Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ana Lúcia Ribeiro do Nascimento Jenerton Arlan Schütz Marco Antônio Franco do Amaral Paulo Roberto Dalla Valle Rafael Soares Silva (Organizadores) Editora Metrics Santo Ângelo – Brasil 2021 PESQUISAS EDUCACIONAIS CONTEXTOS E PERSPECTIVAS CATALOGAÇÃO NA FONTE Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720 2021 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora Metrics Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Metrics Rua Antunes Ribas, 2045, Centro, Santo Ângelo, CEP 98801-630 E-mail: editora.metrics@gmail.com https://editorametrics.com.br Copyright © Editora Metrics Imagens da capa: Freepik Revisão: Os autores P474 Pesquisas educacionais [recurso eletrônico] : contextos e perspectivas / organizadores: Ana Lúcia Ribeiro do Nascimento ... [et al.]. - Santo Ângelo : Metrics, 2021. 392 p. ISBN 978-65-89700-35-7 DOI 10.46550/978-65-89700-35-7 1. Educação. 2. Formação de professores. 3. Educação inclusiva. I. Nascimento, Ana Lúcia Ribeiro do (org.). CDU: 37 Conselho Editorial Drª. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Charley Teixeira Chaves PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil Dr. Douglas Verbicaro Soares UFRR, Boa Vista, RR, Brasil Dr. Eder John Scheid UZH, Zurique, Suíça Dr. Fernando de Oliveira Leão IFBA, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina Drª. Helena Maria Ferreira UFLA, Lavras, MG, Brasil Dr. Henrique A. Rodrigues de Paula Lana UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil Dr. Jenerton Arlan Schütz UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil Dr. Jorge Luis Ordelin Font CIESS, Cidade do México, México Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil Dr. Manuel Becerra Ramirez UNAM, Cidade do México, México Dr. Marcio Doro USJT, São Paulo, SP, Brasil Dr. Marcio Flávio Ruaro IFPR, Palmas, PR, Brasil Dr. Marco Antônio Franco do Amaral IFTM, Ituiutaba, MG, Brasil Drª. Marta Carolina Gimenez Pereira UFBA, Salvador, BA, Brasil Drª. Mércia Cardoso de Souza ESEMEC, Fortaleza, CE, Brasil Dr. Milton César Gerhardt URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Muriel Figueredo Franco UZH, Zurique, Suíça Dr. Ramon de Freitas Santos IFTO, Araguaína, TO, Brasil Dr. Rafael J. Pérez Miranda UAM, Cidade do México, México Dr. Regilson Maciel Borges UFLA, Lavras, MG, Brasil Dr. Ricardo Luis dos Santos IFRS, Vacaria, RS, Brasil Dr. Rivetla Edipo Araujo Cruz UFPA, Belém, PA, Brasil Drª. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Drª. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil Drª. Vanessa Rocha Ferreira CESUPA, Belém, PA, Brasil Dr. Vantoir Roberto Brancher IFFAR, Santa Maria, RS, Brasil Drª. Waldimeiry Corrêa da Silva ULOYOLA, Sevilha, Espanha Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc. SUMÁRIO PREFÁCIO ........................................................................................13 Ana Lúcia R. Nascimento Capítulo 1 - A ÉTICA DA EFICIÊNCIA: A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM ÉPOCA DA PANDEMIA ....................................15 Marta de Andrade de Oliveira Lucimeire Calisto Pereira Ferreira Wilson Cruz Jovânia Elza Teixeira da Silva Capítulo 2 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA ...............................................................................29 Sunamita de Souza Belido Elza Lemes de Oliveira Neide Maria Montes e Souza Edilaine Monteiro Santana Capítulo 3 - ARTETERAPIA E AFETIVIDADE PARA ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS ................45 Sônia Maria Ferreira dos Santos Ana Claudia Gonçalves Araújo Meire Elaine de Lourdes Dias Vanessa Rodrigues Almeida de Oliveira Capítulo 4 - FORMAÇÃO DOCENTE PARA O SÉCULO XXI: RUMO A UMA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA ....................59 Izildinha Martinez Campos Capítulo 5 - INDISCIPLINA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ......................................................................................75 Erica Lima Nascimento Aparecida de Freitas Batista Mariza de Lima Nascimento Enrique López Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Capítulo 6 - JOGOS COMO METODOLOGIA AVALIATIVA NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA .........................................................91 Emilio Parra Sanches Junior Capítulo 7 - O USO DAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS EM UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA .................................................103 Sérgio Reis Ferreira dos Santos Rosana Mendes Capítulo 8 - POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS ..............117 Eliana Alves da Gama Capítulo 9 - REFLEXÕES ACERCA DOS DESAFIOS DISCENTES E DOCENTES NO CENÁRIO EDUCACIONAL DURANTE O PERÍDO DE PANDEMIA DO CORONAVÍRUS .........................129 Ana Flávia Fiuza da Silva Vanuza Fiuza da Silva Capítulo 10 - A CONTRADIÇÃO DAS FORMAÇÕES DISCURSIVAS NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DE UMA PROPOSTA INTERATIVA DE APRENDIZAGEM À DEMARCAÇÃO DO DISCURSO DA EXCLUSÃO ....................................................................................145 Georgia Carla Barreto Freire Antônio Lailton Moraes Duarte Danielly Mara Rodrigues de Melo Capítulo 11 - ONOMATOPÉIAS EM TIRAS DA MALFADA: UMA QUESTÃO DE EXPRESSIVIDADE ..............................................165 Danielly Mara Rodrigues de Melo Georgia Carla Barreto Freire Antônio Lailton Moraes Duarte Capítulo 12 - BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ESPECIAL ..............................................................175 Dayane Cristina Guarnieri Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Capítulo 13 - PROGRAMA DUPLA – ESCOLA: REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO E QUALIDADE .........................................189 Elaine Silva Mateus Capítulo 14 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES - CONSTRUÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO: REFLEXÕES ADVINDAS DA DISCIPLINA DE ESTÁGIO SUPERVIONADO III - DOCÊNCIA DO ENSINO MÉDIO....................................................................201 Elaine Silva Mateus Capítulo 15 - REFERENCIAÇÃO SEQUENCIAL EM TEXTOS NO ENSINO FUNDAMENTAL ...................................................213 Elenilza Maria de Araújo Sousa Capítulo 16 - DANÇA COMO ELEMENTO FACILITADOR NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR PARA CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN ...............................................................231 Lívia Maria Cesário Palmeira Fabio Jose Antonio da Silva Capítulo 17 - NARRATIVAS SOBRE REPRESENTATIVIDADE DE UMA ESTUDANTE NO CURSO DE LETRAS E SUAS VIVÊNCIAS ÉTNICO-RACIAIS ...................................................253 Cristina Aparecida de Jesus Fernando Silvério de Lima Capítulo 18 - A LITERATURA DA WEB COMO RECURSO ÀS PRÁTICAS DE LETRAMENTO LITERÁRIO ..............................271 Marianna Rego Jéssica Iung Capítulo 19 - ENSINAR E APRENDER EM TEMPO DE PANDEMIA: A IMPORTÂNCIA DAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS, DOS PROFESSORES E DA PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA EDUCAÇÃO REMOTA ...................................285 Sonia Mari Kikuchi Nagano Leandro Homma Nagano Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Capítulo 20 - O PAPEL DA ESCOLA NO CONTEXTO ATUAL: REFLEXÕES SOBRE O ENSINO REMOTO ...............................295 Francisca Eleneide Xavier Ávila Beatriz Torres Pires Viviane Maria Vieira Rodrigues Capítulo 21 - ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: O PAPEL DO EDUCADOR NESSE PROCESSO ................................................313 Rodi Narciso Catyane Roberta Hauth Capítulo 22 - DIREITO HUMANO À IDENTIDADES SEXUAIS E DE GÊNERO: UM ESTUDO DE CASO EM ESPAÇOS ESCOLARES ...................................................................................327 Carina Caetano de Oliveira de Oliveira Quines Rosângela Angelin Capítulo 23 - + QUE UM: O PODER DO APOIO FAMILIAR PARA O SUPERDOTADO .......................................................................349 Roselí Ana Fabrin Capítulo 24 - A ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA E A SUA QUALIDADE: PERDAS OU CONQUISTAS? ..............................361 Tatiana Pinheiro de AssisPontes Mauricio Fonseca Pontes Capítulo 25 - A REINCIDÊNCIA CRIMINAL E A COMPLEXIDADE DA PROGRESSÃO DA PENA NO BRASIL: APONTAMENTOS SOBRE A REMIÇÃO PELA EDUCAÇÃO ..375 Tailan Cristina Maciel Vanessa Elisabete Raue Rodrigues SOBRE OS ORGANIZADORES ...................................................391 PREFÁCIO As escolas, todavia, continuam sendo o exemplo típico do meio especialmente preparado para influir na direção mental e moral dos que a frequentam (DEWEY, 1979). Afinado com a epígrafe acima, o desafio que os convidamos é, por intermédio dos capítulos que compõem este livro, elaborado em um contexto pandêmico, refletir sobre o processo educativo brasileiro, que tem a escola como principal meio de construção e disseminação do conhecimento. Num primeiro momento, ao ponderamos a função social da escola, alguns intelectuais contribuem para argumentarmos os contornos pelos quais a escola pública tem transitado ao longo do tempo. Bourdieu por exemplo, defende a ideia de que a escola é um mecanismo predominante na reprodução e conservação da desigualdade, Saviani indica que a escola pode promover o homem, Freire considera que a escola, nunca neutra, deveria promover a emancipação e autonomia. Nessa esteira, Dewey indica a educação escolarizada como única forma de promover a democracia em sua plenitude. Desse modo, o objetivo da educação em uma comunidade democrática “é habilitar os indivíduos a continuar sua educação” (DEWEY, 1979, p. 108), ou seja, é a possibilidade de estar em constante desenvolvimento. Acreditamos assim, que a escola deve ser um espaço de transformação social. A função social da escola e da educação são temas que se encontram em evidência, e de certo modo sempre estiveram envoltos nas discussões inerentes à educação. No Brasil, desde a sua institucionalização, a escola enfrenta adversidades de distintas ordens, seja estrutural, partidária, curricular e ou pedagógica. Sabemos que a escola sempre atendeu os interesses de grupos dominantes. Nesse ínterim, os desafios de promover uma educação 14 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas pública de qualidade na contemporaneidade permanecem, e a escola, considerada por nós como lócus de construção e socialização do conhecimento e de desenvolvimento de mecanismos de letramento e formação humana, pode ser considerada como propulsora para o exercício pleno da cidadania. Ana Lúcia R. Nascimento Julho de 2021. Capítulo 1 A ÉTICA DA EFICIÊNCIA: A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EM ÉPOCA DA PANDEMIA Marta de Andrade de Oliveira1 Lucimeire Calisto Pereira Ferreira2 Wilson Cruz3 Jovânia Elza Teixeira da Silva4 Este artigo operacionaliza os conceitos de eficiência e ética propostos por Pompeu em sua obra “Somos Maquiavélicos”; usa dos quadros teóricos propostos por Freud e Jung além de realizar uma interface entre Maquiavel e Sun Tzu para reafirmar a leitura dos grandes clássicos e apontar a necessidade de pensar um conceito de eficiência ética baseada no humanismo e não no idealismo. Tendo como estudo de caso a educação a distância em época de pandemia conclui que o imediatismo e os eufemismos usados pelo discurso pedagógico mascaram a falta de eficiência educacional que irá reverberar nos próximos anos de forma calamitosa. Pensar sobre ética é abordar o agir humano no sentido kantiano como imperativo categórico, antepondo humanismo a idealismo para enfim sugerir o conceito de ética da eficiência. Abordemos a questão por sua pergunta geradora: Como classificar 1 Marta de Andrade Oliveira, graduada em Educação Física e Pós graduada em Educação Física Escola e Gestão Escolar, e-mail: martaestadual@hotmail.com 2 Mestre em Educação, e-mail: lucimeirecalisto@hotmail.com 3 Mestre em Ciências da Educação, e-mail: wilsoncruzprofessor@gmail.com 4 Mestre em Educação – E-mail: - jovaniateixeira-@hotmail.com 16 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas o agir humano? É possível falar de uma axiologia5, de uma deontologia6, dedutivas? Kant estabelece este silogismo “Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal” (KANT, 1797), ou seja, uma ação cujos princípios podem ser reproduzidos e aceitos universalmente. É imperativo, porque é um dever moral; é categórico, porque atinge todos, sem exceção. Em uma estrutura silógica dedutiva temos: Toda ação para ser considerada ética precisa ser universal. Uma ação é ética. Logo é uma ação universal. O silogismo está correto. Mas isto não é o bastante é preciso do teste empírico. De Paulo Freire, inspirado em Lenin, temos: “A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria, vira ativismo”.7 A primeira pergunta vem da história: Em que momento e em que lugar e qual homem poderia estabelecer uma ação que fosse inteiramente universal e, portanto, ética? O que mais pode se aproximar desta exigência são os discursos da ética religiosa, porém, por mais que se queira universal, tais discursos esbarram no paradoxo de qualquer estrutura religiosa – as forças de coesão e de coerção. Enquanto a primeira estabelece a sinergia do pertencimento, a segunda estabelece o princípio da exclusão. Para ficarmos na ética cristã. A promessa de salvação da alma vem de um agir ético kantiano em Mateus temos: Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe 5 Axiológico é tudo aquilo que se refere a um conceito de valor ou que constitui uma axiologia, isto é, os valores predominantes em uma determinada sociedade. Disponível em https://www.significados.com.br/axiologico/ Acesso em 11/05/2021 6 A deontologia é um tratado dos deveres e da moral. É uma teoria sobre as escolhas dos indivíduos, o que é moralmente necessário e serve para nortear o que realmente deve ser feito. Disponível em https://www.significados.com.br/deontologia/ Acesso em 11/05/2021 7 Disponível in https://www.pensador.com/frase/ODUzNzg1/ Acesso em 11/05/2021 17 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta. (MATEUS, 5:21 – 24) Esta promessa de salvação pelo agir ético universal é contrabalançada pela observação de que só se atinge a salvação pelo Redentor cristão. Em João, temos - Assegurou-lhes Jesus: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (JOÃO, 14:06). Temos aqui um paradoxo lógico: Mesmo que eu me concilie com meu irmão (princípio da coesão e da ética universal) se não seguir e acreditar no Cristo não terei a salvação (princípio da coerção). Filósofos, lógicos, pensadores de todas as matizes e matrizes esbarram em outra dificuldade de conceituar o que é universal? Tal conceito apresenta uma dificuldade que se revela ao que parece intransponível: Máxima extensão (já que é universal) é mínima compreensão (Já que tudo é universal o que não é Universal?)8 e a lógica nos obriga a perguntar: Se existiu, existe ou existirá um homem que não atenda e não a aceite tal ação como universal ela não o é. Esta possibilidade é corroborada pela moderna neurologia quando nos apresenta a figura do psicopata9 como aquele indivíduo 8 Disponível em: https://sites.google.com/site/filosofarliberta/areas-disciplinas-da- filosofia/logica/logica-do-conceito/2-1-a-extensao-e-a-compreensao Acesso em 11/05/2021 9 Psicopata: Descrita pela primeira vez em 1941 pelo psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, do Medical College da Geórgia, a psicopatia consiste num conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicos. Encantadoras à primeira vista, essas pessoasgeralmente causam boa impressão e são tidas como “normais” pelos que as conhecem superficialmente. No entanto, costumam ser egocêntricas, desonestas e indignas de confiança. Com frequência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Os psicopatas não sentem culpa. Nos relacionamentos amorosos são insensíveis e detestam compromisso. Sempre têm desculpas para seus descuidos, em geral culpando outras pessoas. Raramente aprendem com seus erros ou conseguem frear 18 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas que por questões NEURAIS não possui a capacidade de percepção do outro, portanto todas as suas ações e por consequência sua ética é voltada para a satisfação de suas necessidades e do seu prazer; ou excluímos os psicopatas do grupo dos humanos (o que parece ser uma ação não ética) ou ao admiti-los abrimos uma exceção para a universalidade do conceito que deixa de ser, portanto, universal. Este artigo cumpre uma das mais precípuas tarefas de todo o artigo: ser um convite para uma obra maior e a obra a que se refere é: “Somos Maquiavélicos” de Júlio Pompeu. O prof. Pompeu é um pensador de características notáveis: não tem medo de discutir sobre alguns mitos mais arraigados do pensamento contemporâneo O maquiavelismo de Maquiavel; consegue atualizar o texto clássico com exemplos da modernidade, seu pensamento está sempre para o aqui e agora; não é dogmático, suas argumentações, talvez pela sua formação na área do direto, primam pelo silogismo e o que é mais importante não faz de sua “cátedra de papel” um púlpito para um doutrinamento de ocasião, o seu leitor tem sempre a liberdade de não concordar de suas análises sem ser ameaçado da excomunhão dos infiéis. Realizado o preâmbulo e cumprida a norma da justificativa acadêmica passamos ao que realmente interessa: refletir sobre as questões suscitadas a partir da leitura de um texto e esta é sua natureza acadêmica: suscitar interrogações, se ele não consegue fazer isto, ou não é um texto cientifico ou o seu leitor não realizou a leitura adequada. A primeira destas indagações é: Por que ler Maquiavel nos dias de hoje? Invertamos a pergunta: Por que não ler Maquiavel? Pompeu nos demonstra claramente esta necessidade: ao ler (com maiúsculas) um autor amaldiçoado e resgata-lo, está se fazendo mais que um exercício acadêmico, se está atualizando mensagens que foram colocadas centenas de anos atrás nos “baús do tempo de papel” e desveladas por quem tiver competência de lê-las. A impulsos. Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_que_e_ um_psicopata__imprimir.html Acesso em 11/05/2021 19 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas esta necessidade acrescentamos outra um pouco mais acadêmica e mais geral: Porque Maquiavel, como outros tantos, é um clássico! Ler um clássico é travar um combate intelectual com as melhores e mais ardilosas mentes que já aconteceram. Tentar acompanhar seu construto mental, o enredo de suas justificativas, desvelar seus objetivos ocultos, contextualiza-lo em tempo e espaço nos aprimora para os embates empíricos que são impostas no dia-a-dia. E o principal desafio que Maquiavel impõe é entender sua ética. Maquiavel ético? Precisamente. Mas para se aceite esta afirmação é preciso seguir os passos de Pompeu. O primeiro deles é sua afirmação que para Maquiavel somos todos seres desejantes, este “gerúndio” – viver no ato de desejar -, é a nossa natureza. O homem é a única proposta de vida das três milhões e quinhentas mil espécies até agora catalogadas que deseja. Souza nos alerta sobre este ponto sob outra perspectiva. O homem é o animal que se recusa a aceitar o que gratuitamente lhe deram e gratuitamente lhe dão. Não me perguntem agora quem dá o que o homem recusa. Só importa a recusa da gratuidade. O homem se lhe recusa; o homem é a própria recusa, antes de ser o quer que seja ou o quer que venha a ser. (SOUZA, 1980, p. 15) Recusar algo ou alguém é desejar outra coisa ou o outro alguém. Recusar e desejar fazem parte do mesmo universo existencial em que o homem está inserido. O poder provoca o desejo, quanto mais perto do poder, qualquer que o seja, mais tal objeto se torna desejante. A lei da gravidade10 entendida a partir das forças da potência e do objeto. Humano essencialmente humano. Conclui-se então que se está na natureza do homem desejar, é natural que deva utilizar todos os meios para atingir seu objetivo – “Os fins justificam os meios”. Frase atribuída a Maquiavel. Sua 10 Lei da Gravitação Universal de Newton: “Dois corpos atraem-se com força proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa seus centros de gravidade.” Em outras palavras quanto mais perto e mais pesado mais força tem. 20 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas inveracidade e seu mal entendimento, aliás, são o mote e o emulo de toda a obra de Pompeu. É preciso redimi-lo. Fazer-lhe justiça ainda que tardiamente, pois pode ser que a sua absolvição nos permita ouvi-lo, não mais como o pai de todas as ardilosidades ou o homem que liberta a ambição ao afirmar que os fins justificam os meios, (frase que Maquiavel nunca formulou. N/A) mas como um revolucionário do pensamento político. (POMPEU, 2011, p. 17). O que este revolucionário do pensamento político nos traz de novo é o conceito de eficiência. Pompeu confirma é que o primato da conquista do objeto de desejo é a eficiência e ser eficiente é conquistar/atingir a meta com o menor desgaste/custo possível. Para isto Maquiavel irá analisar as ações de figuras que dentro da ótica tradicional não são éticos. Governantes que para atingirem seus objetivos de maneira eficiente lançaram mão do que fosse necessário para tal. Aparentemente, isto confirma a condição de que os fins justificam os meios, porém não é bem assim. O conceito de eficiente pode e deve ser entendido em sua potência humanística. Uma sociedade eficiente seria aquela em que seus mecanismos de produção e manutenção nas suas várias dimensões politicas funcionassem com o mínimo de desgaste e custo, ou seja, uma sociedade onde os organismos de execução (executivo), representatividade (legislativo) e controle (judiciário) funcionassem em prol da comunidade que os sustentam. Algo muito longe da realidade brasileira, onde temos os poderes, para dizer o mínimo, são ineficientes. Do macro para o micro. Tomemos um fenômeno: cola no dia do exame. A cola é eficiente para se conseguir uma nota melhor em um exame especifico. Porem ineficiente para a formação do futuro profissional já que seu ato escamoteia a falta de aprendizado. Do pessoal para o profissional. Um advogado no exercício de sua função ao ser contratado por um criminoso para sua defesa 21 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas deve exercer as maneiras mais eficientes de retirar ou atenuar as penas do seu cliente. Se não é capaz de exercer esta ética da eficiência de maneira plena, por razões de foro íntimo, deve declinar da causa. Aceitá-la sem ter plena consciência de ser capaz de ser o mais eficiente possível é não ser ético. Como seria então esta ética da eficiência? Em primeiro lugar se deve partir como quer Maquiavel e Pompeu, não do que o homem deveria ser, mas do que o homem é e se assumirmos esta premissa como verdadeira, assim descarta-se de uma só vez todos os idealistas tanto a direita quanto à esquerda do espectro ético. À direita: os platônicos de plantão sempre a estabelecer um mundo ideal onde o homem deve ser adequar, o seu discurso se caracteriza fundamentalmente pelo verbo “deve” e pela imaginação desenfreada. Devemos ser assim, assado, guisados ou mal passados para atingir o Nirvana da bem aventurança, onde quer que ele esteja, seja ele, o Supremo Bem platônico, o Super-homem nietzschiano ou depois de desencarnados, naturalmente, os anéis de Saturno. A esquerda, os pseudomaterialistascom suas teorias de manipulação “bigbrotherinianas” conspiratórias prevendo o fim da liberdade individual e da democracia a menos que todos sigam suas ideias e todas as outras que viram ou virão são um golpe contra a democracia por eles instaurada, e qualquer destituição de poder mesmo obedecendo todos os princípios legais é um atentado contra a sua democracia e liberdade.11 Como se liberdade e democracia pudessem existir sob a condição de posse de alguém. O segundo passo a ser dado é passagem da realização do prazer imediato com o prazer a longo prazo em prol de uma maior eficiência política. Entendamos. Freud nos ensina que o homem se move entre duas forças: o princípio do prazer que é a realização de seus desejos no aqui e agora que Pompeu traduz para “o homem maquiavélico não está em guerra consigo mesmo, mas com o que o impede de alcançar o 11 Alusão absolutamente intencional à teoria do golpe de estado vinculado ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff 22 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas que deseja, contra o que lhe entristece, sejam coisas da natureza ou outros homens” (POMPEU, 2011, p. 09) e o princípio da realidade, o que seria o prazer a longo prazo ou o que iremos chamar de “ação eficiente”. Optar pelo prazer a longo prazo é optar por uma ação mais eficiente e mais douradora. Nos cânones recomendados por Maquiavel e Sun Tzu é dominar de forma permanente, não importa se um país, uma empresa ou a mente, optar pela “ação eficiente” é apostar na inteligência do homem. Mas não seria isto também uma idealização? Imaginar que o homem como um todo seria capaz de realizar esta passagem: entre a eficiência a curto prazo, portanto não eficaz em sua plenitude, e uma eficiência a longo prazo – eticamente comprometida? Vejamos! A aventura no homem na terra começou a 40.000 mil anos atrás e tivemos a beira da extinção quando éramos apenas uns poucos grupos de homídeos amontoados nas costas da África do Sul antes atravessarmos o Golfo de Aden, o que nos levaria a todos os rincões da terra. Há sete mil anos conseguimos criar nossas primeiras civilizações, a dois mil e quinhentos anos inventamos a democracia, e a trezentos descobrimos o que é ser cidadãos de um pais, a cento e cinquenta estabelecemos que legalmente que não existiriam escravos, a cem que as mulheres teriam direito a voto, hoje enfrentamos o desafio de podermos falar a linguagem do outro. Embora a história da realização do homem não seja uma reta como querem os positivistas, também não é um círculo como querem os apocalípticos de plantão, a história do homem em suas diversas dimensões é uma espiral ascendente. Estamos caminhando rumo a um futuro onde o homem se enxergue como homem não porque uma ou outra ideologia o querem, mas porque esta é a única maneira de se manter vivo nesta terra, que é a única que temos - habitamos uma nave que está indo em um rumo desconhecido, em uma velocidade ignorada e que ninguém tem o manual de instruções – Podermos ler este manual e 23 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas continuar podendo habita-la! depende apenas da nossa capacidade de estabelecermos uma ética da eficiência. Nada mais maquiavélico, nada mais ético. Realizada esta exposição teórica e a conceituação operacional de que ser eficiente a longo prazo é ser ético. Um caso particularíssimo. No réveillon de 2018 ninguém no mundo seria capaz de prever o que estaria por vir, a pandemia estabeleceu uma realidade que era inconcebível pré-pandemia, o conceito forjado de um “novo normal” é uma condição de existência e não uma alternativa, no mundo educacional repercute tal situação e soluções e alternativas operacionais se acumulam sobre a mesa do professor para serem logo depois descartadas, não há modelos a serem seguidos, por consequência não a julgamentos a serem realizados, contudo, mesmo neste novo normal, alguns padrões devem ser lembrados principalmente quando são escamoteados por um discurso de auto indulgencia e de transferência de responsabilidades. As considerações realizadas neste tópico se baseiam em três pontos: o teórico devidamente exposto nos tópicos anteriores, na observação e vivenciação deste autor nestes dois anos de pandemia e por último na exposição de alguns conceitos manipulados consciente ou inconscientemente que por sua manipulação irão trazer como consequência uma inevitável distorção de qualquer análise realizada ex-post-facto. O papel da família. O discurso acadêmico educacional principalmente das series iniciais era, antes da pandemia, prodigo em estabelecer a importância da família na educação, e ao mesmo tempo, havia um discurso de que “a escola ensina, a família educa”, ambas as posturas carecem de um mínimo de aprofundamento. A grande maioria das famílias modernas tem os seus mantenedores envolvidos no processo de produção que os afasta dos afazeres de casa, a grande maioria das famílias possuem os dois ou três mantenedores em trabalhos que simplesmente não possibilitam o comparecimento da escola nos momentos que ela decide, e entre ser despedido por reiteradas faltas e comparecer 24 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas em reuniões escolares, a lei da sobrevivência familiar exige que os responsáveis abram mão do comparecimento escolar, cabe notar que 60% dos lares brasileiros são mantidos por mulheres que por sua fez são também mães, assim por questões alheias a vontade da família seus pares esperam que a escola assuma algumas tarefas que o desenvolvimento social estabelece. Esta inevitável situação leva esta reflexão ao segundo conceito “escola ensina, família educa”, que a família exerce uma poderosa influência sobre o caráter e o procedimento do indivíduo é notório, porem de que família e de que influencia se está falando: uma situação mais que possível uma família de classe média onde todos os adultos trabalham fora, assim a transmissão dos valores comportamentais fica a cargo das babas contratadas, famílias de classe baixa recorrem a avós, avôs, vizinhas etc... por outro lado quando uma professora chega no horário, respeita os seus colegas, não grita com as crianças, mantem o mínimo de controle emocional em uma turma barulhenta ela não estaria educando esta criança os princípios mais básicos e claros de civilidade? Ao que parece escola e família devem somar esforços para a construção de um indivíduo capaz de exercer em sua plenitude sua capacidade política (habitante da polis) e não estabelecer um jogo de transferências onde a vítima maior e a criança, ou de acordo com a teoria exposta anteriormente uma eficiência a curto prazo (não se responsabilizar pelo ensino/educação) em uma ética distorcida tem como consequência a pouca eficiência civilizatória – natureza última da instituição escola. Esta relação de responsabilidades toma um sentido ainda maior em tempos de pandemia e “lockdown” onde pais e mães não podendo trabalhar se veem às voltas com as horas que a criança passaria na escola pensar que pais despreparados, ansiosos pelo futuro, crianças fechadas em casa sejam capazes de realizar as tarefas que lhe foram impostas por um colégio que neste momento está “longe” é o que este artigo chama de autoengano, em prol de uma eficiência a curto prazo pais resolvem questões para os filhos, estudantes copiam as respostas uns dos outros, ou simplesmente 25 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas desligam os consoles justificando a baixa qualidade da internet, professores diminuem a quantidade de exercícios a um nível que não condizente com qualquer teoria de aprendizagem estuda enquanto ouvem se seus coordenadores que as tarefas devem ser significativas e em prol desta “significação” apresenta-se o mínimo do mínimo possível, com a justificativa de que o aluno simplesmente não irá realizar as tarefas e tem razão quanto a isto já que este jovem aprendente não está em um ambiente propicio à aprendizagem. Talveza reação mais saudável seja dos alunos que simplesmente abandonam as tarefas esperando que as coisas voltem ao “novo normal” para assim refazer um mundo feito aos pedaços. Alguns, é claro, serão capazes de mesmo no caos e na inconsequência manter a disciplina, e por fatores internos ou externos conseguirem manter um nível de aprendizagem condizente com seus projetos, estes que não dependem do “ambiente de aprendizagem” serão os sobreviventes estarão mais capazes de sobreviver no mercado pós pandemia, como sempre, serão poucos serão raros, por que este é o papel fundamental e pouco lembrado da escola: criar um ambiente de aprendizagem eticamente eficiente nos moldes aqui apresentados e a gestores, professores, pais cabe a tarefa de sem eufemismos e autocomiseração considerar o cenário devastador em que se encontra a sociedade e tentar sem subterfúgios fazer o seu melhor. Considerações finais Se as conclusões desta reflexão se anunciam duras é por que são realmente duras a ética da eficiência a longo prazo delineada na primeira parte foi solenemente esquecida em troca de um discurso cheio de eufemismos e autocomiseração que mais atrapalha do que ajuda e só existe um grupo que é capaz de resolver esta questão deixando como legado talvez não soluções especificas, mas posturas éticas de seriedade e competência a desafios inéditos, não dogmas mas interações que visem em última análise uma eficiência humanística: 26 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas nos professores, somos este grupo e se nós não conseguirmos dar conta destes desafios ninguém mais irá conseguir. Referências BÍBLIA, Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição rev. e atualizada no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblia do Brasil, 1969. FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez, 2001. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 62. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016. FREUD, S. (1894). As Neuropsicoses de Defesa. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 3. Rio de Janeiro: Imago, 1990. JUNG, C. G. O livro vermelho (Liber Novus). Petrópolis: Vozes, 2010. JUNG, C. G. Tipos psicológicos. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VI. Petrópolis: Vozes, 2011a. JUNG, C. G. Psicologia do inconsciente. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VII/1. Petrópolis: Vozes, 2011b. JUNG, C. G. Símbolos da transformação. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. V. Petrópolis: Vozes, 2011c. JUNG, C. G. A natureza da psique. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VIII/2. Petrópolis: Vozes, 2011d JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. IX/1. Petrópolis: Vozes, 2011e. 27 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VII/2. Petrópolis: Vozes, 2011f. JUNG, C. G. Aion – Estudos sobre o simbolismo do si mesmo. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. IX/2. Petrópolis: Vozes, 2011g. JUNG, C. G. Freud e a psicanálise. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. IV. Petrópolis: Vozes, 2011h. JUNG, C. G. Civilização em transição. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. X/3. Petrópolis: Vozes, 2011i. KANT, I. [1797b]. Princípios metafísicos da doutrina da virtude. In: Metafísica dos costumes. São Paulo: EDIPRO, 2003. POMPEU, Júlio. Somos Maquiavélicos: Objetiva. 2011. SOUZA, C. Estado do Campo da pesquisa em políticas públicas no Brasil. RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1980. SOUZA, Eudoro de. Mitologia: UNB. Brasilia,1980. SUN TZU. A Arte da Guerra. Um maquiavélico antes de Maquiavel (476 a.C. – 221 a.C.). Capítulo 2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA Sunamita de Souza Belido1 Elza Lemes de Oliveira2 Neide Maria Montes e Souza3 Edilaine Monteiro Santana4 Introdução Declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde o início de março de 2020, a pandemia causada pelo novo Coronavírus – COVID-19, tem levado autoridades governamentais de todo o mundo à adoção políticas públicas para a minimização do avanço e dos impactos da doença. A pandemia acelerou a digitalização dos mais diversos setores do Brasil e do mundo. Na educação, o ensino remoto emergencial foi – e continua sendo – a realidade de muitos alunos, pais e professores. Foi decretada a suspensão de aulas presenciais e sua consequente substituição por atividades não presenciais, por meio do ensino remoto. A proposta de educação a distância, em todos os níveis de ensino, tem sido discutida como solução massiva enquanto durar a situação de emergência de saúde pública. Diante desse contexto, este trabalho, objetiva discutir as relações dialógicas entre ensino e identidade leitora na perspectiva da cultura digital diante das recomendações do Ministério da Educação, com o intuito de refletir sobre a importância dos letramentos tradicionais e digitais 1 Mestranda do Curso de Ciências da Educação da Universidade de Sol UNADES – PY, E-mail: sunamita.belydo@hotmail.com 2 Doutora em Educação – E-amil: elzalemesdeoliveira7@gmail.com 3 Mestre em Educação – E-mail: neide.montes@hotmail.com 4 Mestre em Educação – E-mail: edilainemssantana@hotmail.com 30 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas para a efetiva qualidade do processo de ensino e aprendizagem em tempos de isolamento social. Metodologia A fim de alcançar o objetivo de desenvolver uma discussão teórica sobre o assunto estudado, qual seja a importância da alfabetização e dos letramentos tradicionais e digitais diante das atuais recomendações do Ministério da Educação para as instituições de ensino em tempos de pandemia da COVID-19, esta pesquisa classifica-se como sendo de abordagem qualitativa e dialética. Trata-se, portanto, de uma pesquisa documental e bibliográfica, sustentada pelos pressupostos epistemológicos dos seguintes autores: Santos (2020), Santaella (2014), Soares (2009), Coscarelli & Ribeiro (2014) e Kleiman (1995). No que diz respeito aos procedimentos metodológicos utilizados para coleta de dados, optou-se pelo viés descritivo, principalmente em referência à observação, registro e interpretação das políticas públicas recentemente adotadas no âmbito da educação, em comparação com a atual realidade fática educacional. Tendo em vista a abrangência e a dimensão do referido tema, bem como a necessidade de contextualização e posicionamento crítico em relação aos fenômenos estudados, a construção metodológica deste estudo também decorreu do material empírico obtido por meio da observação e análise de notícias, reportagens, instrumentos normativos e legais, entre outros textos, envolvendo a pandemia da COVID-19 no Brasil e no mundo. Por fim, a estrutura deste trabalho está organizada por meio da discussão dos seguintes pontos: as políticas educacionais adotadas no Brasil nos últimos meses e as diferentes perspectivas dos letramentos tradicional (analógico) e digital como práticas sociais em tempos de isolamento social. 31 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Desenvolvimento O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2020), argumenta sobre os desdobramentos da pandemia à luz da situação mundial econômica e política dos últimos anos. Para o referido autor, o período de quarentena demonstra a necessidade de adaptação das sociedades a novas possibilidades de vida, necessária ao bem comum. Para ele, “[...] esta situação torna-se propícia a que se pense em alternativas ao modo de viver, de produzir, de consumir e de conviver nestes primeiros anos do século XXI” (Santos, 2020, p.29). Inclui-se a necessidade de um olhar crítico para nosso contexto educacional, nessa situação no que se refere à adoção de políticas públicas para a redução dos impactos da pandemia na educação. Conforme os últimos dados divulgadospela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), órgão que monitora os impactos da pandemia na educação, o fechamento de instituições de ensino afeta diretamente mais de 72% da população estudantil no mundo (Unesco, 2020). Houve a suspensão de aulas presenciais dos cursos em andamento em todo o território brasileiro durante o período de pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), as redes de ensino de todo país tiveram que reorganizar e redefinir os métodos e formas para garantir a mediação e o processo de ensino-aprendizagem. As formas utilizadas em todo país foram as mais diversas. A maioria das redes optou por utilizar instrumentos (plataformas online, aplicativos, transmissão por televisão e rádio) que permitissem que as atividades ocorressem de forma remota. Professores precisaram reorganizar as formas de ensinar, planejar e mediar para garantir a aprendizagem dos estudantes. E os estudantes, e suas famílias, precisaram reorganizar o modo de aprender, para que conseguissem realizar tal processo sem a presença física de um profissional preparado. 32 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em plenária virtual na segunda quinzena de abril de 2020, o Parecer CNE/CP nº5/2020, que contempla novas diretrizes de mitigação dos impactos causados pelo COVID-19 no fluxo do calendário escolar dos sistemas e redes de ensino no Brasil, em todos os níveis, etapas e modalidades. Em linhas gerais, tais diretrizes recomendam a soma de esforços para que os gestores da educação criem ou reforcem, dentro de suas condições e possibilidades, plataformas públicas para aulas on-line em todos os níveis de ensino, tanto em períodos de normalidade como em situações emergenciais como a atual. É inegável que a manutenção das atividades de ensino durante o período em que se está em casa é crucial para minimizar os prejuízos da ausência das aulas presenciais. Entretanto, ao mesmo tempo em que a proposta de ensino digital e a tecnologia apresentam-se como propulsoras de novos fazeres pedagógicos, trazem efetivas implicações educacionais, o que instiga reflexões imprescindíveis sobre a utilização das textualidades produzidas e acessadas em ambientes virtuais na contemporaneidade. Consoante a tais questões, o presente trabalho propõe um olhar sobre as relações dialógicas entre práticas de ensino, tecnologia e identidade leitora na perspectiva da cultura digital e do letramento, com vistas a discutir a inclusão do letramento digital no sistema escolar como alternativa para enfrentar o problema do distanciamento físico e social na pandemia da COVID-19. Alfabetização: mais que ler e escrever A alfabetização sempre foi um desafio no Brasil, em tempos de pandemia esse quadro pode ficar ainda pior, com os últimos dados que apontam que, menos da metade dos estudantes do 3° ano do Ensino Fundamental alcançaram os níveis de proficiência suficientes em Leitura (Avaliação Nacional da Alfabetização, 2016). 33 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Segundo Magda Soares: a atual pandemia veio acrescentar novos desafios, afastando as crianças das escolas e das alfabetizadoras na fase fundamental do processo de escolarização. Por um lado, foi interrompido o processo de alfabetização no início do período em que a interação alfabetizadora-criança é indispensável, pois a aprendizagem do sistema de escrita alfabética depende da compreensão bem orientada das relações oralidade-escrita. Por outro lado, o afastamento das crianças da escola interrompe um processo apenas iniciado de escolarização, em que a criança começa a se inserir na “cultura escolar”. Tfouni distingue alfabetização e letramento para o autor: A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. [...] A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do individual. O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio históricos da aquisição da escrita. [...] procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as práticas “letradas” em sociedades ágrafas. (TFOUNI, 1995, p. 9-10). Os letramentos dependem do processo de alfabetização para serem desenvolvidos e, quanto mais consolidado o letramento tradicional, melhor será o letramento digital também. O letramento digital compreende interagir e entender as relações de interação no ciberespaço, as sociointerações nos espaços digitais provoca na realidade social mudanças de comportamento e aquisição de novas habilidades. Assim, Soares afirma que, [...] diferentes tecnologias de escrita geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita resultam em diferentes letramentos. (SOARES, 2002, p.144). Por isso o letramento digital é um tópico importante a ser discutido. O letramento digital se refere ao modo de ler, escrever 34 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas e interpretar informações, códigos e sinais, verbais e não verbais, com o uso de dispositivos digitais. Aborda o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionadas ao uso da tecnologia. A participação da família Independente do distanciamento social, a participação dos pais em toda vida escolar dos filhos sempre se fez importante, no processo de alfabetização não é diferente, se faz ainda mais essencial, já que a criança precisa receber estímulos e acompanhamento, sem essa participação, não conseguirá ir muito longe e dificilmente alcançara seus objetivos, com isso os prejuízos serão maiores ainda. A escola, mais do que nunca, precisa do apoio familiar neste momento tão difícil no qual todos passamos. Faz-se necessário que cada um cumpra seu papel de modo a garantir o direito fundamental do aluno. Resultados e discussão No atual contexto de adoção de atividades não presenciais em diversos suportes pelos sistemas de ensino, há múltiplas formas de se concretizar a leitura. Vivemos a “cultura da convergência”, conforme os pressupostos de Henry Jenkins (2006), para quem os produtos das novas e tradicionais mídias são desapropriados, tornam-se híbridos, relacionam-se, dialogam, e interpenetram-se com outros formatos e linguagens. A leitura e a escrita, na qualidade de práticas sociais, não constituem meramente atitudes mecânicas de decodificação de sons e letras. Deixar de ser analfabeto e tornar-se alfabetizado, ou seja, apenas aprender a ler e a escrever, não significa que o sujeito adquiriu a condição de quem faz da leitura e da escrita uma prática social, capaz de responder às contínuas exigências e demandas de seu tempo. 35 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Um leitor competente é aquele que usa efetivamente a linguagem escrita em diferentes circunstâncias de comunicação, de modo a se apropriar das estratégias e procedimentos de leitura característicos das diversas práticas sociais das quais participa, de tal forma que os utiliza no processo de construção dos sentidos dos textos. A postura dinâmica de compreender os significados do uso da leitura e da escrita em diferentes contextos garante uma efetiva interação do sujeito com os inúmeros textos que circulam na sociedade, sejam tais leituras realizadas dentro ou fora do ambiente escolar. Nesse sentido, o termo letramento surge como prática social que designa, na perspectiva de Soares (2009), o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter se apropriado da escrita. Em outras palavras, letramento pressupõe o estado ou condição assumida porquem aprende a ler e a escrever, levando em consideração que a escrita carrega em si elementos sociais, culturais, políticos, cognitivos, sendo, assim, capaz de influenciar não só o sujeito que a pratica, mas também o grupo ou o meio em que ele se insere. Assim, Ibid (2009) ressalta que há diferenças significativas entre alfabetismo e letramento: enquanto alfabetizar um indivíduo significa ensinar a ler e escrever, compreender códigos e símbolos, o ato de letrar quer dizer condicionar a apropriação da escrita e da leitura em práticas sociais. Um indivíduo que não saber ler nem escrever (analfabeto) pode ser, de certa forma, letrado, quando consegue compreender e articular o fenômeno da escrita e leitura como exercícios que proporcionam a socialização; um adulto que não domina a “tecnologia” da leitura e da escrita, mas se interessa por ouvir a leitura de jornais, cartas e demais textos, ou uma criança que ainda não foi alfabetizada, mas brinca de escrever, de ler, folheia livros e gosta de ouvir histórias. 36 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Ainda que o termo “letramento” seja conhecido e extremamente difundido atualmente, é preciso ressaltar que ele envolve uma diversidade de ênfases em sua caracterização. Kleiman (1995), por exemplo, amplia a conceituação de letramento inicialmente apresentada enfatizando que este compreende práticas sociais capazes de dar ao leitor a condição de identidade e de poder. Ela afirma que os estudos sobre o letramento devem estar voltados à transformação da ordem social, ou seja, potencializar, dar poder ao sujeito. Enfim, que o empoderamento da escrita se encontra no acesso e na manipulação da informação. Daí a importância de se estabelecer condições concretas para o letramento nas classes populares. Com as diversas mudanças nas formas de interação humana, a popularização da internet e a crescente demanda para a incorporação das tecnologias digitais da informação e comunicação nas práticas sociais e escolares, a noção de letramento digital ganha especial importância. Conforme as pesquisadoras Coscarelli & Ribeiro (2014), o letramento digital envolve “práticas sociais de leitura e produção de textos em ambientes digitais, uso de textos em ambientes propiciados pelo computador ou por dispositivos móveis, tais como celulares e tablets, em plataformas como e-mails, redes sociais na web, entre outras (COSCARALLI & RIBEIRO, 2014, n. p. - Verbete). Embora o letramento digital abarque definições operacionais e também conceituais, as referidas pesquisadoras complementam que, diante da complexidade de se estabelecer parâmetro único para avaliar o grau de letramento digital de alguém, já que cada contexto pode demandar diferentes usos das tecnologias digitais, é fundamental que os indivíduos “[...] tenham desenvolvido habilidades básicas que lhes permitam aprimorar outras, sempre que isso for necessário”. (Coscarelli & Ribeiro, verbete, 2014). Nessa perspectiva, ser letrado digitalmente significa não somente possuir a competência de se comunicar com desenvoltura em diferentes situações, mas também saber buscar e selecionar informações diversas no ambiente digital, com capacidade para 37 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas avaliar criticamente a credibilidade das mesmas, em atenção à autoria e às fontes da pesquisa. As práticas de letramento, como se sabe, não são restritas ao sistema educacional formal, mas devem ser potencializadas fundamentalmente nas escolas, as quais, assim como outras instituições próprias de uma sociedade globalizada e tecnológica, são consideradas agências de letramento, uma vez que abarcam enorme variedade de leitores, leituras, modos discursivos, tipos e gêneros textuais. Por um lado, há uma geração de jovens profundamente familiarizados com os recursos da Internet, os chamados “leitores ubíquos”, que conseguem falar ao telefone, conversar em chats e outros aplicativos de redes sociais, ler e-mails, notícias, ouvirem música e ainda estarem atentos ao que acontece no meio físico, simultaneamente. Ao lidar com vários aparelhos conectados, passa a interagir com uma diversidade de mensagens, ao mesmo tempo em que está corporalmente presente em ambientes físicos. Conforme a pesquisadora Santaella (2014), o perfil cognitivo do leitor ubíquo, que se aproveita dos diferentes recursos tecnológicos para acessar informações e realizar leituras em qualquer espaço e tempo, demonstra que a atenção dispensada é parcial contínua e continuamente parcial, pois responde simultaneamente a distintos focos, sem ater-se demoradamente a nenhum deles. O que caracteriza esse tipo de leitor é uma espécie de “prontidão cognitiva” (com ênfase para sua capacidade de processar paralela e conjuntamente, informações de ordens diversas), que serve para orientar-se entre o espaço virtual multimídia, sem perder o controle da sua presença e do seu entorno no espaço físico em que está situado. Essa geração espera que seu modo de ler o mundo seja contemplado na escola, o que nem sempre acontece, pois tais instituições não conseguem acompanhar em tempo real as mudanças ocorridas na sociedade, por diversos fatores que vão desde o econômico e social ao cultural e geográfico. Por outro lado, enquanto alguns realizam essas práticas sociais de leitura e escrita com desenvoltura, outros, porém, apesar de possuírem acesso a 38 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas bens materiais e equipamentos tecnológicos de última geração, de dominarem as redes sociais e aparentemente terem incorporado a tecnologia em seus cotidianos, apresentam alguma dificuldade de discernimento e seleção do que é relevante ser lido em meio ao bombardeiro de informações disponíveis. Além disso, muitos não possuem habilidades para aproveitar todo o potencial ofertado pelas ferramentas tecnológicas, seja porque necessitam de orientação, seja porque faltam leituras críticas do mundo ou de como potencializar suas práticas. Não tem sido fácil para as escolas, principalmente da rede pública, manter em funcionamentos as aulas no formato remoto, diante de tantos problemas sociais que permeiam as famílias dos alunos, bem como da falta de estrutura tecnológica das instituições de ensino e da pouca ou nenhuma qualificação aos docentes. Em tempos de pandemia, a criação de ambientes virtuais destinados a práticas de comunicação, leitura, escrita e aprendizado transcende a pedagogia tal como foi pensada tradicionalmente. A visão do professor como um mero transmissor de conteúdos deve ser superada para ceder lugar à figura de um mediador entre os alunos e essas novas leituras, de um profissional que estimule a troca de conhecimentos e desenvolva estratégias metodológicas que possibilitem a construção autônoma e integrada de um aprendizado contínuo. Nesse contexto, faz-se necessário que família e escola cada um cumpra seu papel de modo a garantir o direito fundamental do aluno. É hora de somar forças de modo que cada um dos atores envolvidos neste processo de garantia dos direitos das crianças e adolescentes cumpra seu papel e assim todos colham os bons frutos, mesmo em meio a tantas intempéries. 39 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Considerações finais Enfatizou-se nesse artigo a importância das práticas sociais de Alfabetização e Letramento na sociedade contemporânea, envolvendo interseções entre ensino, tecnologia e identidade leitora, na perspectiva da cultura digital em tempos de pandemia da COVID-19. Diante das discussões realizadas, observou-se que, se a criação de um modelo pedagógico que abarque a diversidade de indivíduos em situações distintas de letramento sempre foi um desafio para as escolas, as dificuldades são potencializadas no cenário inusitado do isolamento social. Assim, a realização de práticas letradas que atendam aos anseios de uma sociedade cada vez mais tecnológica exige várias reflexões. No períododa quarentena, a adoção de políticas públicas que atendam ao imperativo de suprir a lacuna deixada pela ausência de aulas presenciais - com a simples transposição das tradicionais práticas pedagógicas para o universo digital - não constitui garantia de que o processo de ensino e aprendizagem aconteça de forma efetiva. Embora a experiência inerente ao ensino presencial deva ser considerada na construção de saberes para o ensino remoto, o desenvolvimento de atividades educativas intermediadas pelos meios digitais requer investimentos em práticas e recursos destinados a tais fins. A implementação de ações díspares sem uma mediação consciente e eficiente, sem condições iguais de acessibilidade e aproveitamento de ferramentas digitais, aliadas à desconsideração das diferentes realidades educacionais, pode ser irremediavelmente prejudicial à oportunização e à oferta de ensino de qualidade. É preciso refletir, ainda, sobre a importância das instituições de ensino e do professor, visto que a criação de ambientes educativos colaborativos e participativos ultrapassa o formato pedagógico concebido tradicionalmente. 40 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas No que se refere ao letramento digital para a formação de professores, vimos que há que se incluir nos programas de formação o caráter reflexivo crítico para que a inserção das novas tecnologias na prática docente não seja apenas mecânica e reprodutor. Antes, que se instrumentalize os professores com o questionamento contínuo sobre o que, como e por que ensinar sua disciplina adotando-se esta ou aquela ferramenta tecnológica. Como agentes do letramento os professores, por meio de sua liderança, devem articular novas ações, proporcionando aos alunos oportunidade de mobilizar seus saberes para participarem das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita na vida, de maneira ética, crítica e democrática (Rojo, 2009, p.98). Auxiliar os alunos no desenvolvimento de competências e habilidades para interpretar, inferir, relacionar ideias em textos de diferentes gêneros e tipos, entre outras práticas, não deve ser atribuição específica do professor de português, mas de todos os docentes de distintos campos do conhecimento. Participação, colaboração e compartilhamento são funções de ambos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, cabendo aos docentes à condução e divisão das tarefas, com vistas à autonomia do aluno e de sua participação social cidadã. Nesse sentido, o papel das instituições de ensino é imprescindível no sentido de proporcionar a aprendizagem para os ambientes informacionais de novas mídias e tecnologias, com ênfase no letramento digital e na linguagem, pois, tornou essencial para as aulas remotas, criando esforços para aprimorar e elevar o nível de letramento dos indivíduos, e não somente o nível de alfabetização, sendo esta uma necessidade premente nos processos de ensino com vistas a uma aprendizagem realmente significativa. Entretanto, para os professores pouco foi ensinado acerca dele dentro de um modelo de ensino completamente a distância. Por isso, urge aprofundar os estudos teóricos e pesquisas de campo para a compreensão das propriedades e do funcionamento das textualidades em situações de uso cognitivo ou produtivo no cenário atual, a fim de entender como e quais letramentos as 41 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas instituições de ensino têm mobilizado nos discentes, por meio de plataformas digitais, nestes tempos de pandemia. Disso dependerá o sucesso ou fracasso quando se pretende incentivar os alunos a manterem o interesse pelos estudos neste cenário de suspensão de aulas ou de aulas on-line, bem como de prosseguirem estudando e frequentarem as aulas presenciais quando o estado de emergência acabar. Referências ALTENFELDER, Anna Helena et al. Fundamentos para a prática pedagógica na cultura digital: Ensinar e aprender no mundo digital. Cenpec, São Paulo, 2011. ABRAFI. (2020). CNE aprova parecer com diretrizes para reorganização dos calendários escolares e Realização de Atividades não presenciais pós-retorno. Website da Abrafi. [notícia]. Recuperado em 28 de Abril, 2020, disponível em: https://www. abrafi.org.br/index.php/site/noticiasnovo/ver/3214 BUZATO, Marcelo El Khouri. O letramento eletrônico e o uso do computador no ensino de língua estrangeira: contribuições para a formação de professores. Dissertação de mestrado, IEL, Unicamp, 2001. BRASIL. (2020a). Conselho Nacional de Educação. (2020). Parecer CNE-CP Nº 5, de 30 de abril de 2020, dispõe sobre a reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Recuperado em 03 de Maio, 2020, disponível em: https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Parecer-cne- cp-005-2020-04-28.pdf BRASIL. (2020c). Portaria nº345, de 15 de abril de 2020, que altera a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020. Ministério da Educação - MEC, Recuperado em 22 de Março, 2020, disponível em: https://www.mec.gov.br/ 42 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas BRASIL. (2020d). Ministério da Educação (2020). Portaria nº 376, de 03 de abril de 2020, que dispõe sobre as aulas nos cursos de educação profissional técnica de nível médio, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19. MEC, Recuperado em 10 de Abril, 2020, disponível em: https://www. mec.gov.br/ BRASIL. (2020e). Ministério da Educação (2020). CNE aprova diretrizes para escolas durante a pandemia. Recuperado em 30 de Abril, 2020, disponível em: http://portal.mec.gov.br/busca- geral/12-noticias/acoes-programas-e-projetos637152388/89051- cne-aprova-diretrizes-para-escolas-durante-a-pandemia. COSCARELLI, C. V. & RIBEIRO, Ana E. Letramento Digital. In: Frade, Isabel C. A. S et al. (Orgs.). Glossário CEALE*. Termos de Alfabetização, Leitura e Escrita para Educadores. Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita - CEALE. Faculdade de Educação da UFMG. Belo Horizonte, 2014. FERREIRA, LC. Dia da educação: especialistas explicam desafios do ensino durante e pós-pandemia [notícia]. Website EBC. Recuperado em 27 de abril, 2020, disponível em: https://www. ebc.com.br/educacao/2020/04/dia-da-educacao-especialistas- explicam-desafios-do-ensino-durante-e-pos-pandemia FOLHAPRESs. Professores e pais acionam Justiça contra ensino remoto [notícia]. Website Folha. Recuperado em 05 de Maio, 2020, disponível em: https://www.folhape. com.br/noticias/noticias/coronavirus/2020/05/03/ NWS,139192,70,1668,noticias,2190-professores-pais-acionam- justica-contra-ensino-remoto.aspx JENKINS, H.. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. 2.ed. São Paulo: Aleph. 2009. KLEIMAN, AB. Apresentação. In: Kleiman, Ângela (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, pp. 07- 11. 1995. 43 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas MANGAN, Patrícia Kayser Vargas; SARMENTO, Dirléia Fanfa; MANTOVANI, Ana Margô. As tecnologias da informação e da comunicação: recortes de experiência no contexto da formação inicial do professor. Colabor@ - Revista Digital da CVA - Ricesu, ISSN 1519-8529 Volume 6, Número 22, Fevereiro de 2010, 12 p. MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Ed. Papirus, 21ª Ed., 2013. PEREIRA, A S, SHITSUKA, D M, PARREIRA, F J & SHITSUKA, R. Metodologia da pesquisa científica. [E-book]. Santa Maria. Ed. UAB/NTE/UFSM. Recuperado em 23 Maio 2020, disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/ handle/1/15824/Lic_Computacao_MetodologiaPesquisa- Cientifica.pdf?sequence=1. ROJO, R.. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. SANTAELLA, L. Gêneros discursivos híbridos na rede na era da hipermídia. Bakhtiniana. 9(2): São Paulo,ago./dez., 2016 SANTOS, B S. A cruel pedagogia do vírus. [e-book]. Coimbra: Edições Almeidina. Recuperado em 20 de Abril, 2020, disponível em: https://www.cpalsocial.org/documentos/927.pdf SOARES, M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade, v. 23, n. 81, p. 143-160, 2002. TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. SP: Ed. Cortez, 1995. Capítulo 3 ARTETERAPIA E AFETIVIDADE PARA ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS Sônia Maria Ferreira dos Santos1 Ana Claudia Gonçalves Araújo2 Meire Elaine de Lourdes Dias3 Vanessa Rodrigues Almeida de Oliveira4 Introdução Fruto de uma pesquisa para obtenção ao título de Mestra em Educação, em que o objetivo foi verificar se as disciplinas dos cursos de Licenciatura em Pedagogia nas Instituições de Educação Superior no Estado de Goiás contribuem habilitam o discente a trabalhar com a Arteterapia no exercício da docência. Desse modo, a intenção deste estudo é apresentar os resultados da pesquisa empreendida. A pesquisa bibliográfica e documental dedicou-se a analisar o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) nas seguintes instituições: Universidade Federal de Goiás (UFG) - Campus Goiânia; Universidade Federal de Catalão (UFCAT); Universidade Federal de Jataí (UFJ); o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) e o Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Goiano - Campus Morrinhos (IF-Goiano). 1 Mestre em Educação. Professora na Rede Básica de Ensino – Secretaria de Estado da Educação - GO. E-mail: sonia.fsantos@seduc.go.gov.br 2 Mestre em Educação – E-mail: anaclaudiapsci@gmail.com 3 Doutora em Educação – E-mail: meiruel@hotmail.com 4 Mestre em Educação – E-mail: vanessarodrigues.ped@hotmail.com 46 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Nesta perspectiva verificou-se que os documentos oficiais não abordam a nomenclatura “Arteterapia”, e, para além disso, apesar de oferecerem uma estrutura global no que concerne à inclusão, os projetos não possuem similaridade ao abordarem o ensino da arte. Entendendo a Arteterapia De acordo com Cionari (2004) a Arteterapia designa os métodos que envolvem as Artes no contexto terapêutico e ou educacional. Nesse sentido, é compreendida como: Um campo de interface com especificidades própria, pois não se trata de simples junção de conhecimentos de arte e psicologia. Isso significa que não basta ser psicólogo e gostar de arte, ou ser artista/arte-educador e gostar de trabalhar com pessoas com dificuldades especiais para tornar-se arteterapeuta. (CIONARI, 2004, p. 7). A autora destaca que a Arteterapia pode ser desenvolvida em diferentes contextos, e, a depender do campo de atuação permite a participação de diferentes profissionais. Nesse sentido, no contexto educacional, É necessário que o arteterapeuta observe todo o processo realizado, indicando por onde o paciente / aluno iniciou o trabalho, de que forma uniu as partes; se foi feito individualmente ou em grupo, se necessitou da ajuda do terapeuta, se fez ou desfez alguma parte do processo etc. Sobretudo as possibilidades de interação e equilíbrio da estrutura organizada devem ser observadas (BORGES, 2010, p. 11, grifo nosso). A arte é considerada por vários intelectuais como “a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente de cada um. É a liberdade de expressão, é sensibilidade, criatividade, é vida” (GRASSI, 1997, p. 36), e desse modo, possibilita aos estudantes exteriorizar os sentimentos por vezes subjetivos, possibilitando a construção da aprendizagem. 47 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas As metodologias de aprendizagem desenvolvidas a partir da Arteterapia, são simples e estimulam, nessa continuidade, a expressão verbal e ou não verbal e corporal. Na escola, os alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) irão se desenvolver, porém, para que ocorra este desenvolvimento é preciso atividades diferenciadas, contextualizadas às especificidades individuais e “necessitarão de mais tempo e de intervenções de um mediador comprometido com o despertar e o desejo de aprender” (SOUZA, CARVALHO, 2013, p. 2-3). E, de acordo com Souza e Carvalho (2013), nessa perspectiva, “a emoção proporcionada pela arte e a racionalização dessa emoção modificam o indivíduo e a sociedade, pois a arte é uma profunda fonte de comunicação e um excelente estímulo ao desenvolvimento da autoestima” (p. 4). O primeiro contato com o ensino-aprendizagem da criança com NEE é com o Pedagogo, que irá acompanha-lo por no mínimo 5 anos. Nesse ínterim, é de extrema importância que o aluno ao adentrar o universo escolar, tenha garantido o acompanhamento de profissionais capacitados em atendê-lo, no auxílio ao desenvolvimento da aprendizagem. Desse modo, é em demasiado importante verificar como a questão é abordada nos cursos de formação. A afetividade no contexto escolar Segundo Mahoney e Almeida (2007) a afetividade se apresenta em três momentos na sua evolução, representados no quadro abaixo: 48 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Quadro 1 – Momentos evolutivos da afetividade Momentos evolutivos da afetividade Emoção É a exteriorização da afetividade, é sus expressão corporal motora. Sentimento É a expressão representacional da afetividade. Não implica reações instantâneas e diretas como na emoção. Paixão Revela o aparecimento do autocontrole como condição para dominar uma situação. Fonte: Mahoney, Almeida (2007). As autoras traçaram em sua pesquisa as etapas funcionais que a criança percorre, segundo Wallon, “do ato motor, do conhecimento e da pessoa” (2007, p. 117). Dito de outro modo, o indivíduo passa por diferentes etapas, desde o nascimento até a fase adulta e cada uma delas se caracteriza por comportamentos específicos à idade. “Cada estágio da afetividade, quer dizer as emoções, o sentimento e a paixão, pressupõem o desenvolvimento de certas capacidades, em que se revelam um estado de maturação” (SARNOSKI, 2014, p. 4) Nessa perspectiva, Wallon considera que: A afetividade é central na construção do conhecimento e da pessoa. O desamparo biológico que caracteriza os dois primeiros anos da vida humana, em razão das precárias condições de maturidade orgânica, determina um longo período de absoluta dependência da criança dos cuidados de um adulto para poder sobreviver (WALLON, 2010, p. 37). Capelasso e Nogueira (2013), expõem que: Por ser uma manifestação de sentimentos, carinhos ou cuidados, a afetividade pressupões que cultivemos em nós mesmos aptidões próprias do coração humano, que nos permite demostrar nossos sentimentos e emoções a outro ser ou objeto. Na psicologia afetiva é um termo que designa a suscetibilidade que o ser humano experimenta perante determinadas alterações que acontecem no mundo exterior ou em si próprio. (CAPELASSO, NOGUEIRA, 2013, p. 7). 49 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas Sarnoski (2014) salienta que a afetividade tem papel substancial no desenvolvimento da personalidade da criança, considerando que o ser humano está sempre em processo de construção e amadurecimento mental e orgânico. Iniciado na infância, a construção da afetividade inicia-se em casa, com a família. De acordo com a autora, caso a criança não receba afeto e cuidado possivelmente na fase adulta terá mais resistência nas relações sociais. Além disso: O tema afetividade ligado à aprendizagem está sempre em evidência nos ambientes escolares, impelindo professores a se superar ou fazendo-os recuar, chegando à desistência dos casos mais complexos. Porém, ela tem um papel muito importante nos resultados que os professores e alunos almejam. Hoje já se sabe que a afetividade é algo visceral, um sentimento, ou se tem ou se não tem. Isso não quer dizer que não se possa fazer nada para que as pessoas consigam vivenciá-las. (SARNOSKI, 2014, p. 2). Nessa continuidade, Ribeiro (2010) indica que a relação professor/aluno podecontribuir na formação da personalidade, a depender é claro, do tipo de relação estabelecida. Nas palavras de Ribeiro (2010): Fica evidente que os estudantes apreciam mais as disciplinas ministradas por professores com os quais se relacionam melhor, pois a conduta desses profissionais influencia a motivação, a participação e a dedicação aos estudos. Motivar um estudante, então, não é uma questão de técnica, mas depende da relação que se estabelece com esse sujeito (RIBEIRO, 2010, p. 407). Desse modo, podemos considerar que a afetividade se constitui como facilitadora da aprendizagem. Além de Henri Wallon, Jean Piaget e Lev Vygotsky considerados clássicos do desenvolvimento da aprendizagem infantil, outros intelectuais também discutem a importância da afetividade na construção da aprendizagem. Fernández (1991) considera que a aprendizagem é repleta de afetividade, uma vez que ocorre pela interação. Sob 50 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas este ponto de vista a afetividade é a espinha dorsal do processo de ensino-aprendizagem. Vygotsky (2003) aponta que: As reações emocionais exercem uma influência essencial e absoluta em todas as formas de nosso comportamento e em todos os momentos do processo educativo. Se quisermos que os alunos recordem melhor ou exercitem mais seu pensamento, devemos fazer com que essas atividades sejam ensinadas e instigadas emocionalmente. A experiência e a pesquisa têm demonstrado que um fato impregnado de emoção é recordado de forma mais sólida, firme e prolongada que um feito indiferente. (VYGOTSKY, 2003, p. 121). A escola como instituição educativa que tem a função social de promover a aprendizagem de modo a construir junto aos alunos conhecimentos que possibilitem que os mesmos exerçam sua cidadania de modo crítico, consciente e transformadora das realidades sociais, torna-se nesse sentido como espaço fundamental de socialização, desde a infância, pois, é na escola que a criança tem o primeiro contato com o ensino institucionalizado. Desse modo, torna-se extremamente importante a formação específica para atuar na docência. Esta é uma reflexão proposta por esse estudo. A Arteterapia e a aprendizagem para alunos com NEE Já exprimimos que a Arteterapia é uma metodologia de aprendizagem que utiliza a Arte no processo educativo de alunos com NEE. Esse atendimento, bem como a inclusão são questões que começaram a ser discutidas no Brasil, na segunda metade de século XX. Segundo Jannuzzi (2004), por volta dos anos 30 é iniciada a discussão sobre o atendimento a esses alunos. No idos de 1930 foram criadas instituições filantrópicas para o cuidado dos indivíduos com NEE. Nesse período o Estado não reconhece que os indivíduos com NEE deveriam receber educação institucionalizada, mas subvencionava parcialmente as instituições que atendiam essas crianças. As instituições que funcionavam de modo precário se 51 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas expandiram na década de 1950 com a criação da Associações dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de cunho assistencialista. As clínicas de reabilitação de pessoas com necessidades especiais surgem e se intensificam após a Segunda Guerra Mundial que deixou várias pessoas com lesões de toda ordem. No Brasil, o projeto de desenvolvimento econômico no Brasil, no contexto cívico-militar (1965-1985) articulava a tendência tecnicista, a formação para o trabalho. Nesse contexto, a escola foi considerada, nos moldes tecnicistas, como investimento. (ROMANELLI, 2003). Em 1971 com a publicação da segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei 5,692/71 – é criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). As discussões acerca da Educação Especial se intensificam com a criação em 1978 do Programa de Pós-graduação em Educação Especial na Universidade de São Carlos (UFSCar). Porém, é na década de 1980 que se torna latente a luta dos direitos das pessoas com necessidades especiais, a integrar-se ao processo educativo. (SASSAKI, 2002). No processo de redemocratização do Brasil, a Constituição Federal (CF) foi promulgada em 1988, e encontra-se em vigência até os dias atuais, e, foi a partir desse período que se intensificaram os debates para acesso e permanência das pessoas com NEE à escola. É importante mencionar também ao ponderar sobre a educação inclusiva, a Declaração de Salamanca em 1994, elaborada a partir da Conferência Mundial sobre Educação Especial ocorrida na Espanha. Dois anos depois é publicada a terceira versão da Lei de Diretrizes e Bases sob o número 9.394/96, estabelecendo consoante a CF que a educação é direito de todos e dever do Estado. As escolas nessa conjectura deveriam proporcionar o ensino- aprendizagem a todos, considerando todas as especificidades individuais. Em consonância com a Declaração de Salamanca: As escolas integradoras constituem um meio favorável à construção da igualdade de oportunidades da completa participação; mas, para ter êxito, requerem um esforço comum, não só dos professores e do pessoal restante da escola, mas também dos colegas, pais, famílias e voluntários. A reforma das 52 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas instituições sociais não só é uma tarefa técnica, mas também depende, antes de tudo, da convicção, do compromisso e da boa vontade de todos os indivíduos que integram a sociedade (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 2004, p. 14). A esse respeito, podemos inferir que a escola é uma instituição extraordinariamente importante à construção do conhecimento, e, nesse sentido, a figura do professor enquanto mediador dessa construção é significativa. E no que concerne à formação docente, é relevante analisar os currículos. Assim, a Resolução do Conselho Nacional de Educação Nº 02/2015 aponta que: Os currículos dos cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdo específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas (BRASIL, 2015). Nesse sentido, os PPCs dos cursos analisados na pesquisa indicam a formação docente para atuarem na Educação Infantil, Ensino Fundamental I também na Educação de Jovens e Adultos nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Consoante ao PPC da UFG: Esse novo pedagogo/professor, como os demais licenciados em outras áreas do saber, deveria ser formado para compreender as questões da educação e da escola e nelas poder intervir pela discussão teórica e pelo trabalho docente. Além da atuação em área específica do saber e do trabalho de ensinar, cada licenciado deveria ser capaz de desempenhar funções de coordenação e de gestão nas escolas e nas redes de ensino, bem como de assumir outras atividades e funções educativas no serviço público e nos setores produtivos e de serviços (PPC/UFG, 2015, p. 05). Em análise aos currículos os cursos não oferecem especificamente a disciplina Arteterapia, porém oferecem disciplinas que possivelmente abordam a questão da Arte na Educação, bem 53 Pesquisas Educacionais: Contextos e Perspectivas como a questão da inserção de indivíduos com NEE na educação escolarizada, conforme o quadro abaixo: Quadro 2 – Relação de Disciplinas que abordam a Arte e a Educação Inclusiva em Instituições de Ensino Superior (federais) em Goiás. Relação de Disciplinas que abordam a Arte e a Educação Inclusiva em Instituições de Ensino Superior (federais) em Goiás. Disciplinas Instituição Psicologia da Educação / Fundamentos Teóricos e Práticos da Educação Especial e Inclusão Escolar / Libras / Arte e Educação. UFG Psicologia da
Compartilhar