rELAçõES ESTAdo E SoCiEdAdE no BrASiL ConTEmPorânEo ...........87 APrESEnTAção Caro(a) pós-graduando(a): O presente texto busca apresentar, de forma sucinta, as principais correntes do pensamento político e sociológico que analisaram o Estado e a sociedade. É, portanto, um curso eminentemente teórico que exige um empenho reflexivo por parte do estudante. O texto busca sempre apresentar os principais teóricos de diferentes correntes, permitindo uma reflexão mais ampla, bem como um leque maior de possibilidades analíticas. O binômio estado-sociedade oferece uma infinidade de possibilidades de análises sobre as relações sociais e políticas contemporâneas. As teorias e métodos abordados nesse curso não ficaram no passado, pelo contrário, o título de clássicos que os autores abordados ganharam nos diz que a discussão sobre a relação entre Estado e sociedade é mais atual do que nunca. Basta olharmos os assuntos da agenda política do país e do mundo. Tentando dar conta da complexidade desses dois fenômenos e suas relações, o texto está dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo lida com os conceitos básicos da filosofia política e da Ciência Política, necessários para a compreensão dos fenômenos relacionados ao poder e à política; com os clássicos da Ciência Política e dos principais elementos, objetivos e fins do Estado Moderno. O segundo capítulo trata dos autores da sociologia e as três abordagens clássicas sobre o constituição e funcionamento da sociedade: teoria funcionalista, teoria do conflito e sociologia compreensiva. O terceiro capítulo destaca as três abordagens da ciência política que analisam as relações entre Estado e sociedade: pluralismo, elitismo e marxismo. No quarto capítulo é analisada a relação entre Estado e sociedade no Brasil, atentando para o processo de formação de ambos e suas especificidades derivadas da relação entre espaços público e privado. E, por fim, no quinto capítulo estudaremos alguns problemas derivados das especificidades das instituições políticas e sociais. Em cada capítulo propomos algumas atividades reflexivas, as quais você, baseado(a) em uma leitura atenta do texto, poderá responder. No entanto, é importante destacar que esse é um texto introdutório, fazendo-se necessário, para aquele(a) leitor(a) que busca um maior aprofundamento, uma complementação com outras fontes bibliográficas. O autor. CAPÍTULO 1 o ESTAdo A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você teráos seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conhecer os elementos constitutivos do Estado Moderno. 3 Analisar a evolução histórica do Estado Moderno e suas principais instituições políticas. 10 Estado e Sociedade 11 O EstadO Capítulo 1 ConTExTuALizAção Neste capítulo você encontrará uma abordagem sobre o Estado que analisa seus principais elementos constitutivos, destacando sua importância para a atual forma de Estado, bem como as diferentes matrizes teóricas que tratam de sua criação. Depois estudaremos suas finalidades de acordo com um leque diferenciado de matrizes teóricas com o objetivo de mostrar as diferentes interpretações sobre o que é responsabilidade do Estado. Por fim, abordaremos as principais referências da Ciência Política e suas análises sobre o Estado Moderno. O Estado, como ordem política da sociedade, é conhecido desde a Antiguidade, mas nem sempre sob esse rótulo. A pólis dos gregos ou a civitas e a res publica dos romanos traduziam a ideia de Estado, especialmente no que se refere à personificação do vínculo comunitário, à aderência imediata à ordem política e à cidadania. O Estado é o resultado de uma longa evolução histórica na forma de organização do poder. Poder: capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos mesmo contra sua vontade. Ele surge com traços mais definidos a partir das transformações políticas e sociais do século XVI, devido à desintegração do sistema feudal e ao surgimento do mercantilismo. O Estado Moderno nasce, portanto, como um desdobramento do Estado absolutista, marcado pelo fortalecimento dos reis e pela centralização do poder político. origEnS, EvoLução E Função do ESTAdo Dada a complexidade do Estado, é comum a dificuldade de conceituá-lo, tendo em vista que ele pode ser abordado sob diversos aspectos, além de ser variável quanto à forma por sua própria natureza. Dallari (1998, p. 67), jurista brasileiro formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, procurou imprimir todos os elementos que compõem o Estado em seu conceito: o “[...] Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.” 12 Estado e Sociedade Esse não é o únco conceito de Estado. A matriz marxista, por exemplo, entende o Estado como instrumento de dominação de classe, como resultado de um processo histórico expresso pelos grupos ou classes de maior poder, que institucionalizaram esse poder com a finalidade de garantir o excedente econômico. Como disse Engels (apud DALLARI, 1978, p. 120): “E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.” a) Origens Para um melhor entendimento sobre a origem do Estado, é importante saber que as abordagens podem ser divididas em dois níveis: um cronológico, ou seja, a respeito da época do aparecimento do Estado, outro relativo à sua justificativa, ou seja, relativo aos motivos que determinaram o surgimento dos Estados. Contudo, a noção de Estado que tem sido adotada pelas inúmeras correntes teóricas está ligada à sociedade política e aparece pela primeira vez em O Príncipe,de Maquiavel, em 1513. Na abordagem cronológica do surgimento do Estado, as teorias existentes podem ser agrupadas em três posições: • O Estado sempre existiu, pois desde que o homem surgiu se acha integrado numa organização social, dotada de poder e com autoridade para tomar decisão vinculatórias para todo o grupo. • A sociedade humana existiu sem o Estado que, posteriormente, foi criado para atender às necessidades dos grupos sociais. Como essas necessidades estavam ligadas às necessidades concretas de cada lugar, não houve concomitância na formação do Estado. • O Estado é uma sociedade política dotada de características bem definidas. Portanto, o Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos e localidades, mas é um conceito histórico concreto ligado à ideia de soberania, o que só ocorreu no século XVII. • Soberania: O Estado soberano é aquele que tem a posse de um território no qual o comando sobre seus habitantes se dá pela centralização do poder. Nesse caso, a força se torna um poder legítimo e de direito. 13 O EstadO Capítulo 1 Outro aspecto importante no estudo sobre o surgimento do Estado é o que trata da formação originária dos Estados ou de novos Estados a partir de outros preexistentes, designada como forma derivada. As teorias da formação originária do Estado estão assim divididas: • Teorias que afirmam a formação natural ou espontânea do Estado. Essas teorias têm em comum a afirmação de que o Estado se formou naturalmente, isto é, independeu da ação de indivíduos orientada para esta finalidade. • Teorias contratualistas que sustentam a formação contratual dos Estados. O elemento em comum é a crença em que foi a vontade de alguns/todos os seres humanos que levou à criação do Estado. • • Contratualistas: Compreende todas as teorias políticas que veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado natural e o começo do estado social e político. (BOBBIO, 1998, p. 272). No que se refere às causas determinantes do surgimento do Estado, as teorias não-contratualistas podem ser divididas em quatro grupos teóricos: • Origem familial ou patriarcal: tem como núcleo explicativo a família. Segundo essa teoria, cada família desde os tempos mais remotos se ampliou dando origem a um Estado. • Origem em atos de força, de violência ou de conquista: um grupo social mais forte submeteu os demais grupos, criando uma relação dominantes/ dominados, nascendo o Estado para regular os vencidos. • Origem em causas econômicas ou patrimoniais: o Estado teria sido formado para potencializar os benefícios da divisão do trabalho. Apesar de Platão, em A República, ter sugerido essa origem do Estado, é de Marx e Engels a teoria de maior repercussão. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. O Estado não só perpetuaria a divisão da sociedade em classes, mas também o direito da classe proprietária de explorar os não-proprietários. • Origem no desenvolvimento interno da sociedade: o Estado é um germe em todas as sociedades. Naquelas sociedades 14 Estado e Sociedade simples e pouco desenvolvidas o Estado não se desenvolve, mas nas sociedades mais desenvolvidas e mais complexas o Estado se torna uma necessidade. Nessa teoria, é o próprio desenvolvimento espontâneo da sociedade que dá origem ao Estado, não admitindo qualquer influência externa à sociedade, inclusive interesses de indivíduos/grupos. Atualmente, o processo mais comum de criação de Estados é por formação derivada, isto é, a partir de Estados preexistentes. Há dois processos típicos opostos, ambos igualmente usados na atualidade, que dão origem a novos Estados: o de fracionamento e o da união de Estados. Ocorre o processo de fracionamento quando uma parte do território de um Estado se desmembra e passa a constituir um novo Estado. Já o processo de união de Estados é marcado pela adoção de uma Constituição comum, desaparecendo os Estados que aderiram à União, passando a existir apenas um único Estado. Em síntese, com relação ao momento em que se considera criado um novo Estado, não há uma única regra. Entretanto, a maneira mais definida de se afirmar sua criação é o reconhecimento pelos demais Estados, conjugando todas as características que são comuns aos Estados, bem como agindo com independência e mantendo uma ordem jurídica interna. b) Evolução histórica do Estado Entender a evolução histórica do Estado significa fixar as formas fundamentais que o Estadoadotou durante os séculos. Essa compreensão é fundamental para formulação de uma tipificação do Estado, bem como para a descoberta de movimentos constantes que possibilitem o estudo das probabilidades quanto ao seu futuro. Apesar das críticas sobre a apresentação cronológica da tipologia do Estado, esse será o formato utilizado puramente com propósitos didáticos, que conjuga as diferentes épocas da história da Humanidade com as características do Estado em cada um desses momentos. Vamos sintetizar as características fundamentais do Estado, em suas formas mais diferenciadas, com o propósito de conhecer melhor o presente e conjeturar com mais segurança sobre o futuro do Estado. A seguir, observe a sequência cronológica adotada por Dallari (1998, p. 34): 15 O EstadO Capítulo 1 Fonte: Dallari (1998). TIPOS DE ESTADOS Estado Antigo Estado Grego Estado Romano Estado Medieval Estado Moderno O Estado Antigo, Oriental ou Teocrá- tico refere-se às formas de Estado mais recuadas no tempo, que apenas começavam a definir-se entre as antigas civilizações do Oriente propria- mente dito ou do Mediterrâneo. Não havia distinção aparente entre outras instituições, como família, religião, Estado e mercado. No entanto, podem-se destacar duas marcas funda- mentais dessa forma de Estado: a natureza unitária e a religiosidade. Em síntese, o Estado Antigo possui uma unidade geral sem qualquer divisão territorial além da influência predo- minante religiosa na organização do poder político e na fixação de normas de comportamento. Não havia um Estado único, mas várias cidades-es- tados, que apre- sentavam caracte- rísticas comuns. O ideal visado era a autossuficiência, a formação de uma cidade comple- ta, com todos os meios de se abastecer de forma independente. No Estado Grego o indivíduo tem uma posição peculiar. Há uma elite, por conta de uma cidadania restrita a uma minoria, que compõe a classe política, com in- tensa participação nas decisões do Estado. No entan- to, nas relações de caráter privado, a autonomia da vontade individual é bastante restrita. Uma de suas peculiaridades é a base familiar da organização, razão pela qual sempre se concederam pri- vilégios especiais aos membros das famílias patrícias, compostas pelos descendentes dos fundadores do Es- tado. Dessa forma, como no Estado Grego, durante muitos séculos, o povo participava diretamente do governo, mas deve-se considerar também apenas uma faixa restrita da população. Os diversos povos conquistados pos- suíam um status inferior aos roma- nos. A noção de superioridade dos romanos foi a base da unidade do Estado Romano. Emerge com as in- vasões bárbaras e a desintegração do Estado Romano. Os principais ele- mentos de caracte- rização do Estado Medieval foram: cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo. O cristianismo vai ser a base da aspira- ção à universali- dade. A estratégia de forjar uma sociedade política via cristianismo, conjugada com uma diversidade étnica e cultural introduzida pelas invasões bárba- ras, estimulava a concorrência das próprias regiões invadidas, resul- tando no apareci- mento de nume- rosos Estados. Esse quadro de instabilidade criou o germe do Estado Moderno. As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado Moderno. Os problemas enfrentados pelo sistema feudal como ampliação do número de proprietários, as altas tributações indiscriminadas e os altos custos de guerra fizeram surgir o embrião de um novo tipo de Estado, com a característica básica de unidade territorial dotada de um poder sobera- no. Era já o Estado Moderno, cujas marcas fundamen- tais, desenvolvidas espontaneamente, foram tornando-se mais nítidas com o passar do tempo. 16 Estado e Sociedade c) Funções do Estado Tanto na teoria quanto na prática o problema ligado à finalidade do Estado é de grande importância, pois para se ter uma ideia completa de Estado é imprescindível saber sobre seus fins. O desconhecimento de suas finalidades permite que algumas funções importantes, mas que correspondem a uma pequena parte do que o Estado deve realizar, sejam tomadas como finalidade única, em detrimento das demais. Em algumas teorias a legitimação das ações do Estado depende de sua adequação às finalidades, demonstrando que existe uma estreita relação entre os fins do Estado e as funções que ele desempenha. Podemos citar a valorização exacerbada das funções econômicas do Estado e a obsessão pela manutenção da ordem pública, com prejuízos visíveis à liberdade. Nesses exemplos, a preponderância naquelas funções contraria os fins do Estado, dado que a liberdade é um dos valores fundamentais do ser humano. Um primeiro grupo de classificação, de caráter mais geral, é aquele que estabelece os fins do Estado como objetivos e subjetivos. No que tange aos fins objetivos do Estado há duas ordens de respostas: • para uns existem fins universais objetivos, ou seja, fins comuns a todos os Estados de todos os tempos; • para outros (os evolucionistas) essa finalidade foi negada com base nos seguintes argumentos: os organicistas afirmam o Estado como um fim em si mesmo e os mecanicistas sustentam que a vida social é uma sucessão de acontecimentos inelutáveis, que não podem ser dirigidos para um fim específico. No que se refere aos fins subjetivos, o importante é a relação entre os Estados e os fins individuais, ou seja, os fins do Estado são a síntese dos fins individuais. Isso ajuda a entender a multiplicidade de concepções a respeito do Estado e de instituições do Estado, vistas não como criação da natureza, mas da ação transformadora da vontade humana. Outro gupo de fins, relacionado à amplitude das ações do Estado, engloba os fins expansivos, limitados e relativos. As teorias dos fins expansivos dão grande amplitude aos fins do Estado, defendendo o seu crescimento desmesurado de forma a anular o indivíduo. Essas teorias podem ser: - utilitárias, quando indicam como bem supremo o máximo desenvolvimento material, mesmo com o sacrifício de valores fundamentais; - éticas, que preconizam a absoluta supremacia de fins éticos. 17 O EstadO Capítulo 1 Outro grupo de fins, relacionado à amplitude das ações do Estado, engloba os fins expansivos, limitados e relativos: • Teorias dos fins expansivos: defendem o crescimento desmesurado do Estato de forma a anular o indivíduo e dividem-se em: – utilitárias: indicam como bem supremo o máximo desenvolvimento material, mesmo com o sacrifício de valores fundamentais; – éticas: preconizam a absoluta supremacia de fins éticos. • Teorias dos fins limitados: postulam a redução ao mínimo das atividades do Estado, admitindo a posição de mero vigilante da ordem social, sem nenhuma interferência, sobretudo na ordem econômica, tendo como função exclusiva proteger a liberdade individual de qualquer interferência seja individual, coletiva ou do Estado. • Teoria dos fins relativos: critica a formalidade da isonomia e defende que deve-se ultrapassar a igualdade jurídica que, apesar de imprescindível, não é suficiente, devendo garantir a igualdade de todos os indivíduos nas condições iniciais da vida social. Isonomia: Princípio jurídico que sustenta a igualdade jurídica. Dispositivo contido em diversas Constituições, afirma que “todos são iguais perante a lei”. Em síntese, o Estado tem um fim geral que é constituir-se em um meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins particulares. Dessa forma, conclui-se queo fim do Estado é o bem comum, entendendo-se por esta expressão os meios e elementos indispensáveis para que a população possa satisfazer suas legítimas necessidades. Cabe uma ressalva: esse objetivo está circunscrito a uma concepção particular de bem comum para cada Estado, bem como às peculiaridades de cada povo. Como anunciado no início do capítulo, não existe consenso com relação ao conceito de Estado. Isso também é válido para seus objetivos. As diferentes correntes teóricas que buscaram formatar e legitimar a ação do Estado têm seu início nos escritos de Maquiavel e se estendem até hoje. Na próxima seção, vamos entender essa justificava e objetivo do Estado a partir dos Clássicos da Ciência Política. 18 Estado e Sociedade Clássicos da Ciência Política: “Quando se fala que um pensador é um clássico significa que suas ideias permanecem. Significa que suas ideias sobreviveram ao seu próprio tempo e, embora elaboradas em um passado distante, são recebidas ainda hoje como parte constitutiva da nossa atualidade” (WEFFORT, 2000, p. 8) Atividade de Estudos: 1) Como vimos, são muitas teorias e abordagens sobre um mesmo conceito, o Estado. Para sintetizar, construa você mesmo um resumo do que foi dito. Qual a principal conclusão a que você chega com base no que foi dito? Quadro resumo - Teorias legitimadoras das ações do Estado Fins objetivos do Estado Fins subjetivos do Estado Fins expansivos, limitados e relativos do Estado 19 O EstadO Capítulo 1 niCoLAu mAquiAvEL: o ConCEiTo dE ESTAdo Você já deve ter ouvido que “[...] os fins justificam os meios”. Vamos agora nos deter no contexto em que essa ideia foi gerada, sua relação com a concepção de Estado e como nos influenciou até os dias atuais. O primeiro Clássico da Ciência Política a ser estudado é Nicolau Maquiavel (1469-1527). Nascido em Florença (Itália), entrou para a política aos 29 anos de idade. Durante seu exílio, que teve início em 1512, com o retorno dos Médici ao poder, escreveu suas duas principais obras: Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio e O príncipe (1979), que, embora muito distintas, forneceram as bases para novas concepções políticas, principalmente sobre o Estado. - O Príncipe – Nicolau Maquiavel. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores) - Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio – Nicolau Maquiavel. Tradução de MF. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Maquiavel (1979) contemplou a realidade de seu tempo, uma Itália dividida, fragmentada em muitos ducados e principados. Ele buscava explicar a política a partir das coisas como elas são, e não como deveriam ser, o que veio a ser definido como seu método: verdade efetiva das coisas. Como deve-se olhar para o real e não para o ideal, o autor sugere que o Príncipe deveria contar com dois elementos para levar o Estado a prosperar: virtú e fortuna. Virtú é utilizar os meios propostos e necessários para se chegar a um fim, sendo capaz de ser flexível às circuntâncias. Fortuna pode ser entendido como um conjunto de circunstâncias que não dependem da vontade dos indivíduos, que se estende desde as leis naturais até os acasos e contingências. Portanto, virtú e fortuna são conceitos relacionais, pois a virtú está em moldar as coisas como melhor interessar ao virtuoso. (MAQUIAVEL, 1979). 20 Estado e Sociedade Foram muitas as contribuições do autor para a teoria política moderna, mas sua principal contribuição foi o fato de ele separar política e moral. A grande inovação do pensamento político de Maquiavel é que ele diferencia de modo claro a esfera moral (isto é, como o príncipe deve agir para ser virtuoso, “bom”, cívico, honrado) da esfera estritamente política, afirmando sua autonomia e prioridade diante da primeira. Com esta afirmação, o autor postula uma ética própria à vida pública, não podendo ser efetivada a partir da ética cristã, claramente direcionada à vida privada. Bem mais tarde, Weber (1864-1920) formularia a mesma distinção, denominando a ética presente na esfera privada de ética da consciência e aquela presente na esfera pública de ética da responsabilidade. Maquiavel (1979) afirma que existem algumas virtudes que podem arruinar um Estado e vícios que podem salvá-lo, o que, utilizando uma análise moral tradicional (cristã), seria condenável, mas na ética política seria plenamente aceitável. Assim, o Estado para o autor é uma realidade em si e reconhece como principal finalidade manter a prosperidade e a grandeza do Estado, finalidade esta que vai para além do bem e do mal, como expresso em O Principe (1979): “o fim justifica os meios”. Isto não quer dizer que Maquiavel fosse amoral, como sugere o adjetivo “maquiavélico”. A ideia central é a de que existem “razões de Estado” que se justificam por si mesmas. Para isso, o príncipe deve conduzir o seu reino à unidade política, evitando que ele se fragmente ou perca força na competição com outros Estados, mesmo que para isto seja preferível ser “temido” que ser “amado” por seus súditos. (MAQUIAVEL, 1979). Por essas e outras razões o pensamento de Maquiavel acabou mal compreendido. O autor deve ser lido como um ideólogo da formação do Estado republicano e não do Estado absolutista. Em seu livro Discursos, ele definirá república como aquela na qual o príncipe, os aristocratas e o povo governam em conjunto, conduzindo os negócios públicos em equilíbrio para que resistam ao tempo. Defendendo a república, Maquiavel afirma que o Estado terá maior estabilidade se estiver assentado sobre a representação dessas três bases sociais. Documentário. Grandes Livros. Maquiavel. O Príncipe. Produção: Discovery Channel, ano 2006. A grande inovação do pensamento político de Maquiavel é que ele diferencia de modo claro a esfera moral da esfera estritamente política, afirmando sua autonomia e prioridade diante da primeira. 21 O EstadO Capítulo 1 TomAS HoBBES: o ConTrATo SoCiAL E o ESTAdo ABSoLuTiSTA Thomas Hobbes (1588-1679), nascido na Inglaterra, publicou em 1651 sua mais famosa obra intitulada Leviatã (2002), na qual expressou seu pensamento político. Hobbes também concebe um Estado soberano, levando ao limite a ideia de soberania (como o havia feito Bodin em seu livro Seis livros da República de 1567, afirmando que a soberania não teria qualquer limite, ou seja, como “potência absoluta e perpétua”). Baseado no pensamento hedonista, Hobbes (2002) afirma que o ser humano busca o prazer pautado puramente em seu instinto. Assim, o Homem nasce egoísta, colocando o bem do outro em segundo plano. Essa natureza humana é elaborada a partir do que ele denomina “estado de natureza”, instrumento de argumentação que procurava fundamentar a necessidade do Estado negando o “direito divino dos reis”. Hedonista: Doutrina moral que considera ser o prazer a finalidade da vida – há pessoas que professam naturalmente o hedonismo. Hobbes (2002) afirma existirem dois estados: o estado natural e o estado político. No estado natural, o poder de cada um é medido pela sua força efetiva, ou seja, o mais forte é superior ao mais fraco, neste estado “o homem é o lobo do homem”. Assim, o estado de natureza é um estado de todos contra todos, isto é, de permanente guerra. Isso porque no estado de natureza cada um possuiria um direito natural sobre todas as coisas, o que levaria a um conflito permanente sobre os recursos. Afirma ainda o autor que o homem é sociável por acidente e não por natureza, ele se sociabiliza para manter sua integridade. Assim, na teoria hobbesiana, o homem não é um ser social, sua sociabilidade é artificial, criada para sua própria segurança, pois somente o Estado poderá garantir a liberdade e a integridade do homem. Mas, de acordocom Hobbes (2002), os homens preferem a paz a viver em guerra permanente, pois apesar das diversas motivações humanas levararem-no à busca pelo poder, glória, riqueza e de proteger a própria vida em detrimento dos demais, predominam no indivíduo o medo da Na teoria hobbesiana o homem não é um ser social, sua sociabilidade é artificial, criada para sua própria segurança, pois somente o Estado poderá garantir a liberdade e a integridade do homem. 22 Estado e Sociedade morte violenta e a esperança de viver bem. Mas, para isso, seria necessário que cada indivíduo transferisse parte de seu direito natural sobre todas as coisas, por meio de um Contrato Social, para um único soberano, que estivesse acima de todos e que pudesse finalmente garantir a “paz civil”. Em síntese, sobre esse duplo impulso, das paixões e da razão, o homem cria o Estado para sua própria defesa e proteção. O Estado, invenção humana – e não mais divina – resultaria de um contrato de sujeição, de um acordo racional: “Autorizo este homem ou esta assembleia, e cedo-lhe meu direito de governar a mim mesmo, com a condição que tu lhe cedas teu direito e que autorizes todas as suas ações da mesma maneira.” (HOBBES, 2002, p. 131). Atividade de Estudos: 1) Como base no que você leu, descreva sucintamente o contexto da frase de Hobbes “o homem é o lobo do homem” e a relação com sua teoria do Estado. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ JoHn LoCkE: o ConTrATo SoCiAL E o ESTAdo LiBErAL John Locke, nascido em 1632, na Inglaterra, era adepto do jusnaturalismo. Em “Dois Tratados sobre o Governo Civil”, publicado em 1689, defende que a sociedade civil não deriva diretamente da sociedade natural. Afirma que o estado de natureza é marcado pela sociabilidade natural, ou seja, os seres humanos são levados a conviver entre si por necessidade e conveniência. Tal sociabilidade é 23 O EstadO Capítulo 1 resultado aleatório e hipotético da liberdade humana, dotada de razão. Assim, a sociedade resulta do encontro dos seres humanos que, transformados em pessoa pelo exercício da liberdade e da razão, podem ou não reforçar os laços de sua sociabilidade natural. (LOCKE, 1978). Jusnaturalismo: justifica o poder político do Estado baseado na ideia de direito natural. Locke (1978), embora também utilizasse a mesma linguagem do “direito natural” e doutrina contratualista de Hobbes (2002), discorda em relação à natureza humana e ao absolutismo, reformulando esses conceitos de modo a compatibilizar as liberdades individuais e a defesa da propriedade privada com o Estado. Por tentar compatibilizar autoridade e liberdade, Locke pode ser considerado como um dos principais teóricos do liberalismo político. Ao contrário de Hobbes (2002), que define o Estado de Natureza como sendo caótico e marcado pelos desejos individuais, a “sociedade natural”, para Locke (1978), não é uma sociedade em permanente conflito. Nela vigora a lei natural, universalmente percebida pela razão, regendo todos os homens e tudo que existe. Nenhum homem deve prejudicar o outro e todos têm o direito de se defender e se prevenir de uma ofensa ou agressão, buscando ser ressarcido pelos danos sofridos. Também defende o direito de que os cidadãos poderiam se rebelar contra uma autoridade injusta. Mais do que isso, os homens têm competência para firmarem contratos entre si. Diferente de Hobbes, que admite que a característica da lei natural é a autopreservação, Locke (1978) defende que a lei natural é a preservação da humanidade, do coletivo. Os seres humanos, assim, resolvem viver em sociedade pelo seu próprio consentimento. Cada homem é um ser livre, no sentido de que pode dispor de si próprio e de seus bens, não estando sujeito à vontade de nenhum outro e individualizado por sua liberdade natural, cada um se afirma como igual diante dos demais, dotados todos das mesmas faculdades. No estado de natureza, os indivíduos possuem direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade, legitimados pelo trabalho. Cabe ao Estado, portanto, preservar esses direitos individuais que foram dados no estado de natureza que é regido pelas leis naturais. No Estado de Natureza, o poder político está disperso entre os indivíduos e sujeito a julgamentos parciais e interessados. Como solução, os homens fazem 24 Estado e Sociedade um pacto entre si, pelo qual reconhecem o direito de delegar o poder de legislar e impor a lei a seus legítimos representantes. No entanto, esse pacto não é de submissão, mas sim de confiança, já que pode ser retirada a qualquer momento caso os governantes não atuem de acordo com as regras aceitas por consenso. Assim, afirma Locke (1978), só o consentimento pode legitimar o exercício do poder do Estado, pois todos, sendo igualmente livres, têm o direito de viver conforme julgarem adequado. Portanto, para Locke (1978), o Estado tem o dever e a obrigação de proteger a sociedade, mas não deve obrigar os súditos a transferir toda a sua liberdade para a figura do Rei. Cabe ao Estado proteger a cada um dos indivíduos e seu direito à propriedade, desde que isso seja compatível com a preservação da coletividade e do bem comum. JEAn-JACquES rouSSEAu: o ConTrATo SoCiAL E o ESTAdo LiBErAL Jean-Jacques Rousseau, filósofo iluminista, nascido em Genebra, na Suíça, em 1712, formulou ideias críticas em relação a doutrinas anteriores de contratualismo (Hobbes e Locke), que estão no livro Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens, de 1755, e no Do contrato social, publicado em 1762. Rousseau contribuiu de forma fundamental à teoria política ao criticar os intelectuais consagrados de sua época, como Hobbes e Locke, que buscavam respostas para as questões sobre o estado de natureza, o direito natural e os limites ao poder soberano. Para Rousseau (1978), o contrato social é importante como processo de humanização, pois onde havia homens astutos e egoístas, passa a existir patriotas e cidadãos. De forma bastante radical, o autor inverte o argumento hobesiano, afirmando que o “[...] homem é bom por natureza; é a sociedade que o corrompe”. Na obra Discurso sobre a origem da desigualdade, Rousseau define o estado de natureza como sendo anterior ao estado da razão, quando ainda não havia avanços no uso de uma linguagem comum nem sociedade bem constituída. No estado de natureza, os seres humanos não poderiam ser orientados por leis racionais, como defendia Locke, portanto, não poderia haver um código moral obrigatório. Mas afirma que o homem selvagem seria orientado por dois princípios fundamentais anteriores à razão: a busca pela autoconservação e a piedade natural. (ROUSSEAU, 1978). Afirma Locke(1978), só o consentimento pode legitimar o exercício do poder do Estado, pois todos, sendo igualmente livres, têm o direito de viver conforme julgarem adequado. 25 O EstadO Capítulo 1 Além disso, o “contrato social”, isto é, o acordo feito entre cidadãos livres para definir a autoridade, é menos fruto da soma das razões individuaise mais expressão de uma vontade geral. Essa vontade geral supõe que cada um se dê inteiramente, no ato de formação do povo pelo qual a vontade geral se engendra. Por esta razão, no “contrato social”, cada um, unindo-se a todos, não obedece, entretanto, senão a si mesmo e encontra sua verdadeira liberdade na obediência à lei feita por ele próprio. A vontade geral tem por objetivo o bem comum, sendo essa inalienável, indivisível, não podendo ser representada. O autor demonstra- se, portanto, crítico à democracia representativa, em que o exercício do poder político ocorre por intermédio de representantes, contrariando a ideia fundamental da vontade geral. Dessa forma, para manter a ordem e evitar maiores desigualdades, os homens criaram a sociedade política, a autoridade e o Estado por meio de um contrato. Por esse contrato o homem cede parte de seus direitos naturais ao Estado, criando uma organização política com vontade própria: a vontade geral. Dentro dessa nova organização o indivíduo possui uma parcela do poder, recuperando uma parcela da liberdade perdida em função do contrato. O Estado rousseauniano é um Estado que garante a cada indivíduo seus direitos, em decorrência da própria natureza do poder político e de seu exercício democrático. Assim, a imagem desse Estado é a do povo ativo, exercendo a sua soberania diretamente. Ao colocar a origem do Estado na “vontade geral”, isto é, no povo em sua unidade, Rousseau contribuiu enormemente para os ideais da Revolução Francesa. CHArLES dE monTESquiEu: A SEPArAção doS PodErES Charles-Louis de Secondat ou Barão de Montesquieu (1689-1755), nascido na França, retoma a discussão sobre o conceito de despotismo, definindo-o como um Governo no qual “[...] um, sozinho, sem leis nem freios, arrasta tudo e todos ao sabor de sua vontade e de seus caprichos.” (MONTESQUIEU apud BOBBIO, 1998, p. 343). Montesquieu, em seu livro O Espírito das Leis, publicado em 1748, utiliza-se de outro citério de classificação dos governos. Além do critério numérico, cria outro chamado “princípio do Governo”, correspondendo ao modo de exercê-lo: baseado em leis fixas e estáveis (monarquia); sem leis e sem regras (despotismo). A imagem desse Estado é a do povo ativo, exercendo a sua soberania diretamente. 26 Estado e Sociedade A ideia de divisão dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) nasce da necessidade de se dividir o poder absoluto e concentrado. O objetivo é contrapor as ideias absolutistas, que justificavam a concentração dos poderes nas mãos de um soberano, pois a vontade do soberano se confundia com a vontade do Estado,exemplificada pela célebre frase de Luis XIV: “L’Etat c’est moi” (O Estado sou eu). A história da separação dos poderes é a história da evolução da limitação do poder político. Ao longo da história a ideia de limitação de poder é desenvolvida principalmente na Inglaterra. O modelo inglês serviria de inspiração a grande parte das nações democráticas modernas, dando início ao que se entende por Estado de Direito ou Estado Constitucional – que tem como elemento essencial a separação dos poderes. Locke (1978) também pode ser considerado um teórico da separação dos poderes. Ele defendeu que para uma lei ser imparcialmente aplicada é necessário que não sejam os mesmos homens que a façam, representando a separação dos poderes Executivo e Legislativo. Para Locke (1978), o principal poder é o Legislativo e os demais devem estar subordinados a ele. Mas é Montesquieu (1982) o responsável pela inclusão expressa do poder de julgar dentre os poderes fundamentais do Estado. Segundo ele: quando, na mesma figura da Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou mesmo um corpo de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis (Legislativo); o de executar as resoluções públicas (Executivo) e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares (Judiciário). (MONTESQUIEU, 1982). A partir de 1789, a separação dos poderes passa a ser considerada fundamental em qualquer constituição. Assim, essa técnica para a limitação do poder é posta em prática nas Revoluções Liberais dos séculos XVII e XVIII, em resposta aos abusos da concentração de poderes nas mãos do soberano, típica do Estado Absolutista. Em síntese, a teoria da separação de poderes, que deu origem ao sistema de freios e contrapesos, incorporou-se ao constitucionalismo, tornando-se um elemento eficaz e necessário para evitar a formação de governos absolutos. Foi assim que a separação dos poderes se transformou em elemento indispensável do Estado Moderno, chegando-se a sustentar a impossibilidade de existir democracia sem o mecanismo de sepação dos poderes como meio de assegurar a liberdade dos indivíduos. A separação dos poderes se transformou em elemento indispensável do Estado Moderno. 27 O EstadO Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Considerando o texto apresentado, resuma a ideia central da separação dos poderes em Montesquieu. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ALgumAS ConSidErAçõES O que pode-se observar a partir das discussões realizadas até este ponto, é a tentativa de criar os contornos de um Estado que atua em prol da ordem e intermediação de interesses comuns pelos autores clássicos, que a sua época buscavam, por caminhos diferentes, responder às suas inquietações frente à realidade política e social em que se encontravam. Por trazerem contribuições importantes para a configuração de uma teoria sobre o Estado e a política, esses pensadores passaram a ser reconhecidos como Clássicos da Política. Cada autor mostrou, a seu modo, a preocupação com a manutenção e o estabelecimento de uma ordem social. Além disso, construiram argumentos em torno da importância do governo e de uma relação baseada no consentimento entre governantes e governados. Criaram uma interpretação de sociedade, de política, de governo e de Estado e tornaram-se referência no estudo sobre o Estado. rEFErênCiAS BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Varrialle e colaboradores. 11. ed. Brasília: Ed. UnB, 1998. v. 1. _____. Estado Governo Sociedade: Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1998. HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Martin Claret, 2002. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil e Carta Acerca da Tolerância. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). MONTESQUIEU, C. de S. Do Espírito das Leis. Brasília: Ed. Unb, 1982. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. S. Paulo: Abril Cultural 1978. WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed.São Paulo: Ática, 2000. v. I e II. CAPÍTULO 2 AS ExPLiCAçõES SoCioLógiCAS dE FunCionAmEnTo dA SoCiEdAdE A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conhecer os principais conceitos sociológicos, as principais correntes teóricas da sociologia e seus fundamentos metodológicos. 3 Analisar o potencial explicativo de cada teoria para as questões da sociedade contemporânea. 30 Estado e Sociedade 31 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 ConTExTuALizAção Neste capítulo vamos apresentar as principais teorias sobre a sociedade moderna, como a conceberam os três autores clássicos da sociologia, Marx, Durkheim e Weber, que têm como referência a sociedade europeia do século XIX. Apesar de suas reflexões serem motivadas por acontecimentos de seu tempo e espaço, ainda são de extrema importância para nossa compreensão e explicação da sociedade contemporânea. Muitos conceitos e termos cunhados por esses autores permanecem atuais. Para tanto, é necessário compreender o contexto histórico de surgimento dessas principais teorias sociológicas e os métodos que as constituem. Mas, o que é a sociedade? A definição mais geral pode ser assim resumida: [...] é um tipo especial de sistema social que, como todos os sistemas sociais, distingue-se por suas características culturais, estruturais, demográficas e ecológicas, além de definido por um território dentro do qual uma população compartilha de uma cultura e estilo de vida comuns, em condições de autonomia e independência e autossuficiência relativa. (JOHNSON, 1997, p. 213). Todavia, a sociedade não é um mero conjunto de indivíduos vivendo juntos em um determinado lugar, é também a existência de uma organização social, de instituições e leis que regem a vida dos indivíduos e suas relações mútuas. Fazendo essa reflexão, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber elaboram seus argumentos orientados pelo dilema da oposição entre indivíduo e sociedade. Vejamos, primeiramente, como Marx analisa a sociedade. kArL mArx (1818-1883) Nascido na Alemanha, produziu a maior parte de suas análises tendo as sociedades alemã, francesa e inglesa como objeto de estudo. Suas principais obras foram O Capital, A Ideologia Alemã (1846), O Manifesto do Partido Comunista (1848) e Para a Crítica à Economia Política (1859). Esse autor elaborou suas proposições para além do seu caráter teórico e propôs uma intervenção direta na sociedade a partir dos seus escritos. Para Marx, a análise da sociedade deve ser realizada por meio de uma perspectiva dialética que, além de procurar estabelecer as leis de mudança que regem os fenômenos, esteja fundada no estudo dos fatos concretos, a fim de expor o movimento do real em seu conjunto. Segundo esta perspectiva, partimos dos indivíduos reais, isto é, a sua ação e as suas condições materiais de existência. 32 Estado e Sociedade Dialética: A Perspectiva dialética refere-se à mudança, ao movimento, ao antagonismo e à transformação. Significa argumentar em busca da “verdade” por meio de oposição e conciliação de contradições históricas. Marx (1978a) acredita que são as relações econômicas que explicam todas as relações sociais existentes na sociedade. Nesse sentido, olha para a forma como os seres humanos produzem tudo aquilo necessário à sua subsistência, pois é nesta produção material da existência – que se organizam de modo hierárquico entre os que são proprietários dos meios de produção e os que não sendo proprietários são obrigados a vender sua força de trabalho – que a sociedade de estrutura. Vejamos o que diz Marx no prefácio da obra Para a crítica à economia política (1978a, p. 130): “[...] o modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual.” O Materialismo histórico. De acordo com Giddens (2005), o materialismo histórico institui que as relações materiais que os homens estabelecem para produzir seus meios de vida formam a base de todas as suas relações. As ideologias, concepções, gostos e crenças, gerados socialmente, dependem do modo como os homens se organizam para produzir. Portanto, o pensamento e a consciência são, em última instância, decorrência das relações materiais. Um aspecto central é a ideia de que a sociedade se encontra dividida em classes sociais. A primeira, chamada de burguesia, detentora dos meios de produção, é a classe dominante, e a outra, o proletariado, que vende sua força de trabalho, é a classe dominada. Com base no método de Marx, a posição ocupada por um indivíduo na esfera econômica determina sua posição nas outras esferas da sociedade. Portanto, é a partir das relações estabelecidas na produção, das condições materiais de existência, que se origina seu modo de vida. 33 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 Classes sociais: Classe social é um conjunto de indivíduos que ocupa a mesma posição nas relações de produção. Meios de Produção: Tudo necessário para a produção de um bem. Ex.: terra, matéria-prima, ferramentas, máquinas. Assim, para a produção de sua existência, os indivíduos estabelecem relações sociais na esfera econômica, chamada de relações de produção que, por sua vez, dependerá do grau de desenvolvimento das forças produtivas. O conceito de relações sociais de produção refere-se às formas estabelecidas de distribuição dos meios de produção e do produto e ao tipo de divisão social do trabalho numa dada sociedade em um período histórico determinado. O modo de produção expressa o modo como os seres humanos se organizam para produzir; as formas que existem de apropriação dos meios de produção; quem toma decisões que afetam a produção e as diversas maneiras pelas quais se produz e se reparte o produto. O conceito de forças produtivas é expresso na ação dos indivíduos sobre a natureza, isto é, sua tecnologia, processos e modos de cooperação, a divisão técnica do trabalho, habilidades e conhecimentos utilizados na produção, os instrumentos e as matérias-primas. Nas relações de produção capitalista, os burgueses se apropriam do excedente de riqueza produzido pelos operários, ou seja, a mais valia. A forma de organização do trabalho na sociedade capitalista, isto é, a jornada de trabalho, obriga o operário a trabalhar durante um período maior que o tempo necessário para produzir o equivalente ao seu salário. Este tempo excedente em que ele está trabalhando gera lucro ao burguês. É o excedente de riqueza produzido pelo proletário nessas horas a mais o que Marx chama de mais valia. Essa relação aliena o trabalhador duplamente: do fruto de seu trabalho e do conhecimento do processo produtivo. Marx dirá “[...] a história de todas as sociedades até agora tem sido a história das lutas de classe” (MARX; ENGELS, 34 Estado e Sociedade 1998, p. 8) e, acrescenta, é esta luta o motor da história. Por esse motivo, o conflito é inerente à própria sociedade e a característica principal da sociedade capitalista é o antagonismo de classes. A classe que controla o sistema econômico no capitalismo controla, também, direta ou indiretamente, todas as outras esferas e instituições relevantes para a sociedade. Isso porque as relações de produção constituem a base, a infraestrutura das sociedades. Sendo a base, ergue-se sobre ela uma superestrutura social coerente com a infraestrutura econômica. Fazem parte da superestrutura o Estado (governo), o sistema militar, o direito, o sistema educacional e outras instituições criadas com a finalidade de organizar a vida social. A superestrutura comportaria, ainda, a instância ideológica, formada pelo conjunto de ideias, imagense representações sociais em geral. Portanto, haveria uma relação de determinação entre a maneira com que o grupo humano concreto organiza suas condições materiais de existência – chamada de modo de produção – e o formato e o conteúdo das demais organizações e instituições sociais bem como as ideias gerais presentes nas relações sociais. Isso porque a função primeira da superestrutura seria a de produzir as condições jurídicas e políticas necessárias para a reprodução do respectivo modo de produção. Em síntese, para Marx, é a classe social quem determina o grau de influência que um indivíduo tem na sociedade. Desse modo, não é somente a vontade individual que deve ser considerada na história da vida de qualquer um de nós. A classe social a qual pertencemos determinará as oportunidades, as visões de mundo e o modo como a sociedade aceita nossas opiniões, bem como o quanto de autonomia individual nos será permitido ter. Portanto, a sociedade é constituída de classes sociais, as quais se encontram, no capitalismo, em um conflito permanente que só poderá ser superado com o fim do modelo econômico e a chegada da classe trabalhadora ao poder. A sociedade é constituída de classes sociais, as quais se encontram, no capitalismo, em um conflito permanente que só poderá ser superado com o fim do modelo econômico e a chegada da classe trabalhadora ao poder. 35 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Você identifica a relação de dominação entre classes sociais, como analisado por Marx, na sociedade contemporânea? Justifique sua resposta a partir de um exemplo ou situação descrita. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ÉmiLE durkHEim (1858-1917) Nascido na França, na segunda metade do século XIX, viveu grande parte da turbulência da sociedade de seu tempo. Da divisão do trabalho social é o seu primeiro grande livro e também aquele em que se reconhece mais claramente a influência do positivismo. O positivismo é uma maneira de pensar baseada na suposição de que é possível observar a vida social e reunir conhecimentos confiáveis, válidos, sobre como ela funciona, podendo ajudar a modificá-la. Seu precursor foi Auguste Comte, que acreditava que a vida social era governada por leis e princípios básicos que podiam ser descobertos por meio de métodos das ciências exatas, principalmente a física. Cabe destacar que o positivismo é um conceito que possui diferentes significados, abarcando perspectivas filosóficas e científicas do século XIX e XX. Por isso, falamos em positivismos. (JOHNSON, 1997, p. 179). 36 Estado e Sociedade Durkheim (2003), analisando a crise social pela qual passava a França, acreditava que sua origem estava no desregramento da sociedade e que a solução estava na criação de instituições capazes de se impor aos membros da sociedade e eliminar os conflitos, tendo como foco a busca pela coesão social. Coesão social refere-se à influência das forças sociais e das instituições sobre os indivíduos e que lhes permite viver juntos, num certo consenso e ordem social. Portanto, para Durkheim (2003), a sociedade tem precedência lógica sobre o indivíduo. Assim, a sociedade é resultado de um conjunto de normas e regras coletivas produzidas no âmbito da vida social. Os fatos sociais condicionam de modo efetivo todas as visões e ações realizadas pelo indivíduo ao longo de sua vida. Fato social consiste em maneiras coletivas de pensar, sentir e agir, exteriores ao indivíduo e dotadas de um poder de coerção que determina a ação individual. Dentre as três características do fato social: generalidade, exterioridade e coercitividade, esta última é expressa pelas diferentes sanções seja de caráter jurídico (penas e condenações) ou meramente moral (reprimendas e atitudes) às quais o indivíduo está sujeito, situação que demonstra a sua submissão à vida social. Assim, toda transgressão aos padrões e valores tidos como “normais” possui um custo a ser pago por aquele que os viola. A principal ideia que decorre desta análise é o conceito de consciência coletiva. Durkheim a define, em seu livro Da divisão do trabalho social, como: “[...] o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade.” (ARON, 2002, p. 463). A consciência coletiva só existe em virtude dos sentimentos e crenças presentes nas consciências individuais, mas se distingue, pelo menos analiticamente, destas últimas, pois evolui segundo suas próprias leis. Assim, a consciência coletiva não é apenas a soma das consciências individuais. Durkheim percebeu a importância de se compreender os fatores que explicam a organização social, isto é, compreender o que garante a vida em sociedade 37 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 e uma ligação (maior ou menor) entre os indivíduos. Conclui que os laços que prendem os indivíduos uns aos outros são dados pela solidariedade social, uma espécie de cimento social. Assim, podemos afirmar que a solidariedade social se dá pela consciência coletiva, pois essa é responsável pela coesão entre as pessoas. Assim, a sociedade é para Durkheim uma entidade moral. A solidariedade social deriva do grau de compartilhamento de crenças e valores e a frequência e intensidade da interação entre os membros de um grupo. Para analisar a relação entre o indivíduo e a coletividade, Durkheim começa distinguindo duas formas de solidariedade social: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. A primeira é uma solidariedade por semelhança. Quando esta forma de solidariedade domina uma sociedade, os indivíduos diferem pouco uns dos outros, pois possuem os mesmos sentimentos e valores. Já a solidariedade orgânica é baseada na diferenciação dos indivíduos, como os órgãos de um corpo humano em que cada um desempenha uma função específica. É porque dependemos uns dos outros, já que não conseguimos apreender tudo o que nos cerca ou porque nossos valores são diversificados, que continuamos a viver em sociedade. Apesar da divisão do trabalho promover a diferenciação dos indivíduos, ela própria cria a dependência recíproca entre os indivíduos. Assim, a divisão do trabalho, característica central da sociedade industrial, é responsável por criar uma nova forma de solidariedade (solidariedade orgânica) responsável por manter a coesão social. (DURKHEIM, 2003). Segundo ele, durante períodos de transição podem ocorrer “falhas” no sistema social e estas podem gerar distorções que precisam ser corrigidas. Os conflitos sociais que permanecem na sociedade são explicados por Durkheim por meio do conceito de anomia, ou seja, pela ausência de regras e normas capazes de manter a coesão social. (DURKHEIM, 2003). Polemizando com o Marxismo, Durkheim (2003) entende que não é a economia o centro dinâmico que explica tudo o que acontece na sociedade, são as normas e regras e sua aplicação na vida social que dão conta de explicar a sociedade. Dessa maneira, a desigualdade social não deve ser explicada pela existência do capitalismo. Nesse sentido, a divisão do trabalho e a alienação, diferentedo que defendia Marx, podem ser vistas como parte do cimento social que gera a interdependência entre os indivíduos e os mantêm juntos. (GIDDENS, 2005). A sociedade é para Durkheim uma entidade moral. 38 Estado e Sociedade Desse modo, a desigualdade aparece, na visão durkheimiana, como consequência de uma falha moral, uma anomia que impossibilita a divisão do trabalho de exercer o seu papel de produtora de solidariedade social. Para solucionar esta questão, é necessária a introdução de normas e regras na vida econômica. Em síntese, ao mesmo tempo em que se diferencia de Marx, pois concebe a sociedade como uma entidade moral que deve funcionar como um organismo, o autor se aproxima da teoria marxiana por trabalhar com a chamada unicausalidade para a explicação dos fenômenos sociais, elemento que o distancia do autor que estudaremos a seguir, Max Weber. A teoria marxiana diz respeito aos escritos do próprio Karl Marx. Portanto, os marxistas são aqueles que escreveram depois e utilizaram a teoria e o método elaborado por Marx. Por unicausalidade se deve entender a explicação de um fenômeno social a partir de uma única causa geradora de todo o processo. mAx WEBEr (1864-1920) Um dos fundadores da sociologia viveu durante a construção da estrutura estatal e econômica da Alemanha de Bismarck (foi o estadista mais importante da Alemanha do século XIX, responsável por levar os países germânicos a conhecer pela primeira vez na sua história a existência de um Estado nacional único). O autor rejeita a unicausalidade como forma de explicar os fenômenos sociais, uma vez que estes possuem múltiplas faces, portanto, podem ser explicados por mais de uma causa. Em debate explícito com as teses de Marx, o autor produz um estudo que se tornou clássico, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904), que refuta a unicausalidade ao demonstrar que as reformas religiosas e suas consequências comportamentais são uma explicação tão viável para o surgimento do capitalismo como a dinâmica das relações econômicas. Dentre seus escritos mais conhecidos destacam-se: Economia e Sociedade (1920), A ciência como vocação (1917) e A política como vocação (1919). 39 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 No que se refere à sociedade contemporânea, Weber também se afasta de Marx e Durkheim ao não acreditar que as estruturas eram externas aos indivíduos ou que eram independentes destes. Ao contrário, as estruturas da sociedade eram formadas por uma complexa rede de ações recíprocas. Weber também não acreditava em uma possibilidade de solução otimista para os problemas identificados, pois a perda de autonomia individual – contradição central percebida por ele na sociedade – não pode ser superada, dado o crescente processo de racionalização da sociedade contemporânea. Ele temia que a disseminação da burocracia para as diversas áreas da vida nos aprisionasse em uma “jaula de ferro” da qual seria muito difícil escapar. A ideia central é que a dominação burocrática, ainda que baseada em princípios racionais, poderia esmagar o espírito humano, tentando regular todas as esferas da vida social. Racionalização: É a organização da vida social e econômica, segundo os princípios da eficiência e com base no conhecimento técnico. Dominação Burocrática: É um tipo de organização formal no qual o poder é distribuído em uma hierarquia rígida com nítidas linhas de autoridade. Diferentemente de Marx e Durkheim, Weber (1994) defende uma tese na qual toma o indivíduo como unidade mínima de análise e vê na compreensão do sentido dado pelos indivíduos às suas ações o objetivo da reflexão sociológica. No que se refere à relação entre indivíduos e sociedade, entende que são os indivíduos, através de suas ações dotadas de sentido, que constroem a sociedade. Isso significa que a sociedade é resultado de uma combinação não intencional das mais diversas ações realizadas pelos atores sociais. Assim, o objeto de investigação sociológica deve ser a conduta humana dotada de sentido. Para explicar essa conduta, Weber (1994) cria o conceito de ação social, ou seja, toda ação realizada pelo indivíduo, levando em consideração a ação dos outros atores sociais. 40 Estado e Sociedade Por ação social, Weber compreende qualquer ação que o indivíduo faz orientando-se pela ação dos outros, sendo dotada e associada a um sentido. Para ele, a ação social, seria aquela marcada pelo seu caráter subjetivo. (WEBER, 1994). Do ponto de vista analítico, as ações sociais podem ser de quatro tipos: Fonte: Alcântara (2007). A ação social é a unidade mínima de decomposição da conduta humana individual e por sua vez, a relação social é sua expressão coletiva. Para Weber (1994), a relação social é definida como a conduta de vários, estando referida reciprocamente conforme seu conteúdo significativo e orientando-se por essa reciprocidade. Os indivíduos se relacionam por suas ações sempre que estas, em seu sentido subjetivo, possuem caráter recíproco. Considerar a importância do “sentido” na ação humana implica observá-lo não só na iniciativa das pessoas, na iniciativa de sua ação individual, mas também considerá-lo como sentido já objetivado em instituições, na tradição e no costume, capazes de orientar numa mes ma direção as ações dos indivíduos de um grupo. Em síntese, para Weber (1994), a sociedade é fruto de ações racionais dos seres humanos que fazem suas escolhas conscientemente dentro da sociedade. São indivíduos dotados de racionalidade que pensam e analisam. Esses indivíduos são mais importantes que a sociedade, já que são eles que “dão vida” à sociedade. Assim, a sociedade seria uma totalidade constituída de uma multiplicidade de interações sociais. Ação tradicional Ação Afetiva Ação Racional com relação a valores Ação Racional com relação a fins Quando é motiva- da por um hábito arraigado ou um costume. É aquela deter- minada por afe- tos ou estados emocionais. É determinada pela crença consciente num valor conside- rado importante, independen- temente do êxito desse valor na realidade. É aquela determinada pelo cálculo racional que estabelece fins e organiza os meios necessários. Ex.: Comemorar o natal. Ex.: Torcer por um time. Ex.: Capitão que se deixa ir ao fundo com um navio. Ex.: Especulador que se esforça por ganhar dinheiro. A sociedade seria uma totalidade constituída de uma multiplicidade de interações sociais. 41 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 ALgumAS ConSidErAçõES O entendimento da sociedade seja por meio das regras e normas que organizam a nossa vida (visão Durkheimiana), seja pelas classes sociais com as quais compreendemos a nossa realidade econômica (perspectiva Marxista), ou, ainda, pela percepção da subjetividade e da ação individual e suas múltiplas motivações (abordagem Weberiana) constitui a matriz clássica da sociologia. Assim, os clássicos abordaram a sociedade a partir de ângulos diferentes, como três observadores em posições diferentes tirando uma fotografia de um mesmo edifício. Apesar de um mesmo objeto, a posição dos observadores, o método e o contexto histórico influenciaram na produção de suas explicações sobre a sociedade e sua relação com os indivíduos. Para Émile Durkheim, o ser humano é coagido a seguir determinadas regras em sociedade. Essa coerção é desempenhada pelos fatos sociais que constrangem o indivíduo a seguir normas sociais que lhe são impostas desde seu nascimento. Assim, a consciência coletiva, que é mais que a soma das vontades individuais, constituiria a própria sociedade. Já para Karl Marx, a sociedade é constituída por classessociais. As relações sociais capitalistas se reproduzem por meio de ideologias dos que possuem o controle dos meios de produção com a finalidade de exploração do trabalhador para obter a mais valia e manter sua posição de classe dominante. Max Weber, apesar de não ter uma teoria geral da sociedade, aponta que a ação social desempenhada por indivíduos autônomos, quando associada a outros indivíduos, produz relações sociais que levam à origem do que ele entende por sociedade. Ao longo das últimas décadas, cada vez mais os estudos sociológicos têm demonstrado que a relação entre a sociedade e o indivíduo deve ser compreendida como parte de um contexto histórico-social em que uma relação dinâmica se estabelece entre o ser e a coletividade. Nesse sentido, o mais importante não é a precedência de um sobre o outro, mas a interdependência entre eles. Assim, só se pode chegar a uma compreensão clara da relação entre o indivíduo e a sociedade quando se percebe a mútua interdependência entre estas duas dimensões da vida social. 42 Estado e Sociedade Atividade de Estudos: 1) Das três visões sobre a relação entre indivíduo e sociedade apresentadas pelos autores (Marx, Durkheim e Weber), qual delas você considera mais pertinente para analisar o contexto atual? Justifique sua escolha. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ rEFErênCiAS ALCÂNTARA, Fernanda Henrique Cupertino. Os clássicos no cotidiano. São Paulo: Arte & Ciência, 2007. ARON, Raymond. As etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DURKHEIM, E. O suicídio. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). _____. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2003. GIDEENS, Anthony. Capitalismo e Moderna Teoria Social. Lisboa: Editorial Presença, 2005. 43 As ExplicAçõEs sociológicAs dE FuncionAmEnto dA sociEdAdE Capítulo 2 JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. MARX, K. ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. In: COUTINHO, C. N. (Org.) O manifesto do partido comunista 150 anos depois. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. _____. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1978a. (Os Pensadores). _____. O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978b. WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UnB, 1994. CAPÍTULO 3 rELAção ESTAdo E SoCiEdAdE A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conhecer a distribuição de poder na sociedade e a relação entre as elites e o Estado. 3 Examinar como são influenciadas as decisões governamentais. 46 Estado e Sociedade 47 Relação estado e sociedade Capítulo 3 ConTExTuALizAção Nos capítulos anteriores, estudamos o Estado e a sociedade separadamente. No caso do Estado, analisamos seus fundamentos e algumas abordagens teóricas sobre sua gênese, evolução e finalidades. No caso da sociedade, vimos as principais perspectivas teóricas de explicação sobre ela e sua relação com os indivíduos. Agora, veremos as principais teorias que explicam a relação entre Estado e sociedade. A construção de cada abordagem pressupõe uma forma diferente de constituição e distribuição do poder político, sendo este o principal recurso utilizado pelos diferentes grupos para dar concretude a seus interesses. Para o estudo sobre o Estado e a sociedade torna-se pertinente compreender as diferentes formas de intermediação de interesses, que adquire uma forma ou outra dependendo de como se concebe tanto a natureza do Estado quanto o próprio modo de funcionamento da sociedade. O estudo da relação entre Estado e sociedade tem como elemento de mediação as políticas públicas, entendidas como ações ou propostas – promovidas pelos governos – de regulação dos múltiplos problemas e contradições das sociedades contemporâneas. Assim, toda política pública – ou ação do Estado – se depara com alguma forma de conflito de alocação de recursos e oportunidades. Então, a partir de agora, vamos entender como ocorre essa relação e quais os argumentos mais importantes das três principais abordagens para explicar a relação entre Estado e sociedade. Comecemos pelo pluralismo. PLurALiSmo O pluralismo teve início na década de 1950, representado, principalmente, pelos autores Robert Dahl (1915) e David Truman (1913-2003). Essa abordagem tem como pressuposto teórico o fato de os indivíduos, com suas preferências e valores, formarem as unidades constitutivas das organizações e da sociedade. Portanto, a abordagem pluralista dá primazia teórica à esfera privada. As atitudes, opiniões e preferências dos grupos e indivíduos são consideradas como postulados teóricos. Para os defensores do pluralismo, o que está na base das explicações, tanto sociológicas quanto políticas, seriam as interações e intercâmbios entre os indivíduos que criariam todas as diversas entidades sociais da sociedade. Os 48 Estado e Sociedade diferentes tipos de organizações (associações voluntárias, grupos de pressão, agências do Estado, empresas e partidos) seriam, na verdade, agregados de indivíduos que responderiam às suas preferências, que só continuariam existindo enquanto tivessem apoio destes. Portanto, a sociedade é vista como um conjunto de papéis e atividades individuais, interdependentes e diferenciados, ou seja, um agregado de indivíduos relacionados pelo mercado (mercado como local de confrontação de preferências e valores), o qual socializa os valores culturais. A principal característica do pluralismo é sua ênfase na diversidade (diferença). Os pluralistas defendem que o mundo contemporâneo é muito complexo e, por esse motivo, nenhum grupo, classe ou organização tem o domínio da sociedade. Portanto, essa abordagem destaca como principais pontos: a) A separação entre Estado, mercado e a sociedade civil. b) A diferença entre o poder político e o poder econômico. c) A diversidade dos interesses nas ações do Estado. Cabe destacar que o pluralismo é uma abordagem que se contrapõe ao individualismo e ao estatismo. Primeiramente, sua diferença reside na defesa de uma sociedade que se apresenta articulada em grupos de poder (acima dos indivíduos), portanto, criando uma garantia contra a fragmentação individualista. Em segundo lugar, propõe a divisão do poder estatal (abaixo do Estado), que representa uma garantia contra o poder excessivo deste último. Essa ideia lhe parece familiar? Ela nos lembra da separação de poderes inaugurada por Montesquieu, vista no Capítulo 1. Contudo, enquanto o pluralismo defende uma divisão vertical, ou seja, entre governantes e governados, a defesa de Montesquieu
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