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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO- UEMA DEPARTAMENTO DE FÍSICA DISCIPLINA: FUNDAMENTOS DOS CONCEITOS EM ENSINO DE FÍSICA KARINY ALANDA IDEIAS DE DESCARTES E LOCKE SOBRE A MATÉRIA: EMBATE ENTRE RACIONALISMO CARTESIANO E EMPIRISMO BRITÂNICO Trabalho acadêmico do curso de graduação em Física da Universidade Estadual do Maranhão- UEMA. CAXIAS-MA 2020 2 Kariny Alanda Teixeira Costa 1 IDEIAS DE DESCARTES E LOCKE SOBRE A MATÉRIA: EMBATE ENTRE RACIONALISMO CARTESIANO E EMPIRISMO BRITÂNICO Palavras‐chave: Racionalismo Cartesiano; Empirismo inglês; Matéria. O grande filósofo, físico e matemático francês, René Descartes (1596-1650), é considerado o criador da Filosofia Moderna e foi o autor de diversas e importantes contribuições para a ciência e para a filosofia. Propôs uma filosofia que fosse exclusivamente fundamentada na verdade indubitável e que se preocupasse com a clareza e a ordem. Descartes, formado na tradição aristotélica, foi um crítico da escolástica medieval e da metafísica tradicional, embora o seu racionalismo ainda estivesse bastante próximo da metafísica ele também era um entusiasta da ciência moderna. A razão da proximidade de Descartes com essa área da filosofia era a sua intenção de elaborar um sistema que incorporasse alguns dos objetivos da metafísica tradicional, como a explicação da natureza da realidade e o apontamento da essência de cada coisa. Como resultado disso, este filósofo passou a fundamentar as diversas ciências na metafísica. O atributo principal do pensamento de Descartes é o de promover, partindo da fundamentação metafísica, a unidade de conhecimento que designa o estreito acordo que existe entre as várias ciências. Esse enfoque pode ser evidenciado quando Descartes explica a união substancial entre corpo e alma no homem, fazendo com que uma tese metafísica originasse a fisiologia e a psicologia nascentes que se encontram em seu método. Nesse contexto, a mecânica está em uma posição próxima à medicina e à moral, resultando nessa concepção unificadora das ciências. Assim, Descartes promove a união entre a filosofia e as artes mecânicas, defendendo uma filosofia que seja útil para o ser humano. Ao invés da filosofia aprendida nas instituições de ensino, busca-se encontrar uma prática pela qual, conhecendo a força e as ações dos elementos e corpos que nos cercam, seja possível empregá- los a todos os usos para os quais eles são adequados e assim tornar o homem como mestre e possuidor da natureza. A partir de meados do século XVII até meados do século XVIII, os empiristas, contrários a algumas das teses centrais do racionalismo cartesiano de Descartes, sobretudo a 1 Aluna do curso de Física licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão- UEMA. 3 sua doutrina das ideias inatas, se apoiaram na tradição de pensamento britânico de tendências empiristas e nominalistas desde a Idade Média, com autores como Roger Bacon 2 , John Duns Scot 3 e Guilherme de Occam 4 . Um dos maiores e mais relevantes empiristas ingleses foi John Locke. [...] Afirmo que a capacidade é inata, mas o conhecimento adquirido (LOCKE, 1978:146). Nascido na Inglaterra, John Locke (1632-1704) é considerado o pai do empirismo inglês e do liberalismo político. Teve uma fundamental influência no pensamento do século XVIII. Locke estudou medicina, ciências naturais e filosofia em Oxford, e se aprofundou no entendimento das obras de Francis Bacon 5 e René Descartes. Locke retoma também a mesma crítica radical à metafísica aristotélica e medieval já empreendida por Francis Bacon, movido também pelo entusiasmo com a ciência moderna e seu método empírico, baseado na observação e na experimentação. A epistemologia de Locke, descrita usualmente como empirismo, apresenta a experiência como a única e exclusiva fonte das ideias, que segundo Locke corresponde a “tudo aquilo que constitui o objeto do entendimento quando um homem pensa” e, ainda, corresponde “aos materiais da razão e do conhecimento”. O fornecimento desse material à mente é um processo gradativo e indefinido. Ele afirmava que o conhecimento era adquirido por meio da experiência, que pode ser tanto a “sensação”, pela qual a mente toma contato com a realidade externa, como a “reflexão”, pela qual se dá conta de suas próprias operações internas. Por apregoar que o conhecimento era adquirido pela experiência foi considerado um dos principais empiristas britânicos. [...] Afirmo que estas duas, a saber, as coisas materiais externas, como objeto da sensação, e as operações de nossas próprias mentes, como objeto de reflexão, são, a meu ver, os únicos dados originais dos quais as ideias derivam. O termo operações é usado aqui em sentido lato, compreendendo não apenas a ações da mente sobre suas ideias, mas também certos tipos de paixões que às vezes nascem delas, tais como a satisfação ou inquietude que nascem de qualquer pensamento (LOCKE, 1978:159 -160). 2 Roger Bacon foi um cientista e filósofo inglês que viveu entre 1220 e 1292. Seus estudos foram marcados pelo empirismo e uso da matemática no entendimento da natureza. 3 John Duns Scot nasceu na Escócia por volta de 1266, foi fundador e líder da famosa Escola Escotista e um dos mais importantes filósofos escolásticos. 4 Guilherme de Ockham foi teólogo escolástico inglês (1285-1347), e é considerado o precursor do racionalismo. 5 Francis Bacon (1561-1626) foi um filósofo e político inglês e um dos fundadores do método indutivo de investigação científica, baseado no Empirismo. 4 Descartes sempre demonstrou um interesse vitalício pela mecânica, sua cosmogonia cartesiana parte de um projeto mecanicista de explicação da natureza. Surpreendentemente, ele se baseou em dados empíricos para a elaboração de sua teoria cosmogônica. Ao se aprofundar nos estudos sobre a estrutura e fundamento do universo, Descartes concluiu que a característica essencial do mundo material é a sua extensão e idealiza o Universo como a extensão em movimento. Assim, ele reduz a matéria à extensão e afirma que o universo não é vazio, pois a extensão o preenche completamente como uma matéria sutil. O cartesianismo, um movimento intelectual que deu origem à Filosofia Moderna, foi suscitado pelo pensamento filosófico de René Descartes 6 durante os séculos XVII e XVIII. Ele sustenta-se no dualismo mente-corpo, em que a essência da mente é pensar e a do corpo ou matéria é existir em três dimensões. Para compreender o universo cartesiano é necessário considerar as leis do movimento que contêm a explicação a respeito de como ocorre a comunicação do movimento entre as partes da matéria que compõem o mundo. A relação entre matéria e extensão e a afirmação do não-vazio exige a consideração de que os corpos interagem entre si, ou seja, a determinação do movimento de um corpo está ligada à consideração da resistência que oferecem os corpos que o rodeiam. O uso de analogias, isto é, uma redução a um exemplo de esquema conhecido, é um recurso útil e também encontrado ao longo de toda a obra cartesiana, inclusive é utilizado por Descartes para explicar sobre o funcionamento do corpo de um ser vivo. Suas concepções mecanicistas possibilitam a compreensão de como ocorre a ação mútua dos elementos do universo, a partir dos princípios expostos. Segundo Locke, os corpos possuem qualidades primárias e secundárias. As qualidades primárias (ou originais) dos corpos são aquelas em a mente não pode se separar, como solidez, extensão, formato e mobilidade. Essas qualidades produzem as ideias simples nos seres humanos. Este é também um ponto no qual Locke discorda de Descartes. Para Descartes, é possível conhecer a essência dos corpos,que corresponde à extensão, sem recurso à experiência. Além disso, de acordo com Locke, os corpos também possuem qualidades secundárias, que produzem nas pessoas determinadas ideias simples graças a suas qualidades primárias, mas que não podem ser atribuídas a eles propriamente, como: cores, sons, gostos etc. A principal diferença entre as qualidades primárias e secundárias é que as primárias pertencem aos corpos independentemente se é perceptível ou não. As qualidades 6 Descartes é comumente considerado como o primeiro pensador a enfatizar o uso da razão para desenvolver as ciências naturais. 5 secundárias, que são também chamadas de sensíveis, consistem, por sua vez, naquelas que são produzidas nos indivíduos pelos corpos e estão presentes apenas na mente. Locke também apresenta a distinção entre ideias simples e complexas. As ideias fornecidas pela experiência são simples, e o entendimento possui a capacidade de formular ideias complexas a partir das ideias simples. A razão reúne as ideias, coordena-as, compara, compõe, distingue, e dessa forma as ideias entram em conexão umas com as outras por meio da racionalidade. As ideias simples que vem da sensação se combinam entre si, formando as ideias complexas. [...] Quando o entendimento já está abastecido de ideias simples, tem o poder para repetir, comparar e uni-las numa variedade quase infinita, formando, à vontade, novas ideias complexas (LOCKE, 1978:164). John Locke, assim como os demais empiristas, recusou fortemente o inatismo proposto no racionalismo de Descartes, e declarava que não era possível que qualquer pessoa tivesse ideias inatas, porque só dariam conta delas quando possuíssem a razão. Apresentou a teoria de que antes de percebermos qualquer coisa, a mente é como uma folha de papel em branco, e a alma seria como uma “tábua rasa”; somente quando começamos a perceber tudo em nossa volta, surgem ideias simples adquiridas pelos sentidos. Essas sensações são trabalhadas na busca por conhecimento, pelo pensamento, pela dúvida e pela crença, resultando no ato de reflexão. A mente não é um mero receptor passivo, já que ela processa e classifica todas as sensações conforme vai formando os conhecimentos e a personalidade do ser humano. No pensamento de Locke a felicidade e a ruína do homem geralmente se referem a sua própria obra, e o caráter da maioria dos homens é resultado da educação que recebeu. No percurso realizado por René, é notória a valorização da razão, do intelecto, do entendimento. É marcado pelo aspecto universal e absoluto da razão, em que no ato de pensar uma pessoa é capaz de descobrir todas as verdades possíveis. Uma consequência disso é o dualismo: corpo e consciência. O corpo é uma realidade física e fisiológica sujeito às leis deterministas da natureza, possui massa, extensão e movimento e desenvolve exercícios como a alimentação, digestão etc. Já a consciência não se submente às leis físicas, pois as atividades da mente de lembrar, raciocinar, conhecer etc, não possuem localização no espaço e nem extensão. Portanto, na perspectiva de Descartes, há dois domínios distintos: o corpo, estudado pela ciência, e a mente, objeto de estudo da reflexão filosófica. 6 Ademais, alguns pensamentos de Locke publicados em 1693, trouxeram uma proposta inovadora para a educação e para a pedagogia da época, pois valorizava tanto a cultura do intelecto como do corpo. Ele considerava a saúde importante para os negócios e a felicidade do homem, e recomendava uma série de cuidados com o corpo, desde quando crianças. Após realizar as devidas práticas (como alimentação saudável, sono regulado etc.) com o objetivo de manter o corpo forte e vigoroso, seria mister cuidar do espírito e da mente. Um homem deveria ser capaz de recusar a satisfação de seus próprios desejos e obedecer às suas razões para não se tornar escravo de suas vontades, educando a mente desde a infância. Dessa forma, ele estabelece uma estreita relação entre o corpo e a mente, ambos sendo estudados juntos e o cuidado de um refletindo no bem-estar do outro. Nesse caso, ambos são objetos de estudo da psicologia. Locke tratou a mente como se o comportamento desta fosse de acordo com as leis físicas do universo. As partículas básicas seriam as ideias simples que não poderiam se decompor em nada mais simples, mas poderiam se combinar de várias maneiras para formar algo mais complexo. É importante frisar que o empirismo que foi explicitamente definido por John Locke, declara que a realidade consiste nos fatos ou coisas que podem ser observados e o conhecimento do real é reduzido à experiência sensorial que se tem dos objetos, e essas sensações se agrupam e formam ideias em nossa mente. Foi o pensamento empirista que desempenhou o principal papel na configuração das etapas essenciais do desenvolvimento da psicologia. No século XIX, os pesquisadores passaram a se basear na experiência e observação controladas de maneira cuidadosa para estudar a mente humana, e a partir disso a psicologia começou a alcançar uma identidade que a diferenciava de suas raízes filosóficas. O filósofo dá ênfase ao papel da psicologia no meio educacional, acreditando firmemente na necessidade de conhecer a criança. De acordo com seus trabalhos escritos, o educador deveria observar as características emocionais do aluno para submetê-lo a diferentes métodos de aprendizado. Recomendava o estudo atencioso do temperamento das crianças para usar a razão de acordo com a capacidade deles. Sendo a educação estudada pela Pedagogia que depende do apoio de diferentes áreas de conhecimento, como a Filosofia, Psicologia, Sociologia, Biologia, História entre outros, é observável a influência de Locke em várias delas. Em contrapartida, Descartes não percorreu o caminho psicológico e pedagógico. Ele tinha o propósito inicial de encontrar um método seguro que o conduzisse à verdade. Procurou-o, então, no ideal matemático, ou seja, uma ciência que fosse matemática universal, usando um tipo de conhecimento que fosse peculiar à matemática. Sabe-se que a inteligência - 7 e não os sentidos - domina completamente o conhecimento da matemática, que está apoiado na ordem e na medida. Assim, este conhecimento permite o estabelecimento de cadeias de razões que promove a dedução de uma coisa em outra. Os tratados de mecânica referidos por Descartes estão vinculados à concepção de mecânica como uma ramificação da matemática. A estrutura dos tratados de mecânica indica ainda esse vínculo com a matemática, pois estão presentes definições, suposições, e mais abstrações do que a realidade física. No século XVII, John Locke e René Descartes foram, junto com Robert Boyle 7 , importantes articuladores e defensores de um conjunto particular de hipóteses sobre a natureza da matéria, o chamado Corpuscularismo, uma teoria física que afirma que toda a matéria é composta de partículas minúsculas divisíveis. Este foi um passo no caminho para a produção de ouro pela transmutação de metais mais básicos. O Corpuscularismo permaneceu uma teoria dominante por séculos e foi misturado com alquimia no século XVII por Robert Boyle e Isaac Newton. Nas obras de Locke, ele se dedica, sobretudo, ao estudo de temas relacionados à psicologia e educação, voltados para as observações do comportamento humano e para o processamento do conhecimento, baseados na experiência sensitiva, caracterizando assim a sua epistemologia empirista; enquanto nos trabalhos de Descartes há uma presença marcante da matemática e da lógica como o método que conduz ao pleno conhecimento da verdade, isso se dá principalmente porque este tipo de conhecimento não está baseado em sensações, mas consiste em um conhecimento racional apoiado na ordem e na medida. Diante do exposto, percebi que é naturalmente possível e aceitávelsustentar uma posição empirista a respeito de um determinado tipo de conhecimento e racionalista a respeito de outro. De fato, pode acontecer, frequentemente, que empiristas em relação ao conhecimento do mundo físico e psicológico sejam racionalistas em relação ao conhecimento matemático. Até mesmo dentro de uma mesma área é cabível manter posições diferentes em relação à origem do conhecimento, dependendo do tipo de sentença analisada. Não há como discordar que no campo científico, faz-se o uso tanto dos conhecimentos empíricos como dos racionais, sempre considerando a proposição envolvida. Eu percebi que as obras de John Locke apresentam pontos do sistema educacional que podem ser efetivamente aproveitados ainda no século atual, usados até mesmo por pais e professores como um manual da educação. Paralelamente, ao analisar posições mais representativas do pensamento de Descartes 7 Robert Boyle (1627-1691) foi um químico e físico irlandês, considerado um dos fundadores da Química. Ganhou grande destaque e reconhecimento como autor da Lei de Boyle, fórmula matemática que exprime como os gases se comportam sob pressão. 8 relacionadas à epistemologia de suas teorias científicas, se pode talvez afirmar que ele se aproxima bastante da posição dos realistas científicos contemporâneos, já que hodiernamente o conceito de conhecimento deixou de incluir a certeza absoluta como um fator essencial, e atualmente, a única certeza que temos é que não há certezas. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Maria L. de Arruda; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à filosofia, vol. Único, São Paulo, editora moderna, 2016. Pág. 121-128. CARVALHO, Regina Simplício; O FÍSICO, O MENTAL E O MORAL NA CONCEPÇÃO DE JOHN LOCKE. Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, 2014. CHIBENI, Silvio Seno. Locke e o Materialismo, 2006. Disponível em: < https://www.unicamp.br/~chibeni/public/lockeeomaterialismo.pdf >; acesso em: 03 de outubro de 2020. DONATELLI, Marisa C. de Oliveira Franco. SOBRE O TRATADO DE MECÂNICA DE DESCARTES. Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil. TEORIA DO CONHECIMENTO, capítulo 5: O empirismo de Locke, Berkeley e Hume. Disponível em: < https://www.cesadufs.com.br/ORBI/public/uploadCatalago/11581710112015Teoria_do_Conheci mento_I_-_Aula_05.pdf >. Acesso em: 03 de outubro de 2020. https://www.unicamp.br/~chibeni/public/lockeeomaterialismo.pdf https://www.cesadufs.com.br/ORBI/public/uploadCatalago/11581710112015Teoria_do_Conhecimento_I_-_Aula_05.pdf https://www.cesadufs.com.br/ORBI/public/uploadCatalago/11581710112015Teoria_do_Conhecimento_I_-_Aula_05.pdf
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