Prévia do material em texto
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 1 A noção de Jornalismo de Dados no jornalismo contemporâneo Vanessa Teixeira de Barros1 Aluna do Mestrado Profissional em Jornalismo da FIAM/FAAM. Resumo Pesquisadores e jornalistas dedicados ao Jornalismo de Dados o resumem (com algumas variá- veis) como técnicas e procedimentos (através do computador) que auxiliam a visualização, o cruzamento e o tratamento de grandes quantidades de dados, os quais uma pessoa seria incapaz de extrair com tanta rapidez. O objetivo deste artigo é situar quando surge essa noção de jorna- lismo e o quanto isto está articulado com as mudanças tecnológicas e as novas formas de circu- lação de informação. Busca-se, portanto, problematizar a ideia da emergência do jornalismo de dados, tencionando o que há de novo de fato nesse método, e o que se apresenta como continuidade do jornalismo no modelo tradicional de redação. Palavras-chave: Jornalismo de Dados; Tecnologias; Circulação de Informação. Introdução Há hoje uma forte constatação de que expressivas transformações sociais, produtivas e organizacionais a nível mundial estão acontecendo nas últimas décadas, dentre elas, transformações tecnológicas que permitem que outras formas de produção e circulação 1 Jornalista; Mestranda do programa de Mestrado Profissional em Jornalismo da FIAM/FAAM, orientada pela professora Dra Alciane Baccin. Email: vanessa.tbarros@hotmail.com mailto:vanessa.tbarros@hotmail.com SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 2 de informação aconteçam, colocando em cena novas práticas e atores no cenário infor- macional. Assim como outros campos, o jornalismo é fortemente impactado em diferen- tes níveis, e neste cenário, vemos o modelo de negócio das empresas jornalísticas ten- tando se reorganizar: diminuindo suas estruturas, com redações que fragilizam as poten- cialidades dos seus profissionais, refuncionalização do jornalista e o surgimento de mo- dalidades de jornalismo vão além das redações tradicionais. Paralelo ao avanço das tecnologias de informação, mobilizações afins de facilitar a di- vulgação de informações de interesse público fizeram com que governos e instituições disponibilizassem bases de dados na internet. A disseminação desses dados então come- çou a ocorrer de forma mais global a partir dos anos 90 com a adoção de movimentos de dados abertos, e da pressão social por transparência governamental. Com a disponibilidade de dados nas redes, surgiu a necessidade de tratamento dessas informações de modo que pudessem ser aplicadas na fiscalização do poder público, em- presas ou outras instituições. A partir dessa demanda, foram surgindo softwares e fer- ramentas de visualização e extração de dados que possibilitaram seu tratamento. O momento mais expressivo atual em que o uso de grandes bases de dados se populari- zou foi nos casos dos vazamentos de dados em larga escala conhecidos como “Cablega- te”, coordenado pelo WikiLeaks, e Panamá Papers, liderado pelo Consórcio Internacio- nal de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Em 2010, Julian Assange e alguns parceiros do WikiLeaks montaram uma estratégia tecnológica e jornalística para distribuir em alguns grandes jornais do mundo, cerca de 250 mil documentos organizados e tratados de for- ma facilitada para serem publicados, uma equipe de qualquer jornal levaria anos para conseguir organizar a quantidade de arquivos obtida. Quase 6 anos depois, em 2016 foi a vez do Consórcio Internacional de Jornalistas Inves- tigativos liberar na internet um compilado de cerca de 11 milhões de documentos de um escritório de advocacia panamenho cujo a especialidade era tratar de empresas em para- ísos fiscais. O vazamento ficou conhecido como Panama Papers e hoje é considerado "o maior vazamento da história do jornalismo de dados" (Baack, 2016, online). SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 3 Esses casos ilustram como essa modalidade de informação vem sendo utilizada por ini- ciativas que atendem a demandas específicas, na maioria das vezes sem a participação de equipes profissionais de empresas informativas tradicionais, como explica Anderson: Foi assim que algoritmos em grande escala se tornaram protagonistas de jornais de grande porte pela primeira vez. Desta forma, o "Cablega- te" popularizou a notícia da existência de grandes bancos de dados na internet, despertando o interesse de ciberativistas e instituições de in- teligência no mundo todo. (ANDERSON et al., 2013, p.44) Diante disso, a abordagem proposta neste artigo pretende responder não o que é o JD especificamente, apesar da definição dessa prática acompanhar o texto, mas procura compreender se essa noção de método de trabalho específico começou a circular como uma possível estratégia de legitimação do próprio campo jornalístico. Panorama do jornalismo contemporâneo Para contextualizar o surgimento do JD no panorama do jornalismo contemporâneo, neste artigo optamos por olhar para as transformações do jornalismo a partir das impli- cações no trabalho e identidade dos jornalistas expostos nos estudos de Zélia Adghirni (2008), e pela contextualização das novas formas de produzir e circular informação pro- postos por Axel Bruns a partir dos conceitos de gatekeeping e gatewhatching (2014). No mundo de hoje onde boa parte dos jornalistas está fora do espaço das redações, as teorias do jornalismo nem sempre dão conta de explicar as práticas contemporâneas, uma vez que elas estão centradas em explicar o jornalismo na figura das redações tradi- cionais de jornalismo impresso. O jornalismo sempre esteve em movimento, mas a par- tir da década de 70 essa movimentação passou a borrar as fronteiras de definições do jornalismo. A pesquisadora Zélia Adghirni (2008) em seus estudos sobre as mudanças estruturais do jornalismo retoma os quatro tipos de jornalismo existentes a partir de cir- cunstâncias sociais propostas pelos pesquisadores canadenses Brin, Charron, e Bonville (2004) “jornalismo de transmissão, no séxulo XVII; jornalismo de opinião, no século XIX; jornalismo de informação, fim do século XIX e seguiu como modelo de coleta de notícias da atualidade, e jornalismo de comunicação, a partir da década de 70 caracteri- zado pela subordinação da oferta às preferencias do público”. Especificamente no con- texto brasileiro, os estudos de Adghirni se concentram a partir da introdução da internet Lara Rosado Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 4 nas redações na década de 1990. (ADGHIRNI, 2008) a partir desse período a autora classifica as fases de mudanças do jornalismoem três eixos. O primeiro diz respeito às mudanças nas rotinas de produção: processo de convergência que começou na informá- tica, passou para as telecomunicações e evoluiu para convergência de mídias. A partir desta fase surgiram novas formas e postos de trabalho com noção de multifuncionalida- de do jornalista. O segundo eixo diz respeito as mudanças que impactaram o perfil e a identidade dos jornalistas a partir do surgimento de novos postos de trabalho, uma vez que o espaço profissional pretendido inicialmente ficou saturado. Por fim, o terceiro diz respeito aos efeitos e desdobramentos sobre a ideia de profissão: neste eixo a autora discorre sobre a não exigência do diploma, a desregulamentação da profissão de jorna- lista e a perda da centralidade do jornalista na mediação da produção da informação como uma consequência dessas transformações atuais. Já nos estudos de Bruns (2011) o autor discorre sobre a descentralização do domínio da informação das empresas jornalísticas industriais, uma vez que hoje os jornalistas fazem parte de um cenário online que possibilitou um aumento de grupos e atores sociais tam- bém envolvidos com as notícias, permitindo que a audiência tenha acesso a uma varie- dade de outras fontes. É neste cenário que, segundo Bruns, os jornalistas devem desem- penhar a função de gatewhatching através de seus métodos e esforços de investigação para tratar da curadoria dessa gama de informações disponíveis. Além disso, essa nova forma de produção e circulação de conteúdo, quando realizada a partir de uma lógica coletiva, pode resultar em coberturas jornalísticas tão extensivas quanto às realizadas até então apenas pelas organizações jornalísticas industriais. Bruns define essa lógica de esforços colaborativos como produssage: a premissa dentro da comunidade de produsage é que quanto mais par- ticipantes puderem examinar, avaliar e expandir as contribuições dos seus predecessores, mais provável será um resultado de qualidade for- te e crescente (uma extensão do lema das fontes abertas, “com globos oculares suficientes, todos os defeitos são superficiais”) (BRUNS, 2014, p. 24). Um exemplo disso, é o jornal The Guardian, que em junho de 2009, para lidar com montante de documentos sobre as despesas dos Membros do Parlamento Britânico, dis- ponibilizou on-line o banco de dados e convidou os leitores para participar do processo de revisão e investigação. O resultado? Um terço dos documentos foram revisados nas Lara Rosado Lara Rosado Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 5 primeiras 80 horas (ANDERSON, 2009). Bruns utiliza esse episódio da imprensa bri- tânica para ilustrar nova fase de relacionamento da imprensa com a sua audiência a par- tir da década de 90, com a popularização da web. Esta mudança foi fomentada por dois aspectos que se combinaram pa- ra substituir as práticas de gatekeeping por aquelas de gatewatching: a multiplicação contínua dos canais disponíveis para a publicação e di- vulgação das notícias, especialmente desde o surgimento do World Wide Web como uma mídia popular, e o desenvolvimento dos mode- los colaborativos para a participação dos usuários e para a criação de conteúdo, que atualmente são frequentemente resumidos sob o rótulo de “Web 2.0”. (BRUNS, 2014. p. 122) Nesta conjuntura, o jornalismo de dados como vem sendo discutido atualmente ganha projeção, como veremos a seguir. Jornalismo de Dados (JD): contextos e conceitos Em 2010 Julian Assange e alguns parceiros do Wikileaks conseguiram acesso aos dados (que ficaram conhecidos como Gablegate) e montaram uma estratégia tecnológica para distribuir, organizar e tratar os documentos de forma facilitada para serem publicados. Esse é exemplo de maior expressividade de publicação de dados públicos nesta década, e aconteceu originalmente sem participação de equipes profissionais de empresas in- formativas tradicionais, apenas após o tratamento e organização dos dados, é que os jornais publicaram os documentos. Já o Panamá Papers, considerado hoje "o maior va- zamento da história do jornalismo de dados" (Baack, 2016, online) foi liderado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos e liberou na internet um compila- do de cerca de 11 milhões de documentos de um escritório de advocacia panamenho especializado em tratar de empresas em paraísos fiscais. Todavia, a utilização de dados por si só não são elementos inéditos dentro do jornalis- mo, caracteres e números reunidos em uma planilha ou pilhas de documentos desconec- tados até então sempre fizeram parte da rotina de jornalistas que apuram conteúdo, em especial aqueles denominados investigativos. Um exemplo de notícia construída a partir da investigação e análise de bases de dados vem do jornal britânico The Guardian, que já exibia em sua primeira edição, de 5 de Maio de 1821, utilizou tabela mostrando a lista das escolas de Manchester e Salford, na Inglaterra, com o número de alunos e o gasto SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 6 médio anual do governo com cada uma, revelando pela primeira vez quantos recebiam educação gratuita do estado. (GRANDIN, 2014). Mas o que diferencia o jornalismo de dados como conhecemos hoje, do jornalismo investigativo praticado desde outras épo- cas? Até pelo menos a metade do século XX, conseguir acesso a dados de interesse público exigia enorme esforço dos jornalistas. Era preciso convencer autoridades e instituições a liberar documentos, e a análise pelos jornalistas muitas vezes demandava muito tempo. O cenário começou a mudar em 1952, como mostra Grandin: Em 1952 a rede de TV norte-americana CBS usou pela primeira vez um computador para projetar o resultado da disputa eleitoral nos Esta- dos Unidos, entre o futuro presidente Dwight Eisenhower e Adlai Ste- venson. Era criada a Reportagem com Auxílio de Computador (RAC), conceito abrangente que abarca qualquer prática que envolva o uso de computadores para auxiliar o processo de obtenção de informações jornalísticas (COX, 2000 in GRANDIN, 2014, p.2). No início da década de 1960, Philip Meyer foi o primeiro jornalista a adotar o conceito de “Jornalismo de Precisão” que se fundava no uso do computador para produzir repor- tagens com menores chances de erro (MANCINI, 2016): O estudo de Meyer acabou por incentivar o surgimento, nos anos 1990, do termo Reportagem com Auxílio de Computador (RAC), ain- da hoje utilizado em fóruns especializados, como o Investigative Re- porters e Editors (IRE) e a Abraji. Esses novos procedimentos ajuda- ram os jornalistas a aprimorar o seu próprio conhecimento acerca da realidade social e política, reduzindo a dependência de fontes externas ao processo de produção e de análise da informação. (MANCINI, 2016.p. 72) Paralelo ao avanço das tecnologias de informação e a informatização das redações fo- ram surgindo mobilizações políticas afins de facilitar a divulgação de informações de interesse público, que fizeram com que governos e instituições disponibilizassem bases de dados na internet. A disseminação desses dados então começou a ocorrer de forma mais global a partir dos anos 90 com a adoção de movimentos de dados abertos, e da pressão social por transparência governamental, resultando na “Freedom of InformationAct” (FOI), legislação norte-americana, que entrou em vigor em Julho de 1966. No Brasil esse processo chegou mais tarde, com a Lei de Acesso à Informação (LAI) pro- mulgada em novembro de 2011. Com a disponibilidade de dados nas redes, surgiu a necessidade de tratamento dessas informações de modo que pudessem ser aplicadas na Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 7 fiscalização do poder público, empresas ou outras instituições. Concomitante à essa demanda foi surgindo softwares e ferramentas de visualização e extração de dados que foram incorporados nas atividades jornalísticas possibilitando seu tratamento. Para Lima Júnior (2011) o conceito de JD passa pelo uso das Tecnologias de Informa- ção e Comunicação (TIC), bem como pela popularização das RAC (Reportagem com Auxílio de Computador) dentro das redações. Segundo o autor, esse 'Jornalismo Com- putacional' se valoriza dentro do contexto tecnológico pois exige dos jornalistas novas habilidades, classificada por ele como “hacking jornalism”, ou seja, a capacidade explo- rar tecnologias filtrando informações e colocando-as de forma visual". No Brasil, já há algumas instituições e jornalistas empenhados em capacitar profissionais para as habili- dades que o JD exige. Um deles é o jornalista Sergio Spagnuolo, criador e responsável pela agência de notícias baseada em dados Volt Data Lab. Para Spagnuolo, o dado em si não possui valor de notícia, isso acontece a partir da aplicação deles numa narrativa jornalística: Dados são pedaços de informação (bits) que sozinhos não significam nada, mas agregados (datasets), delimitados (metadata) e contextuali- zados (value added), constituem um conjunto inteiro de informações. O dado sozinho, não diz nada, ou muito pouco. Há todo um processo para aplicação deles numa reportagem. Já o jornalismo de dados, mais do que utilizar informações numéricas, é quando: a) o jornalista extrai conhecimento de bits (informações brutas) que, sozinhos pouco tem a mostrar; b) o jornalista consegue processar um volume de dados que, antes, simplesmente não era pos- sível; c) quando a fonte principal de uma reportagem é um conjunto de dados brutos. (SPAGNUOLO, 2017) Assim como Spagnuolo, o pesquisador brasileiro Marcelo Trasel (2013) define essa modalidade jornalística por um viés menos tecnicista, considerando o conhecimento gerado pela tecnologia aplicada, com termo Jornalismo Guiado por Dados, focando nos resultados: “O jornalismo guiado por dados é a aplicação da computação e dos saberes das ciências sociais na interpretação de dados, com o objetivo de ampliar a função da imprensa como defensora do interesse público” (TRÄSEL, 2013, p.3). Discurso do JD como método específico Em “O jornalismo é uma forma de conhecimento” pesquisador o Eduardo Meditsch (1997) é guiado por três abordagens teóricas para conduzir a reflexão sobre o jornalismo Lara Rosado Lara Rosado Lara Rosado Lara Rosado Lara Rosado Lara Rosado Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 8 como conhecimento. A primeira, o pensamento pautado pelo método científico, classifi- ca o jornalismo de maneira negativa, já que na era moderna, a visão da ciência é vista como única fonte de conhecimento digna de crédito. A segunda abordagem observada por ele situa o jornalismo como ciência menor, porém mais flexível e esse tensionamen- to do que é mais e menos eficiente nessas áreas de produção de conhecimento, costuma ser corroborada também pelos próprios jornalistas. A terceira abordagem toca na ques- tão da diferenciação do jornalismo quanto à sua maneira de transmitir conhecimento. O pressuposto nesse âmbito é que o jornalismo não revela mal nem revela menos sobre a realidade que a ciência, ele revela de forma diferente (MEDITSCH, 1997). O JD por sua vez, apresenta-se como uma modalidade de jornalismo que possui méto- dos específicos e mais relacionado à ciência estatística. O pesquisador Stray (2014), usando como exemplo um gráfico da série temporal de desemprego nos Estados Unidos, classifica os procedimentos de apuração e apresentação das informações no JD que, segundo ele, configuram a diferença entre uma apuração típica do jornalismo tradicional daquela classificada como JD. Essa técnica envolve o uso de ferramentas das ciências como forma de verificação de hipóteses ou apresentação de previsões, bem diferente do modelo de inferência praticado pelo jornalismo tradicional, que parte de um conhecimento não estatístico, mas intuitivo. (STRAY, 2014.p.54) É importante nos atentarmos a esse tipo de discurso do jornalismo de dados como mé- todo específico de trabalho que se diferencia do método conhecido até então ao se apro- ximar mais da ciência, possuindo mais precisão nas análises e apresentações, e observar se esse discurso não funciona como estratégia de legitimação do campo jornalístico2. Um exemplo disso são os resultados obtidos nas pesquisas de Marcelo Trasel, que indi- cam o JD como resposta de um grupo profissionais à crise estrutural e identitária do jornalismo contemporâneo. Trasel conclui em seus estudos que a cultura profissional jornalística dos profissionais que lidam com dados se assemelha a cibercultura, e que o ponto em comum que mais opera entre ambas é o ethos romântico. Trasel conclui que este ethos apresenta uma combinação de elementos da cibercultura, e da cultura profissional jornalística, que se manifestam como uma crença na capacidade 2 Aqui tomamos a noção de campo de Bourdieu, como um lugar de disputas, estratégias de legitimação e práticas específicas. Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 9 da técnica de oferecer caminhos para a manutenção do jornalismo informativo num ce- nário de crise, mediante a superação da noção de objetividade como ritual estratégico. Nas entrevistas realizadas pelo autor, os jornalistas indicaram que a objetividade no JD passou a ser entendida como aplicação de técnicas da informática e das ciências sociais nas rotinas produtivas. (..) no intuito de substituir o jornalismo declaratório, baseado em fon- tes humanas, por reportagens cujos fatos são derivados de bases de dados. Essa noção renovada de objetividade também se assenta sobre procedimentos de transparência e difusão do conhecimento sobre as técnicas de JD nas redações e para o público em geral, a partir de um espírito de cooperativismo cujas raízes remetem ao movimento do Software Livre e Open Source (F/OSS). (TRASEL, 2014, p.12) Considerações Expressivas transformações sociais, produtivas e organizacionais a nível global e avan- ços tecnológicos que possibilitam outras formas de produção e circulação de informação colocam em cena novas práticas e atores no cenário informacional. Assim como outros campos, o jornalismo é fortemente impactado em diferentes níveis: vemos o modelo de negócio das empresas jornalísticas se reorganizandoe com isso: tentando entender e se adaptar a massificação das mídias digitais, diminuição de estruturas, redações fragili- zando potencialidades dos seus profissionais, refuncionalização do jornalista e o surgi- mento de modalidades de jornalismo que vão além do que conhecíamos até então nas redações tradicionais. Paralelo a isso, movimentos de transparência e divulgação de informações ganham força fazendo com que instituições públicas e privadas disponibili- ze informações em grande escala. A ascensão dos veículos de mídia independentes nos meios digitais também exerce pa- pel importante na disseminação dessa modalidade de jornalismo, pois muitas das inicia- tivas de JD não estão ligadas a empresas jornalísticas tradicionais. O surgimento do Jor- nalismo de Dados está, portanto, relacionado a esse panorama contemporâneo pois pres- supõe a utilização de dados públicos disponibilizados na rede e ferramentas informacio- nais e tecnológicas para interpretação, tratamento e divulgação desses dados. Destaca- mos, porém, que mesmo dentro deste contexto essa noção de jornalismo não pode en- Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 10 tendida como fenômeno novo na história do jornalismo, pois a prática carrega em si especificidades semelhantes à de práticas anteriores. E como se caracteriza o JD? A utilização de dados em si é dispensável para caracterizar o que é o JD, na medida em que a utilização de dados não são uma novidade no proces- so produtivo da notícia. Entendemos a partir dos conceitos expostos neste estudo que o JD se constitui pela associação de procedimentos jornalísticos, disponibilidade e utiliza- ção de dados públicos e uso de novas tecnologias que permitem hoje que o jornalista possa automatizar os processos, e trabalhar com montantes complexos de milhares de documentos. Nos estudos de Trasel, o autor indica que o JD se manifesta na cultura profissional co- mo um caminho para manutenção do jornalismo informativo a partir da utilização de uma técnica que se aproxima das ciências exatas, mas ao retomarmos os estudos de Ad- ghirni vemos que as mudanças estruturais do jornalismo deslocam as características de suas práticas. Portanto, ao emergir num contexto de convergência, multifuncionalidade, e novas formas de organização de trabalho, o Jornalismo de Dados se apresenta mais como uma prática consequência deste cenário, do que como uma modalidade inovadora (considerando que a utilização de dados em si não é algo inédito no jornalismo) e que a ideia do JD como método específico que se assemelha às ciências exatas pode ser con- siderados estratégias de legitimação do discurso daqueles que o praticam. Referências Bbliográficas: ANDERSON, C.W. PostIndustrial Journalism: Adapting to the Present. Columbia Journalism School, 2013. Disponível em: http://towcenter.org/wp- content/uploads/2012/11/TOWCenter-Post_Industrial_Journalism.pdf. Acesso em: 11/01/2018. BARBOSA, S. Jornalismo Digital em Base de Dados (JDBD): um paradigma para produtos jornalísticos digitais dinâmicos. Salvador, BA. Tese de Doutorado. Universi- dade Federal da Bahia, 2007. http://towcenter.org/wp-content/uploads/2012/11/TOWCenter-Post_Industrial_Journalism.pdf http://towcenter.org/wp-content/uploads/2012/11/TOWCenter-Post_Industrial_Journalism.pdf Lara Rosado Lara Rosado SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 16º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo FIAM-FAAM / Anhembi Morumbi – São Paulo – Novembro de 2018 :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 11 BRADSHAW, P. 2014. O que é Jornalismo de Dados. Manual de Jornalismo de Da- dos. Disponível em: http://datajournalismhandbook.org/pt/introducao_0.html. Acesso em: 10/01/2018 Bruns, Axel. "Gatekeeping, gatewatching, realimentação em tempo real: novos de- safios para o jornalismo." Brazilian Journalism Research 10.2 (2014): 224-247. DEUZE, Mark. O jornalismo e os novos meios de comunicação social. In: Comunica- ção e Sociedade, vol. 9-10, 2006, pp. 15-37. GRANDIN, F. R. Jornalismo guiado por dados como forma contemporânea de produção de sentido. 2016 Mancini, Leonardo, and Fabio Vasconcellos. "Jornalismo de Dados: conceito e cate- gorias." Fronteiras-estudos midiáticos18.1 (2016): 69-82. MEDITSCH, Eduardo. O jornalismo como forma de conhecimento http://www.bocc.uff.br/pag/meditsch-eduardo-jornalismo-conhecimento.pdf. 1997. PEREIRA, Fábio Henrique; ADGHIRNI, Zélia Leal. O jornalismo em tempos de mu- danças estruturais. 2011. SPAGNUOLO, Sérgio. 2017. Entrevista concedida à autora por e-mail: ser- gio.volt@data.info. STRAY, J. 2014. The Data Journalist´s Eyes, An Introduction. Disponível em http://towcenter.org/blog/the-data-journalistseye-an-introduction/. Acesso em: 12/05/2018 TRÄSEL, Marcelo. Jornalismo Guiado por Dados: relações da cultura hacker com a cultura jornalística. XXII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal da Bahia, 04 a 07 de junho de 2013. http://datajournalismhandbook.org/pt/introducao_0.html http://www.bocc.uff.br/pag/meditsch-eduardo-jornalismo-conhecimento.pdf.%201997 mailto:sergio.volt@data.info mailto:sergio.volt@data.info