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Universidade Católica de Brasília – Curso de Ciências Biológicas – Zoologia II Panarthropoda* O grupo Panarthropoda, às vezes considerado um superfilo, reúne os filos Antropoda, Tardigrada e Onychophora. Sendo membros dos Ecdysozoa, possuem cutícula de quitina, mas se separam dos filos de Cycloneuralia por serem segmentados, possuírem cordão nervoso ventral e serem verdadeiramente celomados, apesar da cavidade celomática ser reduzida a lacunas (hemocele). Os artrópodos são o maior e mais bem conhecido dos três filos, constituídos de animais com exoesqueleto (cutícula) de quitina formando placas articuladas, inclusive nos apêndices, característica que dá nome ao grupo; exemplos de artrópodes são os insetos, crustáceos, aranhas e centopeias (como a mostrada na figura 1). Conhecidos como perípatos ou vermes de veludo, os onicóforos tem o corpo coberto com cutícula flexível e sem placas e o aspecto segmentar é aparente pela disposição dos lobopódios, ou seja, patas carnosas com extremidade articulada. Já os tardígrados são microscópicos, aquáticos ou semi-terrestres; possuem quatro pares de lobopódios e sua cutícula pode ter placas no lado dorsal (não presentes no exemplar da Figura 1, mas podem ser vistas na Figura 10). Validade do grupo e Filogenia O grupo Panarthropoda é sustentado na maioria das reconstruções filogenéticas moleculares, baseadas em diversas sequências de genes, mas também em estudos neuroanatômicos e paleontológicos. Desse modo, existem consenso de que seja um grupo válido. No entanto, a relação dos tardígrados com os outros dois filos é controversa, às vezes sendo considerado como grupo irmão dos Arthropoda, ou como grupo mais basal de Panarthropoda, ou com relação mais próxima aos Cycloneuralia (neste caso, sendo excluído de Panarthropoda). Por esta razão, a relação entre os três filos aparece como não resolvida na figura 2. Além de compartilharem o corpo segmentado, redução do celoma e cordão nervoso ventral, outras duas características são atribuídas aos panartrópodos: presença de lobopódios (patas carnosas) com extremidades articuladas e coração com óstios. No entanto, vale dizer que estas características não estão presentes em todas as espécies viventes. Por * Roteiro de aula, elaborado pela Profa. Lourdes Elmoor Loureiro (jul2016) Figura 2: Filogenia de Ecdysozoa (de Telford et al., 2008) Figura 1: Os três filos de Panarthropoda: Arthropoda, Onychophora e Tardigrada. (a imagem de Tardigrada foi tomada em microscopia eletrônica de varredura e colorizada em editor de imagem) Onychophora - 2 de 6 exemplo, os lobopódios não estão presentes nos artrópodes atuais, que possuem patas articuladas; no entanto, existem evidências de que as patas articuladas se derivaram dos lobopódios. Uma outra exceção é o fato dos tardígrados não possuírem sistema circulatório, mas isso parece estar relacionado ao seu tamanho reduzido, podendo ser uma condição secundária. A seguir, serão apresentadas as características dos Onychophora e Tardigrada; os Arthropoda serão tratados em outro resumo. Filo Onychophora Conhecidos desde o período Cambriano, os onicóforos são também chamados de perípatos ou “vermes de veludo”. Estes animais, que tem entre 1,4 e 15,0 cm de comprimento, habitam regiões tropicais e subtropicais, vivendo em ambientes terrestres úmidos, debaixo de pedras, galhos e folhas. Atualmente, são conhecidas apenas 182 espécies no mundo (Zhang, 2011). De acordo com Vasconcellos & Almeida (2016), no Brasil ocorrem 13 espécies de onicóforos; entretanto, Sampaio-Costa et al. (2009) sugerem existir quase o dobro. Em aspecto geral (Figura 3), são alongados, com boca anterior ventral, um par de antenas e uma série de pares de patas carnosas ou lobopódios. A segmentação do corpo é evidenciada pelos lobopódios e por algumas estruturas internas, tal como o sistema nervoso e os nefrídios. Na cabeça, existe um par de antenas anuladas; a boca ventral é circundada por lobos peribucais e possui um par de mandíbulas (Figura 4). Próximas à boca, existem duas papilas orais, onde desembocam os dutos das glândulas adesivas (também chamadas glândulas de muco). São animais predadores, que usam da secreção das glândulas adesivas para imobilizar suas presas. Os lobopódios apresentam garras em sua extremidade (Figura 6). O nome Onychophora significa “portador de garras”, o que faz menção às garras dos lobopódios. Sendo carnosos, a forma dos lobopódios é mantida pelo líquido hemocelômico. Figura 3: aspecto geral de Onychophora Figura 4: Parte anterior de um onicóforo, em vista ventral (de Barnes, 1984) Figura 5: Onicóforo alimentando-se de um pedaço de carne (de Brusca & Brusca, 2007) Figura 6: Lobopódio de Onychophora (de lanwebs.lander.edu) Onychophora - 3 de 6 A cutícula quitinosa que reveste o corpo é mole e flexível; o animal sofre mudas periódicas, como todos os panartrópodos. Abaixo da cutícula está o epitélio, com inúmeras papilas, o que dá o aspecto aveludado aos onicóforos (Figura 7). Cerdas sensoriais estão associadas às papilas. O celoma é reduzido pela presença do parênquima, ficando restrito às cavidades das gônadas e nefrídios; existe uma hemocele, tal qual nos artrópodes. A musculatura é semelhante à dos anelídeos, com camadas de músculos circular, oblíqua e longitudinal. (Figuras 7 e 8). A locomoção é realizada por ondas de contração da musculatura do tronco, da região anterior para a posterior, ajudada pelos lobopódios. Os músculos associados à movimentação dos lobopódios são contínuos à musculatura da parede do corpo (ver figura 8). O trato digestório é simples, composto de boca, faringe, esôfago, intestino e ânus (Figura 9). O sistema circulatório é aberto, com coração tubular dorsal com óstios, semelhante ao dos artrópodes. As trocas gasosas são feitas por traquéias, como nos insetos. A excreção é feita por um par de metanefrídios por segmento. O sistema nervoso apresenta um cérebro bilobado, dois cordões nervosos ventrais ligados por comissuras, sem gânglios ventrais (figura 9A). Na base das antenas, existe um par de olhos simples ou ocelos. São animais de sexos separados. Existe um par de gônadas, donde parte um par de gonodutos que se fundem na porção final, desembocando em um único poro genital (figura 9B). A fecundação é interna e as espécies podem ser ovíparas, vivíparas ou ovovivíparas. Figura 7: Corte longitudinal da parede do corpo de Onychophora (de Brusca & Brusca, 2007) Figura 9: Estrutura geral dos onicóforos. A, estrutura interna. B, dissecção em vista dorsal (A de Barnes, 1984; B de Storer et al., 1986). Figura 8: Corte transversal de um onicóforo (de Pechenik, 2000) Onychophora - 4 de 6 Filo Tardigrada Os tardígrados são pequenos habitantes da água intersticial de praias, solos e sedimento de ambientes aquáticos (marinhos e límnicos), além poderem viver no filme de água em musgos, liquens e algumas plantas; cerca de 80% das espécies possuem estes hábitos semiterrestres. São chamados de “ursos d’água”, mas o nome Tardigrada, na verdade, significa “caminhante lento”. São conhecidas 1.157 espécies no mundo (Zhang, 2011); no Brasil são apenas 14 marinhas e 61 espécies limno-terrestres (Moura et al., 2009; Assunção, 1999). Eles têm, em geral, entre 0,05 e 1,2 mm de comprimento (mas um gênero pode alcançar 1,7 mm). Seu corpo é roliço, curto e cilíndrico, com quatro pares de carnosas patas ventrais, tendo na extremidade garras ou discos adesivos (Figuras 10 e 11). A cutícula extracelular contém quitina e sofre mudas periódicas. Nos chamados heterotardígrados, existem placas segmentadas nolado dorsal, como modificação da cutícula (Figura 10). Tem celoma reduzido (hemocele), semelhante aos artrópodes, que tem função de circulação e respiração. O sangue incolor circula pela hemocele. Apresentam músculos em feixes, tanto lisos como estriados. Assim, a locomoção é semelhante à dos artrópodes, isto é, independente de ondas de contração do tronco. As espécies aquáticas alimentam-se do fluído interno de células animais e vegetais, enquanto que as habitantes do solo se alimentam de matéria em decomposição ou são predadoras. Figura 11: Anatomia interna de um tardigrado, corte longitudinal. (de Hickman et al., 2004) Figura 12: Aparelho bucal de um tardigrado. (adapt. de Nelson, 2001) Figura10: Vistas dorsal e lateral de heterotardígrados (armados, com placas) e eutardígrados (desarmados, sem placas). Onychophora - 5 de 6 Apresentam aparelho digestório completo. Utilizam um par de estiletes orais para perfurar os tecidos animais ou vegetais de que se alimentam e, com a faringe sugam o seu conteúdo (Figuras 11 e 12). Não possuem sistema circulatório ou respiratório. A excreção é feita por túbulos ou glândulas de Malpighi. O sistema nervoso segue o plano geral dos artrópodes (ganglionar em escada de corda), tendo o gânglio cerebroide trilobado e cordão nervoso com gânglios fundidos (Figuras 11 e 13). A reprodução é sexuada, mas pode ocorrer partenogênese. São animais dioicos. Cada sexo apresenta uma gônada única (Figura 11). O acasalamento e a deposição de ovos ocorrem durante a muda. A fecundação pode ocorrer no ovário ou na própria exúvia. A liberação dos ovos ocorre com a exúvia (Figura 14) ou estes podem ser liberados livres. O desenvolvimento é direto. Apresentam capacidade de anabiose (um estado de dormência que envolve redução da atividade metabólica em condições ambientais desfavoráveis) e criptobiose (um estado extremo de anabiose no qual inexiste qualquer sinal de atividade metabólica). Assim, em situações desfavoráveis, o animal forma um cisto pode sobreviver à dessecação, baixos teores de oxigênio e a variações extremas de temperatura (-272° a 149° C) e salinidade. Em geral, as espécies aquáticas marinhas, que vivem em condições mais estáveis, não realizam criptobiose (Guidetti et al., 2011). Bibliografia ASSUNÇÃO, C.M.L. Tardigrada. In: MIGOTTO, A.E.; TIAGO, C.G. (Org.). Biodiversidade do Estado de São Paulo, Síntese do conhecimento ao final do século XX: invertebrados de água doce. São Paulo: Fapesp, 1999. p. 59-64. BARNES, R. D. Zoologia dos Invertebrados. 4a edição. São Paulo: Editora Roca, 1984. 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(de Pechenik, 2000) Figura 14: Fêmea de tardígrado em muda, liberando exúvia com ovos (de Brusca & Brusca, 2002) Onychophora - 6 de 6 ROCHA, C.C.; GOMES-JUNIOR, E.L. Tardigrada. In: Fransozo, A.; Negreiros-Fransozo, M.L. (org.). Zoologia dos Invertebrados. Rio de Janeiro: Ed. Roca, 2016. P. 407-417. SAMPAIO-COSTA, C.; CHAGAS-JUNIOR, A.; BAPTISTA, R.L.C. Brazilian species of Onychophora with notes on their taxonomy and distribution. Zoologia, vol 26, n. 3, p. 553–56, 2009. STORER, T. I., R. L. USINGER, R. C. STEBBINS & J. W. NYBAKKEN. Zoologia Geral. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1984. TELFORD, M.J.; BOURLAT, S.J.; ECONOMOU, A.; PAPILLON, D.; ROTA-STABELLI, O. The evolution of the Ecdysozoa. Phil. Trans. R. Soc. B, vol. 363, p. 1529-1537. 2008. VASCONCELLOS, A.; ALMEIDA, W.O. Onychophora. In: Fransozo, A.; Negreiros-Fransozo, M.L. (org.). Zoologia dos Invertebrados. Rio de Janeiro: Ed. Roca, 2016. P. 400-406. ZHANG, Z.Q. 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