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FILOSOFIA DA ARTE Textos de apoio – Aprendizagens Essenciais – 11.º ano José Ferreira Borges · Marta Paiva · Orlanda Tavares Filosofia 11.º ano Ano letivo 2019-2020 Filosofia Oo Dimensões da ação humana e dos valores Teorias da arte Vamos abordar nesta secção algumas teorias essencialistas – teorias que defendem a existência de propriedades essenciais ou intrínsecas comuns a todas as obras de arte e que apenas se encontram nas obras de arte – e teorias não essencialistas – teorias que defendem a impossibilidade de definir a arte a partir de um conjunto de propriedades essenciais ou intrínsecas, apresentando defini- ções que assentam em propriedades extrínsecas e relacionais. No primeiro caso, estudaremos as teorias da arte como imitação e como representação, como expressão e como forma. No segundo caso, estudaremos as teorias institucional e histórica. Perante a diversidade de obras no âmbito de cada uma das formas de arte – pintura, música, literatura, tea- tro, escultura, etc. –, é natural que sintamos alguma difi- culdade em falar de arte como se este termo tivesse um significado unívoco e universalmente aceite. O que é, afinal, a arte? Que características devem apresentar os objetos e as múltiplas expressões humanas para serem considerados artísticos? Diversos filósofos tentaram responder a estas perguntas, procurando encontrar critérios ou parâmetros que permitissem dis- tinguir o que é arte daquilo que o não é. Ao longo da his- tória da arte e da filosofia, foram surgindo vários critérios, traduzidos em diversas teorias. A dificuldade em encontrar uma teoria universal- mente aceite encontra-se associada à proliferação de manifestações artísticas e de objetos que, nalguns casos, levantam sérias dúvidas quanto ao seu valor estético. Um exemplo que desafia o entendimento normal de obra de arte é a composição musical intitulada 4’33”, da autoria de John Cage, em que o músico permanece durante todo esse tempo sentado ao piano (ou perante qualquer outro instrumento musical) sem executar qualquer nota. Outro exemplo é o célebre urinol que Marcel Duchamp, em 1917, converteu em obra de arte, intitulando-o Fonte. Qualquer outro objeto ou até um ser vivo – uma pedra, uma árvore, um fardo de palha, uma colher – poderá, eventualmente, considerar-se obra de arte. Bastará, talvez, que alguém o reconheça como tal. Mas será esse um verda- deiro critério? Vamos, de seguida, apreciar algumas teorias da arte, a fim de adquirirmos uma postura crítica relativamente a este assunto. Marcel Duchamp, Fonte, 1917. Até que ponto estaremos perante uma obra de arte? Seja qual for a resposta, este readymade de Duchamp tem o condão de nos obrigar a repensar os parâmetros em que nos baseamos para considerar se algo é arte ou não. Marcel Duchamp: artista plástico francês (1887-1968). Teve um relevante papel no dadaísmo e no surrealismo. John Cage: compositor, teórico musical e escritor norte- -americano (1912-1992). Foi, entre outras coisas, pioneiro da música aleatória, introduzindo o acaso nas suas composições. O valor do silêncio «Mike Batt (1949-) [do grupo musical The Planets] tem uma ideia: a pista 13 do disco Classical Graffiti será um minuto de silêncio. Para não confundir as pessoas, na capa do disco poderá ler-se que o título desta pista é, claro, “O silêncio de um minuto”. Uns dias depois, os herdeiros de John Cage acusam Batt e The Planets de plágio. (…) Entre os argumentos usados por Batt, inclui-se o seguinte: “O nosso silêncio é melhor do que o de Cage porque conseguimos dizer o mesmo em menos tempo”. Os advogados chegaram a um acordo extrajudicial pelo qual Batt pagou aos herdeiros de Cage uma quantia estimada em 150 000 euros.» Fernando G. Blázquez (2010), História do Mundo sem as Partes Chatas, Alfragide, Academia do Livro, pp. 353-354. A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte Da teoria da arte como imitação à teoria da arte como representação A teoria da arte como imitação teve, entre os seus defensores, os filósofos Pla- tão e Aristóteles. Platão refere-se a tal problemática em vários dos seus diálogos, considerando que a imitação é uma mera criação de imagens. Pintando, escre- vendo, esculpindo, etc., o artista produz algo que copia um determinado objeto, o qual, por sua vez, é uma aparência. Com efeito, visto que a verdadeira essência do objeto se encontra, segundo Platão, no mundo inteligível – o mundo das Ideias ou Formas –, sendo o objeto, situado no mundo sensível, uma imitação da sua essência, então, ao imitar a natu- reza (reproduzindo os objetos), o artista está a imitar uma imitação. – Mas vê lá agora que nome vais dar ao seguinte artífice. – A qual? – Ao que executa tudo o que sabe fabricar cada um dos artífices de per si. – É habilidoso e espantoso o homem a que te referes. – Ainda é cedo para o afirmares; em breve dirás mais ainda. Efetivamente, esse artífice não só é capaz de executar todos os objetos, como também modela todas as plantas e fabrica todos os seres animados, incluindo a si mesmo, e, além disso, faz a terra, o céu, os deuses e tudo quanto existe no céu e no Hades, debaixo da terra. – É um sábio de espantar, esse a que te referes. – Duvidas? Ora diz-me lá: parece-te que não pode existir, de todo em todo, um artífice desses, ou que, de certo modo, pode existir o autor de tudo isso, e de outro modo não pode? Ou não te apercebes de que, de certa maneira, tu serias capaz de executar tudo isso? – E que maneira é essa? – Não é difícil – esclareci eu – e variada e rápida de executar, muito rápida mesmo, se quiseres pegar num espelho e andar com ele por todo o lado. Em breve criarás o sol e os astros no céu, em breve a terra, em breve a ti mesmo e aos demais seres animados, os utensílios, as plantas e tudo quanto há pouco se referiu. – Sim, mas são objetos aparentes, desprovidos de existência real. – Atingiste perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu argumento. Com efeito, entre esses artífices conta também, julgo eu, o pintor. Não é assim? – Pois não! – Mas decerto vais-me dizer que o que ele faz não é verdadeiro. E contudo, de certo modo, o pintor também faz uma cama. Ou não? – Faz, mas que também é aparente. – E o marceneiro? Não dizias ainda há pouco que ele não executava a ideia, que declarávamos ser a cama real, mas sim uma cama qualquer? – Dizia, realmente. Texto (continua) Dimensões da ação humana e dos valores – Logo, se faz o que não existe, e não pode fazer o que existe, mas simples- mente algo de semelhante ao que existe, mas que não existe, e se alguém afir- masse que o produto do trabalho do marceneiro ou de qualquer outro artífice era uma realidade completa, correria ele o risco de faltar à verdade? – Assim pareceria aos que estão familiarizados com argumentos dessa natureza. (…) – Por conseguinte, a arte de imitar está bem longe da verdade e se executa tudo, ao que parece, é pelo facto de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição. Por exemplo, dizemos que o pin- tor nos pintará um sapateiro, um carpinteiro, e os demais artífices, sem nada conhecer dos respetivos ofícios. Mas nem por isso deixará de ludibriar as crianças e os homens ignorantes, se for bom pintor, desenhando um carpin- teiro e mostrando-o de longe com a semelhança, que lhe imprimiu, de um autêntico carpinteiro. Platão (1993), A República, 7.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 453-457. Esta maneira de encarar a arte levou Platão a ser bastante desfavorável em relação aos artis- tas, como já referimos. Aristóteles também vê na arte uma imita- ção. As artes poéticas, por exemplo, são modos de imitação das ações humanas. Além disso, as artes distinguem-se entre si pelos meios usa- dos para imitar (por exemplo, a cor, o som e as palavras), pelos objetos que imitam (por exem- plo, pessoas ou coisas) e pelo modo de imita- ção desses objetos (por exemplo, de modo narrativo ou dramático).Não só os principais filósofos pensavam que a arte era imitação, como também os artistas assumiam essa teoria de um modo implícito. Assim, segundo esta conceção, o propósito da arte é imitar e reproduzir os objetos, as pessoas e as ações tal como eles existem. Mas será esta a verdadeira finalidade da arte? Será que a arte só é verdadeira arte quando imita a natureza? Será este um critério aceitável para distinguir o que é arte daquilo que o não é? A verdade é que há algumas objeções a esta teoria: • Esta teoria reduz a arte, segundo Hegel, a uma caricatura da vida, que serve quando muito para mostrar a habilidade técnica do artista e não para nos oferecer um produto criativo. Jean-François Millet, Pastora com seu Rebanho, 1864. Há motivos para pensarmos que esta pintura procura imitar a natureza. Mas será essa perspetiva correta? Não podemos esquecer que há todo um conjunto de motivações que levam o pintor a optar por determinado quadro. Tais motivações acabam por transcender a mera imitação. (continuação) Jean-François Millet: pintor francês (1814-1875). Pintor dos trabalhadores rurais, foi um dos precursores do realismo. A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte • Muitos dos objetos e das criações humanas que são reconhecidos como sendo arte não se reduzem a meras imitações. Há quadros, peças musicais, poemas, etc., que não se limitam a copiar o real. Por isso, ou os excluímos da arte ou, se estamos dispostos a considerá-los arte, teremos de recusar a teo- ria da arte como imitação. • Muitos autores, opondo-se à ideia de que a arte é uma imitação da natureza, consideram que a verdadeira arte é sempre uma transfiguração do real. Isso acontece mesmo com a arte mais vulgar ou banal. Através da imaginação, da sensibilidade e da inteligência, o artista transfigura o real e a perceção ime- diata, criando novas formas, nas quais se encontra a sua marca pessoal. • Na teoria da arte como imitação, acaba por se inferiorizar o belo artístico rela- tivamente ao belo natural, reduzindo-se a arte a uma técnica de reprodução do real. Dentro da perspetiva da arte como transfiguração da realidade, a própria beleza artística passa a ser encarada como superior à beleza natu- ral, tal como o espírito é muitas vezes considerado superior à matéria. Numa tentativa de melhorar esta teoria, alguns filó- sofos consideram que a arte, mais do que imitação, é representação. Ora, se toda a imitação é representação, nem toda a representação é imitação. Deste modo, no âmbito da teoria representacionista, ou teoria da arte como representação, o conceito de arte aplica-se a obras que a teoria da imitação exclui. Mas a teoria da representação está igualmente sujeita a objeções. De facto, também aqui existem con- traexemplos: há diversas obras de arte que não são con- sideradas representações, no âmbito da arquitetura, da música (sobretudo da música instrumental), da pintura, da poesia, da fotografia, etc. Muitas vezes, o objetivo das obras é provocar determinadas experiências visuais ou auditivas e não representar seja o que for. Teoria da arte como expressão É sabido que muitas obras de arte desencadeiam em nós a chamada “emoção estética”. Por si só, este aspeto pode parecer suficiente para pensarmos que a arte está ligada à expressão de emoções: se, por um lado, a cria- ção traduz o sentimento do artista, a contemplação da obra desencadeia emoção no espectador. Nesse sentido, o valor da arte reside no prazer que ela proporciona e a sua natureza reside na expressão da emo- ção. Os próprios artistas reconhecem, por vezes, que há momentos em que sentiram a emoção em contacto com determinadas obras. Wassily Kandinsky, Azul Celeste, 1940. Neste quadro, estamos perante uma transfiguração do real: vemos ali criaturas estranhas, que parecem pairar, sendo a cor de fundo o azul do céu. Ainda que a cor possa remeter para o real, o certo é que todos os elementos da pintura parecem convidar-nos a experimentar um mundo completamente diferente, povoado de pequenos animais fantásticos. Wassily Kandinsky: pintor francês de origem russa (1866-1944). Foi um dos pioneiros da arte abstrata. A imitação perfeita «Uma das suas obras mais célebres, e hoje desaparecida [de Zeuxis de Heracleia (ca. 464-398 a. C.)] foi Menino com Uvas, na qual as uvas pareciam tão reais que os pássaros se aproximavam para as bicar. O próprio pintor explicou: “Pintei melhor as uvas que o menino; pois se o tivesse pintado igualmente bem, o pássaro teria sentido medo.” Com esta obra Zeuxis pretendia vencer Parrásio de Éfeso († 388), o outro grande pintor daquela época e com quem decidira fazer um concurso para ver qual dos dois era o melhor. Quando chegou a vez de Parrásio, Zeuxis pediu-lhe que abrisse a cortina que ocultava a sua pintura… Ganhara Parrásio pois essa cortina era o quadro. O próprio Zeuxis reconheceu: “Eu enganei os pássaros, mas Parrásio enganou-me a mim.”» Fernando G. Blázquez (2010), História do Mundo sem as Partes Chatas, Alfragide, Academia do Livro, pp. 80-81. Dimensões da ação humana e dos valores No entanto, é evidente que o facto de uma obra provocar emoção no espec- tador não é prova de que ela exprima a emoção do artista. Seja como for, esta forma de encarar a arte como expressão de emoções designa-se por expressi- vismo, termo que não se confunde com expressionismo, embora se articule com o significado deste movimento artístico, segundo o qual a arte é também uma forma de exprimir emoções. Um dos autores para quem a arte representa uma atividade em que se expri- mem sentimentos/emoções é L. Tolstoi. Segundo este autor, a verdadeira arte: • É um meio de as pessoas comunicarem e se relacionarem umas com as outras. • É um meio de transmitir emoções, pelo que pressupõe que elas estejam presentes no artista. Exige-se também que haja clareza de expressão na transmissão de sentimentos e emoções. • Leva o espectador a experimentar sentimentos e emoções idênticos àqueles que o artista experimentou e que transmite na sua obra: une as pessoas nos mesmos sentimentos e emoções. • Transmite a singularidade do sentimento do artista (trata-se de sentimentos individuais e não gerais ou coletivos), contagiando assim o recetor. Isso exige autenticidade e sinceridade por parte do artista. Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa seleta o passo célebre de Vieira sobre o Rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio…» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica. Fernando Pessoa (2006), Livro do Desassossego, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 230. Texto Liev Tolstoi (1828-1910). Para definir arte com precisão, devemos antes de tudo parar de olhar para ela como veículo de prazer e considerá-la como uma das condições da vida humana. Ao considerá-la dessa forma, não podemos deixar de ver que a arte é um meio de comunhão entre as pessoas. Cada obra de arte faz com que aquele que a recebe entre em um certo tipo de comunhão com aquele que a produziu ou está produzindo e com todos aqueles que, simultaneamente ou antes ou depois dele, receberam ou irão receber a mesma impressão artística. (…) Texto (continua) A dimensão estética – a criação artística ea obra de arte A atividade da arte é baseada no facto de que o homem, ao receber pela audição ou visão as expressões dos sen- timentos de outro homem, é capaz de experimentar os mesmos sentimentos daquele que os expressa. (…) Sentimentos os mais diversos, muito fortes e muito fracos, significati- vos e sem valor, muito ruins e muito bons, desde que contagiem o leitor, o espectador, o ouvinte, constituem a matéria da arte. O sentimento de auto- negação e submissão ao destino ou a Deus, retratado num drama; os enlevos de amantes descritos num romance; o sentimento de sensualidade descrito numa pintura; a vivacidade transmitida por uma marcha triunfal na música; a alegria evocada por uma dança; a comi- cidade causada por uma história engra- çada; o sentimento de paz transmitido por uma paisagem vespertina ou uma canção acalentadora – tudo isso é arte. Desde que os espectadores ou ouvintes sejam contagiados pelo mesmo senti- mento que o autor experimentou, trata-se de arte. Invocar em si mesmo um sentimento certa vez experimentado e, havendo-o invocado, transmiti-lo por meio de movimentos, linhas, cores, sons, imagens expressas em palavras, de forma que outros vivenciem o mesmo sentimento – nisso consiste a atividade da arte. Portanto, arte é a atividade humana que consiste em um homem conscientemente trans- mitir a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que ele vivenciou, e esses outros serem contagiados por esses sentimentos, experimentando-os também. Tolstoi (2002), O Que é Arte?, S. Paulo, Ediouro Publicações, pp. 72-74 e 76. (continuação) Através da palavra (literatura), dos sons (música), do mármore (escultura), do movimento (dança, teatro), das cores (pintura), o artista corporiza as suas emoções, comunica vivências, experiências e o seu modo de ser e de sentir o mundo e a vida. Ao transmitir as suas emoções, o artista provoca idênticas emoções no público. A teoria da arte como expressão levanta sérias dificuldades. Vejamos algumas delas: • Esta teoria parece estabelecer a priori que a produção artística tem origem na experiência emocional, quando talvez existam outros fatores e outras condições causais que presidem à criação de obras de arte, sendo certo que alguns artistas, inclusive, negaram que a emoção comandasse os seus trabalhos criativos. Edvard Munch, Raparigas Numa Ponte, 1901. O espectador é levado a observar a paisagem e a sua atmosfera melancólica de um modo idêntico àquele com que o artista o fez. O próprio Edvard Munch reconhece que «ao retratar uma determinada paisagem podemos chegar a uma imagem do nosso próprio estado de espírito – o estado de espírito é o mais importante – a natureza é apenas o meio» [AAVV (2005), Obras-Primas da Pintura Ocidental, Taschen, vol. II, p. 560]. Edvard Munch: pintor norueguês (1863-1944). Sendo um dos precursores do expressionismo alemão, Munch trata nas suas obras os temas da angústia, da solidão, do amor e da morte. Dimensões da ação humana e dos valores • Mesmo se se admitir que a emoção está na base da criação, o momento em que o artista cria a sua obra não coincide, em geral, com o do estado emocional que a motivou. O artista é, em geral, “um fingidor”, como escreveu Fernando Pessoa a respeito do poeta, ideia que é bem visível no caso de um ator. • Esta teoria parece admitir que a qualidade das obras decorre das condições emocionais que as originam, quando afinal o mérito da obra assenta sobretudo na sua harmonia interna. • Pode levantar-se a dúvida a respeito do conteúdo emocional de certas obras. Se a ópera e a poesia são exemplos de expressão emocional, já a arquitetura e muitas obras de pintura (sobretudo da chamada pintura abstrata) não parecem sê-lo. • Se é verdade que a arte tende a suscitar emoções no público, terá ela de suscitar todo o tipo de emoções, do pessimismo ao ciúme, do ódio ao desprezo? Apreciar e compreender uma obra que retrata o ódio racista não significa necessariamente sentir, enquanto espectador, essa emoção. • A expressão artística, apesar de veicular emoções, é uma expressão intencional e mediata, ao contrário do que acontece com a expressão habitual de emoções, que é sobretudo espontânea. Teoria formalista da arte Para o crítico de arte Clive Bell, a emoção estética desencadeada no especta- dor pelas verdadeiras obras de arte decorre de uma qualidade que tais obras pos- suem: a forma significante. É nesta ideia que assenta a teoria formalista da arte. A referida qualidade, por sua vez, diz respeito à relação existente entre as partes, o que é sobretudo notório nas artes visuais, embora se aplique a qualquer outro tipo de artes: a harmonia dos sons, a combinação das cores, a estrutura do romance, a sequência das cenas, etc. Clive Bell (1881-1964). O ponto de partida de todos os sistemas estéticos deve ser a experiência pes- soal de uma emoção peculiar. Chamamos obras de arte a objetos que provocam esta emoção. Todas as pessoas sensíveis concordam em afirmar que há uma emo- ção particular causada por obras de arte. Não quero com isto dizer, evidente- mente, que todas as obras de arte provocam a mesma emoção. Pelo contrário, cada obra produz uma emoção diferente. Mas identificamos todas estas emoções como pertencentes ao mesmo tipo. Pelo menos, até aqui, a melhor opinião está do meu lado. Penso que a existência de um tipo particular de emoção, provocada por obras de arte visuais, emoção causada por todos os géneros de arte visual (pin- turas, esculturas, edifícios, vasos, gravuras, têxteis, etc.), não é contestada por nin- guém que seja capaz de a sentir. Esta emoção chama-se emoção estética e, se formos capazes de descobrir alguma propriedade particular que seja comum a todos os objetos que a provocaram, então teremos solucionado aquele que consi- dero ser o problema central da estética. Teremos descoberto qual a propriedade essencial de uma obra de arte, a propriedade que distingue as obras de arte de todas as outras classes de objetos. Clive Bell (2009), Arte, Lisboa, Edições Texto & Grafia, pp. 22-23. Texto A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte De acordo com o texto, importa descobrir a qualidade ou característica comum a todos os objetos suscetíveis de provocar a emoção estética. Segundo Bell, ou realmente há uma qualidade comum às obras de arte, ou então não faz sentido falar em “obras de arte”. A forma significante, em particular nas obras de arte visuais, acaba por ser uma combinação, em certas relações, de linhas, formas e cores. Isto signi- fica que aquilo que é representado e o objetivo e/ou função com que a obra foi feita são irrelevantes para a apreciação da obra de arte. Em rigor, apesar do que já dissemos sobre ela, esta propriedade das obras de arte (a forma significante) é indefinível. Ela pode, no entanto, ser reconhecida, de modo intuitivo, pelos críticos mais sensíveis. Isso não será possível se os críticos forem insensíveis. Segundo esta teoria, todas as verdadeiras obras de arte são, pois, dota- das de uma forma significante, o que lhes confere um determinado estatuto. Embora os defensores desta teoria argumentem que ela permite explicar que uns sejam melhores críticos do que outros (pois intuem mais facilmente a forma significante), existem, pelo menos, duas objeções que lhe podem ser dirigidas. Tem de haver uma determinada propriedade sem a qual uma obra de arte não existe; na posse da qual nenhuma obra é, no mínimo, destituída de valor. Que pro- priedade é essa? Que propriedade é partilhada por todos os objetos que nos causam emoções estéticas? Que característica é comum a Santa Sofia e aos vitrais de Chartres, à escultura mexicana, a uma taça persa, aos tapetes chineses, aos frescos de Giotto em Pádua, e às obras-primas de Poussin, Piero della Francesca e Cézanne? Só uma res- posta parece possível – forma significante. São, em cada um dos casos, as linhas e cores combinadas de um modo particular, certas formas e relações deformas, que suscitam as nossas emoções estéticas. A estas relações e combinações de linhas e cores, a estas formas esteticamente tocantes, chamo «Forma Significante»; e a «Forma Significante» é a tal propriedade comum a todas as obras de arte visual. Clive Bell (2009), Arte, Lisboa, Edições Texto & Grafia, p. 23. Texto Caravaggio, São Jerónimo escritor, c. 1606. O que fará com que este quadro seja uma obra de arte? Segundo os defensores da teoria formalista, será uma certa combinação de cores, linhas, tonalidades, etc., que lhe confere uma forma significante, capaz de desencadear emoção estética no espectador. Vemos que há [na teoria da arte de Bell] uma explicação da forma significante: é um padrão de linhas, formas e cores. Contudo, uma vez que isto apenas serve para encontrar a forma e não a forma significante, não adianta muito na caracteri- zação de uma teoria satisfatória da arte. A melhor maneira de definir a forma significante é “aquilo que causa a emoção estética”. Ora, esta é simplesmente a emoção sentida na presença da forma significante. Bell sugere de facto que esta emoção pode ser extática ou arrebatadora, e diferente da emoção provocada pela apreciação da beleza da natureza; mas isto não irá servir para a distinguir de várias outras emoções que não são estéticas no seu sentido do termo. E, de facto, Bell admite que a emoção estética não precisa de chegar a esse ponto de intensi- dade, pelo que tais considerações são pouco informativas. Nigel Warburton (2007), O Que é a Arte?, Lisboa, Editorial Bizâncio, pp. 37-38. Texto Caravaggio: nome artístico do pintor italiano Michelangelo Merisi (1573-1610). Deu primazia à cor sobre o desenho e adotou a técnica do claro-escuro, tendo influenciado artistas como Rubens, Velázquez e Rembrandt. Dimensões da ação humana e dos valores A partir do texto, podemos formular duas objeções à teoria de Bell: • Esta teoria parece apoiar-se num argumento circular, uma vez que refere que a emoção estética resulta de uma propriedade (a forma significante) destinada precisamente a desencadear essa emoção no espectador, a qual é diferente da emoção experimentada diante da beleza natural. Aquilo que se pretende explicar – a emoção estética sentida pelo espectador – faz parte da própria explicação: a emoção estética resulta de algo que produz emoção estética e do qual nada mais se pode afirmar. • Esta teoria não pode ser refutada: – Se uma pessoa disser que não sente emoção estética perante uma obra de arte, os defensores da teoria dirão que essa pessoa está enganada, já que a obra desencadeia tal emoção. Mas isto equivale a pressupor o que se quer demonstrar, isto é, a existência de uma emoção estética na contemplação das verdadeiras obras de arte. – Se algum objeto a que chamamos obra de arte não desperta emoção estética ao crítico sensível, dir-se-á que esse objeto não constitui uma verdadeira obra de arte. Ora, nada existe que nos permita refutar uma perspetiva desse género, já que estamos no pleno domínio da subjetividade do crítico. Uma teoria que não pode ser refutada (visto ser sempre confirmada em qualquer situação) é, segundo vários filósofos, desprovida de significado. Teoria institucional da arte A teoria institucional da arte, defendida por autores como o filósofo con- temporâneo George Dickie, considera que existem dois aspetos comuns a todas as obras de arte, quer se trate da Divina Comédia, de Dante, de uma sinfonia de Beethoven, de um quadro de Picasso, da Fonte de Duchamp ou de um filme de Steven Spielberg. Tais aspetos são os seguintes: • Todas as obras de arte são artefactos, isto é, sofreram, em geral, uma manipulação por parte de alguém. A simples exposição intencional de um qualquer objeto (uma pedra, um vaso, um sinal de trânsito, uma gar- rafa, e por aí fora) numa galeria de arte é já um passo para que esse objeto venha a ser considerado uma obra de arte. • Todas as obras de arte possuem o estatuto de obras de arte porque este lhes é conferido por pessoas que, estando ligadas à esfera artística, detêm autoridade suficiente para o fazer. Essas pessoas, mediante uma ação de batismo, trans- formam os objetos e artefactos em obras de arte, através de processos que vão desde a exibição, a representação e a publicação dessas obras, até ao simples facto de lhes chamarem arte. George Dickie (1926). Damien Hirst, A Impossibilidade Física da Morte na Mente dos Vivos, 1989. «Como pode isto ser arte? O que terá levado a esta mudança no estatuto do tubarão? Mesmo que o tema seja familiar, temos ainda o mistério de como pôde o artista transformar tal coisa – um animal que vive na natureza – numa obra de arte. Está lá o próprio animal e não uma representação sua.» [Nigel Warburton (2007), O Que é a Arte?, Lisboa, Editorial Bizâncio, pp. 101-102.] Damien Hirst: artista britânico (1965). A sua obra, não isenta de polémica, tem a morte como tema central. A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte Deste modo, um simples pedaço de madeira, ao ser colocado em exposição numa galeria, pode tornar-se um artefacto, sem que tenha havido uma modificação de alguma matéria-prima por parte do ser humano. É a dimensão institucional que lhe confere valor artístico. Sendo uma conceção extremamente flexível em relação àquilo que pode ou não ser considerado arte, a teoria institucional apresenta algumas virtudes, mas é também alvo de críticas. Eis algumas dessas críticas: • Por um lado, de acordo com esta teoria quase tudo se pode transformar numa obra de arte, bastando para tal o parecer de pessoas avalizadas nessa maté- ria. Assim sendo, esta teoria não permite distinguir a boa da má arte: dizer que algo é arte é apenas classificá-lo como tal, sem avançar qualquer aprecia- ção valorativa a respeito do facto de essa obra ser boa, má ou indiferente. • Por outro lado, trata-se de uma teoria circular, uma vez que arte é só aquilo que um grupo restrito decide considerar como tal. Assim, poderíamos ser levados a dizer, por exemplo: Guer- nica é uma obra de arte porque há pessoas que pensam desse modo, e essas pes- soas pensam desse modo porque esse quadro é uma obra de arte. Assim, ser um artefacto é uma condição necessária para que algo seja consi- derado obra de arte, embora não suficiente (caso contrário, todo o artefacto seria obra de arte). Só satisfazendo as condições de artefactualidade e de atribuição de estatuto é que algo pode ser considerado obra de arte. Mas afinal de que falamos quando falamos em artefacto? Em geral, «artefacto» significa qualquer objeto que tenha sido de algum modo trabalhado ou modificado através da intervenção humana. As obras artísti- cas tradicionais não têm problemas em satisfazer este requisito. Por exemplo, as pinturas e as esculturas são claramente artefactos no sentido habitual do termo. Praticamente todas as teorias da arte propostas pressupõem a artefactuali- dade neste sentido como uma condição necessária para que algo seja uma obra de arte. É através desta estipulação que objetos que ocorrem na natureza, como o pôr do sol e cenouras com formas interessantes, são excluídos como não arte (a não ser, é claro, que achemos que são a obra de um artista divino). Contudo, para Dickie, pelo menos nas primeiras formulações da teoria, a artefactualidade é algo que pode ser atribuído aos objetos naturais, mesmo a cenouras e ao pôr do sol, sem que sejam de algum modo modificados. Nigel Warburton (2007), O Que é a Arte?, Lisboa, Editorial Bizâncio, pp. 109-110. Texto Paul Klee, Exuberância, 1939. Estaremos perante uma obra de arte só porque alguém decidiu que assim fosse, ou haverá algo mais para além dessa atribuição, mais ou menos convencional, do estatuto de “obra de arte” a esta pintura? Já agora, o que dizer do título dado ao quadro? Será que também esse elemento pode contribuir para o valor artístico da obra? Paul Klee: pintor e poeta suíço, naturalizado alemão (1879-1940).A sua pintura traduz um elevado grau de liberdade ao nível dos temas, dos materiais, das cores e das formas. Dimensões da ação humana e dos valores • Finalmente, como observa o filósofo Richard Wollheim (1923-2003), ainda que se admita que as pessoas ligadas ao mundo da arte têm o dom de converter qualquer artefacto numa obra de arte, nesse caso deve haver razões para escolherem uns artefactos e não outros. Se há razões, então são essas a fixar o que é arte e o que o não é, tornando-se inútil a teoria institucional. Se não há razões, então a arte pode ser arbitrária, não possuindo propriamente interesse. Tendo reconhecido algumas das imperfeições da sua teoria inicial, Dickie propôs uma definição mais elaborada de arte, na qual relaciona os seguintes conceitos: obra de arte, artista, público, mundo da arte e sistema do mundo da arte. Uma obra de arte é um artefacto do tipo criado para ser apresentado a um público do mundo da arte. Esta definição contém explicitamente os termos “mundo da arte” e “público” e também envolve as noções de artista e sistema do mundo da arte. Defino agora estes quatro do seguinte modo: Um artista é uma pessoa que participa conscientemente na produção de uma obra de arte. Um público é um conjunto de pessoas cujos membros têm suficiente prepa- ração para compreender um objeto que lhes é apresentado. O mundo da arte é a totalidade de todos os sistemas do mundo da arte. Um sistema do mundo da arte é um enquadramento para a apresentação de uma obra de arte por um artista a um público do mundo da arte. George Dickie (2008), Introdução à Estética, Lisboa, Editorial Bizâncio, p. 145. Texto Estas definições acabam por não adiantar muito no tocante ao problema de saber o que é a arte, mas ajudam-nos a perceber melhor os aspetos associados à teoria institucional da arte, mostrando que a arte é inseparável de um contexto mais vasto – o mundo da arte – que envolve correntes, sistemas, movimentos, expressões artísticas diversas, os negociantes de arte, os artistas, os artefactos que estes produzem, assim como o público que os aprecia. A teoria institucional chama-nos, assim, a atenção para o carácter decisivo do campo cultural em que uma obra aparece no que diz respeito à avaliação que dela se faz. Com efeito, se o artista é influenciado pela sua cultura e contribui igualmente para ela, então a avaliação da obra de arte está dependente de crité- rios relacionados com a época histórica em que ela surgiu e não de qualquer parâ- metro intemporal e universal. A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte Teoria histórica da arte As teorias históricas da arte sublinham que a arte é um fenómeno inteira- mente dependente da sua história. Uma teoria histórica da arte – ou, mais corre- tamente, histórico-intencional – foi apresentada pelo filósofo Jerrold Levinson (1948). Levinson pretende dar uma definição de arte suficientemente ampla para englobar tudo o que seja considerado obra de arte. Essa definição, tal como sucede na teoria de Dickie, é feita com base nas propriedades não visíveis que todas as obras de arte partilham. Mas Levinson destaca não o mundo da arte mas sim as intenções de quem cria a arte. De acordo com este autor, são as seguintes as condições – condições necessá- rias e conjuntamente suficientes – para que algo seja considerado uma obra de arte, aplicando-se a toda a arte possível: • O direito de propriedade sobre o objeto – o objeto é nosso ou temos o direito de o usar como tal. Assim, o artista não pode transformar em arte qualquer coisa que queira. • A intenção séria ou não passageira de que o objeto seja visto ou perspeti- vado como uma obra de arte, isto é, que seja visto como corretamente foram ou são vistas as obras de arte do passado. Assim, as obras de arte têm um tipo especial de relação com as práticas do presente e do passado, tanto de artistas como de observadores, sendo caracterizadas pela historicidade. Esta teoria também está sujeita a críticas: • É discutível que a condição do direito de propriedade seja uma condição necessária, se admitirmos, por exemplo, que um artista consagrado pintou um quadro usando uma tela e tintas que não pagou mas devia ter pagado. Será que não estamos perante uma obra de arte? • A condição relativa à intenção também pode não ser necessária. Basta pensarmos, por exemplo, nos artistas que não tiveram a intenção de que as suas obras fossem vistas como obras de arte, sendo que só após a sua morte elas foram publicadas e consideradas como tal. • Se admitirmos que o que faz de algo uma obra de arte é a sua relação com a arte anterior, então levanta-se um problema ao considerar-se a primeira obra de arte a surgir no mundo. Esta não pode ser arte, por não haver arte anterior. Nesse caso, as obras seguintes também não o podem ser. Embora Levinson estivesse ciente deste problema, não o solucionou de modo convincente. • Esta teoria não responde à questão de saber o que muda no objeto pro- priamente dito quando este se transforma em obra de arte, deixando por explicar o que uma obra de arte é em si mesma. Dimensões da ação humana e dos valores O filósofo contemporâneo Jerrold Levinson sugeriu recentemente uma alter- nativa à teoria institucional da arte. A definição de Levinson é geralmente conhe- cida como uma definição histórica, ou «definindo a arte historicamente», apesar de isto poder ser enganador. É talvez mais adequado descrevê-la como uma defi- nição histórico-intencional. Tal como a teoria institucional, a teoria de Levinson pretende dar uma definição suficientemente ampla para captar tudo o que é incontroversamente uma obra de arte; tal como a teoria de Dickie, a de Levinson fá-lo definindo a arte em termos de propriedades não visíveis que todas as obras de arte partilham. Levinson aceita as intuições de Morris Weitz de que as teoriza- ções abrangentes do passado têm sido obviamente dificultadas pela imensa diver- sidade de obras de arte. (…) Contudo, Levinson rejeita o passo dado de declarar que «arte» é um termo para semelhanças de família sem denominador comum. Neste aspeto, a teoria de Levinson também é como a de Dickie. Mas enquanto a teoria institucional de Dickie se concentra num processo levado a cabo pelos membros da instituição social que designa de «mundo da arte», Levinson realça as intenções de quem cria a arte. Eis a definição de Levinson na sua forma mais simples: Uma obra de arte é uma coisa (um item, objeto, entidade) relativamente à qual houve a intenção séria de ser vista como uma obra de arte – isto é, vista do modo como as obras de arte preexistentes são ou foram corretamente vistas. Esta definição combina as intuições de que para produzir uma obra de arte é necessário um tipo particular de intenção e que as obras de arte têm um tipo especial de relação com as práticas do presente e do passado de artistas e observa- dores. Assim, um objeto só pode ser uma obra de arte se houve a intenção séria de ser tratado como tal. Além do mais, não podemos transformar qualquer coisa numa obra de arte. Levinson adicionou a estipulação de que para fazer de algo uma obra de arte temos de ter um direito de propriedade sobre esse objeto; isto é, ou esse objeto é nosso ou temos o direito de o usar como tal. Não posso transfor- mar todos os artefactos de Londres em obras de arte por ter simplesmente a intenção de que todos os artefactos de Londres sejam vistos como as obras de arte do passado têm sido vistas. Nigel Warburton (2007), O que é a Arte?, Lisboa, Editorial Bizâncio, pp. 127-128. Texto A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte Morris Weitz (1916-1981). Conclusão Para concluir, não devemos afastar a hipótese de a própria arte não poder ser definida. Como já vimos, a tentativa atual de classificar e ordenar as artes, em vir- tude da emergência de novas formas de arte, torna-se praticamente impossível. O mesmo sucederá, por conseguinte, com a tentativa de definirarte. Morris Weitz, por exemplo, considera que a arte não pode ser definida, pois não é possível estabelecer as condições necessárias e suficientes para que tal acon- teça. Sendo assim, é um erro procurar um denominador comum entre diferen- tes obras de arte. O conceito de arte é um conceito aberto, o que aliás se encontra em sintonia com a própria criatividade artística e com o surgimento de novas formas de arte. Em vez de se admitir a existência de características comuns ou propriedades essenciais para definir arte, privilegia-se então a ideia de parecença familiar, noção já usada por Ludwig Wittgenstein. Claro que também esta teoria está sujeita a objeções. Por exemplo, se existe parecença familiar, então já há um denominador comum às obras de arte, mesmo que isso possa não constituir um aspeto muito relevante. Em suma, não é fácil procurar uma definição consensual de arte, nem sequer é consensual a ideia de que ela não pode ser definida. O assunto per- manece em aberto. O leitor pode parecer-se ligeiramente com o seu pai e o seu pai pode pare- cer-se com a irmã dele. Contudo, é possível que o leitor não se pareça nada com a irmã do seu pai. Por outras palavras, podem existir parecenças sobrepostas entre diferentes membros de uma família, sem que exista uma característica única observável, partilhada por todos. Analogamente, há muitos jogos seme- lhantes, mas é difícil ver o que têm em comum as paciências, o xadrez, o râguebi e a malha. As semelhanças entre diferentes tipos de arte podem ser deste tipo: apesar das semelhanças óbvias entre algumas obras de arte, podem não existir caracte- rísticas observáveis partilhadas por todas: podem não existir denominadores comuns. Se isto for verdade, é um erro procurar uma qualquer definição geral de arte. O melhor que podemos desejar é uma definição de uma certa forma de arte, como o romance, o filme de ficção ou a sinfonia. Nigel Warburton (1998), Elementos Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, pp. 219-220. Texto Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Dimensões da ação humana e dos valores 1. «É um velho preceito, este de que a arte deve imitar a natureza. (…) Segundo esta conceção, o fim essencial da arte consistiria na hábil imitação ou reprodu- ção dos objetos tal como existem na natureza, e a necessidade de uma reprodu- ção assim feita em conformidade com a natureza seria uma origem de prazer.» Hegel (1952), Estética – A Ideia e o Ideal, Lisboa, Guimarães Editores, pp. 49-50. 1.1. Esclareça a perspetiva platónica segundo a qual a arte é imitação de uma imitação. 1.2. Apresente as objeções à teoria da arte como imitação. 2. Refira as características da arte segundo Tolstoi. 3. Indique as críticas à teoria da arte como expressão. 4. Refira os principais aspetos da teoria da arte como forma significante. 5. Apresente as objeções à teoria da arte como forma significante. 6. Mostre em que sentido, no âmbito da teoria institucional, a arte é inseparável do campo cultural. 7. Apresente uma síntese das críticas à teoria institucional da arte. 8. «Apresentar as condições necessárias e suficientes da arte é assinalar as pro- priedades que uma coisa deve ter de modo a ser uma obra de arte e as proprie- dades que tem que garantam que o seja.» Gordon Graham (2001), Filosofia das Artes, Lisboa, Edições 70, p. 231. Comente esta afirmação, tendo em conta a possibilidade de definir ou não a arte. Atividades
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