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Nefrolíase Introdução: A nefrolitíase é uma condição extremamente comum. Cerca de 12% das pessoas irão desenvolver cálculos urinários em algum momento da vida. Destes, 20 a 30% necessitarão de uma abordagem terapêutica intervencionista. Em países em desenvolvimento, a nefrolitíase é mais comum em crianças e se apresenta na forma de cálculos vesicais compostos de ácido úrico. Nos países desenvolvidos, a maior prevalência ocorre nos adultos, no trato urinário superior, com a maioria dos cálculos compostos por cálcio. Essa diferença relaciona-se, principalmente, às diferenças dietéticas. A taxa de recorrência é de 10% no primeiro ano, 35% nos cinco anos subsequentes e 50 a 60% em 19 anos. Dessa forma, deve ser encarada como uma doença crônica que deve ser devidamente controlada. É mais comum em homens e tem seu pico de incidência entre 20 e 40 anos, manifestando-se através da síndrome de “cólica nefrética”. Os principais fatores de risco são: 1. História pessoal de nefrolitíase; 2. História familiar de nefrolitíase; 3. Baixa ingesta hídrica; 4. Urina ácida (resistência à insulina, obesidade, DM 2, diarreia crônica); 5. História de gota; 6. HAS; 7. Cirurgia bariátrica; 8. Uso prolongado de alguns medicamentos; 9. Infecção urinária crônica ou recorrente. - Composição dos cálculos: Os cálculos compostos por sais de cálcio representam 70 a 80% dos casos. Em sua maioria, são de oxalato de cálcio (40 a 70% de todos os cálculos), e podem ser puros (monoidratados ou diidratados) ou misturados a outros sais, como fosfato de cálcio (apatita), que pode ser encontrado na forma de hidroxiapatita ou brushita. O segundo tipo mais frequente de cálculo renal é o de estruvita, ou fosfato de amônio magnesiano (fosfato triplo), que é chamado de “cálculo infeccioso”, pois só se desenvolve na presença de bactérias produtoras de urease na urina. Em terceiro lugar, tem-se os cálculos de ácido último e, por último, os cálculos de Cistina. Podem aparecer na urina e serem vistos a olho nu. Cada tipo possui características próprias, mas apenas a análise físico-química é capaz de confirmar sua natureza. Patogênese: Na urina, existem vários elementos químicos que, ao se combinarem, podem produzir sais insolúveis, levando a formação de cristais (microlitos). Os cálculos renais se originam do crescimento e agregação desses cristias. Condições que favorecem a supersaturação da urina, favorecem também a formação de cálculos, como a hiperexcreção de solutos, o volume urinário reduzido, alterações do pH e deficiência de inibidores da cristalização. Algumas alterações anatômicas também facilitam a formação de cálculos ao produzirem estase urinária, como a duplicidade pielocalicial, rim esponjoso medular, rim em ferradura, ureterocele, entre outros. Diz-se que a urna está supersaturada quando o produto da concentração dos seus componentes está acima de um determinado valor (“produto de solubilidade”). Este produto sofre influência do pH urinário. Por exemplo, pH > 7 favorece a supersaturação de fosfato de cálcio e fosfato de amônio magnesiano, enquanto pH < 5 reduz a solubilidade do ácido úrico e da cistina. Já a solubilidade do oxalato de cálcio não é afetada pelo pH urinário. O processo de formação dos cristais chama-se nucleação e pode ser de dois tipos: homogênea ou heterogênea. - Nucleação homogênea: ocorre quando o cristal é puro. Exige concentrações urinárias muito elevadas dos elementos envolvidos, bem acima do seu produto de solubilidade. É necessário que estejam acima do “produto de formação de cristais”. - Nucleação heterogênea: quando o cristal é formado sobre a superfície de outro cristal de composição diferente. O primeiro serve como “nicho” para a aposição de novos complexos. Por exemplo, cristais de oxalato de cálcio podem se formar sobre cristais de fosfato de cálcio ou ácido úrico. Podem ocorrer em concentrações levemente acima do “produto de solubilidade”. Depois que os cristais são formados, eles podem ou não se transformar em cálculos macroscópicos. O fluxo urinário pode eliminar os cristais antes que eles cresçam e se tornem cálculos renais verdadeiros. Formado o cristal, dois processos adicionais sobrevêm: crescimento e agregação. Alguns cristais se formam aderidos à superfície do epitélio urinário (papilas renais). Uma matriz proteica contida nos cálculos pode servir como âncora para fixação dessas estruturas. - Inibidores fisiológicos: O principal inibidor fisiológico da formação de cálculos urinários é a água. Uma urina diluída reduz a concentração de todos os seus elementos químicos, diminuindo a chance de nucleação, pois a concentração iônica torna-se inferior ao “produto de formação de cristais” e ao “produto de solubilidade”. A diluição urinária aumenta também o fluxo de urina, facilitando a eliminação dos cristais recém-formados. Ou seja, o aumento da ingesta hídrica inibe todas as fases de formação de um cálculo renal (nucleação, crescimento e agregação). Além disso, o citrato, o magnésio e o pirofosfato são inibidores fisiológicos da nucleação e as proteínas Tamm-Horsfall, a nefrocalcina e a uropontina inibem o crescimento e a agregação. Eventos patogênicos: 1. Urina supersaturada; 2. Nucleação homogênea - formação de cristais puros; 3. Nucleação heterogênea - formação de cristais sobre a superfície de outros cristais de composição diferente; Manifestações clínicas: Não necessariamente o crescimento de cálculos renais nas papilas ou sistema coletor provoca sintomas, de tal forma que cálculos assintomáticos podem ser revelados em exames de imagem. A dor típica é decorrente de sua mobilização, o que produz graus variáveis de obstrução ao fluxo de urina. Sendo assim, cálculos grandes imóveis podem cursar de forma assintomática até crescerem a ponto de causar obstrução. Algumas pessoas podem eliminar pequenas concreções arenosas com quase nenhuma dor, enquanto outras podem apresentar sintomas graves de obstrução ureteral (cólica nefrética). Os cálculos renais costumam obstruir o sistema coletor em três pontos principais (pontos de constrição fisiológica do ureter) 1. Junção ureteropélvica: mais comum; 2. Terço médio do ureter (cruzamento com os vasos ilíacos internos); 3. Junção vesicureteral. Na maioria das vezes, os cálculos impactam de forma transitória, migrando para a bexina e sendo eliminados na urina. - Cólica nefrética (ureterolitíase sintomática): Quando um cálculo migra da pelve renal para o ureter, o ureter, em uma tentativa de forçar a passagem do cálculo, se contrai de maneira espasmódica e repetitiva, justificando as típicas crises de dor em cólica que costumam durar entre 20 a 60 minutos. Se essa impactação provocar obstrução importante, ocorre um grande aumento na pressão do trato urinário, gerando distensão aguda da cápsula renal, o que justifica a presença de punho-percussão lombar positiva (sinal de Giordano) ao exame físico. Em tais casos, a dor é tão forte que é necessário analgesia com opióides. Manifestações neurovegetativas como náuseas, vômitos, sudorese fria e síncope costumam acompanhar a dor, assim como taquicardia e hipertensão arterial. Apesar de poder haver dor abdominal, não se espera a presença de irritação peritoneal. A localização da dor se relaciona com a topografia do cálculo impactado. Um cálculo na junção ureteropélvica provoca dor em flanco e sinal de Giordano precocemente positivo. Já um cálculo na porção média do ureter provoca dor abdominal com irradiação para o ligamento inguinal e testículo/grande lábio ipsilateral. Cálculos impactados na junção vesicureteral podem ser confundidos com cistite bacteriana, cursando com disúria, polaciúria, urgência e dor uretral. Pode ou não cursar com Giordano positivo. A dor pode mudar suas características no decorrer do tempo, o que denota a movimentação do cálculo ao longo do ureter. 4. Formação do cálculo - crescimento e agregação dos cristais(adesão de cristais às superfícies celulares e estase urinária são fatores importantes); 5. Inibidores naturais da nucleação - diluição urinária, citrato, magnésio; 6. Inibidores naturais do crescimento e agregação - diluição urinária, proteínas. - Hematúria: Depois da infecção urinária, a nefrolitíase é a principal causa de hematúria, que pode ser macro ou microscópica ( 90% dos casos), e algumas vezes pode ser o único sinal de nefrolitíase. - Infecção: A pielonefrite é a complicação mais temível da litíase com cálculo impactado no ureter. Estes pacientes evoluem com febre alta, calafrios e leucocitose com desvio à esquerda. Por ser uma espécie de “infecção fechada”, a sepse costuma ser intensa e de rápida instalação, cursando com bacteremia. Se o rim infectado não for logo desobstruído, existe grande chance de pionefrose. - Obstrução: Quando o cálculo impacta no ureter, causa uma obstrução parcial. Eventualmente, essa obstrução pode ser total, acarretando hidronefrose progressiva e perda de parênquima renal. - Nefrocalcinose: Uma forma de apresentação da litíase por fosfato de cálcio (apatita) é a nefrocalcinose, definida como uma calcificação do parênquima renal. Pode ser assintomática, se exteriorizando como múltiplas calcificações encontradas num RX simples, ou então determinar cólica pelo seu desprendimento para a pelve renal. - Cálculos coraliformes: São cálculos geralmente assintomáticos que crescem de modo a ocupar quase toda a pelve e cálices renais. São mais comumente formados por estruvita (fosfato de amônio magnesiano), mas também podem ser de cistina ou ácido úrico. Se associam a um mau prognóstico do rim acometido (degeneração parenquimatosa) e sempre indicam terapia intervencionista, mesmo quando não produzem sintomas. Diagnóstico: Existem três objetivos básicos na avaliação diagnóstica da nefrolitíase: confirmação da nefrolitíase; composição do cálculo; quais fatores predisporam a formação daquele cálculo. - Existe mesmo a nefrolitíase? A suspeita de nefrolitíase, na prática, deve sempre ser formulada diante de três apresentações clínicas típicas: 1. Síndrome de “cólica nefrética”; 2. Hidronefrose; 3. Hematúria. Os diagnósticos diferenciais mais importantes são o aneurisma de aorta abdominal em expansão, a apendicite, a diverticulite aguda, a pielonefrite, a cistite bacteriana e o infarto renal. A urinocultura, a dosagem de LDH, o adequado exame abdominal e métodos de imagem podem diferenciar a nefrolitíase dos outros diagnósticos diferenciais. O EAS pode confundir já que aneurismas e apendicite podem cursar com hematúria e cristais urinários não garantem o diagnóstico de litíase. Obs.: diagnósticos diferenciais de cólica nefrética: - Renais: pielonefrite, necrose de papila, trombose de artéria renal, embolia de artéria renal, retenção urinária, cistite bacteriana; - Ginecológicas: prenhez ectópica, torção de ovário, endometriose, síndrome Fitz-Hugh-Curtis; - Abdominais: apendicite aguda, diverticulite, isquemia mesentérica, cólica biliar, peritonite, obstrução intestinal aguda, abscesso de psoas; - Outras: IAM, dor musculoesquelética, distúrbio conversivo. Alguns métodos de imagem podem ser utilizados para esclarecer se há ou não um cálculo urinário. Na prática, dois exames são considerados de primeira linha: TC não contrastada (padrão-ouro) e USG de trato urinário. - Qual é a composição do cálculo? Sendo a composição química do cálculo renal esclarecida, pode-se direcionar melor a investigação diagnóstica do distúrbio metabólico subjacente, o que permitirá a elaboração de uma estratégia preventiva específica. A melhor forma de acessar a composição de um cálculo é através da sua análise direta. Características macroscópicas até podem sugerir a natureza da concreção, mas o melhor é enviá-la a um laboratório. O EAS pode revelar presença de cristais, mas nem sempre os cristais encontrados terão a mesma composição do cálculo sintomático. A urina também deve ser avaliada do ponto de vista microbiológico (urocultura) e ter seu pH anotado. Os cálculos de estruvita só se desenvolvem na presença de infecção urinária por germes produtores de urease, como Proteus e Klebsiella. Cálculos de ácido úrico e cistina são formados em pH urinário ácido enquanto cálculos de estruvita e fosfato de cálcio necessitam de pH alcalino. - Qual é o fator predisponente à formação do cálculo? Alguns fatores associados a formação dos cálculos são: 1. Cálculos de cálcio: hipercalciúria idiopática, hipocitratúria, hiperuricosúria, hiperparatireoidismo primário, hiperoxalúria intestinal, acidose tubular renal tipo I, cálculo idiopático. 2. Cálculos de ácido úrico: gota + hiperuricosúria, hiperusicosúria sem gota. 3. Cálculo de estruvita: infecção por germe produtor de urease. 4. Cálculo de cistina: cistinúria. Uma bateria inicial de testes pode ser solicitada no paciente que apresenta nefrolitíase. Há controvérsias sobre iniciar essa investigação logo após o primeiro episódio ou em indivíduos com história de litíase de repetição. Para a investigação completa, temos: 1. EAS e urinocultura quantitativa; 2. Dosagem na urina de 24h de pH, ureia, creatinina, cálcio, ácido úrico, citrato, fosfato, magnésio, sódio, potássio e volume urinário, cloreto, amônia, e sulfato. 3. Dosagem de oxalato na urina de 24 horas separada (deve ser conservado em ácido; 4. Dosagens séricas de cálcio, fosfato, sódio, potássio, cloro, bicarbonato, ácido úrico, uréia, creatinina, albumina e paratormônio. Tratamento agudo: - Cólica nefrética: A consequência imediata da impactação de um cálculo no ureter é a contratura espasmódica da musculatura lisa ureteral, na tentativa de expulsar o cálculo. A pressão intrapélvica pode chegar a 50 mmHg, o que justifica a intensa dor em flanco/abdome. Analgesia: Os AINEs devem ser prescritos como primeira opção, de preferência pela via oral. Em casos de dor severa ou vômitos, a parenteral deve ser recomendada. Essas drogas tem bom efeito analgésico e previnem o espasmo da musculatura lisa do ureter. Os opióides são usados somente em casos refratários ou que não toleram os AINEs. Os opióides não amenizam o espasmo ureteral e provocam mais efeitos adversos, como náuseas e vômitos, e por isso não são tidos como primeira linha. Bloqueadores alfa-1-adrenérgicos: Esses fármacos relaxam diretamente a musculatura lisa ureteral, conseguem diminuir o espasmo do trato urinário, facilitando a movimentação do cálculo de modo a aumentar a chance de eliminação espontânea. Reduzem a intensidade e as recidivas de cólica nefrética. A combinação AINE + alfabloqueador compõe a chamada Terapia Médica Expulsiva (TME) Pacientes com cálculos ureterais < 10 mm cujos sintomas conseguem ser bem controlados e que não possuem indicações formais para abordagem urológica imediata podem tentar a TME por um período de 4 a 6 semanas. A droga de escolha é o Tamsulosin. Bloqueadores de canais de cálcio, como a nifedipina, também podem ser usados com esse intuito, mas são menos eficazes que os alfabloqueadores e possuem mais efeitos colaterais. A hioscina não possui efeito analgésico comprovado. Hidratação: Uma hidratação vigorosa não facilita a eliminação espontânea do cálculo, ao contrário do que já se imaginou. Por isso, a hidratação venosa deve ser instituída quando for necessário corrigir um quadro de franca desidratação, como em casos de vômitos importantes, ou quando houver indicação de analgesia parenteral. Dissolução química do cálculo: O único cálculo comprovadamente passível de ser dissolvido é o de ácido úrico, que só se forma em urinas ácidas, logo, a alcalinização da urina via bicarbonato VO é capaz de dissolvê-lo. Uma dissolução completa e em curto prazo é um desfecho incomum e por isso é pouco utilizada. Seguimento: A maioria das ureterolitíases sintomáticas pode e deve ser manejada de forma conservadora, jáque os cálculos com frequência são pequenos, possuindo grande chance de eliminação espontânea. Na ausência de complicações que indiquem uma abordagem intervencionista imediata, a literatura aceita uma tentativa inicial de manejo conservador (TME) para cálculos menores que 10 mm. Durante a TME o paciente deve ser reavaliado (USG após 7 a 14 dias) a fim de verificar se houve migração do cálculo. Se não houver expulsão em até 6 semanas, uma abordagem intervencionista deve ser programada. - Intervenção urológica: A maioria dos cálculos ureterais com menos de 5 mm é eliminada espontaneamente ainda que o paciente não receba qualquer tipo de tratamento. Contudo, a TME acelera a passagem do cálculo, devendo ser sempre oferecida. Acima de 5 mm, a probabilidade de eliminação espontânea diminui de forma progressiva, sendo extremamente baixa com cálculos maiores que 10 mm. A intervenção urológica precoce está indicada nas seguintes circunstâncias: 1. Cálculo > 10 mm; 2. Infecção urinária associada (desobstrução imediata, retirada do cálculo em um segundo momento); 3. Obstrução persistente ou progressiva; 4. Insuficiência renal aguda. Existem 4 modalidades de intervenção urológica para a retirada de cálculos urinários: litotripsia com ondas de choque extracorpórea (LOCE); litotripsia por ureterorrenoscopia (eudourológica); nefrolitotomia percutânea (cirurgia minimamente invasiva) e nefrolitotomia aberta (anatrófica).
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