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Autora: Profa. Mariana Garcia Colaboradoras: Profa. Fernanda Torello de Mello Profa. Cristiane Jaciara Furlaneto Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Zoologia: Invertebrados Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Professora conteudista: Mariana Garcia Bióloga, graduada em 2009 pela Universidade Paulista. Durante a graduação realizou iniciação científica em classificação e identificação de formigas. Nos anos seguintes continuou o trabalho com insetos, como educadora, na construção do primeiro zoológico de insetos do Brasil. Em 2013, obteve o título de mestre ao defender sua pesquisa em controle biológico de insetos, para a qual trabalhou com nematoides e fungos parasitas, importantes aliados para diminuição do uso de inseticidas químicos. Neste mesmo ano, teve a oportunidade de retornar à Universidade Paulista como docente, atuando nas disciplinas Tópicos em Invertebrados, Zoologia dos Invertebrados e Fisiologia Comparada. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G216z Garcia, Mariana. Zoologia: invertebrados. / Mariana Garcia. – São Paulo: Editora Sol, 2015. 160 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXI, n. 2-169/15, ISSN 1517-9230. 1. Zoologia. 2. Filo. 3. Invertebrados. I. Título. CDU 592 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Virgínia Bilatto Marina Bueno Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Sumário Zoologia: Invertebrados APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 INTRODUÇÃO AO FILO ARTHROPODA ..................................................................................................... 11 1.1 Artropodização ...................................................................................................................................... 12 1.2 Segmentação e tagmose ................................................................................................................... 13 1.3 Cefalização .............................................................................................................................................. 15 1.4 Apêndices ................................................................................................................................................ 15 1.5 Parede do corpo .................................................................................................................................... 16 1.6 Ecdise ......................................................................................................................................................... 18 1.7 Nutrição e digestão ............................................................................................................................. 22 1.8 Transporte interno ............................................................................................................................... 24 1.9 Excreção ................................................................................................................................................... 25 1.10 Sistema nervoso e órgãos do sentido ........................................................................................ 26 1.11 Trocas gasosas ..................................................................................................................................... 28 1.12 Reprodução .......................................................................................................................................... 29 1.13 Diversidade em Arthropoda ........................................................................................................... 31 2 SUBFILO TRILOBITA ......................................................................................................................................... 32 2.1 Características gerais .......................................................................................................................... 33 2.2 Reprodução e desenvolvimento ..................................................................................................... 34 2.3 Ecologia .................................................................................................................................................... 34 2.4 Importância paleoecológica............................................................................................................. 34 3 SUBFILO CHELICERATA .................................................................................................................................. 35 3.1 Estrutura corporal ................................................................................................................................ 35 3.2 Chelicerados primitivos – classe Merostomata ........................................................................ 37 3.2.1 Subclasse Eurypterida ........................................................................................................................... 37 3.2.2 Subclasse Xyphosurida ......................................................................................................................... 38 3.2.3 Forma e função ........................................................................................................................................ 39 3.3 Classe Pycnogonida ............................................................................................................................. 42 3.3.1 Forma e função ........................................................................................................................................ 42 3.3.2 Nutrição e excreção ............................................................................................................................... 44 3.3.3 Transporte interno e trocas gasosas ............................................................................................... 44 3.3.4 Sistema nervoso e órgãos do sentido ............................................................................................. 44 3.3.5 Reprodução e desenvolvimento ....................................................................................................... 44 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 4 CLASSE ARACHNIDA ......................................................................................................................................45 4.1 Forma e função ..................................................................................................................................... 45 4.2 Nutrição ................................................................................................................................................... 47 4.3 Trocas gasosas ....................................................................................................................................... 47 4.4 Sistema nervoso e órgãos do sentido .......................................................................................... 47 4.5 Reprodução e desenvolvimento ..................................................................................................... 48 4.6 Diversidade em Arachinida ............................................................................................................... 48 4.6.1 Ordem Araneae ........................................................................................................................................ 48 4.6.2 Ordem Scorpionida ................................................................................................................................ 54 4.6.3 Forma e função ........................................................................................................................................ 54 4.6.4 Ordem Opiliones ...................................................................................................................................... 57 4.6.5 Ordem Pseudoscorpionida .................................................................................................................. 61 4.6.6 Ordem Solifugae...................................................................................................................................... 62 4.6.7 Ordem Uropygi ......................................................................................................................................... 63 4.6.8 Ordem Amblypygi ................................................................................................................................... 63 Unidade II 5 FILO CRUSTACEA .............................................................................................................................................. 69 5.1 Morfologia e função ........................................................................................................................... 70 5.1.1 Trocas gasosas e transporte ................................................................................................................ 71 5.1.2 Nutrição e digestão................................................................................................................................ 71 5.1.3 Sistema excretor ...................................................................................................................................... 72 5.1.4 Sistema nervoso e sensorial ............................................................................................................... 73 5.1.5 Reprodução ............................................................................................................................................... 74 5.2 Diversidade em Crustácea................................................................................................................. 74 5.2.1 Classe Maxillopoda ................................................................................................................................. 75 5.2.2 Classe Malacostraca ............................................................................................................................... 78 5.2.3 Classe Branchiopoda ............................................................................................................................. 83 5.2.4 Classe Ostracoda ..................................................................................................................................... 83 6 SUBFILO MYRIAPODA .................................................................................................................................... 85 6.1 Classe Symphyla ................................................................................................................................... 86 6.2 Classe Pauropoda ................................................................................................................................. 86 6.3 Classe Chilopoda ................................................................................................................................... 87 6.3.1 Morfologia e função .............................................................................................................................. 87 6.4 Diplopoda ................................................................................................................................................ 89 6.4.1 Morfologia e função .............................................................................................................................. 90 Unidade III 7 SUBFILO HEXAPODA....................................................................................................................................... 98 7.1 Classe Insecta – morfologia e função ........................................................................................100 7.1.1 Nutrição e digestão..............................................................................................................................103 7.1.2 Transporte interno ................................................................................................................................104 7.1.3 Trocas gasosas ........................................................................................................................................105 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 7.1.4 Excreção ....................................................................................................................................................106 7.1.5 Sistema nervoso e órgãos do sentido ...........................................................................................106 7.1.6 Coordenação muscular .......................................................................................................................107 7.1.7 Reprodução .............................................................................................................................................107 7.1.8 Crescimento ............................................................................................................................................108 7.2 Diversidade em Insecta ....................................................................................................................110 7.2.1 Ordem Zygentoma ............................................................................................................................... 110 7.2.2 Ordem Odonata ......................................................................................................................................111 7.2.3 Ordem Orthoptera .................................................................................................................................111 7.2.4 Ordem Isoptera ...................................................................................................................................... 112 7.2.5 Ordem Blattodea ...................................................................................................................................113 7.2.6 Ordem Phthiraptera ............................................................................................................................. 114 7.2.7 Ordem Hemiptera ................................................................................................................................. 115 7.2.8 OrdemColeoptera.................................................................................................................................117 7.2.9 Ordem Lepidoptera ............................................................................................................................... 118 7.2.10 Ordem Diptera .....................................................................................................................................121 7.2.11 Ordem Hymenoptera ........................................................................................................................ 122 7.2.12 Ordem Siphonaptera ........................................................................................................................ 123 8 FILO ECHINODERMATA ................................................................................................................................124 8.1 Morfologia e função .........................................................................................................................125 8.1.1 Sistema ambulacral ............................................................................................................................. 126 8.1.2 Digestão e excreção ............................................................................................................................ 127 8.1.3 Trocas gasosas ....................................................................................................................................... 128 8.1.4 Reprodução ............................................................................................................................................ 128 8.2 Classe Asteroidea ................................................................................................................................129 8.3 Classe Echinoidea ...............................................................................................................................129 8.4 Classe Holothuroidea ........................................................................................................................131 8.5 Classe Crinoidea ..................................................................................................................................131 8.6 Ophiuroidea ..........................................................................................................................................132 9 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 APRESENTAÇÃO Nesta disciplina o aluno irá expandir seus conhecimentos em invertebrados. Serão tratados dois filos, Arthropoda e Echinodermata, sendo o primeiro o maior grupo de seres vivos já identificados, compreendendo as estruturas corporais e seu funcionamento, diferenciando os principais subgrupos, comportamentos e estratégias, bem como as relações evolutivas entre estes. Iremos discutir os fatores que favoreceram a diversificação e colonização destes animais. O aluno será capacitado a reconhecer as classificações sistemáticas, correlacionando os diferentes filos estudados aos seus respectivos ambientes. Ao final deste livro, o aluno estará hábil a compreender as adaptações que originaram os vertebrados e entender a evolução de outros grandes grupos de animais. Boa leitura! INTRODUÇÃO Os invertebrados são dominantes sobre a diversidade da Terra; quando comparamos todas as espécies já descritas entre animais, plantas, bactérias, fungos ou qualquer outro, estes são esmagadores em número de espécies e indivíduos. Neste livro daremos continuidade aos grupos apresentados no curso e, para isto, é fundamental que alguns conceitos sejam relembrados e estejam vivos em sua memória. Como diagnose, todos os animais são eucariotos, multicelulares, heterótrofos e sem a presença de parede celular de celulose. A morfologia, ou seja, a forma das estruturas corporais, além da proximidade genética, são caracteres utilizados para organizar os indivíduos e agrupá-los de acordo com sua similaridade. Nesta disciplina estudaremos o filo Arthropoda e, dentro deste, os grupos: subfilo Trilobita, representado pelos trilobitas, primeiros artrópodes conhecidos e completamente extintos; subfilo Chelicerata, um grande grupo cujos membros mais populares são as aranhas, escorpiões, ácaros e caranguejos-ferradura; subfilo Crustacea, incluindo-se caranguejos, lagostas, siris, camarões e tatus-de-jardim; subfilo Myriapoda, com os piolhos-de-cobra e as lacraias ou centopeias; subfilo Hexapoda, representado pelos colembolos e os insetos. Veremos ainda o filo Echinodermata, que agrupa os ouriços, estrelas e pepinos-do-mar. Ao longo do texto, conceitos fundamentais para a zoologia serão retomados e, por meio de exemplos do cotidiano, os grupos serão facilmente compreendidos. 11 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS Unidade I 1 INTRODUÇÃO AO FILO ARTHROPODA Arthropoda reúne o maior filo de animais descritos e está presente em nosso dia a dia. Seus representantes podem ser observados por toda parte. As águas doces e salgadas são reservatórios de diferentes espécies, desde crustáceos até larvas de insetos, como as libélulas e os mosquitos. No ambiente terrestre, são os verdadeiros colonizadores, em geral de maneira dominante, mesmo em número de indivíduos. Estão espalhados das áreas mais gélidas até os desertos mais quentes. No solo, vemos formigas, aranhas, tatus-de-jardim, besouros e outros, os quais realizam funções importantes na manutenção da disponibilidade de nutrientes, como predadores e detritívoros. A vegetação foi e é importante aliada dos artrópodes, servindo como abrigo, fonte de alimento ou apenas como um local para a reprodução. Além destes locais, o ambiente aéreo foi alcançado por meio do voo, uma importante adaptação vista nos insetos, a qual será discutida detalhadamente no tópico que tratará deste grupo. Os artrópodes são peças importantes em programas de conservação, pois controlam populações e são fonte alimentar para muitos grandes grupos, incluindo peixes e mamíferos. Aos humanos exercem grande impacto econômico, e, na saúde pública, somos dependentes desses animais como fonte de proteínas, além de sermos alvos de diferentes doenças transmitidas por artrópodes. Como exemplo, podemos citar mosquitos transmissores de dengue, malária, febre amarela, filariose e outras; percevejos como o barbeiro, transmissor da doença de chagas; e ainda ácaros e carrapatos que afetam diretamente os humanos e suas criações de animais domésticos. Na verdade, os artrópodes compõem cerca de 70 a 75% dos animais conhecidos, com aproximadamente 1,2 milhão de espécies, e estima-se que haja muitas outras a serem descobertas (GRIMALDI; ENGEL, 2005). Alguns estudiosos acreditam que só de insetos este número possa ser extrapolado em 30 milhões de espécies (RUPPERT; BARNES, 1996), alguns representantes estão na imagem a seguir. Compreenderemos ao longo desta leitura as razões que favoreceram tal diversidade, mas vale neste momento compreender que quanto maior o grupo, maiores deverão ser os esforços para coletá-los e estudá-los. Outro fator crucial se deve ao tamanho corporal reduzido, que pode ser visto na maior parte dos indivíduos do grupo. Os estudos devem ser focados em diferentes métodos de coletas, visando observar todos os locais possíveis habitados por estes, e ainda concentrar-se na observação detalhada, o que requer tempo, mão de obra qualificada e equipamentos adequados. 12 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I A) B) C) D) Figura 1 – Exemplos de indivíduos do filo Arthropoda: A – um inseto sobre uma planta; B – larvas, formas imaturas de um artrópode; C – aranha quelicerados da classe Arachnida; D – caranguejo, crustáceo decápode Falaremos inicialmente das características gerais e posteriormente trataremosdas particularidades e classificações de cada grande grupo. Os artrópodes são animais triblásticos, celomados, protostomados e de simetria bilateral. Foram considerados por muito tempo como um grupo polifilético, isto é, mais de um grupo teria se originado de maneira independente. Porém, atualmente os autores divergem entre uma possível descendência dos anelídeos, e outros acreditam que o ancestral mais próximo teria sido compartilhado com os nematoides. A evolução até o modelo corporal de um artrópode atual não foi repentina e, sim, gradual. Esta construção é chamada de artropodização, da qual falaremos a seguir. 1.1 Artropodização A palavra Arthropoda pode ser traduzida como “pés articulados” (do grego arthros, articulado, e podos, pés), entretanto veremos que não só os pés como todo o seu corpo é formado por placas rígidas articuladas entre si. Estas placas dão sustentação atuando como um esqueleto e proteção por estarem na parte externa do corpo, assim este revestimento constitui um exoesqueleto. Se voltarmos no tempo na evolução dos grupos de invertebrados, lembraremos que os platelmintos possuíam apenas uma matriz de células que preenchia seus corpos, os quais eram achatados com uma baixa capacidade de sustentação, já os nematoides e anelídeos tinham sua forma corporal sustentada por meio de líquidos que preenchiam suas cavidades e exerciam papel de um esqueleto hidrostático, ambos contavam com uma cutícula fina que dava apoio para que a pressão interna de tais fluidos fosse mantida. Ao longo da adaptação dos artrópodes, os compartimentos celomáticos perderam a função hidrostática; a proteção e a sustentação passaram a ser exercidas por seu exoesqueleto, composto por várias camadas formadas principalmente por um polissacarídeo extremamente rígido, chamado de quitina; estas camadas juntas formam a cutícula. Podemos concluir que os insetos desenvolveram uma espécie de armadura de guerra, que dificulta o rompimento do tegumento e protege os órgãos localizados internamente. Mas, imagine um cavaleiro da idade média todo rígido e pesado, seus movimentos seriam imprecisos e quase impossíveis, e este fatalmente seria alvo de seus inimigos. Os ancestrais dos artrópodes foram selecionados e os indivíduos que apresentavam capacidade de dobrar-se e movimentar-se exibiram vantagens na busca pelo alimento e por um parceiro reprodutivo. Hoje todos os artrópodes têm seus 13 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS corpos externamente revestidos por placas de exoesqueleto ligadas por membranas articulares, as quais são finas e flexíveis e permitem o estiramento da placa à frente e o deslocamento da placa atrás, seguindo adiante. Entendemos até aqui que os compartimentos celomáticos deixam de atuar na sustentação corporal, porém tais espaços não são extintos e, sim, se diferenciam, atuando na circulação corporal. Um fluído chamado de hemolinfa passa a ocupar esses espaços e a transportar nutrientes, excretas, hormônios e gases. Têm-se então os órgãos banhados por meio de uma circulação aberta na hemocele, nome dado para esta cavidade nos artrópodes. A locomoção é sem dúvida um fator crucial na adaptação aos diferentes ambientes, exceto poríferos; todos os demais grupos possuem representantes adultos móveis. Nematoides utilizam suas contrações musculares para nadarem ou empurrarem o solo; platelmintos se deslocam por meio do batimento de cílios que deslizam sobre um muco secretado por esses; outras formas de vida como os protistas se locomovem com seus flagelos; os anelídeos por fim podem contar com a contração de seus corpos por movimentos peristálticos, mas também pelo bater de suas cerdas. Neste quesito, os artrópodes apresentam uma inovação entre os animais que haviam surgido até então, a presença de apêndices articulados, que são projeções da porção principal do corpo e que, embora inicialmente atuaram apenas na locomoção, se adaptaram em diferentes estruturas como pinças, garras, peças bucais e antenas. Os apêndices são também segmentados e aprecem sempre aos pares, acompanhando uma característica da bilateralidade. Tais apêndices foram fundamentais na colonização do ambiente terrestre, na disputa por alimento e território. Outra característica que se aprimorou ao longo da artropodização foi a metamerização, todo artrópode tem seu corpo dividido em segmentos interna e externamente, o que possivelmente teria sido compartilhado com um ancestral em comum com os anelídeos. O ancestral exato dos artrópodes é de fato um mistério, sabe-se que seu corpo era vermiforme e realizava a troca de cutículas para completar seu crescimento, o que já é observado nos nematoides e anelídeos. Porém, o processo da troca de cutícula passa a ser crucial, uma vez que os artrópodes dependem da cutícula como seu exoesqueleto e, assim, o momento da troca os expõe a altos riscos. Para isso o animal conta com um processo elaborado, que efetua modificações sensíveis e necessita de preparos significativos, como a busca por um abrigo e a manutenção de reservas energéticas; esta etapa é chamada de ecdise e ocorre seguindo as mesmas etapas em todos os indivíduos deste filo. Assim, um membro do filo Arthropoda reúne as seguintes diagnoses: corpo segmentado e articulado, revestido por um exoesqueleto de quitina; realizam processo de ecdise e apresentam apêndices articulados, segmentados e aos pares. 1.2 Segmentação e tagmose O corpo dos artrópodes é formado por uma série linear de segmentos semelhantes, chamados de sômitos. Cada sômito é formado por quatro placas ligadas entre si, são elas uma placa dorsal, o tergito, uma placa ventral o esternito e duas placas laterais os pleuritos. Os sômitos são ligados entre si por uma membrana artrodial ou articular, projeções finas e flexíveis que garantem a movimentação dos segmentos. 14 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I A) Tergito Ápodemas Pleurito Exoesqueleto Pleurito Esternito Apêndice articulado B) Sômito Sômito Membrana articular Figura 2 – A: estruturas que compõem um sômito; B: membrana articular e sua capacidade de expansão para a movimentação dos segmentos A segmentação pode ser observada desde a fase embrionária até a adulta, a maior parte das espécies exibem essa segmentação externamente e internamente; e quanto mais primitivo é o grupo, mais evidente é a segmentação, mais forte e marcados são os sômitos. Em grupos mais recentes é observada uma tendência por fusões entre os segmentos e, muitas vezes, a eliminação da segmentação quando vista externamente. Os órgãos apresentam estruturas repetidas em muitos segmentos, tais como as pertencentes ao sistema nervoso, muscular, circulatório e excretor. São observados grupos de segmentos que compartilham não só a função, mas também a forma corporal, chamados de homônomos; já os segmentos que não compartilham nem forma, nem função são chamados de heterônomos. Em literaturas específicas, para cada grupo de artrópodes exibe nomes para cada um de seus segmentos, o que facilita o reconhecimento de estruturas e espécies. Neste momento, será necessário conhecermos dois segmentos principais, o primeiro chamado de ácron, está localizado na extremidade anterior; e o último segmento, o télson, localizado na extremidade posterior. Ambos são fundamentais para a compreensão de estruturas importantes, como apêndices que estarão situados nestes locais, além de modificações fundamentais como os ferrões observados no télson dos escorpiões. Muitos artrópodes apresentam o mesmo número de segmentos ao longo de todo o seu desenvolvimento, crescendo apenas em volume corporal, outros grupos nascem com um número de segmentos e modificam este número a cada etapa de seu crescimento, neste caso os novos segmentos surgem em uma região mitoticamente ativa anterior ao télson, o que quer dizer que neste local as células encontram-seaptas a dividirem-se e originarem novos segmentos. 15 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS Quando vistos os segmentos de um anelídeo, a forma é semelhante ao longo de todo o corpo, já em artrópodes os segmentos homônomos se organizam em regiões que, além da forma e função, também irão portar apêndices semelhantes. Esta tendência de organização é chamada de tagmose, e assim cada grupo de segmentos homônomos será chamado de tágma. São três os arranjos mais frequentes de tagmas, inicialmente os artrópodes mais primitivos apresentavam apenas dois tagmas: cabeça e tórax. Já na maioria dos artrópodes, os tagmas são três: cabeça, tórax e abdômen; já alguns artrópodes apresentam claramente uma fusão entre dois tagmas, uma vez que são notadas mais de uma forma entre os segmentos. Porém, a função é compartilhada ou não se sabe exatamente onde ocorre a separação entre os tagmas como, por exemplo, nos aracnídeos que apresentam cefalotórax e abdômen, sendo o cefalotórax a fusão entre a cabeça e o tórax. Antena Antena Olhos Cabeça Cabeça Mandibula Tórax Tórax Antena Abdome Abdome Cefalotórax Apêndices para a natação TélsonApêndice caudal Apêndices locomotores Antênula Olho Figura 3 – Principais tagmas encontrados em artrópodes e estruturas marcantes 1.3 Cefalização A cefalização é uma característica herdada dos primeiros animais bilaterais que apresentaram a cabeça como um centro de comandos, onde o cefalo tornou-se uma área central para processar as informações captadas do meio e devolver respostas para o restante do corpo. Os artrópodes desenvolveram a cabeça como um polo portador de apêndices altamente modificados, envolvidos principalmente na percepção sensorial e na obtenção de alimentos. O ancestral tinha a cabeça pouco diferenciada dos demais tagmas, e esta adaptativamente tornou-se diferenciada. Na cabeça há grande concentração de gânglios nervosos, que constituem um cérebro. Olhos, quando presentes, podem ser simples ou compostos e frequentemente, além destes, podem apresentar ocelos para a percepção de intensidade de luz. Outros receptores sensoriais são encontrados altamente concentrados na cabeça, como cerdas que percebem alterações na movimentação do ar e substâncias químicas por contato ou a distância. 1.4 Apêndices Todos os apêndices dos artrópodes são articulados, segmentados e são encontrados aos pares. Esta é uma característica diagnóstica dos artrópodes e está presente em todos os indivíduos, em número e formas diferenciadas. 16 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I Os apêndices são constituídos por uma sucessão de segmentos chamados, neste caso, de artículos, constituindo um cilindro oco de exoesqueleto, o qual é movimentado por meio de músculos extensores e flexores por meio de musculatura estriada. No corpo principal onde ocorre a saída do apêndice, tem-se a região chamada de inserção e, ao olharmos o apêndice neste ponto, podemos classificá-los como unirremes ou birremes. Os unirremes apresentam um único ramo, o apêndice é contínuo do primeiro ao último segmento, e podem ser vistos em aranhas, insetos e miriápodes; já os birremes apresentam dois ramos principais e podem ser vistos em trilobitas e crustáceos. Muitas são as formas dos apêndices e estas variam de acordo com seu papel funcional. Os artículos podem ser subdivididos e apresentar formas de garra ou pinças, como, por exemplo, em caranguejos, nos quais as pinças são fundamentais para a obtenção de alimento e na disputa entre os machos pelas fêmeas. Neste caso, dizemos que o apêndice é terminado em quelas, sinônimos para pinças. Outro importante apêndice é a antena, fundamental para a percepção sensorial, esta pode exibir forma plumosa, longa ou curta, entre outras, de acordo com os hábitos do animal portador. A) Coxa Tíbia Tarso Fêmur Trocanter B) Figura 4 – Apêndices articulados. A: apêndice unirreme de um inseto; B: apêndice birreme de um crustáceo 1.5 Parede do corpo O corpo dos artrópodes é revestido externamente pela epiderme, um tecido vivo de células fortemente unidas sobre uma lâmina basal. E este mesmo tecido secreta para o seu exterior uma camada acelular, composta principalmente por α– quitina, um açúcar rígido, e proteínas. Esta camada trata-se da cutícula, a qual não apresenta células e é, portanto, uma camada morta, característica que impede que este revestimento acompanhe o crescimento do corpo do animal. A cutícula é fundamental para a sustentação do corpo, dando rigidez e forma. Além da proteção tanto química quanto mecânica, a primeira ocorre principalmente contra a dissecação, evitando a perda de água; já mecanicamente, o exoesqueleto tornou-se um protetor contra choques e possíveis danos aos órgãos. 17 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS Ainda para a proteção, a cutícula conta com glândulas ligadas à epiderme capazes de secretar substâncias cerosas que repelem patógenos e os tornam impermeáveis. A rigidez desta estrutura é sem dúvidas uma das razões para o sucesso do grupo, e obviamente, mesmo sendo uma forte barreira, alguns patógenos coevoluiram e passaram a produzir quitinases, enzimas que degradam a quitina e assim consomem o principal componente dos exoesqueletos. A cutícula dos artrópodes não é uniforme, algumas regiões são mais rígidas com maior deposição de quitina e outras mais finas, aumentando a flexibilidade, porém toda parte externa do corpo do animal é revestida por cutícula e em algumas regiões de invaginações também são recobertas. A cutícula ao ser produzida é fina e flexível, e então posteriormente esta sofre processos de endurecimento e torna-se esclerotizada. São conhecidos dois mecanismos, a esclerotização, em que o contato com o ambiente, principalmente oxigênio e raios solares, promove reações químicas que proporcionam ligações covalentes entre as proteínas ligadas à quitina e torna o exoesqueleto permanentemente rígido. A esclerotização ocorre em todos os artrópodes. O segundo processo é a mineralização, em que ocorre a incorporação de minerais, principalmente cálcio em determinada camada da cutícula. Este processo em geral complementa o primeiro em alguns grupos, como muitos crustáceos. A cutícula dos artrópodes é formada por duas camadas principais a mais externa é a epicutícula, a qual é mais fina, porém muito resistente e impermeável. É composta por proteínas, lipídios, lipoproteínas e ceras, sem a presença de quitina. Já a camada mais interna é a procutícula, bastante grossa, dá rigidez e espessamento ao exoesqueleto. Esta camada é formada por proteínas e quitina ligadas entre si. A procutícula se divide em duas camadas, a exocutícula e a endocutícula, a primeira é a mais externa e normalmente fortemente esclerotizada; a segunda apresenta um maior volume de quitina e confere espessura ao exoesqueleto. Nos indivíduos que apresentarem mineralização, será nesta camada que serão depositados os minerais. Epicutícula Exocutícula Endocutícula Epiderme Figura 5 – Estruturação da epiderme e exoesqueleto dos artrópodes A cutícula pode apresentar coloração dentro de uma gama bastante variada, os insetos são um exemplo do quão coloridos podem ser os artrópodes, alcançando inclusive tons metalizados. A coloração pode ser estática, e assim o animal adquire sua cor ao final dos processos de endurecimento e esta se mantém constante, a coloração neste caso é dada por pigmentos que são depositados pela epiderme junto à produção da cutícula. Outros artrópodes como os camarões são capazes de oscilar sua coloração e utilizá-la até mesmo para a comunicação entre indivíduos da mesma espécie, graças aos cromatóforos, 18 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I células produtoras de pigmentos,controladas por sistemas neuro-hormonais, que podem expandir-se ou retrair diante da necessidade de exposição da cor. A cutícula conta ainda com as cerdas, projeções quitinosas do próprio exoesqueleto, importantes na proteção, captura de alimentos, aumento de superfície e defesa. Devido à resistência da cutícula, aqui discutida, o crescimento corporal é dependente da troca da cutícula mais velha já esclerotizada por uma nova cutícula fina e flexível, e é durante este processo que o animal pode crescer. O intervalo de tempo para que seu corpo estique é justamente até que os processos de endurecimento sejam finalizados, neste momento não restará alternativas, o artrópode estará revestido em seu exoesqueleto acelular incapaz de crescer. Este processo é chamado de ecdise, e iremos compreender como ocorre no item a seguir. 1.6 Ecdise A ecdise consiste no processo da substituição do velho esqueleto, já esclerotizado por um novo, este processo também pode ser chamado de muda, uma vez que o animal mudará seu exoesqueleto. Para que ocorra a substituição, o exoesqueleto antigo precisa ser rompido e abandonado, entretanto o animal não pode ficar completamente desprotegido, ele irá anteceder este rompimento com a degradação da parte mais interna para criar espaço e produzir a porção inicial do novo exoesqueleto. Ao abandonar seu exoesqueleto, o artrópode terá uma nova cutícula fina e flexível, prestes a endurecer, e este será um momento excelente para seu corpo se esticar e crescer. Porém é como se estivesse sem sua armadura, ele está sem a proteção e a sustentação do seu corpo pronta e, portanto, extremamente vulnerável. O processo de ecdise é fundamental para o crescimento, é impossível aumentar o tamanho do corpo do artrópode com seu exoesqueleto rígido, limitando a expansão das células. Os artrópodes gastam em torno de 90% de sua vida realizando ecdises, e grande parte das mortes naturais ocorrem ao rompimento do exoesqueleto. No gráfico a seguir, é possível comparar o crescimento de outros animais aos artrópodes: Crescimento dos tecidos Não artrópode Artrópode E = ecdise Tempo Ta m an ho E E E Figura 6 – O crescimento dos artrópodes é interrompido pelo tempo de permanência no exoesqueleto rígido, até que a ecdise permita-o continuar 19 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS A ecdise pode ser dividida em quatro grandes etapas de acordo com os acontecimentos, são elas: intermuda, pré-muda, muda e pós-muda. Falaremos individualmente sobre estas e você pode visualizar um esquema dos acontecimentos na figura a seguir. Epicutícula Nova epicutícula Passo 1: No estágio pré-muda, a procutícula velha separa-se da epiderme, que secreta uma nova epicutícula Passo 2: Ainda no estágio pré-muda, a nova exocutícula é secretada enquanto um fluido dissolve a endocutícula velha. Os produtos em solução são reabsorvidos. Passo 3: Durante a ecdise, a epicutícula e a exocutícula velhas são descartadas. Passo 4: Na pós-ecdise uma nova cutícula é estendida, desdobrada e uma endocutícula é secretada. Exocutícula Nova exocutícula Endocutícula em dissolução Epicutícula e exocutícula velhas descartadas Nova endocutícula Endocutícula Intermuda Epiderme Figura 7 – Produção e degradação da cutícula de um artrópode. 20 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I A intermuda é o momento em que o indivíduo leva uma vida normal, principalmente buscando alimentos e criando reservas energéticas, as quais serão fundamentais para as etapas sequenciais da ecdise. Devemos pensar que a ecdise acontece mais de uma vez, variando o número de acordo com os animais. Assim o animal que está na intermuda acabou de passar pela fase de pós-muda e ainda sofre o estiramento de seus tecidos, sessando a expansão do corpo. O tempo da intermuda varia de acordo com a espécie, condições climáticas e disponibilidade de alimento. Se um animal tem à sua disposição muito alimento, e ele certamente tentará acumular o máximo de energia possível; entretanto, se por uma seca repentina um animal não encontra comida, ele poderá forçar seu corpo a entrar na etapa seguinte, ainda que não haja energia como de costume ao grupo. Pré-muda é a etapa preparatória para a troca do exoesqueleto, neste momento ocorrem muitas mudanças. Inicialmente o animal tende a buscar um lugar abrigado para evitar principalmente a predação, ele também sessa sua alimentação e passa a nutrir-se exclusivamente de suas reservas energéticas acumuladas durante a intermuda. A pré-muda é um evento dinâmico e a epiderme do animal passa a produzir o líquido exuvial, um fluído rico em quitinases e proteases. Essas enzimas quebram a velha endocutícula, ao mesmo tempo que a epiderme secreta a nova epicutícula. Ainda durante a pré-muda ocorre a produção da nova exocutícula. Ao final da pré-muda, o animal terá seu velho exoesqueleto desprendido de seu corpo, ainda sobre ele, porém, solto, sem ligações com a epiderme. Uma vez que a velha endocutícula foi degrada, portanto, o animal estará neste momento coberto por duas epicutículas e exocutículas. Outra estratégia importante ocorrerá nesta etapa, grande parte dos produtos frutos da degradação realizada pelo líquido exuvial é reabsorvida pela epiderme e assim ajuda a manter os níveis de reservas energéticas. A ecdise é um processo neuro-hormonal controlado principalmente pelo hormônio ecdisona, que tem como células-alvo as células da epiderme, estimulando-as a se multiplicarem e o animal a crescer; e as células corporais, que estarão em maior número ao final da pré-muda, porém, extremamente compactadas. Entretanto, como discutido, o espaço para tal expansão é limitado, e isto fará com que as células da epiderme produzam o líquido exuvial. Outros hormônios são utilizados no controle do corpo, e sinais nervosos de uma maneira geral são enviados a diferentes partes para que, por exemplo, este procure ficar recluso. Muda é o momento da eliminação do velho exoesqueleto, o qual após o abandono é chamado de exúvia. Esta fase em geral é curta, porém, de alto risco, ainda que ocorra em locais protegidos, o animal estará frágil e sucessivo a predadores, e muitos deles possuem preferência alimentar por artrópodes recém-saídos da muda, uma espécie de iguaria no reino animal para outros animais. Cada família, gênero ou espécie apresenta um local específico que sofre maior degradação durante a pré-muda, na realidade são picos de endocutículas recobertos por finas camadas de exocutículas. Esta região é determinada geneticamente, e assim esta tende a se repetir em todas as gerações. Chamamos esta área de linha de fratura, e através desta ocorrerá o rompimento do velho exoesqueleto. Para romper esta linha, o animal pode aumentar a ingestão de água, no caso dos aquáticos, ou ar, no caso dos terrestres, aumentando a pressão sanguínea e realizando contrações corporais para abandonar a exúvia. Neste momento, livre se seu velho exoesqueleto, é comum que o indivíduo se alimente da exúvia, pois, estando altamente debilitado e sem se alimentar há algum tempo, esta pode ser uma fonte energética fácil e sem riscos. Então, sob a cutícula fina, apenas formada de epicutícula e exocutícula, o animal passa a esticar seus tecidos e descompactar suas células, gerando assim aumento corporal. 21 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS A) B) Figura 8 – A exúvia de uma cigarra, em que é possível observar a linha de abertura por onde o animal a abandonou, chamada de linha de fratura; B – cigarra recém-saída da exúvia, note a coloração clara advinda de uma cutícula extremamente fina que ainda passará por esclerotização Agora, com seu novo exoesqueleto fino, inicia-se a pós-muda, fase de endurecimento dos tecidos. O animal elimina o excesso de água captada durantea muda, então seu corpo passa a sofrer a esclerotização e, em alguns casos, a mineralização. Durante esta etapa, ocorre a produção da endocutícula, permitindo o aumento em espessura desta cutícula; no caso da mineralização, os sais de cálcio são agregados justamente na endocutícula. Figura 9 – Miriápode conhecido como centopeia ao final da fase de muda. A partir deste momento, iniciará a fase de pós-muda Ao final de cada ecdise, o animal estará em uma nova etapa de sua vida e permanecerá nesta até a próxima ecdise. Chama-se de instar o organismo no período entre duas ecdises, a duração de cada instar depende da idade e do tamanho do animal. Geralmente o aumento é proporcional, quanto maior o tamanho corporal, maior é o tempo do instar. A musculatura é a responsável pela movimentação corporal e, no caso dos artrópodes, fundamentais para a movimentar os apêndices. Como vimos anteriormente, os apêndices são formados por cilindros ocos de cutícula cuja musculatura precisa se ligar. A musculatura se liga por meio de um tendão (conjunto 22 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I de células epidérmicas e fibras) formado por dois feixes; a cada ecdise, um desses feixes é rompido e a ligação com o exoesqueleto fica interrompida, de maneira que a cutícula possa ser trocada. Essas áreas de inserção da musculatura são chamadas de apódema (Figura 2). É importante associarmos que, ao final da fase de muda, o animal já estará fraco devido ao longo período sem se alimentar, e também sua musculatura necessita de tempo para restabelecer as ligações com a nova cutícula, assim a locomoção fica muito comprometida e fugir de um predador torna-se praticamente impossível. Concluindo-se a pós-muda, o animal retomará sua vida normal, buscará alimento e criará reservas energéticas, estando outra vez na fase de intermuda e se preparando para a próxima ecdise. Saiba mais No documentário a seguir podemos ver o momento exato do abandono da exúvia e as principais adaptações que levaram os artrópodes a se tornarem grandes conquistadores do ambiente terrestre: ORIGENS da vida: os conquistadores. EUA: National Geographic; Abril Vídeo, 2002. 53 minutos. Episódio 5. 1.7 Nutrição e digestão Os hábitos alimentares dos artrópodes são extremamente diversificados, existem muitos predadores, outros tantos fitófagos (se alimentam de vegetais). Dentro destes, aqueles que consomem folhas, frutos ou sugam apenas a seiva elaborada. Existem muitos cicladores de matéria orgânica, como os necrófagos (se alimentam de cadáveres), os coprófagos (se alimentam de fezes) e ainda suspensívoros que coletam partículas em suspensão na água (Figura 10). O trato digestório certamente está adaptado de acordo com o hábito alimentar; para aqueles que se alimentam exclusivamente de líquidos, como as aranhas, o trato é fino e contínuo, já para indivíduos que se alimentam de animais mortos e que consomem basicamente muita proteína e gordura, o trato será longo e normalmente com estruturas ramificadas. Os apêndices também são fundamentais na nutrição, veremos ao longo dos grupos as especializações, mas, como exemplo, pense nas mandíbulas e maxilas de uma barata. Este inseto é um dos artrópodes melhor adaptados na questão alimentar, encontraram nas cidades fonte alimentar fácil devido à imensa quantidade de lixo e esgoto produzida por humanos e ausência de competição ou predação por outros animais, menos adaptados a estes locais tão inóspitos para a vida selvagem. As baratas selvagens em geral consomem madeira em estado de decomposição e, por ser um material rígido, precisam de maxilas e mandíbulas fortes, já as urbanas utilizam esta força pré-existente para consumir papéis, gorduras e o que encontrarem pela frente. 23 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS A) B) C) Figura 10 – Exemplos de estratégias alimentares dos artrópodes. Em A um mosquito sobre a pele humana. Hematófagos, as fêmeas necessitam de sangue para amadurecerem seus ovos. Em B as borboletas adultas são sugadoras de néctar; e em C duas moscas, a maior predando a menor. O sistema digestório dos artrópodes é completo e pode ser dividido de acordo com seu funcionamento em três porções, a primeira é o estomodeu, que tem seu revestimento de origem ectodérmica, sendo revestido por epiderme e muitas vezes por cutícula. O estomodeu é a porção anterior, responsável pelo processamento inicial do alimento, realizando a digestão mecânica, isto é, moendo e dilacerando o alimento em partes menores graças à força e o atrito. Em geral os órgãos que compõem esta porção são a faringe, esôfago, papo e proventrículo ou estômago, estas estruturas podem estar revestidas de estruturas rígidas e esclerotizadas, como cercas e dentículos. Ao final do estomodeu a válvula esofágica faz o controle para que o alimento aqui processado siga para a segunda porção, o mesêntero constituído por tecido de origem endodérmica. Seu revestimento é uma gastroderme sem a presença de uma cutícula. No mesêntero ocorre a produção de enzimas que proporcionam a digestão química, nesta porção também ocorre absorção dos produtos digeridos. São frequentes cecos digestivos, estruturas anexas que aumentam a superfície de contato e melhoram a digestão ou absorção, dependendo da posição ao longo do trato na qual se localizam. Como exemplos, são encontrados o fígado e o hepatopâncreas, que são fundamentais na produção de enzimas. Em seu término, encontra-se a válvula pilórica, a qual controla o início do proctodeu, a porção final do trato digestivo, onde ocorre a formação e o armazenamento das fezes. Ao final desta porção, ocorre reabsorção de elementos importantes, que, ao invés de serem eliminados pelo corpo, retornam à circulação. Esta estratégia foi importantíssima para a adaptação dos artrópodes ao ambiente terrestre, uma vez que o proctodeu faz grande reabsorção de água, eliminando fezes o mais sólidas o possível, o que evita a perda de água e evita a dissecação, principal fator limitante no ambiente terrestre. Podemos observar alguns órgãos importantes da digestão na imagem a seguir: 24 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I Boca Moela Papo Cecos gástricos Reto Ânus Intestino posterior Túbulos de Malpighi Intestino anterior Figura 11 – Trato digestório e excretor de um artrópode hipotético. O Estomodeu é delimitado em seu final pela indicação de intestino anterior, entre este e a marcação do intestino posterior está o médio. Os cecos digestivos, estruturas em vermelho, são importantes no aumento da exposição do alimento ao trato, e os túbulos de Malpighi se conectam ao trato digestório para a eliminação dos excretas 1.8 Transporte interno A cavidade celomática apresenta o papel de seios circulatórios, por onde passa a hemolinfa; por isso, esta cavidade recebe o nome de hemocele. A hemolinfa por sua vez é constituída de açúcares e elementos circulantes, como toxinas, excretas, hormônios e outros. Poucas células ocorrem na hemolinfa, principalmente amebócitos, que irão desempenhar papéis na defesa corporal, fagocitando organismos ou corpos estranhos. Na maioria dos artrópodes, a hemolinfa é capaz de se coagular diante de algum ferimento, o que é um fator importante para evitar a perda de água e até mesmo de reservas energéticas circulantes. O sistema circulatório dos artrópodes é um sistema aberto e em geral conta com um coração tubular e dorsal com várias aberturas chamadas de óstios, por onde o sangue entra e segue em uma única direção. Ao coração podem estar ligadas artérias e veias que desembocam diretamente na hemocele, onde os órgãos são banhados pela hemolinfa e os transportes são realizados principalmente por difusão. Na maioria dos animais as artérias são responsáveis pela distribuição e as veias pelo retorno da hemolinfa. A forçada circulação é dada pelo coração que é muscular e contrátil. Ao bombear a hemolinfa, a pressão torna-se constante, e graças à movimentação das pernas há força para o retorno ao coração. O sistema circulatório obviamente é fundamental para a maioria dos transportes que ocorrem no corpo do artrópode, entretanto os gases nem sempre são carregados por este sistema. Nos grupos mais recentes, o sistema respiratório atua de maneira independente, entregando o oxigênio e removendo o gás carbônico, porém nos demais o oxigênio será carregado por pigmentos respiratórios, principalmente hemocianina. Este pigmento é um transportador de alta afinidade pelo oxigênio, formado pela união de proteínas e elementos metálicos, neste caso, cobre. 25 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS Sistema nervoso Óstio CoraçãoArtéria anterior Figura 12 – Sistema circulatório aberto de um artrópode 1.9 Excreção A excreção de compostos nitrogenados é fundamental para o balanceamento de íons e controle hídrico dos animais, além de sua função principal, que é a eliminação de substâncias tóxicas ou desnecessárias. Existem variações significativas quanto à excreção de animais terrestres e aquáticos. Os primeiros não podem dispender de muita água para eliminar seus excretas, e assim necessita transformá-los em produtos menos tóxicos, que menos diluídos possam ser eliminados sem danos ao organismo. Alguns quilópodes, chelicerados e de uma maneira geral artrópodes aquáticos, excretam por meio de nefrídios saculiformes, estruturas tubulares que se abrem ao exterior através de um poro o nefridióporo. Na outra extremidade há uma bolsa, o sáculo, apoiado sobre uma malha de colágeno presa à lamina basal. A pressão da hemolinfa força-a em direção ao nefrídio, onde ocorre a ultrafiltração, e os compostos retidos seguem para o túbulo onde são modificados, resgatando constituintes importantes para que mais resíduos possam ser adicionados, e então seguem para o nefridióporo. Em alguns grupos, como é o caso de muitos crustáceos antes do poro, há uma bexiga para armazenamento dos excretas. O produto final eliminado pelos nefrídios é a amônia, a qual requer maiores concentrações de água, o que não costuma ser problema para animais que já vivem neste ambiente. A maior parte dos artrópodes terrestres excretam por meio dos túbulos de Malpighi (Figura 11), os quais podem ou não estarem associados a nefrídios saculiformes. Os túbulos são sacos alongados e cilíndricos com uma das extremidades conectada ao tubo digestivo, entre os intestinos médio e posterior, e a outra finaliza em um fundo cego. Os túbulos estão em contato constante com a hemolinfa e os resíduos são reabsorvidos pelo epitélio dos túbulos, então os resíduos são encaminhados ao intestino onde são incorporados às fezes; ao final do intestino ocorre reabsorção de água o que torna a excreção por túbulos de Malpighi mais eficiente na economia hídrica. Neste caso o produto final eliminado é o ácido úrico ou a guanina, menos tóxicos em relação ao amônio. A excreção dos artrópodes conta ainda com grandes células excretoras pinocíticas, presentes na hemocele. Elas processam resíduos e toxinas que os nefrídios e os túbulos não conseguem eliminar, então os processam e devolvem ao sistema excretor. 26 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I 1.10 Sistema nervoso e órgãos do sentido O sistema nervoso dos artrópodes é ganglionar, muito similar ao dos anelídeos. Na cabeça há um gânglio principal localizado na parte dorsal acima do esôfago, o qual constitui o cérebro. Logo abaixo, um anel nervoso envolve o tubo digestório e, na sequência, um par de cordões nervosos ventrais e longitudinais apresentam outros gânglios segmentares pares e nervos motores e sensoriais segmentares. Cérebro Gânglios nervoso Cordões nervosos Figura 13 – Modelo esquemático do sistema nervoso de um artrópode O cérebro dos artrópodes é na verdade a fusão de dois ou três gânglios, neste caso dizemos que o indivíduo apresenta um cérebro bipartido ou tripartido, respectivamente. Cérebros bipartidos iniciam-se na região anterior chamada de protocérebro, a qual recebe nervos sensoriais e estímulos ópticos. A segunda e última porção neste caso é o tritocérebro, conectada aos apêndices, como as quelíceras dos aracnídeos e as mandíbulas e maxilas dos crustáceos e insetos. Os indivíduos de cérebro tripartido apresentam uma porção mediana, o deutocérebro, o qual recebe as informações das antenas e, portanto, somente os grupos portadores de antena o terão. Todavia, os crustáceos apresentam dois pares de antenas, sendo o primeiro par ligado ao deutocérebro e o segundo, ao tritocérebro. O sistema nervoso dos artrópodes está dividido em sistema nervoso central (SNC), formado pelo cérebro, anel nervoso e cordões nervosos; sistema nervoso periférico (SNP), composto pelos nervos segmentares que conectam os músculos; e os órgãos do sentido ao sistema nervoso central. Como observado em Annelida, os neurônios do SNP levam informações motoras e sensoriais para o SNC e transportam ordens motoras vindas do SNC. Os artrópodes contam ainda com um sistema nervoso somatogástrico, neurônios que controlam as funções internas dos órgãos viscerais. Os órgãos dos sentidos presentes em Arthropoda são extremamente diversificados, e têm grande importância em captar informações externas e manter o controle interno. Espalhado pelo animal está um grande número de receptores externos e internos, muitos destes estão concentrados em regiões modificadas da cutícula, as sensilas. Os receptores são neurônios associados a células de apoio, uma vez 27 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS que a cutícula é morta. As sensilas podem ser cerdas ocas, escamas, membranas, placas ou depressões, sempre associadas aos neurônios. As sensilas podem ter função de um mecanorreceptor, normalmente cerdas, detectando alterações na pressão, mudanças de corrente de ar ou movimentação de uma maneira geral. Como exemplo, podemos citar os tricobótrios, presentes em grande quantidade nas aranhas, cerdas especializadas em detectar correntes de ar fracas e de baixa velocidade. A corrente ocasiona movimentação da cerda, alterando a polaridade dos neurônios ligados a estes, e o cérebro por sua vez interpreta a alteração. As sensilas também podem ser quimiorreceptoras, capazes de detectar substâncias químicas a distância (olfato) e sob contato (gustação). Para que ocorra a percepção, os neurônios ficam expostos através de uma área perfurada ou recobertos por uma fina cutícula. Outros órgãos do sentido desempenham papéis interessantes, como os órgãos cordotonais e timpânicos, que recebem estímulos acústicos e estão envolvidos principalmente na disputa por territorialidade e corte. Os órgãos campaniformes estão ligados ao endireitamento e retorno da posição correta do corpo. Quando o animal está em sua posição correta, estímulos são trocados de forma contínua entre o órgão e o cérebro, se este animal muda, por exemplo, alguém o atinge e fica com o ventre para cima, o sinal é interrompido, então o cérebro estimula o corpo a realizar movimentos contínuos na tentativa de retomar a posição original. Os higrorreceptores detectam umidade. Em insetos, cerdas higrorreceptoras estão localizadas nas antenas e são muito importantes na busca por fontes de água e também no momento em que estes devem procurar abrigo, quando uma chuva se aproxima. Os fotorreceptores podem ser apenas ocelos que irão captar somente a intensidade de luz, sem a formação de imagem, já os olhos podem ser simples ou compostos, com uma única lente no caso do primeiro; o segundo tipo pode apresentar um número de omatídeos extremamente variado. A posição dos olhos segue um padrão independentemente do número, olhos simples são sempremedianos ao centro da cabeça, olhos compostos são lateralizados e os ocelos estão no topo da cabeça. A visão em cores foi especialmente estudada em insetos e sabe-se que estes são capazes de enxergar entre 300 e 700nm, atingindo uma boa faixa do ultravioleta, porém são cegos para o infravermelho, comparando com a visão humana que é capaz de perceber entre 400 e 750 nm. Epiderme Lente Omatídeos Células fotorreceptoras Estrutura do ocelo Olho composto em corte Fibras nervosas Figura 14 – Estrutura de fotorreceptores, à esquerda um olho composto e à direita um ocelo 28 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I 1.11 Trocas gasosas Artrópodes de tamanho extremamente reduzido fazem suas trocas gasosas pela superfície corporal através de difusão, já indivíduos maiores necessitam de superfícies específicas pela necessidade de uma maior demanda de oxigênio. Indivíduos aquáticos apresentam brânquias simples ou foliáceas, órgãos cujas áreas externas são finas e permeáveis, permitindo a difusão e consequentemente as trocas gasosas. As brânquias simples consistem de uma única fileira de evaginações, disposta em diferentes locais do corpo dentro de cada grupo, já a foliácea está estruturada em sucessivas fileiras de lamelas achatadas, normalmente localizadas na região ventral do abdômen. As brânquias são dependentes do sistema hemal, pigmentos respiratórios são os responsáveis por transporem o oxigênio das brânquias e carregá-los até os tecidos. A capacidade respiratória foi fundamental na conquista do ambiente terrestre. Os primeiros artrópodes eram aquáticos e respiravam por meio das brânquias, e a competição neste ambiente era um fator limitante, já o ambiente terrestre começava a ser colonizado por algumas plantas, e do ponto de vista das trocas gasosas o ambiente terrestre apresenta maior quantidade de oxigênio livre, porém era necessário um órgão capaz de extrair oxigênio do meio aéreo. O primeiro órgão que permitiu aos artrópodes respirarem na superfície foram os pulmões foliáceos, seu nome deriva justamente de sua forma. Internamente o pulmão constitui uma bolsa invaginada com numerosas lamelas, as quais aumentam a superfície de contato e melhoram a captação do oxigênio. Diferentemente das brânquias, os pulmões têm como superfície de trocas gasosas a face interna do órgão, acredita-se que brânquias foliáceas sofreram uma invaginação, dobrando-se sobre si mesmas e originando os pulmões foliáceos. Este tipo de pulmão é encontrado em muitos aracnídeos, e assim acredita-se que ancestrais deste grupo estão entre os primeiros grupos de artrópodes a conquistarem o ambiente terrestre. Miriápodes e insetos são um exemplo de indivíduos que demandam grande quantidade de oxigênio e respiram através do sistema traqueal, os espiráculos são aberturas circulares que permitem a entrada e saída de gases e podem ou não ter sua abertura recoberta por um tecido muscular capaz de abrir e fechar, estes marcam o início do sistema e em geral se localizam na lateral ou na região ventral do corpo. Estes desembocam nas traqueias, invaginações tubulares que se estendem para o corpo, e se ramificam até tubos muito finos chamados de traquíolas, os quais realizam as trocas gasosas com os tecidos (Figura 15). Este sistema é muito eficiente uma vez que não necessita do sistema hemal, assim não há a necessidade do custo energético em produzir transportadores de oxigênio, mantendo, por exemplo, sua hemolinfa como uma fonte de reserva energética. Para compreendermos melhor como o sistema traqueal funciona, pense em um grande edifício e seu sistema de ar condicionado que se inicia com grandes tubos. Estes percorrem cada andar e vão se ramificando, até entregar o ar para todas as salas. Da mesma forma, o corpo do artrópode terá a rede de tubos traqueais executando tal função. 29 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS Traqueia Traquíolas Músculos Limite do exoesqueleto Espiráculo Figura 15 – Estruturas do sistema traqueal Lembrete Os pigmentos respiratórios importantes para a respiração pulmonar são transportadores de alta afinidade pelo oxigênio, formados pela união de proteínas e elementos metálicos como a hemocianina. 1.12 Reprodução A maior parte do tipo de reprodução dos artrópodes é dioica, apresentando sexos sepados, isto é, existem indivíduos machos e outros fêmeas. Indivíduos aquáticos podem realizar fertilização interna ou externa, no segundo caso, a água é uma importante aliada para a preservação dos ovos; já nos terrestres, fertilização é quase sempre interna diante do risco de dissecação e, quando externa, apresentam um baixo número de ovos, normalmente associados à corte, visando uma rápida fecundação e ambientes úmidos. Rituais de acasalamento são frequentes em artrópodes. Com diferentes comportamentos e uso de feromônios, machos e fêmeas disputam parceiros e buscam garantir a fecundação. Machos de aranhas podem utilizar todo o peso de seu corpo e atirá-lo sucessivas vezes ao chão, emitindo vibrações perceptivas à fêmea. Este comportamento chama-se tamborização. Já o besouro chamado popularmente de rola-bosta busca fezes de outros animais e faz uma bolinha com este material (Figura 16), segue empurrando com suas pernas posteriores até encontrar a fêmea, que poderá aceitar a corte e acasalar com ele. Podemos pensar no porquê de ela aceitar um presente tão inusitado? Na verdade, suas larvas são coprófagas e necessitam das fezes como alimento; para isso, a fêmea colocará seus ovos (oviposita) nesta porção de fezes. 30 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I Figura 16 – Besouro rola-bosta, membro da família Scarabaeidae, empurrando fezes para entregar à fêmea Muitas fêmeas de artrópodes apresentam receptáculo seminal, bolsas internas que armazenam os espermatozoides recebidos após a cópula. Nesta estratégia, os gametas do macho são mantidos internamente na fêmea em condições de temperatura ideais para que estes se mantenham íntegros e ativos. No momento oportuno, a fêmea libera seu óvulo, o qual percorre seu sistema reprodutor até encontrar com o espermatozoide mantido no receptáculo, fecundando-o. Desta forma, a fêmea poderá reproduzir-se no futuro mesmo que o macho esteja ausente. Um bom exemplo desta situação são as formigas, as cortadeiras do gênero Atta apresentam um único período de acasalamento, machos e fêmeas recém-crescidos saem dos formigueiros de suas progenitoras e se encontram e acasalam no ar. A fêmea repleta de espermatozoides os armazena no receptáculo e começa a escavar seu formigueiro, o macho acaba morrendo posteriormente sem colonizar ou regressar a qualquer formigueiro. Uma única fêmea de Atta pode viver por mais de dez anos, gerando milhares de filhotes sem um novo encontro com o macho, utilizando as reservas do receptáculo. Nos indivíduos que realizam fecundação interna, os espermatozoides podem ser transferidos de maneira direta ou indireta. A transferência direta requer um órgão copulatório que tenha ligação ao sistema reprodutivo do macho, assim os espermatozoides saem dos testículos, percorrem os ductos e são transferidos diretamente através de um pênis do genóporo (abertura reprodutiva) do macho para o gonóporo da fêmea. Na transferência indireta não há contato entre o gonóporo do macho e da fêmea, embora os espermatizes não sejam lançados ao ambiente livremente, o macho conta com os espermatóforos, estruturas modificadas que tornam o espermatozoide encapsulado e protegido. A entrega do espermatóforo pode ser precedida por corte, como acontece nos escorpiões, cujos machos só liberam o espermatóforo se existir o consentimento da fêmea para reproduzirem-se. Já alguns miriápodes liberam o espermatóforo no ambiente e deixam rastros de feromônios, a fêmea sentirá o cheiro e optará em fecundar a si própria.É comum imaginarmos que apenas animais mais recentes ou mamíferos desempenham cuidado parental, isto é, cuidarem de sua prole. No entanto, muitos artrópodes apresentam cuidado com seus ovos, embriões ou juvenis. Esta atitude preserva a prole e aumenta a chance de sucesso reprodutivo, protegendo-os contra predadores principalmente, porém o outro lado desta moeda é o fato de o progenitor que estiver cuidando ficar mais vulnerável e muitas vezes perece por não sair do local para se alimentar. 31 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS A maioria dos artrópodes é ovípara, colocando seus ovos no ambiente. Poucos são os indivíduos vivíparos lecitotróficos, retendo seus ovos no corpo até a eclosão ou próximo da eclosão, e aí então a prole sai em direção ao ambiente. O desenvolvimento pode ser direto, não apresentando estágios larvais, ou estes são suprimidos ainda no ovo. Após a eclosão, os juvenis já possuem o número de segmentos e apêndices formados ou pré-formados iguais aos dos adultos, não ocorrendo transformações drásticas. Já o desenvolvimento indireto conta com estágios larvais, com números e formas de apêndices diferentes dos adultos, os quais serão perdidos, ganhados ou modificados de maneira expressiva. 1.13 Diversidade em Arthropoda Muitas são as tendências evolutivas e as dúvidas que cercam os estudos sobre este grupo. Diferentes referências podem agrupá-los em diferentes filos, por exemplo, os insetos e os miriápodes foram por muito tempo agrupados no subfilo Unirramia, devido à forma de seus apêndices, entretanto recentemente foram separados em dois subfilos. Veremos, portanto, os seguintes grupos: • Subfilo Trilobita – formas apenas extintas, com seus corpos divididos em três lobos, apêndices birremes e corpo com três tagmas, cabeça, tórax e abdômen. • Subfilo Chelicerata – reúne euripetéridos, límulos, aranhas, escorpiões, carrapatos, opiliões e outros. Apresentam o primeiro par de apêndices modificados, as quelíceras, um par de pedipalpos e quatro pares de pernas. • Subfilo Crustacea – maioria aquática, apêndices em sua maioria birremes, dois pares de antenas e presença de dois tagmas, o cefalotórax e o abdômen. • Subfilo Myriapoda – todos os apêndices unirremes, um par de antenas, presença de um par de mandíbulas e um ou dois de maxilas. • Subfilo Hexapoda – três pares de apêndices locomotores, cabeça, tórax e abdômen bem distintos, presença de zero, um ou dois pares de asas. 32 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I Arachnida Merostomata Trilobita Crustacea Myriapoda Hexapoda Arthropoda Chelicerata Annelida Nematoda Figura 17 – Cladograma baseado da diversidade dos grandes grupos de Arthropoda. Saiba mais Mesmo diante de altos números de espécies e indivíduos, os artrópodes necessitam se estudos para sua preservação. Neste artigo, Lewinsohn e seus colaboradores discutem a situação dos invertebrados no Brasil. LEWINSOHN, T. M.; FREITAS, A. V.; PRADO, P. Conservação de invertebrados terrestres e seus habitats no Brasil. Megadiversidade, v. 1, n. 1, jul. 2005. Disponível em: <http://www.conservacao.org/publicacoes/ files/10_Lewinsohn_et_al.pdf>. Acesso em: 18 maio 2015. 2 SUBFILO TRILOBITA Os primeiros artrópodes datam do Período Cambriano, os fósseis que contam este surgimento são principalmente de trilobitas, estes animais marcam os registros mais antigos e mais abundantes que se tem conhecimento sobre os primeiros artrópodes. Todos os trilobitas estão extintos, eram marinhos e foram abundantes em número e distribuição do paleozoico ao permiano, assim persistiram por 300 milhões de anos e despareceram em torno de 260 milhões de anos atrás. Estes animais estão mais próximos dos quelicerados, apresentavam todas as características diagnósticas e são claramente artrópodes, desde a bilateralidade, a segmentação, o exoesqueleto e sua ecdise, além dos apêndices articulados, segmentados e aos pares. 33 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 ZOOLOGIA: INVERTEBRADOS Figura 18 – Fóssil de um trilobita em que é possível observar os três lobos característicos e sua segmentação externa fortemente marcada 2.1 Características gerais Os trilobitas mediam entre 0,5mm e 70 cm, com a maioria dos indivíduos entre 3 e 10 cm de comprimento (RUPPERT; BARNES., 1996, p. 633). Seu nome deriva da forma corporal e sob vista dorsal observam-se três lobos gerados por dois sulcos fortemente marcados. Assim como os segmentos, a maioria das espécies tinham seus corpos achatados dorsoventralmente. Seu exoesqueleto era mineralizado, rico em calcita uma forma de carbonato de cálcio. A região dorsal constituía uma carapaça, pois era muito mais rígida que a porção ventral, a qual era fina e não calcificada. Os segmentos dos trilobitas se agrupavam em três tagmas, cabeça, tórax e abdômen, pouco diferenciados entre si. Dois olhos compostos lateralizados se localizavam na porção dorsal, sem apêndices presos a esta região. Na porção ventral, um par de antenas unirremes; na porção anterior eram fundamentais na percepção sensorial química e mecânica; na sequência, até o término do abdômen, uma série de apêndices segmentados e aos pares com pouca diferenciação entre eles. Todos seus apêndices exceto as antenas eram birremes, formados por uma coxa próxima e dois ramos a partir desta, o endopodito e o exopodito. Os apêndices pós-antenais continham em algumas espécies longos filamentos que auxiliavam no deslocamento na água e espinhos, para a defesa. Cabeça Olhos compostos Tórax Abdome Figura 19 – Representação fóssil de um trilobita. Apêndices raramente ficavam fossilizados 34 Re vi sã o: V irg ín ia - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 7/ 05 /1 5 Unidade I A maior parte dos registros fósseis são da região dorsal. Devido à sua rigidez e ao cálcio que os compunham, a decomposição era lenta e, sob condições apropriadas, ocorria a formação do fóssil, a porção ventral fina e membranosa não constituía com a mesma facilidade fósseis. Assim, os conhecimentos até pouco tempo eram bastante escassos em relação à parte interna e porção ventral, contudo mesmo as técnicas mais modernas ainda deixam perguntas sobre algumas estruturas. Quanto às trocas gasosas, acredita-se que os trilobitas menores as realizavam pela superfície corporal, utilizando as áreas mais finas como a membrana ventral; e os maiores possivelmente aumentavam sua superfície de contato através dos filamentos de seus apêndices. O intestino tem forma de “J” com poucos cecos, a boca era ventral e em muitas espécies voltada para a região posterior. 2.2 Reprodução e desenvolvimento Os trilobitas eram dioicos, sem dimorfismo sexual e genitálias aparentes. Baseando-se na similaridade com um grupo viventes, os límulos, acredita-se que a fertilização era externa com rituais de corte, a fêmea possivelmente liberava seus óvulos no ambiente e o macho que permanecia seguindo-a muito próximo, liberando seus espermatozoides também no ambiente, fertilizando-os. O desenvolvimento era indireto, com três estágios larvais mais a fase adulta, este último possivelmente passasse por vários instares e mudas. A primeira larva é protaspis, não continha divisões em seu corpo, apenas um escudo fica evidente, apêndices também eram ausentes. A segunda larva, meraspis, apresenta articulação entre a cabeça e o tórax e, após sucessivas mudas, apêndices e segmentos são adicionados. A terceira e última larva é protaspis, com a diferenciação do abdômen, segmentação e apêndices. 2.3 Ecologia Os tilobitas eram exclusivamente marinhos, com a maioria das espécies vivendo em mares rasos e de hábitos bentônicos, vivendo, portanto, no leito do mar. A maioria das espécies era detritívoras, consumindo material particulado vivo ou morto coletados e enviados ao canal alimentar. Alguns trilobitas eram
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