Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Delson da Paiva José Viramão Fiscalização como mecanismos de garantia da constituição no ordenamento jurídico moçambicano Licenciatura em Direito Universidade Licungo Beira 2020 Delson da Paiva José Viramão Fiscalização como mecanismos de garantia da constituição no ordenamento jurídico moçambicano Monografia científica a ser apresentada ao departamento de Filosofia e Ciência Sócias, Extensão da Beira para o fim de obtenção do grau académico de licenciatura em Direito. Supervisor: Dr. Ermelindo Cossa Universidade Licungo Beira 2020 II Lista de abreviaturas ...................................................................................................................... IV Declaração de honra ........................................................................................................................ V Dedicatória..................................................................................................................................... VI Agradecimentos ............................................................................................................................ VII Resumo ........................................................................................................................................ VIII Abstract .......................................................................................................................................... IX Introdução ...................................................................................................................................... 10 Justificativa ................................................................................................................................ 11 Objectivos .................................................................................................................................. 11 Problematização ......................................................................................................................... 12 Hipóteses .................................................................................................................................... 12 Metodologia ............................................................................................................................... 13 a) Método de abordagem .................................................................................................... 13 b) Métodos de procedimento ............................................................................................... 13 c) Técnicas de pesquisa ....................................................................................................... 13 Capítulo I ...................................................................................................................................... 15 1. Noção dos mecanismos de garantia da constituição .................................................................. 15 1.1 Fiscalização como mecanismos de garantia da constituição ............................................... 18 1.1.1 Breve historial da fiscalização da constitucionalidade no ordenamento jurídico moçambicano ......................................................................................................................... 20 Capítulo II .................................................................................................................................... 22 2. Sistemas de fiscalização da constitucionalidade ....................................................................... 22 2.1 Contexto do surgimento dos sistemas da fiscalização da constitucionalidade .................... 22 2.2 Sistema de fiscalização difuso ou desconcentrado da constitucionalidade ......................... 23 2.2.1 Principais características do sistema de fiscalização difusa e o seu paralelismo com o modelo moçambicano ............................................................................................................ 24 2.3 Sistema de fiscalização concentrado da constitucionalidade ............................................... 26 2.3.1 Sistema de fiscalização jurisdicional concentrado da constitucionalidade ................... 26 2.3.2 Sistema de fiscalização político concentrado da constitucionalidade ........................... 28 Capítulo III ................................................................................................................................... 31 3. Fiscalização jurisdicional difusa e incidental da constitucionalidade no ordenamento jurídico moçambicano ................................................................................................................................. 31 III 3.1 Órgãos com competência para realizar a fiscalização difusa............................................... 31 3.2 Decisões que cabem recurso ao CC e os seus efeitos .......................................................... 33 3.2 Declaração de inconstitucionalidade duma norma geral com efeitos inter parte ................ 34 3.2.1 Direito comparado Moçambique, Cabo- Verde, São Tomé Príncipe e Guine Bissau .. 36 Conclusão ...................................................................................................................................... 37 Sugestões ....................................................................................................................................... 38 IV Lista de abreviaturas CC – Conselho Constitucional; CPC – Código do Processo Civil; CRM – Constituição da República de Moçambique; CRP- Constituição da República Portuguesa; LOCC – Lei Orgânica do Conselho Constitucional; LOTCP – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional de Portugal; MP – Ministério Público; Op cit – Obra citada; P - Página; PR – Presidente da República QPC - Questão Prioritária de Constitucionalidade; Ss – seguinte; TC – Tribunal Constitucional; V Declaração de honra Declaro que esta Monografia é resultado da minha investigação pessoal e das orientações do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia final. Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico. Beira, aos 19 de Maio de 2020 _________________________________________ (Delson da Paiva José Viramão) VI Dedicatória Dedico esse trabalho a toda minha família, em especial a minha querida mãe, Rabia André, aos meus irmãos Zeferino e Delfim e a minha namorada Ângela. VII Agradecimentos Agradeço a Deus pela protecção e a vida que tem me proporcionado, agradecer também a minha família pelo apoio financeiro e moral que me concedeu durante a minha formação. Para além do apoio familiar, também tive o apoio dos meus docentes, em especial ao meu supervisor, Dr Ermelindo Cossa, pelos seus sábios e construtivos conhecimentos e conselhos. Agradecer também ao Dr. Fonseca Aguiar pelos seus sábios conhecimentos VIII Resumo O presente trabalho, que tem como tema, a fiscalização como mecanismos de garantia da constituição no ordenamento jurídico moçambicano, pretende analisar o sistema de fiscalização da constitucionalidade adoptado em Moçambique, onde o Conselho Constitucional, designado legislador negativo, no processo de fiscalização sucessiva concreta, inválida uma norma geral e abstracta com a aplicação em um só caso, o que permite que a norma inconstitucional seja aplicada no ordenamento jurídico moçambicano. Essa situação seria ultrapassada com a generalização dos efeitos duma norma declarada inconstitucional no processo de fiscalização sucessiva concreta. O trabalho em análisecomporta três principais capítulos, o primeiro capítulo aborda em torno da noção dos mecanismos de garantia da constituição, o segundo dos sistemas de fiscalização da constitucionalidade e último da fiscalização jurisdicional difusa e incidental da constitucionalidade em Moçambique. Palavras-chave: Fiscalização da constitucionalidade, inconstitucionalidade, efeitos particulares IX Abstract The present work, which has as its theme, the inspection as mechanisms for guaranteeing the constitution in the Mozambican legal system, intends to analyze the system of constitutionality inspection adopted in Mozambique, where the Constitutional Council, designated negative legislator, in the concrete successive inspection process, a general and abstract rule is invalid with application in only one case, which allows the unconstitutional rule to be applied in the Mozambican legal system. This situation would be overcome with the generalization of the effects of a rule declared unconstitutional in the concrete successive inspection process. The work under analysis comprises three main chapters, the first chapter deals with the notion of constitutional guarantee mechanisms, the second of the constitutionality inspection systems and the last of the diffuse and incidental judicial inspection of constitutionality in Mozambique. Keyword: Inspection of constitutionality, unconstitutionality, particular effects 10 Introdução Por forma a permitir que as normas constitucionais se prevaleçam diante das demais normas do ordenamento jurídico moçambicano, a constituição consagrou os seus próprios mecanismos de protecção, que são as garantias da constituição. Razão pela qual, o presente trabalho, com o tema fiscalização da constitucionalidade como mecanismos de garantia da constituição no ordenamento jurídico moçambicano, pretende analisar o sistema de fiscalização da constitucionalidade adoptado por Moçambique, onde se procurará perceber as razões do Conselho Constitucional, durante a fiscalização concreta, declarar uma norma inconstitucional com efeitos particulares. Com o intuito de viabilizar o processo de fiscalização da constitucionalidade emergiu ao nível do mundo dois principais sistemas antagónicos de fiscalização da constitucionalidade; o primeiro sistema de fiscalização da constitucionalidade surgiu nos EUA, designado por sistema de fiscalização difuso da constitucionalidade, o segundo sistema surgiu na Áustria, designado por sistema de fiscalização jurisdicional concentrado da constitucionalidade; inspirado pela Áustria, a França desenvolveu o sistema de fiscalização político concentrado da constitucionalidade. No sistema difuso o poder de realizar a fiscalização da constitucionalidade é entregue a todos os tribunais; já no sistema jurisdicional concentrado é entregue a um tribunal criado para o efeito, enquanto no sistema político o poder de realizar a fiscalização da constitucionalidade é um órgão de natureza política. O ordenamento jurídico moçambicano fez a combinação dos três principais sistemas descritos anteriormente, o que significa, que todos os tribunais e os órgãos jurisdicionais recebem o poder de realizar a fiscalização da constitucionalidade das normas que aplicam, existe um órgão criado para declaração da inconstitucionalidade das normas; esse órgão é jurisdicional porque aplica o direito ao caso concreto, com o objectivo de solucionar os conflitos de interesses, também é um órgão político pela forma de designação da maioria dos seus membros. 11 Justificativa Na perspectiva de MARCONI 1 a justificativa é o único item do projecto que apresenta respostas à questão por quê?. Sendo assim, a razão que estive por detrás da escolha de realizar um estudo em torno da fiscalização como mecanismo de garantia da constituição, foi o facto de ter constatado que em Moçambique, apesar da constituição se prevalecer sobre todas as demais fontes do ordenamento jurídico, as normas infraconstitucionais declaradas inconstitucionais pelo órgão competente continuam a produzir os seus efeitos jurídico, como é o caso da normas contidas nos números 1 e 2 do artigo 184 da Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, declarada inconstitucional pelo acórdão nº 3/CC/2017 de 25 de Julho por contrariarem a norma do artigo 70 da Constituição, conjugada com a norma inscrita na primeira parte do n.º 1 do artigo 62, e ainda as normas contidas nos números 2 e 3 do artigo 56. Isso contribui para que uma normal, que é geral, declarada inconstitucional, seja aplicada de forma diferenciada e continue a violar os direitos fundamentais dos cidadãos. A realização da presente pesquisa contribuirá para uma percepção, por parte da comunidade jurídica, em torno dos sistemas de fiscalização da constitucionalidade, para além de ser mais um contributo teórico que se dá as ciências jurídicas, em geral, e em especial para a ciência do Direito Constitucional, sobre tudo no campo da fiscalização da constitucionalidade. Objectivos Geral Analisar o sistema de fiscalização da constitucionalidade vigente no ordenamento jurídico moçambicano Específicos Apontar os diversos mecanismos de garantia da constituição; Identificar os sistemas de fiscalização da constitucionalidade; 1 MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos da metodologia científica, Editora Atlas 12 Caracterizar o sistema de fiscalização jurisdicional difusa e incidental da constitucionalidade adoptado pelo ordenamento jurídico moçambicano; Demonstrar as principais consequências da declaração de inconstitucionalidade numa norma pelo Conselho Constitucional. Problematização No ordenamento jurídico moçambicano a fiscalização jurisdicional, difusa, concreta e incidental é feita nos termos do artigo 213 da CRM, que estabelece: “nos feitos submetidos a julgamento os tribunais não podem aplicar leis ou princípios que ofendam a constituição”, o que significa que os tribunais ou órgãos jurisdicionais devem, sempre que estiverem a aplicar a lei, verificar se está é ou não compatível com a constituição, se for contrária a constituição, o tribunal deverá desaplicar a norma e remete-la obrigatoriamente ao CC, para a apreciação; uma vez declara inconstitucional pelo CC, a norma só se aplica ao caso que deu origem ao processo de fiscalização, o que significa que o nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade permite que uma norma inconstitucional vigore no ordenamento jurídico por muito tempo; razão pela qual que se questiona porque que uma norma, declarada inconstitucional pelo Conselho Constitucional, durante a fiscalização concreta, tem efeitos particulares? Permitindo que ela continue a produzir os seus efeitos jurídicos. Hipóteses Declarada uma norma inconstitucional, no processo de fiscalização sucessiva concreta, os órgãos jurisdicionais não podem voltar a aplicar a mesma norma, nos termos do artigo 213 da CRM, porque sobre ela já existe um juízo de inconstitucionalidade, ainda que ela não seja erradicada do ordenamento jurídico moçambicano. O Conselho Constitucional ao declarar uma norma inconstitucional está actuar no exercício da função legislativa negativa, que consiste na criação de normas gerais aplicáveis a todos, diferente da função jurisdicional consiste na criação de normas individuais. 13 Metodologia Na perspectiva de GIL 2 , método é o caminho para se chegar a determinado fim. Sendo assim, para este autor, o método científico é o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adoptados para se atingir o conhecimento. a) Método de abordagem Para a realização do trabalho foi utilizado o método indutivo, que como base a ideia de LAKATOS 3 , consistiu num processo mental por intermédio do qual, partiu-se de dados particulares, suficientementeconstatados, chegando em verdade geral ou universal. A implementação desse método no presente trabalho consistiu na recolha de informações particulares disponíveis, e a partir destas, chegou-se a conclusões de carácter genérico. b) Métodos de procedimento Quanto ao procedimento, para o presente trabalho foi adoptado o método da pesquisa bibliográfica, que com base na ideia de GIL 4 , no presente trabalho consistiu na recolha de diverso material já elaborado, constituindo principalmente em livros disponíveis nas bibliotecas, artigos científicos, legislação nacional e estrangeira e acórdãos consultados em sites virtuais; Foi usado também o método histórico, que no trabalho consistiu na análise em torno evolução histórica dos sistemas de fiscalização da constitucionalidade; foi usado ainda o método comparativo, onde foi feito uma comparação dos sistemas de fiscalização da constitucionalidade vigente em outros ordenamentos jurídicos, para se aferir as diferenças e semelhanças com o nosso sistema. c) Técnicas de pesquisa As técnicas de pesquisa constituem num conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência, são também, habilidade para usar estes preceitos ou normas, na obtenção de seus propósitos. Corresponde, portanto, à parte prática de colecta de dados. Na implementação do presente trabalho foi usado a documentação indirecta que abrange a pesquisa documental, que 2 GIL, António Carlos, Métodos e técnicas de pesquisa social, 6 a ed, São Paulo, Atlas Editora, p 8 3 LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Maria de Andrade, op cit, nota 1, P 95 4 GIL, António Carlos, op cit nota 2, p 50 14 consistiu na recolha de documentos relevantes para pesquisa, também foi usada a pesquisa bibliográfica. 15 Capítulo I 1. Noção dos mecanismos de garantia da constituição Toda ordem jurídica, incluindo a moçambicana, é uma estrutura escalonada de normas jurídicas, estando a constituição no topo do estalão; está, regula a produção das demais normas dum determinado Estado. Os mecanismos de garantia da constituição são diversas formas de defesa ou protecção da constituição, o que significa que a inexistência desses mecanismos tornaria a Constituição num documento normativo débil. Na perspectiva do professor CANOTILHO 5 , a garantia da constituição está ligada a ideia de defesa do Estado, que se define como o conjunto de institutos, garantias e medidas que visam a defender e proteger, interna e externamente, a existência jurídica e fáctica do Estado, o que implica a defesa do território, defesa da independência, defesa das instituições. O professor MIRANDA 6 entende que garantia, no sentido geral, é algo acessório a norma jurídica, ou seja constitui num mecanismo ao serviço da norma jurídica, o que implica que a norma jurídica não se garante de per si, mas através do conteúdo ou do sentido de outras normas jurídicas, existindo nessa senda, uma norma jurídica garantida e a norma jurídica garantia. Em nosso entender, a norma jurídica que consagra que todo o cidadão tem direito a vida é garantida por uma outra norma jurídica, que dá a prerrogativa aos cidadãos de acederem aos tribunais para salvaguardarem os seus direitos e interesses. Assim sendo, podemos afirmar que na constituição existem normas substantivas, passiveis de serem violadas pelo poder político, que são acompanhadas pelas normas adjectivas. Já na perspectiva de HESSE 7 , que prefere apelidar de protecção da Constituição, entende que o Direito Constitucional tem a tarefa de assegurar a Constituição contra ameaças ou uma possível eliminação; e a protecção da constituição implicaria também a protecção do Estado; essa protecção seria levada a cabo por instituições que devem assegurar a ordem constitucional contra ataques de fora e de dentro, contra aspirações anticonstitucionais de cima ou de baixo. O asseguramento institucional não garante uma protecção absoluta da constituição, mas tudo 5 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 6 a ed, Coimbra, Almedina, 1993, p 953 6 MIRANDA, Jorge, Teoria do Estudo da Constituição, Coimbra, Coimbra editora, 2002, p 716 7 HESSE, Konrad, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, tradução de Dr. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, SE, 1998, p 503 16 depende da sua força normativa. Percebe-se a partir da ideai do autor acima citado que, a protecção das normas constitucionais implica o fortalecimento da sua força normativa. O professor SCHMITT 8 entende que a ideia de existência do guardião e defensor da constituição começou a surguir na recente história constitucional, principalmente na Inglaterra, mais precisamente após a morte de Cromwell (1968), onde começaram a surguir ideias sobre o defensor da liberdade e o defensor da constituição, o que implicaria a criação duma instituição que pudesse exercer tais prerrogativas. A partir dessa altura as constituições de alguns países procuraram salvaguardar mecanismos de protecção da constituição, mas o destaque vai para a Constituição da Baviera (1818) e da Saxônia (1831), que já traziam um capítulo na constituição sob a epígrafe “Da garantia da Constituição.”, que tratavam, primeiro, do juramento do rei, dos servidores público e dos cidadãos sobre a Constituição; segundo, o direito dos estamentos 9 em apresentar queixas por violação da Constituição; terceiro, o direito dos estamentos em instaurar um processo por violação à Constituição; quarto, as condições em que é feita uma emenda a constituição. Garantias da Constituição significam, para KELSEN 10 , garantias da regularidade das regras imediatamente subordinada a Constituição, isto é, essencialmente, garantias da constitucionalidade das leis; a regularidade, na visão do mesmo autor nada mais é que a relação de correspondência de um grau inferior com um grau superior da ordem jurídica, essa garantia da regularidade materializar-se-á através da existência da jurisdição constitucional. É importante esclarecer que a jurisdição constitucional não constitui o único mecanismo de garantia da constituição, o que significa que existem vários mecanismos de garantias da constituição, como por exemplo, os limites de revisão constitucional. No ordenamento jurídico moçambicano os principais mecanismos de garantia da constituição são: (i) a garantia feita pelo Presidente da República, nos termos do n o 2 do artigo 149 da CRM, que estabelece: “No momento da investidura, o Presidente da República eleito presta o seguinte juramento: Juro, por minha honra, respeitar e fazer respeitar a Constituição, desempenhar com 8 SCHMITT, Carl, o guardião da constituição traduzido por Gilmar Ferreira Mendes,, Delrey, p 4 9 Os estamentos é uma estrutura social tipica do sistema feudal 10 KELSEN, Hans, jurisdição constitucional, traduzido por Sérgio Sérvulo da Cunha, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p 123 17 fidelidade o cargo de Presidente da República de Moçambique, dedicar todas as minhas energias à defesa, promoção e consolidação da unidade nacional, dos direitos humanos, da democracia e ao bem-estar do povo moçambicano e fazer justiça a todos os cidadãos”. Com base nesse artigo o PR tem a obrigação de respeitar a Constituição e fazer com esta seja respeitada por todos, o professor CANOTILHO 11 entende, que o juramento feito pelo PR assume dois sentidos, o sentido negativo e positivo; em termos positivos, a Constituição impõe ao PR uma actuação activa no sentido de defender e obrigar a fazer cumprir a Constituição (veto ou recusa de assentimento a actos inconstitucionais, nos termos do n o 3 do artigo 162 da CRM); em termos negativos, a Constituição proíbe ao PR comportamentos contrários à Constituição(interdição de condutas inconstitucionais). (ii) O outro mecanismo de garantia da Constituição moçambicana é a Rigidez Constitucional, consagrado no capítulo II do título XV da CRM, com base nestas disposições conclui-se que a nossa Constituição é rígida na medida em consagra um processo mais agrado para a sua revisão em relação ao processo de revisão das leis. A revisão da constituição está sujeita a certos limites; o limite é o formal, que tem ver com as formalidades para a revisão da constituição, as propostas de alteração da Constituição são da iniciativa do Presidente da República ou de um terço, pelo menos, dos deputados da Assembleia da República e devem ser depositadas até noventa dias antes do início do debate, nos termos do artigo 299 da CRM, as alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos deputados da Assembleia da República, nos termos do n o 1 do artigo 303 da CRM; (iii) O direito de necessidade estadual, previsto nos artigos 290 e ss da CRM, constitui no outro mecanismo de garantia da constituição moçambicana, que para o professor CANOTILHO 12 , consiste na: “Previsão e delimitação normativo-constitucional de instituições e medidas necessárias para a defesa da ordem constitucional em caso de situação de anormalidade que, não podendo ser eliminadas ou combatidas pelos meios normais previstos na Constituição, exigem o recurso a meios excepcionais. Trata-se, por conseguinte, de submeter as situações de crise e de emergência (guerra, tumultos, calamidades públicas) à própria Constituição”. 11 CANOTILHO, J. J. Gomes, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, p 569 12 Ibdem, p 1145 18 O direito de necessidade estadual traduz-se na declaração do Estado de sítio ou de emergência, que nos termos do artigo 290 da CRM, podem ser declarados no todo ou em parte do território, nos casos de agressão efectiva ou eminente, de grave ameaça ou de perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública. A diferença entre o Estado de sítio e de emergência está na gravidade dos pressupostos, ou seja, a declaração do Estado de sítio pressupõe maior gravidade da ameaça ou da perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública. (iv) O outro mecanismo de garantia da constituição é a fiscalização da constitucionalidade, que abordaremos no sob capítulo seguinte. 1.1 Fiscalização como mecanismos de garantia da constituição Dentre os vários mecanismos de protecção ou salvaguarda da ordem constitucional, a fiscalização da constitucionalidade, objecto do presente trabalho, é que se mostra o mais eficaz, como entende o professor CANOTILHO 13 que: “A instituição da fiscalização da constitucionalidade das leis e demais actos normativos do Estado constitui, nos modernos Estados constitucionais democráticos, um dos mais relevantes instrumentos de controlo do cumprimento e observância das normas constitucionais” Não se pode confundir a fiscalização e garantia, apesar de na maioria das vezes esses termos estarem relacionados, a fiscalização, para o professor MIRANDA 14 , é um meio institucionalizado, um sistema, uma aparelho orgânico ou um processo criado a título mais ou menos específico para tal fim. Enquanto garantia é um fim mais que meio, o que significa que a fiscalização é um meio ao serviço da garantia. Mas na constituição existem situações em há fiscalização que não tem ver com garantia, como é o caso da fiscalização feita pelo parlamento ao executivo. A fiscalização desempenha duais funções, a primeira serve como garantia de observância da constituição, ao assegurar, de forma positiva, a dinamização da sua força normativa, e, de forma negativa, ao reagir através de sanções contra a sua violação; a segunda, como uma garantia preventiva, ao evitar a existência de actos normativos, formal e substancialmente violadores das normas e princípios constitucionais. 13 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op cit, nota 5, p 955 14 MIRANDA, Jorge, op cit, nota 6, p 719 19 Ao invés de fiscalização da constitucionalidade, o professor ROLO 15 , prefere designar de justiça constitucional, que abarca, na perspectiva do mesmo autor, um conjunto de áreas e operações jurídicas, realizadas sobretudo por órgãos jurisdicionais, com o fim de controlar a prossecução e aplicação das normas e princípios constitucionais vigentes e de conformar a posição e relação do Estado com as outras pessoas colectivas públicas e os seus respectivos órgãos. Ainda no entender do mesmo professor, a justiça constitucional surgiu duma necessidade de garantia da própria Constituição que, no sentido de a defender de potenciais e reais actos capazes de ferirem o seu corpus. A diferença entre o termo “fiscalização da constitucionalidade” e a “ justiça constitucional” é o facto de aquele ser mais restritivo, ao se referir a compatibilidade entre as leis com as disposições constitucionais, enquanto a justiça constitucional é um pouco mais abrangente, aos abarcar o conjuntos de instituições jurisdicionais e normas tender a proteger a ordem constitucional. Como mecanismos de garantia da Constituição moçambicana, a fiscalização pode ser analisada sob vários critérios, a saber: quanto ao momento, a fiscalização da constitucionalidade em Moçambique pode ser, preventiva, feita antes da entrada em vigor do acto normativo, com o intuito de evitar que uma norma que contraria a constituição entre em vigor no ordenamento jurídico moçambicano, com forme os artigos 162, 245 da CRM e 54 da LOCC. Ainda quanto ao momento, a fiscalização da constitucionalidade pode ser também sucessiva, feita depois do acto entrar em vigor no ordenamento jurídico moçambicano, está fiscalização pode ser concreta, quando a questão de inconstitucionalidade é suscitada num caso em concreto em curso nos tribunais, nos termos dos artigos 213, 246 da CRM e 63 e ss da LOCC; a fiscalização sucessiva também pode ser abstracta, quando é feita só tendo em conta a preservação da constituição, nos termos dos artigos 244 da CRM e 60 e ss da LOCC. Quanto ao órgão ou sujeito, a fiscalização da constitucionalidade no ordenamento jurídico moçambicano pode ser feita por um órgão de competência comum, como é o caso do PR, nos termos do artigo 162 da CRM; ainda quando ao órgão, a fiscalização pode ser difusa, quanto 15 ROLO, Nuno Cunha, A fiscalização concreta em Portugal e o controlo difuso da constitucionalidade em direito comparado: o sistema americano e o(s) sistema(s) europeu(s),verbojuridico, p 16, disponível em https://www.academia.edu/36088557/Direito_p%C3%BAblico_comparado_A_fiscaliza%C3%A7%C3%A3o_concr eta_em_Portugal_e_o_controlo_difuso_da_constitucionalidade_em_direito_comparado_o_sistema_americano_e_o_ s_sistema_s_europeu_s_, consultado no dia 10 de Fevereiro de 2020; https://www.academia.edu/36088557/Direito_p%C3%BAblico_comparado_A_fiscaliza%C3%A7%C3%A3o_concreta_em_Portugal_e_o_controlo_difuso_da_constitucionalidade_em_direito_comparado_o_sistema_americano_e_o_s_sistema_s_europeu_s_ https://www.academia.edu/36088557/Direito_p%C3%BAblico_comparado_A_fiscaliza%C3%A7%C3%A3o_concreta_em_Portugal_e_o_controlo_difuso_da_constitucionalidade_em_direito_comparado_o_sistema_americano_e_o_s_sistema_s_europeu_s_ https://www.academia.edu/36088557/Direito_p%C3%BAblico_comparado_A_fiscaliza%C3%A7%C3%A3o_concreta_em_Portugal_e_o_controlo_difuso_da_constitucionalidade_em_direito_comparado_o_sistema_americano_e_o_s_sistema_s_europeu_s_ 20 todos os tribunais tem o poder de verificar a compatibilidade das normas a aplicar com a constituição, nos termos do artigo 213 da CRM; ainda quanto ao órgão a fiscalização pode ser feita por um órgão de competência especializada, querealiza a fiscalização concentrada, nos termos do artigo 240 da CRM. 1.1.1 Breve historial da fiscalização da constitucionalidade no ordenamento jurídico moçambicano Em 1975, com aprovação da Constituição da República Popular de Moçambique, o pais adopta, não de forma muita clara, o sistema de fiscalização jurisdicional concentrada, que era exercida pelo Tribunal Popular Supremo, como podemos retirar do artigo 63 da Constituição em Vigor na altura, que estabelecia: “O Tribunal Popular Supremo promoverá a aplicação uniforme da lei por todos os tribunais ao serviço dos interesses do povo de Moçambique, e assegurará o cumprimento da Constituição, das leis e de todas as normas legais da República Popular de Moçambique”. Com base na disposição desse artigo percebe-se que a garantia da Constituição estava a cargo do Tribunal Popular Supremo, que no nosso entender, podia usar de todos os mecanismos para que as normas constitucionais pudessem ser cumpridas; esses mecanismos podiam ser também, o exercício da fiscalização da constitucionalidade das normas. Para além da garantia jurisdicional, também existia a garantia política, que era feita pelo Presidente da República Popular de Moçambique, nos termos do artigo 48 n o 1 alínea a) da CRPM que preconizava: “Ao Presidente da República Popular de Moçambique compete fazer respeitar a Constituição e assegurar o funcionamento correcto dos órgãos estatais”. A primeira manifestação, de forma clara, do sistema de fiscalização político da constitucionalidade, feita pela Assembleia Popular, foi dada na 3.ª revisão constitucional, em que foi aprovada a lei n.º 11/ 78, de 15 de Agosto, com forme artigo 44 alínea i), estipulava: “ Compete a Assembleia Popular revogar as deliberações das Assembleia do Povo que contrariem a Constituição ou outras disposições legais”. Com base nessa disposição, é possível perceber que só podiam ser sindicalizados, pela AP, as deliberações da Assembleia do Povo, este que era, nos termos do artigo 37 do mesmo diploma, os órgãos superiores do poder de Estado em cada escalão, isso significa, que passou a existir um sistema de fiscalização política da constitucionalidade. A fiscalização difusa da constitucionalidade das leis surge com a Constituição da República de Moçambique de 1990, onde se cria o CC. A fiscalização difusa estava consagrada no artigo 162, 21 que estabelecia, em nenhum caso os tribunais podem aplicar leis ou princípios que ofendam a constituição. Com base nessa disposição, constata-se que todos os tribunais no ordenamento jurídico moçambicano já estavam habilitados, em qualquer estágio do processo verificar a compatibilidade de uma lei com as normas constitucionais. Mas importa salientar que nessa altura os tribunais não estavam obrigados a remeterem obrigatoriamente as decisões que desaplicavam uma norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade ao CC, ou seja, a Constituição de 1990 e a LOCC vigente na altura, não previam o processo de fiscalização concentrado concreto. Apesar de ter sido criado em 1990, o CC só começou a funcionar em 2003, com aprovação da Lei 9/2003 de 22 de Outubro, LOCC; isso significa que entre 1990 a 2003 a garantia jurisdicional da constituição era feita pelos tribunais no processo de fiscalização concreta e incidental. Com o funcionamento do CC, em 2003, só existiam quatro espécies de processo, nos termos do artigo 39 da Lei 9/2003 de 22 de Outubro, que eram processo de fiscalização abstracta da constitucionalidade e ilegalidade, processo de fiscalização da constitucionalidade dos referendos, reclamações e recursos eleitorais e processo de proclamação de resultados eleitorais. Com a independência dos tribunais e a não existência do processo de fiscalização do processo de fiscalização concentrada concreta, a fiscalização difusa permitia que os tribunais interpretassem e aplicassem as normas constitucionais de forma diferenciada, existindo situações em que a mesma norma seja inconstitucional para um tribunal e constitucional para outro. Por essas razões, a revisão constitucional de 2004 e 2018 e a lei 6/2006 de 2 de Agosto revista pela lei 5/2018 de 5 de Maio, criam o processo de fiscalização concreta concertada, feita pelo CC, e a remessa obrigatória das decisões dos tribunais que não aplicam uma lei com o fundamento na sua inconstitucionalidade. 22 Capítulo II 2. Sistemas de fiscalização da constitucionalidade Antes de avançarmos com os sistemas de fiscalização da constitucionalidade, que é tema do presente capítulo, achamos pertinente abordarmos de forma breve do historial e contexto do surgimento dos sistemas da fiscalização da constitucionalidade. 2.1 Contexto do surgimento dos sistemas da fiscalização da constitucionalidade Por possuir a constituição mais antiga do mundo, a Inglaterra é conhecida como o país pioneiro da discussão em torno na necessidade de invalidar uma norma que contradiz os princípios ou normas plasmadas na constituição. O professor ROLO 16 descreve que na Inglaterra despoletou um controvertido caso, onde Thomas Bonham era um médico inglês, formado pela Universidade de Cambridge, foi proibido de exercer a profissão porque não possuía autorização do Royal College of Doctors, só podia voltar a exercer caso pagasse a multa e tivesse a devida autorização. Thomas Bonham continuo a exercer a profissão sem que para tal obedecesse a exigências, facto que levou a sua detenção pelo Colégio Real, na sua defesa o detido alegava que não estava sob a jurisdição do Colégio Real, mas sim da Universidade de Cambridge, enquanto o Colégio entendia que exercia a jurisdição sobre o detido, segundo uma lei de Henrique VII. Este celebre caso foi alvo de várias discussões entre os juristas, principalmente o Coke, que avançou uma tese que veio a mudar o mundo da fiscalização da constitucionalidade. Coke considerou o estatuto real (aprovado pelo Parlamento inglês e sancionado pelo Rei) contrário ao Common Law, pois convertia o Colégio num juiz em causa própria, violando, assim, o princípio nemo judexinre sua. Em muitos casos, para ROLO 17 , o common law controlará as leis do Parlamento e em alguns casos julgará que são totalmente nulas quando estão contra a razão do Direito ou são de impossível cumprimento. Essa decisão não teve qualquer aplicação na Inglaterra por causa da decisão do Rei, mas inspirou as colónias britânicas donde surgiu o sistema de fiscalização difusa, tema a ser abordado no parágrafo seguinte. 16 Ibdem, p 7 17 Ibdem, p 17 23 2.2 Sistema de fiscalização difuso ou desconcentrado da constitucionalidade Os Estados Unidos de América, inspirados pela tese do célebre jurista inglês, Coke no caso do médio Thomas Bonham descrito no parágrafo anterior, foram os pioneiros no modelo de fiscalização difuso ou desconcentrado da constitucionalidade, ou judicial review of legislation, onde todos os tribunais têm o poder de recusar a aplicação de normas que creiam ser inconstitucionais, havendo naturalmente recurso para tribunal superior. O entendimento segundo o qual, todos os tribunais não deviam aplicar normas inconstitucionais, veio Juiz Marshall no caso Madison, em 1803, onde afirma, segundo FALCÃO 18 , que todo o acto legislativo contrário à constituição é inválido, e que, caberia aos tribunais americanos verificarem a constitucionalidade das leis, onde SOARES 19 ,entende: “neste embate, o então Presidente da Suprema Corte, John Marshall, decidiu não examinar o pedido do juiz William Marbury sob o argumento de que o preceito jurídico que baseava o pedido (Judiciary Act de 1789) mostrava-se contrária à Constituição. Marshall entendeu que nenhuma lei infraconstitucional poderia alargar a competência atribuída ao Poder Judiciário pela Lei Fundamental, razão pela qual concluiu que aquele Tribunal era constitucionalmenteincompetente para apreciar a demanda” É importante realçar que o entendimento do Juiz Marshall não provem de qualquer disposição constitucional, mas sim cultura jurídica. SOARES 20 , entende que por causa do sistema da Common Law, herança deixada pela Coroa inglesa, os tribunais, que representava o poder judicial, exerciam um certo poder de autoridade sobre o parlamento, na medida em que podiam desaplicar uma norma aprovada pelo parlamento se esta fosse inconstitucional. Estava ligado também a isso, a uma certa desconfiança que existia sobre o parlamento, na medida em este actuava em prol da Pátria-Mãe, Inglaterra, cometendo alguns abusos, pondo em causa os direitos e liberdades dos indivíduos da colónia. Com a sentença do juiz Juiz Marshall, consagra-se nos EUA a Constituição como lei suprema de todos os acto normativos, e que todos os tribunais 18 FALCÃO, Paula Margarida Tavares, Sistema de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal, Universidade Católica Portuguesa, 2013, p 9, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15245/1/Tese_indice_v03.pdf, consultado em 18 de Novembro de 2019; 19 SOARES, Raísa Crespo, A fiscalização preventiva da constitucionalidade, Universidade de Coimbra, 2018, p 14, disponivel em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/85882/1/Ra%c3%adsa%20Crespo%20Soares%20- %20A%20Fiscaliza%c3%a7%c3%a3o%20Preventiva%20da%20Constitucionalidade.pdf, consultado em 19 de Março de 2020 20 Ibdem, p 13 https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15245/1/Tese_indice_v03.pdf https://eg.uc.pt/bitstream/10316/85882/1/Ra%c3%adsa%20Crespo%20Soares%20-%20A%20Fiscaliza%c3%a7%c3%a3o%20Preventiva%20da%20Constitucionalidade.pdf https://eg.uc.pt/bitstream/10316/85882/1/Ra%c3%adsa%20Crespo%20Soares%20-%20A%20Fiscaliza%c3%a7%c3%a3o%20Preventiva%20da%20Constitucionalidade.pdf 24 estavam habilitados a invalidar uma norma que contrariasse os designo constitucionais. Analisemos de seguida as principais características desse sistema de fiscalização. 2.2.1 Principais características do sistema de fiscalização difusa e o seu paralelismo com o modelo moçambicano As principais características do sistema judicial review of legislation são: o carácter difuso, concreto, incidental a posteriori e efeitos inter parte da decisão. Algumas características podem ser expurgadas na ideia do professor CANOTILHO 21 , segundo a qual: “Se não se pode contestar que o princípio da judicial review reconhece apenas aos tribunais o poder de constatar a nulidade de uma norma legal contrária à constituição e desaplicá-la no caso concreto”. A fiscalização será difusa, na medida em que todos os tribunais têm o poder de verificar a compatibilidade entre uma lei com a constituição; será concreto, porque a fiscalização é feita num a caso a ser discutido num Tribunal, podendo ser num processo civil, criminal, laboral, militar, administrativo, aduaneiro e até mesmo fiscal. Terá o carácter incidental porque a discussão da constitucionalidade irá surgir por meio de um incidente, que é definido por COSTA 22 , como uma ocorrência extraordinária, acidental e estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica processual. O incidente processual verdadeiro e próprio pressupõe, regra geral, a existência de uma questão a resolver que se configure como acessória e secundária face ao objecto da acção ou do recurso, e como ocorrência anormal e adjectivamente autónoma em relação ao processo principal. Essa fiscalização só é feita num acto que já se encontra em vigor no ordenamento jurídico, razão pela qual que é posterior. A outra característica do sistema norte-americano é facto de uma vez declarada uma norma inconstitucional, a decisão só iria valer para o processo em causa, o que significa que a norma podia ser aplicada por outros tribunais. KELSEN 23 entende que o tribunal declara uma norma geral como inconstitucional e não aplicá-la num caso específico significa que o órgão está autorizado a invalidar a norma para aquele caso em concreto; porém apenas para ele, a norma geral enquanto tal contínua válida podendo, portanto, ser aplicada em outros casos concretos. 21 CANOTILHO, J. J. Gomes, Op cit, nota 5, p 957 22 COSTA, Salvador da, Os Incidentes da Instância, 7ª Edição, Lisboa, Almedina, 2014. P 7-17. 23 KELSEN, Hans, Op cit, nota 10, p 303 25 Em nosso entender, as decisões em torno da inconstitucionalidade dos actos normativos do Estado tomada pelos tribunais tem efeitos inter parte porque é características dos tribunais tomar uma decisão aplicável a uma situação em concreto, não devendo a decisão dos tribunais ser geral e abstracta, tal como as normas jurídicas são. Sendo assim, a desvantagem dessa solução consiste no fato de que os diferentes órgãos aplicadores da lei podem ter opiniões diferentes com respeito à constitucionalidade de uma lei e que, portanto, um órgão pode aplicar a lei por considerá-la constitucional, enquanto outro lhe negará aplicação com base na sua alegada inconstitucionalidade. A ausência de uma decisão uniforme sobre a questão da constitucionalidade de uma lei, ou seja, sobre a Constituição estar sendo violada ou não, é uma grande ameaça à autoridade da própria Constituição. É importante salientar que os efeitos erga omnes, o qual, todavia, pode ser alcançado por meio do princípio do stare decisis, especialmente quando se trata de controlo exercido pela Supreme Court. No ordenamento jurídico moçambicano a fiscalização difusa materializa-se através do artigo 213 da CRM, o que significa que a semelhança do sistema norte-americano, todos os órgãos jurisdicionais tem o poder ou dever de realizar a fiscalização da constitucionalidade. Entre o sistema difuso de fiscalização da constitucionalidade norte-americano e o sistema de fiscalização difuso moçambicano existem algumas diferenças e semelhança que merecem alguma atenção, sendo assim, começamos pelas semelhanças dos dois sistemas. A primeira semelhança a ser apontada é o facto de nos dois sistemas a fiscalização difusa ser a posterior, ou seja, é feita depois da entrada em vigor da norma jurídica; a outra semelhança é o facto da fiscalização difusa ser feita em processo em curso, que pode ser um processo cível, penal, laboral, fiscal, militar, administrativo, aduaneiro e fiscal; a outra característica é o facto dos efeitos da decisão na fiscalização difusa terem efeitos inter parte. Como já referíamos, a par das semelhanças, existem também diferenças, a primeira é facto de, no sistema norte-americano os tribunais tem o poder de fiscalizar e declarar a inconstitucionalidade sem remessa obrigatória para o outro órgão, o que significa, uma vez declarada uma norma inconstitucional pelo tribunal, este já podia apreciar o mérito da causa principal sem a norma oura declarada inconstitucional. Esse senário não é aplicável ao contexto moçambicano, onde os tribunais fiscalizam a constitucionalidade das normas, mas com recurso obrigatório para outro órgão, o que significa que o processo será suspenso até a decisão final deste órgão, nos termos do artigo 68 da LOCC. Como entende o CC no acórdão 10/CC/2014 que:, “a solução consagrada no artigo 68 da Lei nº 26 6/2006, de 2 de Agosto, tem um efeito negativo que consiste no impedimento do Juiz da causa de proferir decisão sobre a questão principal, até que os autos, entretanto remetidos ao Conselho Constitucional, baixem juntamente com a notificação do Acórdão que decida a questão incidental de inconstitucionalidade suscitada no processo”. Em nosso entender, no ordenamento jurídico moçambicano, a fiscalização jurisdicional difusa concreta suscita obrigatoriamente a fiscalização concreta concentrada feita pelo CC, ou seja, no processo de fiscalização concreta, a constitucionalidadeou não duma norma é apreciada, em princípio, obrigatoriamente por dois órgãos, os tribunais e o Conselho Constitucional; mas situações há em que no processo de fiscalização concreta da constitucionalidade duma norma é apreciado por um órgão, que são as situações em que o Conselho Constitucional actua como um tribunal eleitoral, por exemplo, nos termos do artigo 101 e ss da LOCC. No ordenamento jurídico norte-americano a generalização dos efeitos da inconstitucionalidade duma norma é feita pelo Supremo Tribunal, por meio do stare decisis; já no contexto moçambicano, a generalização dos efeitos da inconstitucionalidade duma norma só é feita pelo CC num processo de fiscalização próprio. 2.3 Sistema de fiscalização concentrado da constitucionalidade No sistema de fiscalização difuso da constitucionalidade todos os tribunais dum determinado país, até mesmos os órgãos jurisdicionais, que não sejam tribunais, recebem a competência de realizar a fiscalização da constitucionalidade, podendo não aplicar a norma no caso em concreto, se acharem que a norma é contrária as normais e princípios constitucionais. Já no sistema de fiscalização concentrado da constitucionalidade só é um órgão que decide a respeito da constitucionalidade ou não nas normas jurídicas. O sistema de fiscalização concentrado da constitucionalidade encontra-se dividido em duas categoria, em função da natureza do órgão que realiza a fiscalização, a saber: o sistema de fiscalização jurisdicional e o sistema de fiscalização político, analisemos de seguida esses dois sistemas. 2.3.1 Sistema de fiscalização jurisdicional concentrado da constitucionalidade Esse sistema de fiscalização da constitucionalidade foi adoptado pela primeira vez pela Áustria sob proposta de Hans Kelsen na Constituição de 1920, antes da aprovação dessa constituição, 27 entende KELSEN 24 que, na Áustria existia um sistema de fiscalização difuso da constitucionalidade de origem norte americana, mas como esse sistema punham em causa a autoridade da constituição, pelo facto de existirem várias decisões diferentes sobre a constitucionalidade ou não das mesmas normas, havendo assim órgãos a aplicar uma norma que um outro tribunal considerou de inconstitucional. Por esses fundamentos Hans Kelsen propôs uma centralização da revisão judicial da legislação no interesse da autoridade da Constituição, foi nessa senda que nasce a Corte Constitucional (Verfassungsgerichtshof), que tinha a competência exclusiva, nos termos do artigos 137-48 da Constituição de 1920, realizar a revisão judicial da legislação, ou seja, a fiscalização da constitucionalidade. A criação da Corte Constitucional para SOARES 25 serviu para uniformizar a jurisprudência no que se refere a constitucionalidade ou não das normas, não havendo com isso, decisões com efeito inter parte, tal como no sistema difuso, na medida em que a constitucionalidade é apreciada numa acção independente cujo objecto é a declaração da constitucionalidade das normas. O tribunal Constitucional ao declarar a norma como inconstitucional estará a actuar como um “legislador negativo”, na medida em que a norma é expurgada no ordenamento jurídico. A doutrina de Hans Kelsen sofreu inúmeras críticas, sobre tudo na Europa, onde prevalecia a concepção segundo a qual a Constituição se direccionavam apenas aos poderes do Estado, de modo a limitar a actuação de seus governantes, logo, o texto constitucional era restringido a um documento essencialmente político. O grande exemplo que a doutrina apresenta com a ideia de que a Constituição era um documento político foi o jurista alemão Carl Schmitt, este não concordava que o guardião da Constituição fosse um Tribunal, porque sendo a Constituição um documento político, a sua garantia devia ser por um órgão político, se assim não fosse estaria a se politizar a justiça, entende Carl Schmitt citado por SOARES, 26 . Sendo assim, Schimitt, citado MENDES 27 , sustentou com base nos artigos 48.º e 70.º da Constituição de WEIMAR, que o 24 Ibdem, p 303 25 SOARES, Raísa Crespo, Op cit, nota 17, p 18 26 Ibdem, p 20 27 MENDES, Armindo Ribeiro, tribunal constitucional entre o direito e a política — a fiscalização preventiva da constitucionalidade, 2007, p 1, disponível emhttp://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/06-Ribeiro-Mendes-TC- fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-preventiva.pdfconsultado em 09 de Março de 2002 as 15 horas. http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/06-Ribeiro-Mendes-TC-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-preventiva.pdf http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/06-Ribeiro-Mendes-TC-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-preventiva.pdf 28 Chefe de Estado, o Protector da Constituição, devia assegurar a fiscalização da constitucionalidade das leis, atendendo à sua legitimidade democrática. Como o guardião da constituição tem a prerrogativa de garantia a eficácia e das normas jurídicos constitucionais, em nosso entender, não deveria ser órgão com vínculo dos três principais poderes do Estado, porque a sua missão em alguns caso é julgar os interesse desses poderes. Assim sendo, devia ser um órgão que representasse os interesses do titular do poder constituinte originário, razão pela qual a forma de designação dos seus membros não deveria ser por meio de partidos políticos. Moçambique também adoptou a fiscalização jurisdicional concentrada, que é realiza pelo Conselho Constitucional, nos termos da alínea a) do n o 1 do artigo 243 da CRM e alínea a) do n o 1 do artigo 6 da LOCC. Para além dessa semelhança, entre a fiscalização jurisdicional concentrada austríaca e moçambicana existem algumas diferenças, a primeira diferença é a designação do órgão que realiza a fiscalização concentrada; no sistema austríaco é um Tribunal enquanto no sistema moçambicano é um Conselho, embora o conselho tenha um carácter também jurisdicional. A outra diferença tem que ver com os efeitos da decisão desses órgãos, no sistema austríaco, o órgão que realiza a fiscalização concentrada quando declara a inconstitucionalidade duma norma, essa sempre tem efeitos gerais, independentemente do tipo de processo; já no contexto moçambicano, o órgão que realiza a fiscalização concentrada quando declara a inconstitucionalidade duma norma, essa decisão pode ter efeitos inter parte, quando se trata de fiscalização concreta, nos termos do 73 da LOCC, também pode ter efeitos gerais, quando se trata da fiscalização sucessiva abstracta, nos termos do artigo 244 da CRM e artigo 66 da LOCC. 2.3.2 Sistema de fiscalização político concentrado da constitucionalidade O sistema de fiscalização político foi adoptado pela primeira vez pela França, que era um sistema atípico, tendo em conta os dois grande sistemas que eram aplicados por alguns Estados, que tinham a peculiaridade de serem órgãos do poder judicial a realizar a fiscalização da constitucionalidade. Como os tribunais não estavam do lado do povo na Revolução Francesa, e não são leitos, a França procurou afastar a fiscalização da constituição do poder judicial, ou seja, os tribunais, que não eram eleitos pelo povo, não tem a prerrogativa de questionar a vontade do povo expresso pelo Parlamento, como está consagrado no artigo 6 o da Declaração dos Direitos do 29 Homem e do Cidadão, que: “A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação…”. Paralelamente a isso é do entendimento de MENDES 28 que: “No modelo francês tradicional, o controlo da constitucionalidade das leis era político e cabia ao órgão parlamentar, porque este tinha o poder de formular a expressão normativa da vontade geral, visto os respectivos membros serem os legítimos representantes do povo, único titular do poder legislativo” Ainda no entender de MENDES 29 , na constituiçãofrancesa de 1795 a fiscalização da constitucionalidade era realizada pelo próprio parlamento através do Conselho de Anciãos, que foi uma câmara parlamentar especializada. Já em 1946 com a aprovação da IV constituição da República Francesa, cria-se o Comité Constitucional, que foi um órgão de natureza política, ad hoc composto pelo Presidente da República, pelos presidentes das duas câmaras legislativas e por 10 membros eleitos pela Assembleia Nacional e pelo Conselho da República, que exercia, pela primeira vez no mundo, preventivamente a fiscalização da constitucionalidade das leis ordinárias já aprovadas. Com a aprovação da V constituição da República Francesa em 1958 cria-se o Conselho Constitucional como o único órgão com competência exclusiva de realizar a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis, ou seja, uma vez aprovada e promulgada a lei já se mostrava impossível ser submetida ao controle da constitucionalidade das leis. Todavia, no entender de JÚNIOR 30 com a reforma da constituição feita em de 23 de Julho de 2008 introduziu na França a fiscalização sucessiva da constitucionalidade. Importa salientar que o Conselho Constitucional Francês é um órgão marcadamente político, na medida em que os seus membros podem ou não ser juristas. A fiscalização sucessiva na França só é feita através da Questão Prioritária de Constitucionalidade (QPC), que pode ser suscitada em qualquer processo, sendo ele judicial ou administrativo, como consta do artigo 61-1 da Constituição da República Francesa, que: “Quando, no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional, é argumentado que 28 Ibdem, p 1. 29 Idem. 30 JÚNIOR, Dirley da Cunha, O Controle de Constitucionalidade na França e as alterações advindas da Reforma Constitucional de 23 de julhode 2008 , Brasil Jurídico, p 11. Disponível em https://brasiljuridico.com.br/artigos/o- controle-de-constitucionalidade-na-franca-e-as-alteracoes-advindas-da-reforma-constitucional-de-23-de-julho-de- 2008.-por-dirley-da-cunha-junior., Consultado no dia 9 de Março de 2020 as 15 e 30 30 uma disposição legislativa ameaça direitos e liberdades garantidos pela Constituição, o Conselho Constitucional pode ser convocado para analisar o caso por meio de citação do Conselho de Estado ou do Supremo Tribunal, que se pronuncia em um prazo determinado”. A partir do artigo anteriormente citado, percebemos que trata-se duma fiscalização concreta da constitucionalidade, que é feita num caso concreto, mas os efeitos da declaração da inconstitucionalidade no âmbito desse processo tinha efeitos geral, ou seja, a norma é revogada da ordem jurídica, com forme o artigo 62 da Constituição da República Francesa. É importante que se saliente que os tribunais, no ordenamento jurídico francês, não realizam a fiscalização da constitucionalidade, na medida em que não podem tomar qualquer juízo do valor relativamente a constitucionalidade ou não da norma, cabendo-lhes somente proceder a um primeiro exame, para aferir se a questão prioritária é admissível e se cumpre os critérios estabelecidos pela lei orgânica. Se estas condições forem cumpridas, o tribunal encaminhará a questão prioritária de constitucionalidade ao Conselho de Estado, quando se trate de processo de natureza administrativa, ou ao Tribunal de Cassação, quando for um processo que tenha natureza judicial; esses órgãos procederão a um exame mais aprofundado da questão prioritária de constitucionalidade e decidirá se a remete ou não ao Conselho Constitucional, como refere JÚNIOR 31 . Moçambique adoptou algumas características do sistema francês de fiscalização da constitucionalidade; a primeira característica tem ver com a designação do órgão com competência para realizar a fiscalização concentrada, que é o Conselho Constitucional, a outra característica tem que ver com a fiscalização feita antes da entrada em vigor do acto, nos termos do n o 2 do artigo 162, 245 da CRM e artigo 54 da LOCC, que a fiscalização preventiva; a diferença entre esses dois sistemas tem que ver com os efeitos das decisões do Conselho Constitucional no que tange a inconstitucionalidade das normas, o CC na França só toma decisões com efeitos gerais, situação diferente vive-se no contexto moçambicano, como já referimos nos parágrafos antecedentes. 31 Ibdem 31 Capítulo III 3. Fiscalização jurisdicional difusa e incidental da constitucionalidade no ordenamento jurídico moçambicano A fiscalização difusa em Moçambique é feita nos termos do artigo 213, que estabelece: “Nos feitos submetidos a julgamento os tribunais não podem aplicar leis ou princípios que ofendam a Constituição”. Enquanto a fiscalização jurisdicional sucessiva concentrada, para o professor JUSTINO 32 , é feita pelo CC nos termos do artigo 246 da CRM. 3.1 Órgãos com competência para realizar a fiscalização difusa O professor MIRADA 33 entende, de acordo com cada tipo de sistema fiscalização já abordados anteriormente, há quatro estatutos possíveis dos tribunais frente às questões de inconstitucionalidade, o primeiro estatuto é de não ter competência para conhecer e, portanto, para decidir; outro estatuto é de ter competência para conhecer e para decidir; o terceiro estatuto é de ter competência para conhecer, mas não para decidir, salvo sobre a viabilidade da questão (por isso caber a um tribunal situado fora da ordem judicial, o Tribunal Constitucional); o último estatuto é de ter competência para conhecer e para decidir, com recurso possível ou necessário (conforme os casos) para um tribunal situado fora da ordem judicial. No ordenamento jurídico moçambicano todos os tribunais têm competência para conhecer e para decidir com recurso necessário para um órgão situado fora da ordem judicial, que é CC. Não é só da competência exclusiva dos tribunais, mas de outros órgãos, como nos dá a entender o professor CANOTILHO 34 , quando se refere ao artigo 213: “Este preceito significa que a função jurisdicional íntegra também a fiscalização da constitucionalidade e que os tribunais - todos e cada um deles - têm o poder e o dever de confrontar com a lei fundamental as normas infraconstitucionais que sejam chamados a aplicar, tendo de recusar-se a aplicá-las se elas não forem compatíveis com ela” Mas é importante esclarecer que nem sempre quando há uma questão de inconstitucionalidade implica necessariamente a suspensão do processo e posterior recurso ao CC, nos termos dos 32 JUSTINO, Justino Felisberto, O regime jurídico do acesso de cidadãos à justiça Constitucional moçambicana em fiscalização concreta à luz da constituição de 2004, Editorial Fundza, 2018, p 194 33 MIRANDA, Jorge, o regime de fiscalização concreta da constitucionalidade em Portugal, CJP, p 1, disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1119-2440.pdf, consultado no dia 20 de Janeiro de 2020 as 10 horas 34 Ibdem https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1119-2440.pdf 32 artigos 246 da CRM 67 da LOCC. Os efeitos jurídicos não normativos públicos e privado, como é o caso dum contrato de trabalho que viole as normas constitucionais, a dissolução da Assembleia da República feita pelo Presidente da República sem que para tal estejam preenchidos as formalidades legais, nesses actos pode o Tribunal Judicial e Administrativo declarar esses actos inconstitucionais sem que tenha remeter obrigatoriamente ao CC, com podemos perceber do contra censo da alínea a) do n o 1 do artigo 243 da CRM e alínea a) do n o 1 do artigo 6 da LOCC, que estabelece que o CC tem competência para apreciar e declarar a inconstitucionalidade leis e a legalidade dos actos normativos do Estado e o contrato de trabalhonão é uma lei e muito menos um acto não normativo do órgão de Estado, razão pela qual que não cabe nas competências do CC. Sendo assim a fiscalização é uma competência que é entregue aos órgãos que exercem a função jurisdicional. Órgão jurisdicional é aquele que aplica o direito ao caso concreto, com o objectivo de solucionar os conflitos de interesses e, com isso, resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei, essa função ao nível da constituição é encarregue aos tribunais, nos termos do artigo 211. A função jurisdicional está de certo modo ligada a administração da justiça. Sendo assim que se tem a dizer relativamente a natureza do CC. Quando a natureza do Conselho Constitucional importa referir nos termos do artigo 241, “o Conselho Constitucional é o órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça, em matérias de natureza jurídico-constitucional”. Na perspectiva de MACUACUA 35 , com base no artigo supra citado, fica difícil afirmar categoricamente que esse órgão seja de natureza política ou jurisdicional, entende ainda o autor acima citado que o Conselho Constitucional é um órgão jurisdicional, por estar a exercer as funções dum tribunais, entendimento esse que não partilhamos pelos seguintes fundamentos; se nos atermos as origens do conselho constitucional, esse órgão com essa designação teve o seu surgimento na França, onde a fiscalização da constitucionalidade era em princípio encarregue a um órgão de vontade geral, que é o parlamento, não sendo admissível a um órgão jurisdicional questionar a vontade geral. 35 MACUÁCUA, Edson Da Graça Francisco, Funções e Natureza Jurídica do Conselho Constitucional Moçambicano, Maputo, p5, disponível em https://docplayer.com.br/82652540-Edson-macuacua-funcoes-e-natureza- juridica-do-conselho-constitucional-mocambicano.html, consultado no dia 18 de Março de 2020 as 11 horas https://docplayer.com.br/82652540-Edson-macuacua-funcoes-e-natureza-juridica-do-conselho-constitucional-mocambicano.html https://docplayer.com.br/82652540-Edson-macuacua-funcoes-e-natureza-juridica-do-conselho-constitucional-mocambicano.html 33 Dada a necessidade de especializar a função de fiscalização criou-se o Conselho Constitucional, que apesar de ser um órgão autónomo do parlamento, ainda tinha base parlamentar, porque maior parte dos membros do Conselho Constitucional são eleitos pelo parlamento. Essa realidade francesa foi transportada até nós por meio do artigo 241 alínea b) da CRM, o que significa que o Conselho Constitucional é composto maioritariamente duma forma política, até porque acaba exercendo a função de legislador negativo, expurgado do ordenamento jurídico normas inconstitucionais, que é função política. Mas isso não nos leva a crer que o Conselho Constitucional seja por excelência um órgão político, porque em algum momento acaba exercendo a jurisdicional; entendimento esse, partilhado pelo conselho constitucional por meio do acórdão n o 9/CC/2008 de 13 de Novembro, que entende que o Conselho Constitucional por ser um órgão vocacionado em administrar a justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional, nos termos do n o 1 do artigo 240 da CRM, acaba exercendo a função jurisdicional, sendo nesses termos também destinatário da norma do artigo 213 da CRM. Razão pela qual, o CC é um órgão de natureza um órgão jurisdicional-político (mista), ou seja, quando estiver a analisar a questão da constitucionalidade duma norma está actuar como um órgão político, porque anular uma norma constitui uma actividade legislativa no sentido negativo, para além disso, maior parte dos membros do CC vem no meandro político, 6 dos 7 juízes são designados ou nomeados por órgãos político e só um vem dum órgão jurisdicional, nos termos do artigo 7 da LOCC. Mas também o CC é um órgão jurisdicional, porque julga litígios de natureza eleitoral; os seus membros são juízes, o que significa devem observar os mesmos princípios aplicáveis aos magistrados de careira, como é o caso do princípio da irresponsabilidade, disciplinado no artigo 11 da LOCC, o regime da responsabilidade disciplinar dos juízes conselheiro do CC é o mesmo dos juízes conselheiros do Tribunal Supremo, nos termos do artigo 13 da LOCC; para além disso, o CC para a distribuição dos processos e contagem dos prazos aplica as normas do CPC, nos termos dos artigos 42 e 46 da LOCC. 3.2 Decisões que cabem recurso ao CC e os seus efeitos Como já referenciamos no parágrafo anterior, nem todas as decisões que versam em torno da inconstitucionalidade dos actos cabem recurso para o CC, porque este só aceita quando forem os actos normativos do Estado. 34 Ao nível da doutrina, como é o caso do professor MIRANDA 36 , entende que são três tipos de decisões que cabem recurso a fiscalização concentrada da constitucionalidade que são as decisões que recusem a aplicação de certa norma com fundamento na inconstitucionalidade ou na ilegalidade, decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, cabem ainda recurso as decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio órgão que realiza a fiscalização concentrada. No ordenamento jurídico moçambicano, só há recurso ao CC, das decisões de recusam a aplicação de uma norma com base na sua inconstitucionalidade, nos termos do artigo 246 da CRM, deixando de fora as decisões que apliquem uma norma julgadas inconstitucionais pelo próprio CC em sede da fiscalização concreta, também deixa-se de fora o recurso das decisões que apliquem normas que um dos intervenientes no processo tenha levantado o incidente de inconstitucionalidade, a não ser que o tribunal a quo concorde com os fundamentos do recurso e se recuse a aplicar a norma em causa. Como entende o professor JUSTINO 37 , o no nosso sistema não podem ser submetidos ao CC os acórdãos e decisões tenha aplicado normas inconstitucionais ou ilegais, cuja inconstitucionalidade ou a ilegalidade haja sido suscitada pelas partes. 3.2 Declaração de inconstitucionalidade duma norma geral com efeitos inter parte Com a declaração de inconstitucionalidade de uma norma em sede da fiscalização concreta da constitucionalidade, ela tem feitos inter parte, nos termos do artigo 73 alínea c) da LOCC, que estabelece: “faz caso julgado no processo quanto a questão da inconstitucionalidade suscitada”. A respeito desses efeitos, o CC através do acórdão nº. 9/CC/2017 de 27 de Dezembro entende que: “Na circunstância é importante frisar que nos processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Conselho Constitucional, se reflectem apenas in casu, isto é, têm efeito de caso julgado no processo. A norma é declarada inconstitucional, mas não é erradicada da ordem jurídica”. Isso implica que uma norma declarada inconstitucional em sede da fiscalização concreta não desaparece do ordenamento jurídico moçambicano, oque significa que conserva a sua eficácia. Importa salientar que apesar da norma continuar em vigor no ordenamento jurídico, ela é inconstitucional, o que implica que todos os órgãos jurisdicional, nos termos do artigo 213 da 36 MIRANDA, Jorge, Op cit, nota 30, CJP, p 27 37 JUSTINO, Justino Felisberto, Op cit, nota 33, p 34 35 CRM, não podem aplicar essa norma, mas essa norma não se aplica ao órgãos da Administração Pública. Apesar da norma, declarada inconstitucional em sede da fiscalização concreta, os órgãos jurisdicional estarem proibidos de aplicar, esses pretendendo desaplicar a norma, terão que submeter, obrigatoriamente a apreciação do CC, nos termos do artigo 246 da CRM 67 da LOCC. Na de perspectiva de KELSEN 38 as autoridades que são chamadas a aplicara norma geral, que tenha o poder de retirar sua validade no caso concreto se reconhecer sua irregularidade, tem na realidade o poder de anulá-la, mas a anulação é simplesmente parcial, limitada ao caso em exame. É essa é a situação dos tribunais – mas não das autoridades administrativas. Sendo assim, o poder de anular uma lei inconstitucional numa caso em concreto só é reconhecido ao tribunais e os órgãos jurisdicionais, nos termos do artigo 213 da CRM, mas no ordenamento jurídico moçambicano, apesar do poder de declarar a inconstitucionalidade de uma norma estar centralizado no CC, este continua a anular as normas de forma parcial. Ainda no entender de KELSEN 39 , anulação duma norma constitui no exercício duma função legislativa negativa e não numa função jurisdicional; a diferença entre função jurisdicional e função legislativa consiste antes de mais nada em que esta cria normas gerais, enquanto aquela cria unicamente normas individuais. Ora, o CC ao anular uma lei está a estabelecer uma norma geral, porque a anulação de uma lei, no entendimento do autor acima citado, tem o mesmo carácter de generalidade que sua elaboração, nada mais sendo, por assim dizer, que a elaboração com sinal negativo e portanto ela própria uma função legislativa. O professor SOUZA 40 entende que as leis são aqueles actos legislativos que são dotados de generalidade e abstracção no seu conteúdo. A abstracção corresponde a indeterminabilidade das situações de facto a que lei é aplicável, ao passo que a generalidade respeita a indeterminabilidade dos seus destinatários, sejam estes indivíduos ou entidades por eles constituídas. Sendo assim, a norma jurídica nasce para ser geral e abstracta, não faria sentido que o legislador negativo fixasse uma norma individual, isto é, aplicável a um caso. 38 KELSEN, Hans, Op cit, nota 10, p 144 39 MOREIRA, Valter Tavares, A Justiça Constitucional Cabo-Verdiana, Lisboa, 2017, p 7, disponível em https://constitutions.albasio.eu/wp-content/uploads/Saggio-Capo-Verde.pdf, consultado no dia 17 de Março de 2020 as 16 horas 40 SOUSA, Marcelo Rebelo de e Sofia Galvão – Introdução ao Estudo do Direito, 5.ª edição, Lex, Lisboa, 2000, p 52 https://constitutions.albasio.eu/wp-content/uploads/Saggio-Capo-Verde.pdf 36 3.2.1 Direito comparado Moçambique, Cabo- Verde, São Tomé Príncipe e Guine Bissau Fazendo uma análise comparativa com outras realidades, como é o caso de Cabo Verde, constata- se que nesse ordenamento jurídico, que também teve influência de Portugal por causa da colonização, declarada uma norma inconstitucional na fiscalização concreta, os efeitos dessa decisão proferida pelo TC são gerais, com estabelece o artigo 279º da Constituição Cabo- verdiana, que estabelece: “Os Acórdãos do Tribunal Constitucional, que tenham por objecto da fiscalização da constitucionalidade ou ilegalidade, qualquer que tenha sido o processo em que hajam sido proferidos, têm força obrigatória geral”. Enquanto em Moçambique tem efeito inter parte. Assim sendo, em Cabo Verde, a lei sendo geral é aplicada de igual forma para todos, o que significa que ela não é só inconstitucional para um caso em específico. Essa solução também é acolhida por São Tomé e Príncipe, que no processo de fiscalização concentrada concreta, a decisão de inconstitucionalidade tem sempre efeitos gerais, como preconiza o n o 1 do artigo 150 da Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe, que: “a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”. Para além de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, o outro exemplo que podia ser observado é de Guine Bissau, que apesar da fiscalização da constitucionalidade estar a cargo do Supremo Tribunal de Justiça, este órgão não toma decisões com efeitos diferenciados no que tange a decisão de inconstitucionalidade de uma norma geral, como podemos assacar do n os 3 e 4 do artigo 126 da Constituição da República do Guine Bissau, que: “Admitida a questão da inconstitucionalidade, o incidente sobe em separado ao Supremo Tribunal de Justiça, que decidirá em plenário. As decisões tomadas em matéria de inconstitucionalidade pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça terão força obrigatória geral e serão publicadas no Boletim Oficial”. 37 Conclusão Finalizado o trabalho conclui-se que, por forma a evitar com que a ordem constitucional seja bastante vulnerável a violações por parte do poder político, a constituição consagra os próprios mecanismos de protecção e defesa, dentre esses mecanismos de protecção das normas constitucionais, o destaque vais para a fiscalização da constitucionalidade das norma, que é considerado o mecanismo de protecção mais eficaz, razão pela qual que quase todos os países, incluindo Moçambique, procuraram adoptar nas suas constituições ou em leis ordinárias, um sistema de fiscalização da constitucionalidade. O objectivo principal ou geral do trabalho foi atingido, que era de analisar o sistema de fiscalização da constitucionalidade adoptado por Moçambique, onde se avançou que o ordenamento jurídico moçambicano adoptou o sistema misto de fiscalização da constitucionalidade, que faz a combinação entre o sistema de fiscalização difuso norte-americano, o sistema de fiscalização jurisdicional concentrado Austríaco e o sistema de fiscalização político concertado francês. A pergunta que orientou a presente pesquisa foi a de perceber porque que uma norma, declarada inconstitucional pelo Conselho Constitucional, durante a fiscalização concreta, tem efeitos particulares, permitindo que ela continue a produzir os seus efeitos jurídicos; as hipóteses apresentadas para esta questão confirmaram-se, na medida em que verificou que o CC, ao invalidar um acto normativo com fundamento na sua inconstitucionalidade, está fixar uma norma geral, que deve ser aplicada a todos os destinatária da norma, na medida em que o CC é um legislador negativo, verificou-se também que, independentemente do tipo de processo, o CC quando declara a inconstitucionalidade duma norma, está será apagada para os órgãos jurisdicionais, por causa da proibição imposta no artigo 213 da CRM, de não aplicar normas inconstitucionais. No processo de elaboração do presente trabalho encontraram-se algumas limitações ligadas a insuficiência de manuais que abordam com mais profundidade em torno do tema, dificuldade na compreensão de alguns conceito ou ideias. 38 Sugestões Realizada a pesquisa sugere-se: Ao CC, como um legislador negativo, não invalide a lei ou qualquer acto normativo do Estado com efeitos particulares ou inter parte; Que todas as normas declaradas inconstitucionais no processo fiscalização concreta concentrada, por violarem o capítulo dos direitos fundamentais, já não podem ser aplicadas porque sobre elas já existe um juízo de inconstitucionalidade. 39 Referência bibliográfica a) Doutrina CANOTILHO, J. J. Gomes, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993; CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, 3.ª edição, Coimbra Editora; COSTA, Salvador da – “Os Incidentes da Instância”. Almedina, Lisboa, 2014 7ª Edição; GIL, António Carlos, op cit nota 2, 6 a ed, São Paulo, Atlas Editora, 2008. GOUVEIA, Jorge Bacelar, Direito Constitucional de Moçambique, Instituto do Direito de Língua Portuguesa, Maputo, 2015; HESSE, Konrad, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, tradução de Dr. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, 1998; JUSTINO, Justino Felisberto, O regime jurídico do acesso de cidadãos à justiça Constitucional moçambicana em fiscalização
Compartilhar