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2º ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS FOUCAULTIANOS: razão política e acontecimento João Pessoa, 13 a 15 de setembro de 2016. Anais Eletrônicos Organizadores: Nildo AVELINO | Florian GROTE | Derek TAVARES Apresentação GT1: Educação GT2: Gênero & Sexualidades GT3: Segurança, Estado e controle GT4: Governamentalidades GT5: Biopolíticas GT6: Éticas e cuidado de si GT7: Interfaces teórico-metodológicas Anexos © 2016 ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS FOUCAULTIANOS Reprodução total ou parcial permitida desde que citada a fonte Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Conjunto Humanístico - Bloco V Bairro Castelo Branco João Pessoa/PB – CEP 58.051-970 Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais Tel.: (83) 3209-8334– http://www.cchla.ufpb.br/ppgcpri Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Setor Bancário Norte, Quadra 2, Lote 6, Bloco L Brasília/DF – CEP 70040-020 http://www.capes.gov.br Organização Nildo AVELINO | Florian GROTE | Derek TAVARES Produção Técnica Gleydson TAVARES | Nildo AVELINO | Florian GROTE | Derek TAVARES Arte Visual Alberto PESSOA | Florian GROTE Foto Francisco RIPÓ Ficha Catalográfica E56 ENCONTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS FOUCAULTIANOS (2: 2016: JOÃO PESSOA) Anais do 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: razão política e acontecimento, 13 a 15 de setembro de 2016. – João Pessoa, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba com o apoio da CAPES. 568 pp ISSN: 2358-5730 1. Educação. 2. Gênero e Sexualidades. 3. Segurança, Estado e controle. 4. Governamentalidades. 5. Biopolíticas. 6. Éticas e cuidado de si. 7. Interfaces teórico- metodológicas. 8. Foucault, Michel (1926 – 1984). I. Título. II. Anais. III. Avelino, Nildo, Organizador. IV. Grote, Florian, Organizador. V. Tavares, Derek, Organizador. CDU: 1 (058) Ficha Catalográfica elabora por Fernando Augusto Alves Vieira – CRB nº 369 Universidade Federal da Paraíba SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO 7 Nildo Avelino, Ana Montoia, Samir Perrone GT1: Educação 2 ASSUJEITAMENTO E RESISTÊNCIA NAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO 9 Cinthya Rebecca Santos Azevedo, Tâmara Ramalho de Sousa Amorim, Maria de Fátima Pereira Alberto 3 CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO SOCIALMENTE REFERENCIADO E PARTICIPATIVO 20 Priscylla Karollyne Gomes Dias, Karina Mirian da Cruz Valença Alves 4 FOUCAULT E A EDUCAÇÃO: AS RELAÇÕES DE PODER E A DISCIPLINARIZAÇÃO DOS CORPOS NA ESCOLA 27 Alanna Maria Santos Borges, Pedro Igo Paiva Pinheiro 5 UMA ANALÍTICA FOUCAULTIANA DO BIOPODER NA EDUCAÇÃO FORMAL AGROECOLÓGICA 36 Óscar Emerson Zúñiga Mosquera, Alexandre Simão de Freitas GT2: Gênero & Sexualidades 6 OS ENCONTROS NACIONAIS FEMINISTAS NA MEMÓRIA DO FEMINISMO PARAIBANO (1979-2000) 46 Dayane Nascimento Sobreira 7 A HETEROSSEXUALIDADE COMPULSÓRIA NA EFETIVAÇÃO DE OPRESSÕES DOS CORPOS QUEER NAS REDES SOCIAIS 55 Robson Guedes da Silva 8 FEMINISMOS E ANTIFEMINISMOS: UMA ANALISE TEÓRICA SOBRE O EMPODERAMENTO POLÍTICO DAS MULHERES 68 Sabrina Rafael Bezerra 9 SEXO, PORNOGRAFIA E MASTURBAÇÃO: A DESINTOXICAÇÃO SEXUAL NO DISCURSO PROTESTANTE 83 Cícero Edinaldo dos Santos, Thalyson Santos Alves 10 QUE SUJEITO É ESSE? O ENDEREÇAMENTO DE GÊNERO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA 95 Allan Alves da Mata Ribeiro GT3: Segurança, Estado e controle 11 DISCIPLINA E VIGILÂNCIA: O PODER SEGUNDO MICHEL FOUCAULT 104 Marília Monteiro Nascimento 12 SUPEROUTRO E A SUPERAÇÃO DO EU: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E FILOSOFIA 112 Hemile Dantas Coelho Rosário, Liliane Santos Pereira Silva 13 RELAÇÕES DE PODER NA “LEY DE MEDIOS” ARGENTINA: UMA ANÁLISE FOUCAULTIANA 122 Rafael de Souza Mendonça, José Nikácio Júnior Lopes Vieira 14 O PANOPTISMO MODERNO COMO DISPOSITIVO DE VIGILÂNCIA, CONTROLE SOCIAL E EXERCÍCIO DO PODER 130 Karoline Machado, Regina Baracuhy 15 BIOPOLÍTICA E VIOLÊNCIA LETAL PELA POLÍCIA EM SÃO PAULO 141 Gabriel de Sousa Romero GT4: Governamentalidades 16 ACONTECIMENTO, GOVERNABILIDADE E SOBERANIA DA DEMOCRACIA REPUBLICANA: A INTERDIÇÃO DA SOBERANIA DO VOTO – O CASO LUGO COMO ACONTECIMENTO POLÍTICO NA AMÉRICA LATINA 151 Clayton Emanuel Rodrigues, Caio César Bispo Teodoro 17 DA POSSIBILIDADE DE UMA“DEMOCRACIA PARTICIPATIVA” EM FOUCAULT: UMA INSPIRAÇÃO EM PLATÃO 164 Maria Veralúcia Pessoa Porto, Telmir de Souza Soares 18 OPERAÇÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS PÓS GUERRA FRIA: PARTICIPAÇÃO MILITAR DO BRASIL NO HAITI 177 Pedro Igo Paiva Pinheiro, Alanna Maria Santos Borges 19 APROXIMAÇÕES ENTRE O ANARQUISMO DE HAKIM BEY E O PENSAMENTO POLÍTICO DE FOUCAULT 190 Mayk Andreele do Nascimento, Camila Maria Gomes Pinheiro 20 PODER, VIOLÊNCIA E RAZÃO POLÍTICA EM FOUCAULT 201 Heloisa Helena de Sousa Franco Oliveira 21 O LUGAR DA POLÍTICA: O DISCURSO SOBRE A CIDADE NOS FILMES DO OCUPE ESTELITA 208 Thiago dos Santos Antunes da Silva, Karina Mirian da Cruz Valença Alves GT5: Biopolíticas 22 ESPAÇO TEMPO E CORPO NA PERSPECTIVA DA DISCIPLINA EM MICHEL FOUCAULT 218 Damiana Bezerra Alves 23 DISCIPLINAMENTO E BIOPODER EM MICHEL FOUCAULT 227 Emerson Erivan de Araújo Ramos 24 O CUIDADO DE SI E A EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DE FOUCAULT 243 Maria Sandra Montenegro Silva Leão 25 ENTRE SINGULARIDADES E ASSUJEITAMENTOS: A POLÍTICA EM FOUCAULT E AGAMBEN 249 José Maxsuel Lourenço Alves, Tarciano Silva Batista 26 BIOPODER, BIOPOLITICA E HQS: ANALISANDO A POLÍTICA PRESENTE NA GUERRA CIVIL 261 Fabio Costa Peixoto, Leopoldo Guilherme Pio 27 O DISCURSO DA FELICIDADE COMO PRÁTICA BIOPOLÍTICA NA REVISTA GALILEU 271 Kamila Nogueira, Regina Baracuhy 28 CORPO E PODER: A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO INFAME NEGRO DO CINEMA BRASILEIRO 286 Cecília Noronha, Regina Baracuhy 29 DA EPIDEMIA À CIVILIZAÇÃO: BIOPOLÍTICA E MEDICINA SOCIAL NA PARAÍBA (1850-1862) 297 Wuendisy Fortunato da Silva, Serioja Rodrigues Cordeiro Mariano 30 BIOPOLÍTICA E O CONTROLE SOCIAL DOS DIZERES NOS SLOGANS INSTITUCIONAIS DA PARAÍBA 309 Victor de Medeiros, Maria Regina Baracuhy Leite 31 IMAGENS DO CORPO E POLÍTICAS DO CUIDADO: A VIDA INFANTIL COMO OBJETO DE GOVERNO NA AÇÃO DA LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA (PARAÍBA – 1950) 321 José dos Santos Costa Júnior, Paulo Souto Maior 32 AS RAZÕES POLÍTICAS E ACONTECIMENTOS A PARTIR DO CONTROLE DOS CORPOS 337 Margarida Maria Florêncio Dantas, Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas 33 GENEALOGIA, PODER-SABER E DISCURSO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A MICROFÍSICA DO PODER 353 Alan Nascimento Rodrigues GT6: Éticas e cuidado de si 34 FOUCAULT E AS PRÁTICAS DE SI SOB MORDAÇAS: O RESISTIRNOS SISTEMAS DE DOMINAÇÃO 361 José Maxsuel Lourenço Alves, Tarciano Silva Batista 35 CUIDADO DE SI, SUBJETIVIDADE E PODER: CRIAÇÃO DE MODOS DE EXISTÊNCIA. 372 Marina Mendes 36 MAIS AMOR, MENOS POLÍCIA: UM PIXO E O QUE ELE QUER DIZER 380 Joseeldo Pereira da Silva Júnior GT7: Interfaces teórico-metodológicas 37 COM UM ESPÍRITO CRÍTICO, DEMOLIDOR E INDEPENDENTE: POLÍTICA E RELAÇÕES DE PODER NA TRAJETÓRIA DE EUGÊNIO TOSCANO DE BRITO NA PARAÍBA OITOCENTISTA 391 Serioja R. C. Mariano, Nayana Rodrigues C. Mariano 38 A PESQUISA COMO ACONTECIMENTO POLÍTICO: FOUCAULT, PRÁTICAS DE GOVERNAMENTALIDADE E CUIDADO-DE-SI EM PSICOLOGIA DA SAÚDE 406 Thálita Cavalcanti Menezes da Silva, Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas 39 UMA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA SOBRE O ATO DE FILOSOFAR EM SALA DE AULA 420 Adja da Costa Melo, Flávio José de Carvalho 40 DEMOCRACIA E PARRESÍA EM FOUCAULT 429 Telmir de Souza Soares, Maria Veralúcia Pessoa Porto 41 ESCREVER A HISTÓRIA COM MICHEL FOUCAULT438 Silvano Fidelis de Lira 42 DESLOCAMENTO, INSTABILIDADE E CONFLITO: A HISTÓRIA DOS ESPAÇOS NA ARQUEOGENEALOGIA DE MICHEL FOUCAULT 447 Gabriel José Pochapski 43 ROBÔS, MORCEGOS E PALHAÇOS: REPRESENTAÇÕES DA LOUCURA NOS QUADRINHOS 458 Elton Silva de Lima 44 MIGUEL REALE E MICHEL FOUCAULT: UMA RECEPÇÃO 473 José Paulo Maldonado de Souza Anexos 45 À GUISA DE ABERTURA 488 Samir Perrone 46 FOUCAULT E LA BOÉTIE: RAZÃO POLÍTICA E O ACONTECIMENTO DA LIBERDADE 491 Saul Newman 47 EXPERIÊNCIA VORAZ DO TEMPO E PACIFICAÇÃO DAS EXPECTATIVAS POLÍTICAS 511 Ana Montoia 48 DISPOSITIVOS E AGENCIAMENTOS: DIÁLOGOS FOUCAULT/DELEUZE 520 Derek Tavares 49 FOUCAULT E O ANARQUISMO: RELAÇÕES POSSÍVEIS 529 Nildo Avelino 50 ENSAIO FOTOGRÁFICO SOBRE O 2º ENCONTRO DE ESTUDOS FOUCAULTIANOS 541 Francisco Ripó, Renato Maia 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: Razão Política e Acontecimento João Pessoa/PB – 2016 APRESENTAÇÃO Nildo AVELINO1 | Ana MONTOIA2 | Samir PERRONE3 O objetivo do 2º Encontro de Estudos Foucaultianos: razão política e acontecimento foi o de reunir professores e pesquisadores provenientes de universidades do país e do exterior com o propósito de articular um campos de pesquisas possíveis em torno da temática do encontro. Para tanto, pretendeu ser um esforço para o estabelecimento de relações entre diferentes domínios do conhecimento que pudesse permitir a configuração de um espaço de confluência para diferentes experimentações dos estudos foucaultianos no Brasil. O termo razão política tem sido empregado para indicar a existência de uma ratio específica da política, compreendida em duplo sentido: objetivamente, como maneira de pensar o exercício do poder; subjetivamente, como motivo para a ação. Ao longo da história das sociedades ocidentais, a razão política desempenhou um papel decisivo na prática governamental. Embora seu registro histórico possa remontar à Antiguidade Clássica, quando as reformas de Sólon retiraram as leis civis da ordem do mistério para instaurá-las no mundo da polis e do logos, foi a Modernidade, entretanto, que lhe reservou as maiores honras e os mais temíveis poderes. Incorporada na vontade do Soberano pelos teóricos da Razão de Estado, desencarnada nos poderes intelectuais das constituições liberais, em seguida corporificada no princípio do líder (Führertum, Duce, Generalíssimo etc.) dos regimes nazi- fascistas e ditatoriais, a razão política finalmente inscreveu-se no cálculo econômico das nossas democracias neoliberais. Sua função principal é estabelecer uma condição e um status optimus para o funcionamento do Estado. Outro sentido opera no acontecimento. Não de simples oposição, mas o de incitamento perpétuo, na medida em que livra o agir, embora por um lapso, da razão, abrindo-lhe novos possíveis. O acontecimento opera por proliferação de fluxos: de desejos, de vontades, de afetos. Procede apenas por efetuação: encarna uma situação, um indivíduo, uma pessoa – eventum tantum, como definiu Deleuze. Entre as metáforas destinadas a figurá-lo, talvez as mais emblemáticas sejam a da fortuna em Maquiavel: sem saber-se onde, quando ou quem, ela arrasta consigo tudo à sua frente. E as tempestades em Bacon: no horizonte político o mau tempo acumula-se silenciosamente. 1 Professor no Departamento de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba. 2 Professora no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba. 3 Professor no Departamento de Ciências Sociais, Coordenador e Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba. 7 Ao menos na história das sociedades ocidentais, razão política e acontecimento aparecem como partes indissociáveis na dinâmica do político. Sem jamais se anularem mutuamente, formam o campo de forças constitutivas das relações de poder. Foi buscando compreender seus movimentos, explicitar seus mecanismos, descrever sua inteligibilidade, que decidimos dedicar a segunda edição do Encontro de Estudos Foucaultianos ao tema razão política e acontecimento. O 2º Encontro recebeu inúmeras contribuições de diversos campos disciplinares abordando os estudos foucaultianos. Uma multiplicidade de pensamentos que o leitor poderá constatar nos Anais do 2º Encontro, que temos a felicidade de apresentar ao público. Boa leitura! 8 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: Razão Política e Acontecimento João Pessoa/PB – 2016 GT 1: Educação ASSUJEITAMENTO E RESISTÊNCIA NAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO1 Cinthya Rebecca Santos Azevedo2 Tâmara Ramalho de Sousa Amorim3 Maria de Fátima Pereira Alberto4 Resumo: Este estudo tem por objetivo compreender as subjetividades de jovens em cumprimento de Medidas Socioeducativas (MSE) em meio aberto na cidade de João Pessoa- PB a partir da Violência Institucional (VI). Foram realizados dois grupos de discussão, cada um com três jovens em cumprimento de MSE. Os dados foram submetidos a técnica da Análise de Conteúdo Temática de Bardin. Como resultados viu-se que todos os jovens sofreram VI, em especial pela polícia. No âmbito da justiça, a VI apareceu forma de correção desse sujeito desviante. Formas de assujeitamento foram manifestadas nos discursos dos jovens que se definiram como violentos, perigosos, desonestos; no “correr pelo certo”, uma forma de submissão a um modo dócil de ser. As resistências foram visíveis nos projetos de vida, que partiram dos sentimentos de autoestima, motivação e confiança em si mesmos e no futuro. Faz-se necessário pensar formas de execução das MSE que garantam direitos e promovam possibilidades de subjetivação pautada na emancipação, uma vez que as medidas em meio aberto não estão distantes das relações de poder que produzem subjetividades. Palavras-chave: subjetividade, medidas socioeducativas, violência institucional. Juventude e violência institucional nas medidas socioeducativas A juventude, enquanto categoria teórica, vem ganhado destaque nos últimos anos no Brasil e no mundo por diversos motivos, entre eles o fato de ser considerada como uma etapa do processo de vida onde há a preparação para o trabalho e para reprodução humana. Esta consideração corrobora com os ideais das sociedades capitalistas onde o “trabalho ocupa o centro do projeto de vida” (TRANCOSO & OLIVEIRA, 2014, p. 138). Ademais, a juventude vem ganhando status de condição em lugar de etapa de vida, bem como tem sido associada aos conceitos de protagonismo e resistência, configurando o estudo desse fenômeno nas novas tendências (TRANCOSO; OLIVEIRA, 2014). De maneira geral, os estudos que buscaram conceituar juventude consideraram-na 1Trabalho preparado para apresentação no 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: razão política e acontecimento, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 13 a 15 de setembro de 2016. 2 Psicóloga da Secretaria Municipal do Trabalho e da Assistência Social – SEMTAS – RN. Pesquisadora independente. E-mail: cinthyarebecca@gmail.com 3 Doutoranda em Psicologia Social, Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: tamara.rsa@gmail.com 4 Doutora em sociologia pela Universidade Federal da Paraíba. Professora do departamento de psicologia da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: jfalberto@uol.com.br 9 como um conceito em movimento, que pode ser visto com um período etário, um período de vida ou uma categoria social (AMORIM, 2013; TRANCOSO; Oliveira, 2014). Para a psicologia sócio histórica, é definida como uma construção histórica ao qualsão atribuídos papeis e expectativas (TRANCOSO; OLIVEIRA, 2014), correspondendo as condições sociais específicas de seu contexto de vida, que se constitui enquanto categoria com a emergência do capitalismo (AMORIM, 2013). Ainda segundo essa perspectiva, o homem se constitui por/nas relações sociais, que juntamente ao ambiente cultural são os meios pelos quais os indivíduo constituem suas experiências. Nesse sentido, a juventude é tomada como pluralidade, pois há uma diversidade de contextos onde a mesma é vivenciada e significada (AMORIM, 2013). O século XX inaugura no cenário político brasileiro as primeiras ações do Estado voltadas para a infância e a juventude. Os Códigos de Menores de 1927 e 1979 marcaram essas categorias como objetos de controle, atrelando criminalidade e pobreza sobre a mesma denominação: menor. Assim, as ações que se desenhavam para esse público saíram do âmbito da caridade e ganharam contornos de controle, correção e punição (CAMPOS; GIROTTO, 2015). Visando superar esse cenário, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que emerge da luta dos movimentos sociais e de pressões internacionais, inaugura o paradigma de proteção integral em substituição às práticas tutelares de atendimento (CAMPOS; GIROTTO, 2015). Nesse paradigma, são destinados medidas socioeducativas a adolescentes e jovens até 21 anos de idade autores de atos infracionais (BRASIL, 1990). As medidas socioeducativas são divididas em dois meios: aberto e fechado. As em meio aberto são conhecidas por sua restrição de direitos, sendo eles a Liberdade Assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade, acompanhadas pelos Centros de Referência Especializado da Assistência Social (BRASIL, 1990). A promulgação deste estatuto representou a abertura para novos modelos de atuação junto ao jovem que comente atos infracionais, ancoradas no viés da proteção, promoção e responsabilização (MALVASI, 2011) tendo como objetivo a integração social e a garantia de direitos (Brasil, 2012). Entretanto, no âmbito jurídico e socioeducativo há um campo de tensão entre o paradigma tutelar e o de proteção integral, manifesta especialmente na utilização da violência como forma de correção, ao mesmo tempo em que se tenta imprimir juventudes “ideais” com vias a um protagonismo (CAMPOS; GIROTTO, 2015). A violência vem ocorrendo de maneira cotidiana desde a década de 2000, o que torna essa problemática de interesse público. Relacionando-a a juventude, os jovens no Brasil tem maior risco de morte por homicídio em todos os estados, e comparado as demais faixas etárias ou a população geral. Nesse sentido, 10 vê-se o grau de vulnerabilidade em que se encontra a juventude brasileira (NÚCLEO de ESTUDOS da VIOLÊNCIA da USP [NEV/USP], 2012). Campos e Girotto (2015) apontam que há uma invisibilidade da violência perpetrada pelo Estado contra a juventude pobre, em muitos casos com a legitimação da sociedade. Os mesmos achados são apontados pelo NEV/USP (2012) em pesquisas realizadas. Para Adorno (2002), apesar de ser atribuído ao Estado democrático o papel de pacificador social, ele “é uma empresa de dominação de uns sobre outros, por meio do recurso à violência ou ameaça de seu emprego” (ADORNO, 2002, p.274). Nesse contexto a violência é legitimada pelo direito, que confere ao estado o poder absoluto de produzir normas válidas para todos. Entretanto, o uso da violência física legítima, não serve para legitimar qualquer tipo de violência. A legitimidade está no limite entre o direito de se valer da força e o uso desse poder de maneira arbitrária e abusiva (ADORNO, 2002). Quando o Estado sai desse direito, ou mesmo viola os direitos humanos, está praticando a Violência institucional. Observa-se a acentuação do uso desse poder arbitrário e abusivo dirigida a juventude pobre (CAMPOS; GIROTTO, 2015), chamada de violência institucional. Essa violência é latente no campo das medidas socioeducativas, que representam ainda uma “estratégia punitiva” cujo sentido é produzir o ajuste subjetivo e pedagógico daquele que infraciona, onde o Estado responsabiliza unicamente ora o jovem ora sua família (MALVASI, 2011). Ante esse cenário de violações dirigidas a uma parcela da população jovem, questiona-se que tipos de juventudes são forjadas, pautando-se nas estratégias de assujeitamento e resistência. Subjetividade A subjetividade, como proposta por Foucault, não se resume a identidade, mas a produção de formas de ser e existir, um “processo incapturável totalmente pelas máquinas capitalistas e pelo pensamento de Estado” (SILVA; TOSCANO, 2014). Foucault fala em modos de subjetivação que correspondem a “processos pelos quais nos tornamos sujeitos” (SILVA; MÉLLO, 2012, p. 368). Aponta ainda que a subjetividade não é imutável e estritamente psíquica, mas compreende aquilo que o sujeito é e pode vir a ser. Para tanto, deve-se considerar sua história onde se implicam as relações de poder (SILVA; MÉLLO, 2012). Após os suplícios e martírios, a exposição dos corpos infringida pelo carrasco é substituída pela pena, que visa não mais a expiação da culpa via corpo por meio da morte, mas a cura ou a reeducação. Culmina nesse processo o início de uma vigilância mais rigorosa, de um policiamento mais severo “uma adaptação e harmonia dos instrumentos que se 11 encarregaram de vigiar o comportamento cotidiano das pessoas, sua identidade, atividade, gestos” (FOUCAULT, 1975/2010, p. 98). Assim, novos mecanismos e práticas punitivas são chamados para garantir a correção do corpo, do comportamento e das atitudes (TEMPLE, 2012). Para Campos & Girotto (2015) ao jovem pobre que infraciona são demarcados duas formas de vida: a vida do trabalho (previamente definidos pelo social) ou “outros caminhos próprios e singulares, quase sempre tomado como desviantes, não havendo (inter)mediações entre essas polaridades produzidas” (p. 395). Já para Souza (2007), duas trajetórias são definidas: uma representada pelas metáforas do matar ou morrer e outra pela reprodução de um modelo de vida burguês que se pauta no trabalho, estudo e consumo. Uma dicotomia que se baseia nas figuras de bandido e mocinho, jovem ou infrator (CAMPOS; GIROTTO, 2015). Também foi visível a subjetivação “guerreira”, onde o jovem toma o modelo de criminoso, que é significado como uma figura de respeito, poder e riqueza (SOUZA, 2007). Há uma tensão no sistema socioeducativo entre as ações de proteção, punição e socioeducação que acabam sendo subjetivadas pelos jovens que continuam a ser produto de agenciamentos tutelares e institucionalizantes, e esse agenciamento “reproduz a histórica categoria discursiva e social do adolescente infrator” (MORAGAS, 2011, p. 109). Apesar dos assujeitamentos, as estratégias do poder disciplinar também são produtoras de desejos, comportamentos e idealizações (TEMPLE, 2012). Para Soler (2008), frente ao poder disciplinador e aos discursos de verdade há “a figura de transgressão que opera seu agenciamento a partir do escape às regras e aos efeitos de enunciação dos discursos” (p. 580). Resistir é a capacidade que a “força (que significa a capacidade de afetar e ser afetado) tem de entrar em relações não calculadas pelas estratégias que vigoram no campo político” (MACIEL JR, 2014, p. 2). É a possibilidade de enfrentar as relações de poder, de criação frente aos modos de subjetivação colocados como verdades (SOLER, 2008). Devem ser entendidas como “aquelas que visam à defesa da liberdade”, uma nova economia da relação de poder, que se exerce sobre homens livres (BRANCO, 2001, p . 242). Neste sentido, cabe-nos compreender as implicações da violência institucional, que perpassam as unidades socioeducativas, na subjetividade de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas (MSE) em meio aberto na cidade de João Pessoa-PB. Método Contextualização Esta pesquisa é parte de um Trabalho de Conclusãode Curso da primeira autora. Sua 12 realização foi feita com dois grupos de discussão com jovens em cumprimento MSE em meio aberto, sendo o primeiro em um Centro de Referência de Assistência Social (CREAS) da cidade de João Pessoa-PB com jovens que participavam de oficinas desenvolvidas no seio de um projeto de extensão Proext, e o segundo na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com jovens em cumprimento de MSE que participavam de um curso preparatório para seleção do Programa de Aprendizagem profissional Jovem Aprendiz (aqui chamado de Programa de Aprendizagem). Participantes Em cada grupo de discussão participaram três jovens, totalizando seis participantes, sendo cinco do sexo masculino e um do sexo feminino, com idades entre 15 e 18 anos. A amostra foi por conveniência e adotou como critério de inclusão estar em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto. Os nomes citados aqui serão fictícios, em respeito aos participantes. Técnicas e Instrumentos Os grupos de discussão foram guiados por um roteiro de perguntas, elaborado pela pesquisadora, onde abordou-se temas como violência institucional, relação com o sistema de justiça, relação com o CREAS e com as medidas socioeducativas e mecanismos de resistência e assujeitamento. Para Weller (2006) o grupo de discussão corresponde a um debate aberto sobre um ou vários temas comuns aos participantes. Situa-se em uma perspectiva dialética de investigação social, permitindo acesso às estruturas sociais, que por sua vez internalizadas, orientam as práticas e representações individuais (MEINERZ, 2011). Procedimentos Foram cumpridas todas as determinações éticas para pesquisa com seres humanos, conforme exige a resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os Termos de Assentimento e Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) foram lidos e assinados. Para os jovens menores de 18 anos a instituição assinou o TCLE, autorizando a participação. Os jovens foram informados que não havia respostas certas ou erradas, pois as questões diziam respeito as suas vivências e conhecimentos sobre os temas abordados. As falas foram gravadas e transcritas mediante autorização dos participantes e da instituição. Análise dos dados Os dados foram analisados por meio da técnica da Análise de Conteúdo de Bardin (AC). A AC é um conjunto de técnicas de análise interpretativa, que trabalha a nível da palavra produzindo descrição, interpretação e inferências da comunicação de um texto 13 contextualizando-o a realidade (CAREGNATO; MUTTI, 2006; FRANCO, 2007). Os dados foram organizados em categorias temáticas, correspondendo ao objetivo da pesquisa, e subcategorias, que corresponderam ao achados da pesquisa. Serão apresentados parte dos resultados encontrados. Resultados e discussão Violência Institucional A categoria “violência institucional” diz respeito aos tipos de violações relatadas pelos participantes. Emergiram duas subcategorias ligadas a ações da polícia: “Violência física”, e “Violência psicológica” e uma correspondeu ao sistema de justiça denominada “Julgamento moral”. Na subcategoria “Violência física” estão os conteúdos onde aparece o uso da força física por meio da polícia, expressa em verbos como chutar, quebrar, bater, apanhar, pisar, matar, espancar, jogar, como na fala de Igor (grupo 1): “o policia chega assim nos boy, tome tome boy, na boca, espanca mesmo e joga o cara dentro de uma da mala e leva”. Os conteúdos relacionados a violências subjetivas, ou seja, constrangimento, chantagem, ridicularização, ameaça e tortura foram reunidos na subcategoria “Violência psicológica”. Estas violações repercutiram nos jovens o sentimento de desvalorização e insignificância. Na subcategoria “Julgamento moral” emergem as falas dos jovens relacionadas a audiência judicial. Nela os jovens recebem uma “liçãozinha de moral” que remete ao julgamento de sua vida, e não do ato infracional. Entretanto, durante a audiência os jovens também relataram que não tiveram o direito de contar o que realmente os levou ao ato infracional. Percebe-se, portanto, que a violência institucional esteve presente em muitos momentos da vida destes jovens, em especial com a polícia. As violências são processos sutis que tem por objetivo “tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta […] levando ao extremo, tudo o que pode servir para punir a mínima coisa” (FOUCAULT, 1975/2010, p. 172). As práticas punitivas ultrapassaram o corpo, e inscreveram-se como violência psicológica, julgamento e controle da vida dos jovens. Foucault (2005), esclarece que o homem e a sua individualidade são gestados a partir das práticas sociais de controle e vigilância, estando entre essas práticas sociais as judiciárias como as mais importantes. As práticas jurídicas são a “maneira pela qual […] se arbitram os danos e as responsabilidades” (p. 11), a forma como os homens são julgados por seus erros, estando visível esses mecanismos no julgamento moral. 14 Entretanto, essas práticas são dirigidas a um esteriótipo de juventude associado a ideia de periculosidade pois o jovem que é revistado é visto como bandido e vagabundo. Nas palavras de Foucault “A operação penitenciária, para ser uma verdadeira reeducação, deve totalizar a existência do delinquente […] por trás do infrator, a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito, revela-se o caráter delinquente cuja lenta formação transparece na investigação biográfica” (1975/2010, p. 238). Assim a justiça e a polícia voltam-se para a punição e julgamento da vida do jovem, em lugar do ato infracional, que é com frequência compreendido como um desvio da conduta ou patologia (MORAGAS, 2011). Assujeitamentos Na categoria Assujeitamentos emergiram como subcategorias “Identidade infratora” e “Correr pelo certo”. A subcategoria “Identidade infratora” reúne conteúdos onde os jovens se identificam como sujeitos violentos e periculosos, aos quais estão reservados os caminhos de morte e cadeia. Foram evidentes conteúdos que indicam um modo de vida dócil, onde os jovens buscaram reproduzir comportamentos que os colocavam como “cidadão de bem”, ou seja, aquele que constrói seu projeto de vida pautado na obediência e no aprendizado que adquiriu por meio do “erro” (ato infracional). Estes conteúdos foram reunidos na subcategoria “Correr pelo certo”, ilustrada na fala a seguir: “agora é só pensar né, e num praticar mai, né? Que agora a pessoa sabe a verdade o que é ruim o que é bom” (Júlio, Grupo 2).O “correr pelo certo” ilustra uma mudança de vida pautada no medo de novas apreensões e violações e repercutiu em sentimentos de desesperança ante um futuro diferente, de descrédito na justiça e nos comportamentos de obedecer e não responder. Como pontua Souza (2007) na trajetória de vida de jovens que cometem atos infracionais, a vida adulta é significada mediante duas visões contrastantes: ora representa morte, encarceramento e a permanência na vida do crime, ora reproduz a vida típica de classe média: trabalho, estudo, dinheiro e bens de consumo. A morte e o encarceramento são representados na subjetivação “guerreira”, que está ligada ao status e respeito que o ato infracional representa na comunidade. Essa subjetivação é produzida na exclusão social, na estigmatização e no subemprego, onde os jovens buscam via ato infracional o acesso a bens de consumo como uma forma de inclusão e exercício de cidadania (SOUZA, 2007). Por outro lado, é esperado do jovem um comportamento dócil, onde são reforçados a importância da obediência e submissão. Os jovens reproduzem o comportamento esperado como um ritual (SOUZA, 2007). Essas duas trajetórias ficam visíveis nessa pesquisa, representadas pelas 15 categorias “identidade infratora” e “correr pelo certo”. São modos de subjetivação que respondem as violências sofridas e ao medo de novas violações.O que demonstra que mesmo elencando objetivos socioeducativos, ainda perdura o disciplinamento, a punição e o controle (SILVA; MÉLLO, 2012), ações típicas de uma sociedade disciplinar (FOUCAULT, 1975/2010). Para Vicentin (2011), o poder disciplinar visa a constante produção de corpos dóceis. O corpo ainda é a forma onde o controle se inscreve. Esse controle manifesta-se em um sofrimento velado, na suspensão dos direitos que é realizado nas medidas socioeducativas (VICENTIM, 2011). Como pontuam Silva e Méllo (2012) há dois processos de assujeitamento nas MSE: o primeiro, que visa colocar o indivíduo como cidadão e o outro que o identifica como infrator. São duas possibilidades de existência, contrastantes entre si onde a construção da segunda dentro da engrenagem socioeducativa seria necessária para o surgimento da outra. Ou seja, o jovem precisa se ver como infrator, aquele que agiu errado, para arrependido, mediante as estratégias de assujeitamento, ser conduzido a condição de cidadão. Resistências Nesta categoria estão reunidos conteúdos que apontam para um projeto de futuro onde os jovens projetam sonhos e inserções distante do ato infracional. A subcategoria “reviravolta” da nome a esses conteúdos que aparecem ligados a: participação no Programa de Aprendizagem, representada nessa fala: “tem que dar o vira volta por cima e subir, né cair não. Nois tá aqui pra isso, pra vencer. E é isso que nois quer” (Igor - Grupo 2); e a passagem pelo CREAS, como mostra a seguir: “Porque já mandaram nois vim já pra cá porque quer ver nois em cima né? Eles pensa em nois e diz 'esses meninos vão vencer, vão crescer'. Por isso que tá dando essa oportunidade a nois porque eles acredita em nois” (Iigor – Grupo 2). A “Reviravolta” Representa uma recusa aos lugares sociais traçados para eles: ora o lugar da marginalidade e do erro, ora o lugar do trabalhador mal remunerado e obediente (CAMPOS; GIROTTO, 2015; SOUZA, 2007). A participação no Programa de Aprendizagem repercutiu na projeção de futuro e o CREAS no sentimento de autoestima, motivação e confiança em si mesmos e no futuro, que impulsionaram os jovens a criarem possibilidades de existência, de mudança, que são gestadas partindo de forças inéditas (MACIEL JR, 2014). Desse modo, é possível perceber que a todo poder disciplinador existem resistências subjacentes oriundas das relações intersubjetivas e do controle de si (AMORIM, 2013). É a capacidade de não assujeitamento, geradora de subjetividades sempre mutáveis, pois atualizam-se mediante as estratégias de poder-saber existentes na atualidade (MACIEL JR, 16 2014). Considerações Finais A violência institucional está presente no campo das medidas socioeducativas. Esta violência encontra-se diluída nas práticas dirigidas aos jovens e visam o controle e a correção dos mesmos. Inscrevem-se sobre seus corpos e subjetividades. São suas vidas que entram em cena neste jogo, que é reduzida a prática do ato infracional pelo qual respondem. Ante essas violências, os jovens internalizam discursos que constituem suas subjetividades ora no lugar da marginalidade e do erro, ora na reprodução de docilidade do trabalhador mal remunerado. Ambas as formas colocam o jovem longe das formas de protagonismo e superação de sua condição de vida. Apesar disso foram visíveis estratégias que apontaram para um projeto de futuro onde os jovens projetam sonhos e inserções distante da marginalidade e da docilidade, fundadas nos sentimentos de autoestima, motivação e confiança. São resistências geradoras de subjetividades que atualizam-se mediante as estratégias de poder-saber existentes na atualidade. Nesse sentido, precisa-se considerar a juventude enquanto uma uma categoria social, que está em constante movimento e que responde as condições e contradições sociais, políticas e culturais dos contextos onde se desenvolve. É necessário ainda superar o carater punitivo e de controle que perdura nas MSE, instaurando o viés socioeducativo de proteção, promoção e responsabilização de jovens em cumprimento de MSE. Para além disso, é preciso pensar o ato infracional além de seu campo de negatividade, buscando compreender as estratégias de resistências presentes, como expressão de subjetividades e denúncias as violações e segregações a que a juventude pobre são submetidas. Referências ADORNO, S. Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In. S. MICELIi. (org). O que ler na ciência social brasileira, v. IV, 2002. p. 267-307 Amorim, T. R. de S. A criminalização da juventude pobre na Paraíba. Reflexões acerca das mudanças e permanências. 2013. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba. 2013. BRANCO, G. C. As resistências ao poder em Michel Foucault. Trans/For/Ação, V. 24, N. 1, P. 237-248, 2001. Brasil. 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Desde uma perspectiva pós-estruturalista, cuja expressão mais acabada encontramos no gesto intelectual compreendido como virada linguística, o currículo da escola passa a ser tomado como prática discursiva (LOPES e MACEDO, 2011) e cultural (MACEDO, 2006), fazendo reverberar reflexões em torno dos limites críticos do currículo praticado hoje e criando fissuras para pensar as possibilidades da construção de um currículo socialmente referenciado e participativo. Nesse sentido, desenvolvemos uma pesquisa que visa a (re)conhecer as vozes presentes na constituição de significados em torno do currículo, abrindo espaços que permitam a transgressão da “vontade de verdade” (FOUCAULT, 1996) pela qual atua o sistema de ensino, através da investigação das expectativas curriculares de estudantes e professores/as de uma escola pública da rede municipal de Recife, perguntando aos sujeitos escolares que desejam aprender/ensinar na escola. Com o estudo, pensamos acessar saberes que chegam à instituição de ensino através de práticas e ações que recontextualizam o conhecimento veiculado/produzido pela maquinaria escolar e podem subverter o currículo instituído, contribuindo para fortalecer a emergência de uma formação discursiva em torno do currículo popular, participativo e socialmente referenciado que hoje emerge como um dos signos de descontentamento radical com esse dispositivo tão poderoso. Palavras-chaves: Currículo popular e participativo; Expectativas curriculares; Saberes populares. SABERES, ESCOLA E CURRÍCULO A escola na sociedade moderna se torna lugar onde o conhecimento social é produzido, reiterado e veiculado como parte da constituição de um saber oficializado e institucional. Entretanto, a partir da crítica da configuração das novas formas de poder e de controle na 1 Trabalho preparado para apresentação no 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: razão política e acontecimento, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 13 a 15 de setembro de 2016. 2 Estudante de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: priscylla.karollyne@hotmail.com 3 Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de Pernambuco. E- mail: karinamirian@gmail.com 20 2 sociedade contemporânea, o pós-estruturalismo em educação questiona a formação de um sujeito da modernidade, que tem na escola um dos lugares centrais de sua produção através da pedagogia e do currículo conduzidos sob a ordem da racionalidade técnica4. As experiências durante o curso de formação de professores/as permitem reconhecer que intensificar a realização de estudos acadêmicos voltados à escuta de estudantes dos anos iniciais de ensino possibilita a compreensão de como as crianças pensam/vivenciam/ditam a escola, corroborando, desta forma, para pensar alternativas ao modelo de educação escolar desenvolvido e difundido hoje nas instituições de ensino. Afirmamos a impossibilidade de compreender a existência de um perfil único de infância, bem como do ser-estudante, já que no ambiente escolar diversas configurações em torno do ser criança se perpetuam e constituem diversificadas práticas e performances que contestam, muitas vezes, o cotidiano da instituição de ensino e a forma pela qual se pauta a organização escolar. Destarte, a partir da realização da escuta de estudantes e professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, é possível mapear as estratégias de transgressão que circulam no ambiente escolar e que fazem evidenciar as interações entre crianças e adultos como relações permeadas por saberes ora permitidos, ora proibidos, ora negociados. Desde uma perspectiva pós-estruturalista, cuja expressão mais acabada encontramos no gesto intelectual compreendido como virada linguística, o currículo da escola passa a ser tomado como prática discursiva (LOPES e MACEDO, 2011) e cultural (MACEDO, 2006), fazendo reverberar reflexões em torno dos limites críticos do currículo praticado hoje e criando fissuras para pensar as possibilidades da construção de um currículo socialmente referenciado e participativo. Nesse sentido, desenvolvemos uma pesquisa que visa a (re)conhecer as vozes presentes na constituição de significados em torno do currículo, abrindo espaços que permitam a transgressão da “vontade de verdade” (FOUCAULT, 1996) pela qual atua o sistema de ensino, através da investigação das expectativas curriculares de estudantes e 4 De acordo com Silva (2013), a compreensão em torno do que seja educação, pedagogia e currículo repousa nas ideias da Modernidade, ou seja, a educação é voltada para a formação de um sujeito racional, autônomo e que seja capaz de participar dos espaços da sociedade de forma a exercer sua plena autonomia política. O pós- modernismo, que tem como máxima expressão a contribuição de estudos pós-estruturalistas,questiona o sujeito da Modernidade. 21 3 professores/as de uma escola pública da rede municipal de Recife (Pernambuco), perguntando aos sujeitos escolares que desejam aprender/ensinar na escola. Para tanto, propõe-se apresentar quais são as concepções em torno do currículo desejado, bem como analisar as possibilidades e os limites da construção de um currículo socialmente referenciado e participativo. A contribuição desta pesquisa consiste na defesa de que as sugestões de crianças e professores/as em torno da montagem de um currículo socialmente referenciado e participativo aponta para o mapeamento de estratégias, subversões e transgressões que caracterizam o currículo como um espaço de disputas que emergem da insuficiência de legitimidades estabelecidas nas relações de poder, que posicionam quem pode e ou não dizer (constituir) o currículo na escola. Com o estudo, pensamos acessar saberes que chegam à instituição de ensino através de práticas e ações que recontextualizam o conhecimento veiculado/produzido pela maquinaria escolar e podem subverter o currículo instituído, contribuindo para fortalecer a emergência de uma formação discursiva em torno do currículo popular, participativo e socialmente referenciado, que hoje emerge como um dos signos de descontentamento radical com esse dispositivo tão poderoso. A CONTRIBUIÇÃO DAS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS PARA PENSAR O CURRÍCULO A partir dos anos de 1990, principalmente na segunda metade dessa década, as inclinações teóricas para entender a sociedade pós-industrial (que se perpetua na produção e reprodução de bens materiais e simbólicos) alteram as perspectivas até então presentes nas teorizações curriculares (LOPES e MACEDO, 2010). O pensamento pós-moderno e pós- estrutural começa a ser incorporado nas ideias em torno do currículo sob a influência de autores como Michael Foucault, Jacques Derrida e Gilles Deleuze. Desta forma, a insurreição de estudos curriculares sob o viés pós-modernista e pós-estruturalista torna possível dizer que se trata de um campo de estudos multidirecionado (SILVA, 2013; LOPES e MACEDO, 2011). 22 4 A contemporaneidade sugere a possibilidade de construção de “Tempos Pós” (GABRIEL, 2013), em que sentidos e significados em torno de temas como conhecimento escolar, cultura e currículo podem ser criados e recriados (LOPES e MACEDO, 2011), considerando também que as relações de poder são configuradas pelas relações sociais, e vice-versa (FOUCAULT, 1996; SILVA, 1995). Neste sentido, Silva (2013, p. 145) destaca que as teorias pós-críticas do currículo não podem e nem devem ser consideradas como superação às teorias críticas, mas que ampliam e modificam suas contribuições em torno dos estudos curriculares. Com isso, é possível compreender que todo conhecimento depende da significação, e a significação depende das relações de poder (SILVA, 1995). A partir das contribuições dos estudos de Michel Foucault, considera-se que o currículo da escola se efetiva como um modo de produção que atua sobre os sujeitos de maneira particular e específica, tornando o currículo como uma das novas tecnologias de subjetivação em que se configuram saberes que tanto incitam e majoram, quanto limitam e conjuram os sujeitos, de forma a produzir agenciamentos, bem como modos de dizer/ver a si e ao mundo. De acordo com Gabriel (2013), os estudos pós-estruturais conferem importante papel na releitura da linguagem: situando-a como protagonista que produz tramas e ações. O currículo da escola se torna prática discursiva (LOPES e MACEDO, 2011) significando uma prática de poder que produz sentidos. O entendimento do currículo como prática de significação, como criação ou enunciação de sentidos, torna inócuas distinções como currículo formal, vivido, oculto. Qualquer manifestação do currículo, qualquer episódio curricular, é a mesma coisa: a produção de sentidos. Seja escrito, falado, velado o currículo é um texto que tenta direcionar o “leitor”, mas que o faz apenas parcialmente (LOPES e MACEDO, 2011, p. 42). Destarte, é importante considerar que os estudos culturais e pós-estruturais não são sinônimos, mas estão fortemente associados ao campo do currículo (não somente nele). Isso porque os sentidos são produzidos pela/na cultura de tal forma que o discurso se torna uma produção de sentidos e, portanto, uma prática cultural (LOPES e MACEDO, 2011). A partir destas compreensões em torno do currículo como prática cultural, trata-se de reconhecer que marcas identitárias são construídas nas relações de poder assimétricas em que diferentes sentidos estão disponíveis e disputados no próprio contexto em que tais relações emergem (GABRIEL, 2013). 23 5 CAMINHOS DA PESQUISA No desenvolvimento da pesquisa proposta, utilizaremos a entrevista-narrativa que, segundo Silva e Pádua (2010, p. 105), “(...) surge como um instrumento importante a ser explorado nas pesquisas contemporâneas desenvolvidas, em especial, nas áreas das Ciências Sociais e da Educação”. O uso de uma entrevista com essa especificidade permite oferecer “maior liberdade aos sujeitos entrevistados” de tal modo que seja possível também as experiências e as sabedorias trazendo à tona o discurso vivo (SILVA e PÁDUA, 2010, p. 105). Em uma época marcada por incertezas como a que vivemos, a narrativa se constitui como uma vantagem a ser utilizada nas pesquisas, pois, as narrativas têm este aspecto de sabedoria prática, pois no processo de recordação das experiências vividas, o/a narrador/a valoriza aquilo que mais importa a ser passado aos outros como ensinamentos (SILVA e PÁDUA, 2010, p. 106). Acreditamos que a entrevista-narrativa pode melhor contribuir para apreender as sugestões e percepções de crianças e professores/as em torno do currículo escolar de tal forma que seja possível mapear estratégias, subversões e transgressões que caracterizam o currículo como um espaço de disputas. A pesquisa será realizada com estudantes e professoras vinculadas às séries finais dos anos iniciais do Ensino Fundamental (quarto e quinto ano) de uma escola da rede municipal de ensino da cidade de Recife (Pernambuco). Destarte, as questões geradoras desta pesquisa são: “O que você – estudante - gostaria de aprender na escola?” e “O que você – docente – gostaria de trabalhar na escola?”. Compreendemos que é através das “experiências subjetivas do/a entrevistado/a” (SILVA e PÁDUA, 2010) em torno do currículo, que as reflexões em torno da construção de um currículo socialmente referenciado e participativo serão possíveis. A contribuição desta pesquisa consiste em considerar saberes locais, populares e marginais que estão presentes nas relações de ensino e aprendizagem fora dos muros da escola e que chegam à instituição de ensino através de práticas e ações que subvertem um currículo instituído por um modelo de 24 6 ensino ainda estruturado nos moldes da racionalidade técnica, mas que hoje não mais é suficiente para sustentar as configurações em torno das relações humanas e culturais contemporâneas. REFERÊNCIAS ALVES, Karina Mirian da Cruz Valença. 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O referencial desta produção encontra-se baseado nas relações de poder e no disciplinamento dos corpos na escola, segundo Foucault, focalizando sua importância, características e especificidades. Temos como objetivo apontar como o indivíduo é representado pelo teórico no contexto social em que vive, problematizando a educação, os seus processos metodológicos e suas práticas educativas, com apoio na visão analítica de poder e saber de Michel Foucault. Entendemos Foucault como um dos principais críticos da instituição escolar, pois, suas teorias são alicerces fundamentais para analisar e diagnosticar a vivência escolar, propondo abordagens inovadoras para entender as instituições e os seus sistemas vigentes, tendo esta, grande visibilidade em todo o mundo. Para tanto, recorremos a textos específicos como: Microfísica do Poder (1979), Vigiar e Punir (1975) e na Revista Educação – Foucault Pensa a Educação (2012). Estudar e ressaltar tal temática se faz importante, visto que nos proporcionou compreender a relevância e a contribuição da teoria foucaultiana na educação, permitindo-nos relacioná-la e inseri-la na prática vivida efetivamente pela educação institucionalizada, o espaço escolar. Possibilitando a construção do nosso próprio posicionamento crítico e reflexivo no tocante a educação. Palavras-Chave: Educação. Disciplinarização. Relações de Poder. Michel Foucault. Abstract: The issue addressed in this paper concerns the way to educate and discipline the subject in Foucault's perspective. The framework of this production is based on relations of power and disciplining of bodies in the school, according to Foucault, focusing on its importance, characteristics and specificities. We aim to point out how the individual is represented by the theory in the social context in which he lives, discussing education, their methodological processes and their educational practices, with support in the analytical view of power and knowledge of Michel Foucault. We understand Foucault as one of the leading critics of the school, because their theories are fundamental building blocks to analyze and diagnose the educational experience by offering innovative approaches to understand the institutions and their existing systems with this, high visibility worldwide. For that, we turn to specific texts as Microphysics Power (1979), Discipline and Punish (1975) and the Education Magazine - Foucault Think Education (2012). Study and emphasize this theme becomes important, as it provided us understand the relevance and contribution of Foucault's theory on education, allowing us to relate it and insert it into practice effectively lived by the institutionalized education, school space. Allowing the construction of our own critical and reflective position 1 Trabalho preparado para sua apresentação no 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: razão política e acontecimento, realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 13 a 15 de setembro de 2016. 2 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Aluna Bolsista do Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal da Paraíba – PIBIC. E-mail: alannam.borges@gmail.com 3 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – Unipê e Aluno Especial do Programa de Pós- Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – PPGCPRI da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail:pedrop.pinheiro@yahoo.com.br 27 with regard to education. Keywords: Education. Disciplining. Power relations. Michel Foucault. Este trabalho tem por objetivo relatar as relações de poder e a disciplinarização dos corpos na escola, com foco nos aspectos teóricos e nas perspectivas analíticas de Michel Foucault, possibilitando uma análise da educação de modo geral, dos seus processos metodológicos e de suas práticas educativas no ensino público. A instituição escolar é um órgão social que tem como função principal formar o sujeito, emancipando-o para que este alcance sua liberdade e existência moral. Para problematizar esta temática aprofundamos nossos estudos no pensamento de Michel Foucault com os livros Microfísica do Poder (1979), Vigiar e Punir (1975). Na análise metodológica, utilizamos as noções das relações de poder-saber para compreendermos a formação das atuações disciplinares na escola, principalmente no que diz respeito a formação do sujeito. Desse modo, a escola representa o ambiente disciplinar no qual exercer o poder na sua forma hierárquica, ou seja, nos seus desdobramentos de vigilância, esquadrinhado o indivíduo a sociedade. Para Foucault, a educação não foi especificamente um campo de investigação para a sua pesquisa e produção científica. Porém, as análises feitas por ele nos permitem abordar sua temática na educação, mostrando-nos a escola como um espaço de poder-saber, no qual são estabelecidas regras necessárias para a formação dos educandos. Assim, a perspectiva foucaultiana nos permite analisar, investigar e diagnosticar o espaço escolar, denunciando as práticas educativas firmadas em sala de aula. O teórico mostra que a verdade no ambiente escolar é produzida por discursos de poder e saber, ou seja, a escola é um espaço de poder disciplinar que produz o saber. Nessa perspectiva, Michel Foucault aborda o poder como algo interligado a outras redes, ou seja, para ele não existe o poder isolado e sim as relações de poder que são constituídas historicamente e socialmente, tornando-se práticas sociais que emerge num determinado lugar e que funciona como uma rede de dispositivos ou mecanismos que atravessam toda a sociedade e do qual nada e nem ninguém escapa. O poder é entendidopor Foucault com algo que se exerce, que se efetua, que funciona em rede e que, portanto, deve ser entendido antes como uma tática, manobra ou estratégia do que uma coisa, um objeto, ou bem. Desta maneira, assevera Foucault: 28 O poder não existe. (...) A ideia de que existe, em um determinado lugar, ou emanado de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseada em uma análise enganosa que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. (FOUCAULT, [1979], 2012, p. 369). Nesse sentido, a escola torna-se um espaço de poder onde as ações disciplinares forma o sujeito, constituindo-o de acordo um tipo de saber organizado em torno de regras e normas que controlam os indivíduos ao longo de sua existência. As normas e regras estabelecidas pelas instituições escolares é a base do poder, no qual, sujeita o indivíduo a vários tipos de disciplinamentos, resultando em saberes que servem para qualificar, corrigir e examinar as condutas do indivíduo e essa condição opressiva produz diversas e pesadas consequências sobre a vida do sujeito, controlando-o de acordo com as regras institucionalizadas. Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo — ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam. O grande livro do Homem-Máquina foi escrito simultaneamente em dois registros: no anátomo-metafísico, cujas primeiras páginas haviam sido escritas por Descartes e que os médicos, os filósofos continuaram; o outro, técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois tratava-se ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação: corpo útil, corpo inteligível. E entretanto, de um ao outro, pontos de cruzamento. “O Homem-Máquina” de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de “docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. (FOUCAULT, [1975], 2012, p. 132.) Nesse contexto, para a disciplina ser efetivada, se faz necessário o uso de um espaço específico para seu exercício, um espaço no qual os sujeitos sejam vigiados em suas ações, desta forma, a instituição disciplinar surge como meio para a aplicação de métodos capazes de controlar minuciosamente o corpo do cidadão através de exercícios de poder, criando assim, um domínio acerca das funções físicas e estruturais do ser humano, sendo ele, um tipo de poder que age sobre as forças do sujeito. Essa produção ou sociedade disciplinar torna-se um espaço opressor que é controlado por aparelhos políticos, econômicos, sociais e escolares que visam à vigilância dos corpos, tendo por finalidade torna-los dóceis, submissos e comportados para a sua vivência na sociedade. 29 A escola torna-se “(...) um espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico onde os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos são registrados (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 174). Esses dispositivos reguladores funcionam como máquinas que enquadra, articula e desarticula os indivíduos; mas também, produzem modos e procedimentos que ajustam o corpo ao espaço físico. Consequentemente, por esta causa, a escola cria e impõe aos poucos as práticas pedagógicas para cada tipo de sujeito que a instituição pretende alcançar e formar. A escola torna-se um espaço perfeito para a correção, o aprendizado e a adaptação dos sujeitos na sociedade vigilante e normalizadora, onde o não cumprimento das tarefas, a desordem e tudo que foge das normas escolares devem ser corrigidos e punidos. Estes preceitos permitem que o sujeito seja analisado, corrigido, adestrado e normalizado diante da desorganização escolar, promovendo a observação diária de seus gestos, comportamentos e entre outros feitos realizados, pois, o corpo do sujeito configura-se para a manipulação e o condicionamento. Assim, os mecanismos de poder classificam os métodos pedagógicos necessários para a normatividade e controle nos regimentos da educação, dando-nos estratégias avaliativas para classificar o educando com normais ou anormais de acordo com as práticas avaliativas abordadas em sala de aula, bem como escreve Foucault: O exame que coloca os indivíduos num campo de vigilância situa-os igualmente numa rede de anotações escritas; (...). Um “poder de escrita” é constituído como uma peça essencial nas engrenagens da disciplina. Em muitos pontos, modela-se pelos métodos tradicionais da documentação administrativa. Mas com técnicas particulares e inovações importantes. Umas se referem aos métodos de identificação, de assimilação, ou de descrição. Era esse o problema do exército, onde urgia encontrar os desertores, evitar as convocações repetidas, corrigir as listas fictícias apresentadas pelos oficiais, conhecer os serviços e o valor de cada um, estabelecer com segurança o balanço dos desaparecidos e mortos. Era esse o problema dos hospitais, onde era preciso reconhecer os doentes, expulsar os simuladores, acompanhar a evolução das doenças, verificar a eficácia dos tratamentos, descobrir os casos análogos e os começos de epidemias. Era o problema dos estabelecimentos de ensino, onde era forçoso caracterizar a aptidão de cada um, situar seu nível e capacidades, indicar a utilização eventual que se pode fazer dele. (FOUCAULT, [1975], 2012, p. 181) No que diz respeito as práticas avaliativas do poder disciplinar nas escolas, podemos mencionar como dispositivo regulador os exames ou provas. Por meio deste, o educador (a) conhece seus alunos (a), sendo eles, corrigidos, especificados e até mesmo emparelhados a outros. “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e a sansão que normaliza. É um 30 controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 1977, p. 164). 31 Segundo Foucault, o exame possui uma dimensão superior, ou seja, além do que é imposto como um meio avaliativo, pelo teste os mecanismos de poder são impostos, incorporando o saber a um tipo exclusivo de poder, a disciplinarização. Para ele, o poder e seus mecanismos estão vinculados nestas relações institucionais e sociais: [...] as relações de poder existem entre um homem e uma mulher, entre aquele que sabe e aquele que não sabe, entre os pais e as crianças, na família. Na sociedade, há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte, relações de forças de pequenos enfrentamentos, micro lutas de algum modo. Se é verdade que estas pequenas relações de poder são com freqüência comandadas, induzidas do alto pelos grandes poderes de Estado ou pelas grandes dominações de classe, é preciso ainda dizer que, em sentido inverso, uma dominação de classe ou uma estrutura de Estado só podem bem funcionar se há, na base, essas pequenas relações de poder. O que seria o poder de Estado, aquele que impõe, por exemplo, o serviço militar, senão houvesse em torno de cada indivíduo todo um feixe de relações de poder que o liga a seus pais, a seu patrão, a seu professor – àquele que sabe, àquele que lhe enfiou na cabeça tal e tal idéia?. (FOUCAULT, 2003, p. 231) O poder normativo e disciplinar nas instituições (práticas avaliativas) atua, portanto, no interior dos seus espaços, afim de normatizar os meios sociais entre os indivíduos.Desse modo, [...] na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade do tempo [atrasos, ausências, interrupções das tarefas], da atividade [desatenção, negligência, falta de zelo], da maneira de ser, dos discursos [tagarelice, insolência], do corpo[atitudes ‘incorretas’, gestos não conformes, sujeira], da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tronar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e dar uma função punitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-punidora. (FOUCAULT, 2000, p. 149). 32 Nesse sentido, para que a disciplina seja efetivada sobre os indivíduos, é necessário a realização de uma vigilância que envolva todos os sujeitos nas normas de controle permanente. Nesse seguimento, o poder disciplinar se organiza: como um poder múltiplo, automático e anônimo; pois se é verdade que a vigilância repousa sobre os indivíduos, seu funcionamento é de uma rede de relações de alto a baixo, mas também até um certo ponto de baixo para cima e lateralmente; essa rede “sustenta” o conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se apoiam uns sobre os outros: fiscais perpetuamente fiscalizados. O poder na vigilância hierarquizada das disciplinas não se detém como uma coisa, não se transfere como uma máquina. E se é verdade que sua organização piramidal lhe dá um “chefe”, é o aparelho inteiro que produz “poder” e distribui os indivíduos nesse campo permanente e contínuo. O que permite ao poder disciplinar ser absolutamente indiscreto, pois está em toda parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa nenhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que estão encarregados de controlar; e absolutamente “discreto”, pois funciona permanentemente e em grande parte em silêncio. A disciplina faz “funcionar” um poder relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados. (FOUCAULT 2003, p. 148). As instituições, conforme Foucault, são locais disciplinares de poder-saber, o cumprimento dos métodos avaliativos abrange técnicas de padronização disciplinar, os exames são aplicados em um horário determinado, com período certo para o início e para o término, além de serem executados com os alunos em um ambiente enfileirado, sem a permissão de comunicação, sendo ele uma prática objetiva e ordenada. Essa prática deixa claro o poder da disciplina nas instituições escolares, no qual, possibilita analisar e corrigir o alunado se necessário. No decorrer da tal ação, se é alcançado um mecanismo sobre o aluno (a), sobre suas habilidades, sobre sua evolução e ao mesmo tempo na sua transmissão do saber, esse método pressupõe “(...) um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do poder” (FOUCAULT, 1977, p. 166). Com tal característica, o espaço escolar acaba sendo utilizado como mecanismo de controle e esquadrinhamento, possibilitando o controle sobre as ações dos sujeitos. Esse argumento é mencionado por Foucault na seguinte passagem: O aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar tudo ver permanentemente. 33 Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem (Idem, p. 146). De acordo com as análises foucaultianas, podemos constatar que a escola se torna um meio natural e legítimo para o poder disciplinar, adequando os sujeitos aos mecanismos de controle. É possível constatar que, o processo das relações de poder e da disciplinarização na escola ocorre como opção de adequação dos indivíduos nos mecanismos de controle. Deste modo, os dispositivos de poder-saber continuam a manter os seus princípios da dominação, vigiando as subjetividades do aluno de acordo com os parâmetros educacionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao finalizar o estudo e as reflexões feitas sobre os aspectos teóricos abordados nesta comunicação, percebemos que esta temática é de suma importância para o campo educacional, possibilitando-nos compreender a contribuição foucaultiana na educação e na formação do sujeito, pois, as perspectivas que foram explanadas pelo teórico ainda continuam enraizadas no ambiente escolar. Ressaltar tal questão é interessante e pertinente, pois, nos possibilita problematizar, pensar e repensar a educação e as atitudes dos profissionais desta área, dando- nos meios para que possamos traçar alternativas relevantes para a construção de novos procedimentos metodológicos e desenvolver novas práticas educativas que tenham por finalidade entender o sujeito e suas particularidades, garantindo-lhe um crescimento educacional positivo no seu percurso escolar, despertando assim, propostas eficientes para as múltiplas formas de disciplinarização no contexto educacional, sobretudo ao que diz respeito aos interesses inerentes ao âmbito das relações sociais. 34 REFERÊNCIAS FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Tradução Vera Lucia Avelar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. . Microfísica do Poder. (Org.) MACHADO, Roberto. – 25. ed. – São Paulo: Graal, 2012. . Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis, RJ. Editora Vozes, 2012. REVISTA PEDAGÓGICA Revista Educação – Especial Foucault Pensa a Educação. São Paulo: Editora Segmento, 2012. 35 2º Encontro Internacional de Estudos Foucaultianos: Razão Política e Acontecimento João Pessoa/PB – 2016 GT 1: Educação UMA ANALÍTICA FOUCAULTIANA DO BIOPODER NA EDUCAÇÃO FORMAL AGROECOLÓGICA1 Óscar Emerson Zúñiga Mosquera2 Alexandre Simão de Freitas3 Resumo: Este artigo baseia-se no trabalho do filósofo Michel Foucault sobre as relações de poder. Para analisar o biopoder na educação formal agroecológica, se objetivou mapear os dispositivos através do qual o sujeito ecológico é veiculado. O procedimento metodológico foi a pesquisa bibliográfica utilizando as ferramentas arqueogenealógicas de Foucault. Assim, primeiro se contextualiza o surgimento das agriculturas alternativas e dentro delas a agroecologia. A contextualização opera como uma história oficial da agroecologia no século XX, especificamente na década de 1940 com o surgimento da Revolução Verde e a emergência de vários centros de pesquisa agrícola nos países do chamado mundo subdesenvolvido em parcerias com as universidades. Na tentativa de problematizar a história oficial se destacam dois elementos chaves da agroecologia. Primeiro a visibilidade sui generis em relação com as agriculturas alternativas ao ponto de constituir- se num paradigma. Segundo, o deslocamento do discurso dos movimentos sociais rurais e das ONG´s para os laboratórios e salas de aulas das universidades norte-americanas. Sobre este cenário três séries foram organizadas: A primeira série apresenta uma história menor da agroecologia, na contramão do status que uma história oficial quer representar. A segunda série amostra os enunciados que delimitam e fundamentam o discurso pedagógico da agroecologia. A terceira série é a dos dispositivos institucionais que veiculam ditos enunciados nas instituições de educação superior. Conclui-se que a educação agroecológica materializa uma forma sofisticada de governo da vida atrelada à racionalidade de Estado. Palavras-chave: biopolítica; pedagogia; ambientalismo 1. INTRODUÇÃO Na primeira metade do século
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