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APAs( ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL): 1 ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APAs) Conforme apresentando, a responsabilidade pela preservação do meio ambiente é de todos. Um dos mecanismos de grande importância na luta pela preservação ambiental é a criação de espaços protegidos, os quais reprimem as atitudes de degradação e a infringência da lei por parte dos poluidores. O presente estudo pretende discutir se as APAs federais no Brasil realmente têm cumprido sua finalidade de conservação e recuperação das áreas degradadas pela ação do homem, que utiliza o meio ambiente para o desenvolvimento de suas atividades econômicas, e assim deixa de protegê-lo. Nesse contexto, este capítulo fará uma análise da legislação e da doutrina acerca das APAs federais, mostrando sua finalidade, eficácia e as consequências quando criadas sem uma verdadeira análise e planejamento. 2.1 Conceito e finalidades A Lei do SNUC traz no caput do seu art. 15 a definição de APA: Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Ainda de acordo com a Lei nº 9.985, a APA “é constituída por terras públicas e privadas” (§ 1º do art. 15), sendo que as terras privadas, para serem utilizadas, devem respeitar os limites constitucionais e atender normas e restrições devidamente estabelecidas (2º do art. 15). Quanto às “condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio público”, estas deverão ser “estabelecidas pelo órgão gestor da unidade” (§ 3º do art. 15). Porém, são nas áreas sob domínio privado que se encontram os maiores problemas quanto à utilização dos espaços. Embora haja restrições pela lei, fica a critério do proprietário o estabelecimento das condições para pesquisa e visitação pelo público. Questão apresentada no § 4º do art. 15: “§ 4º Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisas e visitações para o público, observar a exigências e restrições legais”. Não há que se falar em proibição de uso das áreas inseridas em APAs, apenas um controle prévio para a sua criação e este não inviabiliza o uso do imóvel, que pode ser explorado economicamente. O que se substancia no problema, mesmo nas unidades de conservação em domínio privado, é que deve haver uma limitação administrativa, já que o interesse coletivo deve ser maior e predominar diante do privado. E o Estado, nestes casos, deve ficar livre de indenização ao proprietário, já que a criação de algumas UCs tem um interesse social e pode cominar com atividades econômicas sem prejudicar o proprietário, como é o caso de APAs.34 34 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Áreas protegidas; a Lei nº 9.985/200. In: BENJAMIM, Antonio Herman (Coord.). Direito ambiental das áreas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 40. Nesse sentido, ressalta-se a lição de Paulo Afonso Machado: “Estabelecer a razoabilidade dessa utilização. Devendo-se, quando a utilização não for razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os bens não sejam atualmente escassos”.35 A fiscalização e a supervisão da APA será realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) ou pelo órgão equivalente no âmbito estadual e municipal. A APA é o mais típico exemplo de espaço ambiental criado com a finalidade de garantir o cumprimento da função socioambiental da propriedade.36 O proprietário mantém todos os poderes inerentes ao domínio, sofrendo apenas as limitações ditadas pelo próprio conteúdo do direito, eis que relacionadas à dimensão ambiental da sua função social. Assim sendo, as APAs visam garantir exclusivamente o cumprimento da função socioambiental, não implicando, sua instituição, em aniquilamento do conteúdo econômico da propriedade e nem a perda da exclusividade, não são indenizáveis.37 As críticas que as APAs vêm sofrendo, levam à reflexão quanto aos motivos de sua criação e de sua efetividade, pois para alguns só servem para disciplinar o uso do solo e mostrar que a falta de zoneamento não protege os ecossistemas, só parte deles. 35 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Áreas protegidas; a Lei nº 9.985/200. In: BENJAMIM, Antonio Herman (Coord.). Direito ambiental das áreas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 43. 36 “No Direito pátrio, em razão de o valor ambiental permear todo o sistema jurídico, a doutrina, a partir da concepção da função social da propriedade, prevista no art. 5º, inc. XXIII, art. 170, inc. III, art. 182, parágrafo 2º, art. 186, incisos I e II , elaborou a concepção da ‘função social ambiental’ da propriedade, que consiste em uma atividade do proprietário e do Poder Público exercida como poder-dever em favor da sociedade, titular do direito difuso ao meio ambiente.” MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL. A função sócio- ambiental da propriedade privada. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id20.htm>. Acesso em: 3 maio 2009. 37 LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criação de unidades de conservação de proteção integral e domínio público habitadas por populações tradicionais. 2007. 358 p. Tese (Doutorado em Gestão Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, p. 149. http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id20.htm Nesse sentido, Márcia Leuzinger aduz que realmente as APAs não poderiam cumprir “as finalidades básicas de proteger a diversidade biológica, regular o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade de uso dos recursos naturais”. Porém, a autora complementa que “a baixa efetividade de parte das áreas de proteção ambiental não significa sua inutilidade”.38 Ou seja, se fossem elaborados planos de manejo adequados e sofressem as APAS efetiva fiscalização, seriam espaços ambientais úteis à proteção do meio ambiente, com baixíssimo custo para o Estado. Criá-las apenas no papel, entretanto, para aumentar as estatísticas de volume de áreas protegidas no país, de certo não atende às necessidades de conservação. No entanto, para que as APAs tenham sua efetividade garantida, seria necessário, como cita Maria Tereza Jorge Pádua, que fossem estabelecidas com zoneamento claro, onde se previsse um sistema de gestão adequado, do qual participassem as lideranças locais e os proprietários de terras privadas incluídas em seus limites. Só assim poderiam funcionar convenientemente.39 Esse posicionamento é corroborado por Márcia Leuzinger, ao afirmar que: Apesar da posição preservacionista assumida pela autora as críticas que deferiu as APAs são verdadeiras, bem como a observação de que, houvesse um plano de manejo aprovado, com um bom zoneamento, adquiririam as APAs efetividade no trato da questão ambiental.40 38 LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criação de unidades de conservação de proteção integral e domínio público habitadas por populações tradicionais. 2007. 358 p. Tese (Doutorado em Gestão Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, p. 149-150. 39 PÁDUA, M. T. J. Sistema nacional de unidades de conservação: de onde viemos e para onde vamos? In: Anais do I Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba, IAP; Unilivre; Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, 1997, v. I,p. 363-371. 40 LEUZINGER, Márcia Dieguez. Op. cit., p. 150. O problema resiste quando as APAs são criadas por questões políticas e os critérios científicos não são levados em consideração, assim como as populações tradicionais, a cultura das pessoas que vivem no local, a economia, a fiscalização, o conhecimento sobre o tamanho da área e o seu funcionamento. Assim sendo, prevalece a força política quando há interesses contrários entre o meio ambiente e o desenvolvimento econômico. Além disso, como as APAs são áreas de proteção de uso sustentável, nota-se que alguns projetos não condizem com a realidade da população local, causando desinteresse nos habitantes em manter o meio preservado. Isso porque muitos visam obter formas de renda que lhes tragam maior retorno financeiro, mesmo que gerem prejuízos ao meio ambiente, como é o caso de desmatamentos clandestinos, mineradoras, carvoarias, biopirataria etc., que são encontradas como economia local numa incrível facilidade. Com o intuito de regular essa situação, foi editada a Lei nº 6.902/1981, a qual instituiu a criação das APAs no Brasil nos termos do seu art. 9º, in verbis: Art. 9º Em cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de prioridade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo: a) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de água; b) realização de obras de terraplanagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importam em sensível alteração das condições ecológicas locais; c) o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou acentuado assoreamento das coleções hídricas; d) o exercício de atividades que ameacem extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional. Embora exista legislação para regulamentar tal ação, o descumprimento é enorme. O que se pode notar é que nessas áreas de uso sustentável há mais uso descontrolado do que proteção, questão a ser analisada mais adiante. 2.2 APAs federais e suas normas As APAs federais foram introduzidas no Brasil na década de 1990 e representaram uma importante inovação no campo da conservação da natureza. Seus objetivos eram compatibilizar a conservação dos recursos naturais com seu uso sustentável, mediante a permanência das populações humana dentro de seus limites.41 Segundo José Augusto Drummond, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) “[...] vinha, entre outras atividades, criando desde o fim da década de 1970 suas próprias unidades de proteção ambiental, chamadas “estações ecológicas e áreas de proteção ambiental (APAs)”. Elas foram codificadas legalmente em 27 de abril de 1981, com a Lei nº 6.902, podendo inclusive ser criadas em âmbito estadual e municipal. “[...] Ambas se distinguem conceitualmente de parques e reservas ecológicas, pois as estações previam experimentos científicos e as APAs por definição abarcavam áreas degradadas e intensamente usadas (inclusive dentro das cidades)”.42 Mesmo sem alcançar a maior parte da plenitude dos seus objetivos, as APAs estão disseminadas em quase todo território brasileiro, dada a amplitude de possibilidades que norteiam sua criação e gestão, conforme as citadas abaixo: ) ser criadas nas esferas estaduais e municipais; ) ser implementadas sem a necessidade de desapropriação; ) compreender paisagens naturais ou com qualquer tipo de alteração; 41 DRUMMOND, José Augusto. A legislação ambiental brasileira de 1934 a 1988- comentários de um cientista ambiental simpático ao conservacionismo. In: Ambiente e sociedade, Ano II, Nº 3 e 4. Campinas: Unicamp1999, p. 140. 42 Ibidem, p. 141. ) abranger ecossistemas urbanos e rurais; ) envolver tanto áreas públicas quanto propriedades privadas; ) estender-se por mais de um município ou bacia hidrográfica; ) englobar outras unidades de conservação mais restritivas; e ) permitir praticamente todas as atividades econômicas ou obras de infra- estrutura em seu interior, desde que sob certas condições, e excetuadas suas zonas de vida silvestre.43 As APAs encontram respaldo em várias leis. A Lei nº 6.902/81, por exemplo, já dispunha sobre a criação de Estações Ecológicas e APAs, tendo sido o primeiro instrumento jurídico a definir a categoria de unidade de conservação em foco. Em seu art. 8º, ela dispôs que o Poder Executivo, quando houver relevante interesse público, poderá declarar determinadas áreas do território nacional como de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais. Nota-se, desde esse dispositivo, a preocupação não só com a proteção ambiental, mas também com a melhoria de qualidade de vida humana.44 A Lei acima só foi regulamentada quase dez anos após sua edição, mediante os arts. 28 a 32 do Decreto nº 99.274/90. Todavia, esses dispositivos não trouxeram grandes novidades em relação ao tema, mesmo porque o Decreto não pode ir além da lei que ele regulamentava ou estatuía contra os seus preceitos. Também merece registro, a disposição 43 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 6. 44 Ibidem, p. 8. contida no art. 32 daquele diploma regulamentar acerca da prioridade de eventuais créditos e financiamentos para a melhoria do uso nacional do solo e das condições sanitárias e habitacionais das propriedades situadas em APAs.45 Cabe salientar que a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente nº 6.938, editada em 1981, referiu-se às APAs de maneira superficial. Assim, alguns anos mais tarde, a Lei nº 7.804/89 estabeleceu como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas (art. 9º, inc. VI).46 Interessante notar que as APAs constituem categoria de unidade de conservação integrante ao Grupo de Uso Sustentável, cujo objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais. A Lei nº 6.938/81 criou o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), órgão colegiado com poder para regulamentar tudo o que se refere à exploração de recursos naturais, como a água, o ar, a floresta e toda a biodiversidade. Algumas resoluções elaboradas pelo CONAMA dispuseram sobre as unidades de conservação. A Resolução nº 11/8747 declarou como unidades de conservação diversas categorias de sítios ecológicos de relevância cultural (categoria esta que não mais existe), entre as quais as APAs, especialmente suas zonas de vida silvestre onde os corredores ecológicos estão inseridos. 45 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 8. 46 Ibidem, p. 9. 47 CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE – CONAMA. Resolução nº 11, de 03.12.87. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res1187.html>. Acesso em: 22 fev. 2009. http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res1187.html Já a Resolução nº 10/88 tratou das APAs de maneira mais ampla. Primeiramente, ela estabeleceu a obrigatoriedade do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), admitindo terras de distintas dominialidades e outras unidades de conservação nos seus limites, obrigando a definição de zonas de vida silvestre e, caso fosse necessário, o uso agropecuário, sendo que nesta estavam vedadas práticas agrícolas e pecuárias degradadoras do meio ambiente.48 Outro diploma legal que disciplinou as APAs foi o Decreto nº 4.340/02, que regulamentou a Leido SNUC. Mas apenas dois de seus artigos (12 e 33) fizeram referência às mesmas.49 O art. 12 tratou do Plano de Manejo de Unidade de Conservação, documento elaborado pelo órgão gestor ou pelo proprietário, cuja aprovação ficaria a cargo órgão executor, por meio de portaria, no caso de plano para as APAs. No art. 33, referente à aplicação dos recursos da compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei do SNUC, ficou estabelecido que no caso das APAs e de outras categorias que pudessem conter áreas privadas, quando posse e domínio não fossem do Poder Público, os recursos da compensação somente poderiam ser aplicados para custear as atividades de elaboração do Plano de Manejo ou das atividades de proteção da unidade; de realização das pesquisas necessárias para o manejo da unidade, sendo vedada a aquisição de bens e equipamentos permanentes; de implantação de programas de educação ambiental e de 48 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 9. 49 DECRETO Nº 4.340, de 22.08.2002. Regulamenta artigos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências. DOU de 23.08.2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2002/D4340.htm>. Acesso em: 22 fev. 2009. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2002/D4340.htm financiamento de estudos de viabilidade econômica para uso sustentável dos recursos naturais da unidade afetada.50 2.3 Criação No que se refere à criação de APA, não existem normas específicas, seja na Lei do SNUC ou no Decreto que a regulamenta. A Resolução do CONAMA nº 10/88 dispõe somente acerca do zoneamento dessa categoria de unidade de conservação, assim como sobre atividades que poderão ou não ser realizadas na área, e nada em relação ao processo de sua criação. A criação de unidades de conservação, como cita Márcia Leuzinger, envolve a adoção de um procedimento administrativo-ambiental. Apesar de não haver, na Lei do SNUC, uma clara previsão da ordem em que devam ser praticados os atos que o compõem, bem como uma especificação dos atos que devam ser praticados em cada fase, ela determina algumas providências que, necessariamente, terão que constar do procedimento. Como é o caso do art. 22 que impõe, em primeiro lugar, que as unidades de conservação sejam criadas por ato do Poder Público. Expressão esta que engloba tanto os atos administrativos provenientes do Poder Executivo, quanto os atos expedidos pelo Poder Legislativo. Desta forma, poderão ser instituídas por atos administrativos normativos (decreto, resolução, portaria) ou por lei.51 A Lei do SNUC estabelece normas gerais aplicáveis também a essa categoria. Destarte, a criação da APA deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta 50 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. Op. cit., p. 11. 51 LEUZINGER, Márcia Dieguez. Natureza e cultura: direito ao meio ambiente e direitos culturais diante da criação de unidades de conservação de proteção integral e domínio público habitadas por populações tradicionais. 2007. 358 p. Tese (Doutorado em Gestão Ambiental). Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, p. 212. pública, por meio dos quais se identifica a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade. De acordo com o Decreto nº 4.340/2000 (art. 4º), que regulamenta a lei, tanto os estudos quanto a consulta pública deverão ser realizadas pelo órgão executor proponente da nova unidade. Conforme alteração introduzida na Lei do SNUC pela Lei nº 11.132/05, quanto aos estudos técnicos, o Poder Público poderá decretar limitações administrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efetivos ou potencialmente causadores de degradação em área submetida a estudo para criação de unidade de conservação. O estabelecimento das limitações fica a critério do órgão ambiental competente, quando houver risco de dano grave aos recursos naturais existentes na área.52 A Lei do SNUC não está clara quanto a essas restrições. O § 2º de seu art. 15 apenas estatui que, respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma APA. Já o art. 9º da Lei nº 6.902/81, determina que, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito da propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de essas iniciativas importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais; o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas; e o exercício de atividades que ameacem extinguir na área protegida as espécies raras da biota.53 52 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/>. Acesso em: 30 mar. 2009. 53 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 28. http://www.camara.gov.br/sileg/%3E.esso Quanto à consulta pública, o Decreto nº 4.340/2000 estabelece que seja realizada por meio de reuniões públicas ou a critério do órgão ambiental competente, por outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas, cabendo ao órgão executor indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade proposta. Ainda de acordo com esse mesmo Decreto, o ato de criação da APA deve indicar a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração, assim como as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvida. Como o Brasil possui um território enorme e de vasta paisagem, muitas APAs foram criadas porque apresentam alguma característica notável, como é o exemplo da APA do Delta do Parnaíba; e também quando tem recurso biológico importante, espécie carismática, como é o caso da APA da Bacia do Rio São João – Mico-Leão-Dourado; e de um grande potencial turístico, como ocorre com as APAs do Anhatomirim e Baleia Franca, com a presença do boto e a baleia-franca, respectivamente. Ressalte-se que todas são APAs federais. As APAs também podem ser criadas englobando áreas urbanas, de modo a proteger os mananciais, regular o uso dos recursos hídricos e o parcelamento do solo. Em outras áreas, como a APA do Guapimirim que foi afetada por contaminação oriunda de vazamento de óleo, podem ser instituídas obras de infra-estruturas de grande porte, como rodovias, linhas de transmissão, oleodutos, estações de tratamento de água e de esgoto e aterros sanitários, usinas hidrelétricas, atividades de extração mineral e distritos industriais.54 54 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 15 Entende-se que a criação em áreas com escassa presença humana, embora não seja proibida, é inapropriada. Como clama o art. 15 da Lei do SNUC, a APA é área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana e, quando não há atividade econômica, é cabível a implantação de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral.55 Em síntese, “a criação de uma Área de Proteção Ambiental pressupõe a identificação de atributos ou fatores ambientais que apresentam graus de fragilidade ou, em outras palavras, que apresentam demanda por proteger”.56 Entretanto, é inapropriada, mas não proibida, a criação de APA na falta desses atributos ou fatores. Todavia, mesmo com o controle público,a APA é gerida por um conselho gestor, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído não só de representantes dos órgãos públicos, como também de organizações da sociedade civil e da população residente (art. 15, § 5º, Lei nº 9.985/2000). Conforme pesquisa realizada no site do ICMbio, os biomas representados nas APAs são: Floresta Amazônica (duas – Tapajós e Igarapé-gelado); Caatinga (duas – Chapada do Araripe e Serra da Ibiapaba); Cerrado (oito – Bacia do Rio Descoberto, Bacia do Rio São Bartolomeu, Caverna Peruaçu, Serra da Tabatinga, Meandros do Rio Araguaia, Nascentes do Rio Vermelho, Planalto Central e Morro da Pedreira); Mata Atlântica (cinco – Bacia do Rio São João e Mico-leão-dourado, Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, Petrópolis, Bacia do Paraíba do Sul, Serra da Mantigueira), Zona Costeira (onze – Cairuçu, Piaçabuçu, Cananéia-iguape-peruíbe, guapimirim, Guaraqueçaba, Fernando de Noronha, Anhatomirim, Barra do Rio Mamanguape, Delta do Parnaíba, Costa dos Corais, Baleia Franca); ainda 55 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br>. Acesso em: 1º maio 2009. 56 CABRAL, Nájila Rejanne Alencar Julião; SOUZA, Marcelo Pereira de. Área de proteção ambiental: planejamento e gestão de áreas protegidas. São Carlos: Rima, 2002, p. 57. http://www.ibama.gov.br/ Floresta Estacional, como Carste Lagoa Santa e Campos Sulinos (pampa) como a Ibirapuitã. Perfazendo assim 30 APAs federais, embora a APA da Bacia do Rio São Bartolomeu seja federal, foi passada a administração para o Governo do Distrito Federal.57 2.4 Políticas de conservação, objetivos e conflitos As APAs ensejam a conservação de ecossistemas cujas condições de ocupação humana não permitiriam a implantação de uma unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral.58 Além disso, por vezes, elas estão associadas a unidades desse grupo, constituindo zonas de transição ou áreas de amortecimento dessas unidades com maiores estruturas. Esse é o caso, por exemplo, da APA de Cananéia-Iguape-Peruíbe, que abrange um mosaico de unidades de conservação dos Grupos de Proteção Integral e de Uso Sustentável. As APAs também podem integrar corredores ecológicos, com vistas a conectar remanescentes significativas de cobertura vegetal que, de outra forma, permaneceriam estanques, com o isolamento de populações da flora e da fauna. É o caso da APA do Planalto Central, que integra, em parte, o Corredor Paraná-Pirineus.59 Além do aspecto de conservação, as APAs também devem desempenhar papel de relevo nas políticas de melhoria da qualidade de vida das comunidades locais, conforme entendimento que se vem firmando em nível mundial, desde a década de 1980, em relação às unidades de conservação. Essa foi a posição assumida pela União Mundial para a Natureza (UICN) na Estratégia Mundial para a Conservação da Biodiversidade, de 1982, a 57 INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE - ICMBio. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/>. Acesso em: 19 jan. 2008. 58 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 19. 59 Ibidem, loc. cit. http://www.icmbio.gov.br/ qual, àquela época, já enfatizada a importância de que as unidades de conservação integrassem as comunidades locais e promovessem o seu desenvolvimento social e econômico. Tal posição refletiu o debate que então se realizava, acerca da necessidade cada vez mais premente de que o crescimento econômico ocorresse em bases sustentáveis, que culminou com a consolidação do paradigma do desenvolvimento sustentável por ocasião da Conferência ECO-92.60 O mesmo vem ocorrendo com as APAs que, até o momento, não se consolidaram como um instrumento eficaz de políticas governamentais sociais e de conservação.61 Em termos qualitativos, a implantação e a gestão das APAs encontram-se, com poucas exceções, em pior situação não só em relação às demais categorias do Grupo de Uso Sustentável, mas também, e principalmente, quanto às do Grupo de Proteção Integral.62 Para que a gestão das APAs seja eficaz, deve buscar os objetivos de conservação das características ecológicas da área protegida, garantir a manutenção da qualidade de vida das populações residentes e promover o desenvolvimento a partir da sustentabilidade dos recursos naturais e do ordenamento do uso do solo. As APAs vêm encontrando dificuldades, desde a criação das mesmas nos anos 80.63 Para que uma APA seja implementada com êxito é preciso a integração da unidade com as políticas públicas e capacidade operacional do órgão executor. Depende, 60 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 19. 61 Ibidem, loc. cit. 62 Ibidem, loc. cit. 63 Ibidem, p. 20. acima de tudo da relação entre a comunidade local e o meio ambiente, no que diz respeito ao uso dos recursos naturais, aos produtos e aos resíduos gerados e aos beneficiários potenciais. O processo de participação é fundamental. Segundo Marie Roué, a APA como instrumento de planejamento e gestão visa conciliar a conservação da natureza com a cultura das populações, melhorando sua qualidade de vida, demonstrando que, se tomadas as providências básicas, essa unidade pode reverter-se em um instrumento democrático de negociação, construtor da cidadania e de equilíbrio da distribuição dos ganhos.64 Um ponto importante tem que ser considerado: não se pode considerar a gestão de uma unidade de manejo sustentável do mesmo modo que uma unidade de proteção integral, ou seja, com ênfase centrada em preservação estrita.65 Casos como conflitos de zoneamento ou de previsões discrepantes em Planos de Manejo devem ser solucionados mediante a proposta prevista na Lei do SNUC, que é gestão integrada. Não havendo consenso, pode-se recorrer ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), que é o órgão coordenador do SNUC e à central do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Como regra geral, deve ser aplicada a norma mais restritiva, ou seja, a que melhor proteja o ambiente, pois vige como princípio do Direito Ambiental o da precaução, segundo o qual, na falta de certeza científica, deve-se adotar a ação que prestigie a preservação/conservação do meio ambiente.66 64 ROUÉ, Marie. Nova perspectiva em etnoconservação: saberes tradicionais e gestão de recursos naturais. In: DIEGUES, Antonio Carlos (Org.). Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza dos trópicos. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 76. 65 GUAPYASSÚ, Maísa dos Santos. Unidades de manejo sustentável: ajustando o foco para sua gestão. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, 2000, v. III. Campo Grande, Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação; Fundação O Boticário, 2002, p. 43. 66 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 21. Na atuação do Poder Público, quantos aos limites sobre a propriedade privada dentro de uma APA, podem ocorrer restrições e limitações de natureza ambiental, em razão da incidência do princípio da função social da propriedade, previsto constitucionalmente, desde que não seja inviabilizado totalmente o uso da propriedade.67 A dimensão ambiental da função social da propriedade, no direito brasileiro, volta-se tanto ao aspecto impulsivo (art. 70 da CF), como ao limitativo (arts. XXIII, c182 e 186, CF), sendo em muitos casos possível localizar os dois aspectos numa única norma, como por exemplo, no art. 2ª da Lei n. 4.771/65 (Código Florestal).68 As limitações ao uso da propriedade devem constar de ato normativo ou do Plano de Manejo da unidade, devidamente aprovadopor meio de instrumento normativo pela autoridade competente. Uma das formas de minimizar conflitos existentes ocorre com a introdução de modelos produtivos que garantem a sustentabilidade no uso dos recursos naturais, aliados à assistência técnica e à extensão rural qualificada. O gestor da unidade tem de estabelecer o diálogo, a negociação e alianças entre todos os envolvidos.69 Outro problema diz respeito a empreendimentos, no que tange aos licenciamentos para atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente. As licenças ambientais são os instrumentos jurídicos que aprovam a realização de determinadas atividades e são instituídas mediante ato administrativo que autoriza o empreendimento, estabelecendo condições, restrições e medidas de controle. De forma que sem fiscalização os empreendedores não cumpram com parte das normas estabelecidas.70 67 Ibidem, loc. cit. 68 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no direito ambiental: função social da propriedade. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004, p. 82. 69 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 22. 70 Ibidem, loc. cit. Ressalta-se também o direito cultural e o direito ao meio ambiente equilibrado, ambos muito discutidos e conflitantes dentro das APAs. Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, declara terem todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; no seu art. 215, caput, garante a todos o pleno exercício culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais, além de determinar em seu § 1º, que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro.71 2.5 Situação atual das APAs Atualmente, trava-se um debate sobre a situação e efetividade das APAs para a conservação da biodiversidade e a melhoria das condições socioeconômicas das comunidades locais. Participam desse debate os que desqualificam as APAs como unidades de conservação e os que as defendem como modelo de gestão territorial e de proteção da biodiversidade calcado no princípio do desenvolvimento sustentável.72 Afirmam M. J Dourojeanni e M. T. J. Pádua que as unidades de uso sustentável têm valor menor para a conservação da biodiversidade, pois são unidades com maior apelo social para o grande público e, em geral, politicamente mais fáceis de criar, por não implicarem deslocamento de ocupantes humanos.73 71 LEUZINGER, Márcia Dieguez. A presença de populações tradicionais em unidades de conservação. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, v. 21, n. IV, p. 312. 72 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 26. 73 DOUROJEANNI, M. J.; PÁDUA, M.T. J. Biodiversidade: a hora decisiva. Curitiba: UFPR, 2001, p. 175. Sustentam ainda que as APAs tenham crescido em número, não só no Brasil como em outros países, por evitarem os custos da desapropriação de terras. Da mesma forma, Ibsen de Gusmão Câmara assevera que as APAs, na realidade, destinam-se muito mais ao uso supostamente bem controlado dos recursos da natureza do que à sua proteção.74 Segundo M. T. J. Pádua, o presente momento é fundamental para se decidir o futuro do sistema, pois as unidades estão em geral mal manejadas, com pouquíssimo pessoal, não cumprindo os objetivos para os quais foram estabelecidas. De outra parte, cada dia se cria mais, em especial as de uso direto e as APAs, que infelizmente passaram a ser a panacéia, para servir a medidas demagógicas.75 Pode-se notar que há muito mais interesse político do que a vontade real de preservação, conforme ressalta M. T. J. Pádua no trecho abaixo colacionado: Os governos estaduais vêm criando muitas APAs, pois não é necessário além do decreto de criação, se bem que em determinadas condições e dependendo da participação dos proprietários particulares a categoria poderia funcionar, como um ordenamento territorial.76 Das 30 APAs Federais (embora a APA da bacia do rio São Bartolomeu no Distrito Federal tenha passado a administração estadual, ainda está na lista das Federais) existentes no Brasil, algumas apresentam estrutura física e de pessoal, mas outras continuam com problemas fundiários. As APAs representam menos de 14% da superfície total das unidades de conservação do país. Está claro que as unidades do Grupo de Proteção Integral conferem 74 CÂMARA, Ibsen de Gusmão. A política de unidades de conservação- uma visão pessoal. In: MILANO, M. S. (Org.). Unidades de conservação: atualidades e tendências. Curitiba: Fundação O Boticário, 2002, p. 167. 75 PÁDUA, M. T. J. Sistema nacional de unidades de conservação: de onde viemos e para onde vamos? In: Anais do I Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba: IAP; Unilivre; Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, 1997, v. I, p. 215. 76 Ibidem, p. 222. maior grau de preservação à biodiversidade. Mas as APAs têm um papel complementar importante: dar suporte para as primeiras, atuando nos corredores e zonas de amortecimento ou mesmo possibilitando a conservação de ecossistemas cujas condições de ocupação humana não permitiriam a implantação de uma unidade de proteção integral.77 Também é preciso lembrar que há pouco tempo é que o Brasil dispõe de um sistema nacional, uno e consistente, de unidades de conservação da natureza. Além disso, não existiam critérios definidos para a criação e a gestão dessas categorias de áreas protegidas no País, as quais durante um bom período, sequer ficaram sob controle de um só órgão público. Sabe-se, no entanto, que ainda existem muitas dificuldades para a criação e implementação das APAs, principalmente por envolver objetivos de preservação de espécies e ecossistemas versus desenvolvimento de atividades econômicas, embora se saiba que isso pode ser possível, basta vontade integrada de todos da sociedade. Nas palavras de Nájilla Rejanne Alencar Julião Cabral et al.: Não há garantias seguras de que as decisões ou recomendações do conselho serão implementadas pelos proprietários particulares. E é óbvio que as restrições ao direito de propriedade, as chamadas limitações administrativas, são potencialmente geradoras de conflitos.78 É perceptível que, no Brasil, ainda há muito que se fazer quanto às APAs, haja vista a falta de uma boa estrutura administrativa, recursos financeiros e humanos, e de instrumentos adequados de gestão, que contribuem para que a categoria de unidade de conservação se apresente em estágio de desenvolvimento. 77 VIANA, Mauricio Boratto; GANEM, Roseli Senna. APAs federais no Brasil. Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Estudo, ago. 2005, p. 27. 78 CABRAL, Nájilla Rejanne Alencar Julião et al. Gestão ambiental em áreas de proteção ambiental. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, 2000. v. II. Campo Grande: Rede Nacional Pró- Unidades de Conservação; Fundação O Boticário, 2000, p. 121. Sejam quais forem os motivos, com a gradativa ocupação do homem e a necessidade de preservação de espécies e ecossistemas, as APAs têm excelente potencial de implementação no País. E que, daqui pra frente, ao invés de se criar outras unidades, seria interessante que as já implementadas pudessem cumprir com os objetivos para as quais foram criadas, quais sejam: proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Como esclarece Dione Angélica de Araújo Côrte, “desistir de implantação deste instrumento é o mesmo que assumir que não é possível conciliar proteção e desenvolvimento, e que o desenvolvimento sustentávelnão passa de uma utopia”.79 Por isso é preciso aprender a gerenciar o meio ambiente, dosando as medidas impositivas e estimulando as participativas, de modo a transformar esse espaço territorial num objetivo comum de todos os que lá habitam ou dele dependem. Assim, quando se atingir esse nível de responsabilidade e conscientização, não será mais necessária uma unidade gestora da APA ou a própria Área de Proteção Ambiental.80 Por enquanto, esse processo ainda está longe de alcançar o êxito desejado, conforme será mostrado na análise feita no próximo capítulo sobre a APA da Chapada do Araripe, que é um elemento profundamente incorporado à vivência da bio-região da bacia sedimentar do Araripe. 79 CÔRTE, Dione Angélica de Araújo. Planejamento e gestão de APAs. In: Anais do I Congresso brasileiro de Unidades de Conservação. Curitiba: IAP; Unilivre; Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, 1997, v. I. p. 94. 80 Ibidem, p. 97.
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