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1 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................................... 5 1. Teoria geral das provas. Meios de provas e de obtenção de prova em espécie. ................ 7 1.1. Terminologia da prova ....................................................................................................................................... 7 1.1.1. Distinção entre prova e elementos informativos .................................................................................... 7 1.1.2. Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas ..................................................................................... 8 1.1.3. Destinatários da prova ..................................................................................................................................... 10 1.1.4. Elemento de prova e resultado da prova ............................................................................................... 10 1.1.5. Finalidade da prova ........................................................................................................................................... 10 1.1.6. Forma da prova .................................................................................................................................................. 11 1.1.7. Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova ............................................... 11 1.1.8. Prova direta e prova indireta ........................................................................................................................ 12 1.1.9. Indício: prova indireta ou prova semiplena ............................................................................................ 12 1.1.10 Suspeita ................................................................................................................................................................. 13 1.1.11. Objeto da prova ............................................................................................................................................... 13 1.1.12. Prova emprestada ............................................................................................................................................ 14 1.2. Ônus da prova ..................................................................................................................................................... 16 1.2.1. Conceito ................................................................................................................................................................. 16 1.2.2. Distribuição do ônus da prova no processo penal. ............................................................................ 16 1.2.3. Inversão do ônus da prova ............................................................................................................................ 17 1.3. Iniciativa probatória do juiz: a gestão da prova pelo magistrado ............................................... 18 1.3.1. Vedação da iniciativa acusatória do juiz das garantias na fase investigatória ....................... 18 1.3.2. Vedação da iniciativa probatória do juiz da instrução e julgamento no curso do processo penal .....................................................................................................................................................................................19 1.4. Sistemas de avaliação da prova .................................................................................................................. 20 3 1.4.1. Sistema da íntima convicção do magistrado ......................................................................................... 20 1.4.2. Sistema da prova tarifada .............................................................................................................................. 20 1.4.3. Sistema do convencimento motivado (persuasão racional do juiz) ............................................ 21 1.5. Da prova ilegal .................................................................................................................................................... 22 1.5.1. Limitações ao direito à prova ....................................................................................................................... 22 1.5.2. Prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) ....................................... 24 1.5.3. Limitações à prova ilícita por derivação .................................................................................................. 24 1.5.4. Inutilização da prova ilícita ............................................................................................................................ 27 1.6. Meios de prova e meios de obtenção de prova em espécie......................................................... 29 1.6.1. Cadeia de custódia ............................................................................................................................................ 29 1.6.2. Do exame de corpo de delito e das perícias em geral .................................................................... 36 1.6.3. Interrogatório judicial ....................................................................................................................................... 43 1.6.4. Confissão ................................................................................................................................................................ 50 1.6.5. Declarações do ofendido ................................................................................................................................ 52 1.6.6. Prova testemunhal ............................................................................................................................................. 54 1.6.7. Reconhecimento de pessoas e coisas....................................................................................................... 59 1.6.8. Acareação .............................................................................................................................................................. 61 1.6.9. Prova documental .............................................................................................................................................. 62 1.6.10. Busca e apreensão ........................................................................................................................................... 64 QUADRO SINÓTICO ....................................................................................................................................................... 70 LEGISLAÇÃO COMPILADA............................................................................................................................................ 77 JURISPRUDÊNCIA ............................................................................................................................................................... 79 QUESTÕES COMENTADAS .......................................................................................................................................... 90 GABARITO ........................................................................................................................................................................ 100 QUESTÃO DESAFIO ...................................................................................................................................................... 101 GABARITO DA QUESTÃO DESAFIO....................................................................................................................... 102 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................................................104 5 INTRODUÇÃO Olá, concurseiros e concurseiras! A preparação para concursos públicos envolve, necessariamente, planejamento e foco. Diante da extensão dos editais e do tempo, por muitas vezes exíguo, de preparação até a prova, estudar com base nos assuntos objetivamente mais recorrentes é fundamental para alavancar os resultados. Justamente pensando nisso, o Setor de Inteligência do CERS realizou uma análise acurada de mais de 260 provas dos principais cargos das Carreiras Jurídicas, Policiais e das áreas de Tribunais e de Cartório, identificando os temas mais recorrentes para os concursos públicos realizados nos últimos 4 anos (2020, 2019, 2018 e 2017). Nessa análise, verificamos que a disciplina de Direito Processual Penal é uma das mais recorrentes nos principais certames, dentro da qual verificou-se elevado percentual de recorrência do tema “Da prova”. Trata-se de um assunto que, embora seja bem abordado e distribuído na legislação pátria (notadamente no Título VII do Código de Processo Penal – CPP), possui considerável carga doutrinária e jurisprudencial. Nesse sentido, importa denotar que as subdivisões legais relativas às provas (Disposições gerais e Provas em espécie) devem ser estudadas não apenas com a leitura e absorção dos dispositivos legais aplicáveis, mas também com o aprofundamento em torno dos posicionamentos doutrinários majoritários e das principais súmulas e julgados correlatos dos Tribunais Superiores – STF e STJ. A seguir, confira um gráfico ilustrativo da relevância do supracitado tema, no âmbito das já mencionadas mais de 260 provas analisadas: 6 Destaca-se que a relevância do tema em questão foi extraída de um universo de aproximadamente 50 outros temas, razão pela qual o seu percentual de representatividade é considerável, se comparado com os demais. Posto isso, aproveite este material de apoio correlato, seguido da compilação da legislação e da jurisprudência cabíveis, além de questões comentadas pertinentes (incluindo uma questão desafio), a fim de sedimentar os seus conhecimentos jurídicos acerca do assunto. Vamos juntos! Das Provas Outros temas DIREITO PROCESSUAL PENAL Provas Outros temas 7 DIREITO PROCESSUAL PENAL Teoria geral das provas. Meios de provas e de obtenção de prova em espécie. 1.1. Terminologia da prova Conforme refere Guilherme de Souza Nucci, o termo prova deriva do latim probatio, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Provar significa demonstrar a veracidade de um enunciado sobre um fato tido por ocorrido no mundo real. Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias. 1.1.1. Distinção entre prova e elementos informativos Prova se refere aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. Já os elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Tais elementos, isoladamente considerados, não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador. 8 1.1.2. Provas cautelares, não repetíveis e antecipadas De acordo com art. 155 do CPP, o Juiz pode formar sua convicção com base em provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, ainda que estas tenham sido produzidas na fase investigatória. Provas cautelares são aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em relação às quais o contraditório será diferido. Podem ser produzidas no curso da fase investigatória ou durante a fase judicial, sendo que, em regra, dependem de autorização judicial. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica. Prova não repetível é aquela que, uma vez produzida, não tem como ser novamente coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. (Banca: CESPE / CEBRASPE - 2019 - MPE-PI - Promotor de Justiça Substituto) No âmbito do processo penal, considera-se prova não repetível o processo administrativo sancionador conduzido por autoridade competente e submetido a amplo contraditório. Como visto, as provas não repetíveis podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo que, em regra, não dependem de autorização judicial. É o que acontece com o exame de corpo de delito em infração penal cujos vestígios podem desaparecer. O contraditório também será diferido. Provas antecipadas são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou 9 até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Tais provas podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo, sendo indispensável prévia autorização judicial. É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP, isto é, testemunha que corre risco de morte. Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento. Nesse caso, para que se imponha produção antecipada de provas urgentes, deve à acusação justifica-la de maneira satisfatória. Isso porque, no entendimento dos tribunais superiores, a inquirição de testemunha, por si só, não pode ser considerada prova urgente, e a mera referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida excepcional. Nesses termos, temos a Súmula n.º 455 do STJ: Súmula n.º 455, STJ. A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo. Para finalizar, trouxemos um quadro resumo para facilitar o entendimento dos leitores: Provas cautelares Provas não repetível Provas antecipadas São aquelas em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo. São de natureza urgente. Exemplo: interceptação telefônica. É aquela que uma vez produzida não tem como ser novamente coletada em razão do desaparecimento da fonte probatória. Exemplo: Exame de corpo de delito em infração penal cujos vestígios podem desaparecer. São aquelas produzidas em contraditório real em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância. Exemplo: Art. 225, CPP. Testemunha que está correndo risco de morte. 10 1.1.3. Destinatários da prova São todos aqueles que devem forma sua convicção. De modo geral, tem-se como destinatário o órgão jurisdicional (juiz ou tribunal) sobre o qual recai a competência para o processo e julgamento do delito. Uma parte da doutrina sustenta que o Ministério público seria destinatário da prova. Todavia, na fase investigatória, não se pode usar a expressão “prova”, salvo as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O objetivo do inquérito policial é a produção de elementos de informações. Desse modo, o órgão do MP é destinatário desses elementos, e não da prova. 1.1.4. Elemento de prova e resultado da prova Elementos de provas são representados por aquilo que, introduzido no processo, pode ser utilizado pelo juiz como fundamento da sua atividade julgadora.Funciona como exemplos a declaração de uma testemunha sobre determinado fato, a opinião emitida por perito sobre a matéria de sua especialidade, o conteúdo de um documento juntado aos autos, etc. É a partir da análise do conjunto desses elementos de prova que se forma o convencimento do órgão julgador, ou seja, é sobre os elementos de prova que o juiz natural realiza procedimentos inferenciais para que possa chegar a uma conclusão sobre os fatos. 1.1.5. Finalidade da prova No processo penal, a produção da prova objetiva auxiliar na formação do convencimento do juiz quanto à veracidade das afirmações das partes em juízo. Não se destina, portanto, às partes que a produzem ou requerem, mas ao magistrado, possibilitando, destarte, o julgamento de procedência ou improcedência da ação penal. Na verdade, por meio da atividade probatória desenvolvida ao longo do processo, objetiva- se a reconstrução dos fatos investigados na fase extraprocessual, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica. 11 1.1.6. Forma da prova A prova pode ser documental, material ou testemunhal. Documento é o papel escrito que traz em si a declaração da existência (ou não) de um ato ou de um fato (v.g., escritos públicos ou particulares, cartas, livros comerciais, fiscais, etc.). A prova material é aquela que resulta da verificação existencial de determinado fato, que demonstra a sua materialização, tal como ocorre com o corpo de delito, instrumentos do crime, etc. Por fim, a prova testemunhal consiste na manifestação pessoal oral. 1.1.7. Fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova Ao ser cometido o fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser conceituada como fonte de prova. Dessa forma, fonte de prova significa as pessoas ou as coisas das quais se consegue a prova, daí resultando a classificação em fontes pessoais (ofendido, peritos, acusado, testemunhas) e fontes reais (documentos, em sentido amplo). Por outro lado, meios de prova são os instrumentos através dos quais as fontes de prova são introduzidas no processo, a exemplo do conhecimento e a participação das partes, cujo objetivo precípuo é a fixação de dados probatórios no processo. Esses meios podem ser lícitos ou ilícitos. Somente os primeiros podem ser admitidos pelo magistrado, dispondo o art. 157 do CPP que são inadmissíveis as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, devendo ser desentranhadas dos autos do processo. Por fim, os meios de obtenção da prova referem-se a certos procedimentos (em regra, extraprocessuais) regulados por lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz (v.g., policiais). Para Renato Brasileiro, no Código de Processo Penal, apesar de inserida entre os meios de prova, a busca pessoal ou domiciliar deve ser compreendida como meio de investigação, haja vista que seu objetivo não é a obtenção de elementos de prova, mas sim de fontes materiais de prova. 12 1.1.8. Prova direta e prova indireta Prova direta são aquelas que por si só demonstram o próprio fato objeto da investigação. Exemplo: o testemunho prestado por determinada pessoa que presenciou um homicídio. Por sua vez, a prova é considerada indireta quando não demonstram, diretamente, determinado ato ou fato, mas que permitem deduzir tais circunstâncias a partir de um raciocínio lógico e irrefutável. Exemplo: o álibi. Comprovando-se que o suspeito se encontrava em determinado local no dia e hora do crime, é intuitivo que não poderia estar na cena do crime. 1.1.9. Indício: prova indireta ou prova semiplena Indício possui dois sentidos no Código de Processo Penal: ora como prova indireta, ora como prova semiplena. Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Quanto prova indireta, indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial. E exatamente nesse sentido que a palavra indício é utilizada no art. 239 do CPP. Isto não significa dizer que o indício é um meio de prova, por que não é. Trata-se apenas do resultado probatório de um meio de prova. Quanto ao indício como prova semiplena, nos termos do art. 239 do CPP, é um elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo. Refere-se a uma cognição vertical (quanto à profundidade) não exauriente, ou seja, uma cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da cognição, no plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória. 13 1.1.10. Suspeita O conceito de indício não se confunde com uma simples suspeita. Enquanto o indício é sempre um dado objetivo, em qualquer de suas acepções, a suspeita ou desconfiança não passa de um estado anímico, um fenômeno subjetivo, que pode até servir para desencadear as investigações, mas que de modo algum se apresenta idôneo para fundamentar a convicção da entidade decidente. A expressão “fundada suspeita” é encontrada no Código de Processo Penal nos arts. 240, §2.º, e art. 244. Depreende-se que não basta uma simples convicção subjetiva para que se proceda à busca pessoal em alguém. Sendo assim, é necessário que haja algum dado objetivo que possa ampará-lo. § 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior. Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. 1.1.11. Objeto da prova O objeto da prova refere-se aos os fatos que, influindo na apuração da existência ou inexistência de responsabilidade penal, são capazes de gerar dúvida no magistrado, exigindo, por isso mesmo, a devida comprovação. Todavia, existem determinados fatos que se excluem da necessidade de comprovação, os quais consistem em: Fatos axiomáticos: são aqueles considerados evidentes, que decorrem da própria intuição, gerando grau de certeza irrefutável. Trata-se dos fatos indiscutíveis, induvidosos, que dispensam questionamentos de qualquer ordem. Por exemplo: a prova da putrefação do cadáver dispensa a prova da morte, pois a primeira circunstância (putrefação) decorre da segunda (a morte). 14 Fatos notórios: são aqueles de conhecimento público geral. São os fatos cujo conhecimento está inserido na cultura normal e própria de determinada esfera social no tempo em que ocorrer a decisão, como as datas históricas, os fatos políticos ou sociais de conhecimento público, ou seja, o fato que pertença ao patrimônio estável de conhecimento do cidadão de cultura média numa sociedade historicamente determinada. Exemplificando, não é necessário provar que o Aeroporto de Congonhas fica na cidade de São Paulo, nem tampouco que o dia 15 de novembro é feriado nacional no Brasil. Presunções legais: são juízos de certeza que decorrem da lei. Classificam-se em absolutas (presunções jure et de jure) ou relativas (presunções juris tantum). As primeiras não aceitam prova em contrário, sendo exemplo à condição de inimputável do indivíduo menor de dezoito anos. Já as segundas admitem a produção de prova em sentido oposto, como a presunção de imputabilidade do maior de dezoito anos, que pode ser descaracterizada a partir de laudo de insanidade mental apontando que o indivíduo não possui discernimento. Fatosinúteis ou irrelevantes: são aqueles que não interessam à decisão da causa, sejam eles verdadeiros ou falsos. Por fim, quanto aos fatos incontroversos, devem ser objeto de prova. Consideram-se incontroversos os fatos incontestes, ou seja, que não foram refutados ou impugnados pelas partes. Estes, ao contrário do que ocorre no processo civil, não dispensam a prova, podendo o juiz, inclusive, a teor do art. 156, II, do CPP, determinar, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. 1.1.12. Prova emprestada Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é trasladada para outro processo sob a forma documental. Assim, se a testemunha "A" foi ouvida no processo “X”, cópia de seu depoimento será extraída e juntada ao processo “Y”. Embora seja trazida ao segundo processo pela forma documentada, a prova emprestada tem o mesmo valor da prova originalmente produzida. A doutrina majoritária, afirma que a utilização da prova emprestada só é possível se aquele contra quem ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida, 15 observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Esse é o teor da súmula n. 591 do STJ: Súmula n. 591, STJ. É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa. Logo, se a prova foi produzida em processo no qual o acusado não teve participação, não há falar em prova emprestada, e sim em mera prova documental. Não se pode falar em prova emprestada de elementos informativos produzidos no curso do inquérito policial, eis que, tais elementos não são produzidos sob o crivo do contraditório. Todavia, no caso de provas não repetíveis, como ocorre na grande maioria dos exames periciais, é perfeitamente possível falar-se em prova emprestada, já que, em relação a elas, o contraditório será respeitado, porém de maneira diferida. Por outro lado, muito se discute acerca das consequências em relação ao segundo processo no caso de o processo em que a prova emprestada foi produzida originariamente ser declarado nulo. Assim, caso tenha sido declarada a nulidade ou reconhecida à ilicitude da prova, não se pode admitir sua utilização, pois irremediavelmente contaminada pelo vício originário. Do contrário, caso o feito tenha sido anulado por questão não atinente à prova, será admissível a utilização da prova emprestada, desde que não se relacione diretamente com a nulidade. Por fim, o STF entende que, no que tange a possibilidade de se utilizar elementos probatórios colhidos em interceptação telefônica em processos administrativos e/ou cíveis, é perfeitamente possível. Ora, os dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas. 16 1.2. Ônus da prova 1.2.1. Conceito Os ônus representam um imperativo do próprio interesse, estando situados no campo da liberdade. Ainda que haja seu descumprimento, não haverá qualquer ilicitude, pois o cumprimento do ônus interessa ao próprio sujeito onerado. No sentido empregado pelo Código de Processo Penal, ônus difere de obrigação. Isso porque uma obrigação descumprida representa um ato contrário ao direito, ao qual corresponde uma penalidade. O indivíduo que não cumpre uma obrigação pratica um ato ilícito, por isso é possível à imposição de uma sanção para o adimplemento da prestação não cumprida, sujeitando-o à execução forçada. 1.2.2. Distribuição do ônus da prova no processo penal. Com base na primeira parte do art. 156 do CPP, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Muito se discutiu acerca do ônus da prova da acusação e da defesa no processo penal. A doutrina majoritária trabalha com uma efetiva distribuição do ônus da prova entre a acusação e a defesa no processo penal. Uma primeira corrente entende que incumbe à acusação provar: A existência do fato típico; A autoria ou participação; A relação de causalidade; O elemento subjetivo do agente: dolo ou culpa. De acordo com essa primeira corrente, incumbe à acusação tão somente a prova da existência do fato típico, não sendo objeto de prova acusatória a ilicitude e a culpabilidade. Em relação ao elemento subjetivo, vale ressaltar que há doutrinadores que sustentam que o dolo é presumido, razão pela qual à acusação incumbiria tão somente o ônus probatório quanto à culpa. Renato Brasileiro discorda de tal posição, tendo em vista que não se pode admitir que o dolo seja presumido, sob pena de inequívoca violação à regra do in dubio pro 17 reo. Deve também recair sobre a acusação o ônus da prova quanto ao dolo, devendo sua comprovação ser feita a partir dos elementos objetivos do caso concreto. De outro lado, valendo-se do quanto disposto no Código de Processo Civil, à defesa no processo penal compete o ônus da prova quanto às excludentes da ilicitude, da culpabilidade, ou acerca da presença de causa extintiva da punibilidade. Assim, se o réu alegar, por exemplo, que se encontrava sob coação moral irresistível, caberá a ele o ônus da prova. Qual o grau de convencimento que acusação e defesa devem produzir na convicção do magistrado? Ora, ônus da prova da acusação, dúvidas não restam quanto à necessidade de um juízo de certeza por parte do magistrado. No que toca à defesa, não se exige da defesa uma prova cabal acerca de teses como causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, bastando que produza um estado de dúvida para que o acusado possa ser absolvido. 1.2.3. Inversão do ônus da prova Conforme a regra de julgamento do in dubio pro reo tem-se que o ônus da prova recai precipuamente sobre o Ministério Público ou sobre o querelante. A inversão do ônus da prova significaria, portanto, adotar a regra contrária: in dubio pro societate ou in dubio contra reum. Essa autorização para a inversão do ônus da prova vem expressamente prevista pela Convenção de Viena de 1988, que remete a cada parte (país) a sua consideração. No art. 5º, n° 7, prevê: “Cada uma das partes considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à origem ilícita do suposto produto ou bens sujeitos a confisco, na medida em que isto seja compatível com os princípios de seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos judiciais e outros procedimentos”. Nesse sentido, o Brasil estipulou em sua legislação a inversão do ônus da prova. Exemplificando, tem-se no dispositivo do art. 4º, § 2º, da Lei 9.613/98, uma inversão do ônus da prova somente para as medidas coercitivas patrimoniais relativas a direitos ou valores apreendidos ou sequestrados e, assim mesmo, não para permiti-las, mas sim para que o acusado obtenha sua liberação. 18 1.3. Iniciativa probatória do juiz: a gestão da prova pelo magistrado Para que um sistema seja verdadeiramente acusatório, o juiz não pode ser o gestor da prova, devendo ser um mero observador, deixando a produção da prova a cargo das partes. É o sistema adotado pela Constituição Federal (Art. 129, I), atribuindo a pessoa diversa da autoridade judiciária a titularidade da ação penal pública, e orientando uma atividade judicial imparcial, seja na fase investigatória, seja na fase processual. Ora, pensar diferente, traria a tona o modelo inquisitorial, no qual, a iniciativa probatória é do Juiz (juiz ator/inquisidor). Há aqui,uma atividade claramente incompatível com a imparcialidade, colocando em segundo plano o contraditório e a ampla defesa, na busca ilimitada da verdade real. Sendo assim, com a entrada em vigor da Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime), a gestão da prova pelo magistrado ocasionou duas sistemáticas: a vedação da iniciativa acusatória do juiz das garantias e da iniciativa probatória do juiz da instrução e julgamento. 1.3.1. Vedação da iniciativa acusatória do juiz das garantias na fase investigatória O Art. 156 do CPP, com redação dada pela Lei n.º 11.690/2008, prever que ao juiz é permitido, de ofício, mesmo antes do início da ação penal, determinar a produção de antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. Com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal, houve a separação das funções de acusar, defender e julgar, visando impedir a concentração do poder. Isso não significa dizer que Juiz das Garantias não tem qualquer poder na fase investigativa. É óbvio que o juiz das garantias não está impedido. Contudo, sua atuação só pode ocorrer mediante prévia provocação das partes, a exemplo da representação da autoridade policial ao Juiz por necessidade de um mandado de busca domiciliar. Dessa forma, em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode permitir que o magistrado atue de ofício na fase de 19 investigação. Isto porque, a partir do momento em que uma mesma pessoa concentra as funções de investigar e colher provas, estará comprometendo a tese de culpabilidade do acusado. Nesse sentido, a Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime) dispõe, de forma pertinente, em seu Art. 3º-A do CPP que, o processo penal terá estrutura acusatória e está vedada a iniciativa do juiz das garantias na fase investigativa. Revogou-se tacitamente o Art. 156, I, CPP, conforme o Art. 2.º, §1.º, da LINDB. Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas à iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 1.3.2. Vedação da iniciativa probatória do juiz da instrução e julgamento no curso do processo penal No que tange a possibilidade da iniciativa acusatória do magistrado em sede de investigação preliminar, uma primeira corrente admite que, de modo subsidiário, e exclusivamente durante a fase processual da persecução penal, possa o juiz determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimir dúvida sobre pontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado). Na visão dessa primeira corrente, essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas não teria o condão de comprometer sua imparcialidade, isto porque um juiz ativo, não é sinônimo de juiz parcial, mas apenas um juiz atento aos fins sociais do processo, e que busca exercer sua função de forma a dar ao jurisdicionado a melhor prestação jurisdicional possível. Esse entendimento sempre foi criticado pela doutrina nacional. Não há espaço para a atribuição de poderes instrutórios ao juiz da instrução e julgamento no curso do processo penal, sem que se esteja colocando em risco a imparcialidade, haja vista esta possível e muito provável vinculação com as decisões ex officio que ele vier a proferir a respeito da prova. Absolutamente incompatíveis, portanto, tais poderes instrutórios do julgador à luz do princípio da imparcialidade. 20 1.4. Sistemas de avaliação da prova São basicamente três sistemas acerca do assunto, a saber: 1) Sistema da íntima convicção; 2) Sistema da prova tarifada; 3) Sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado). Especificamente em relação ao direito brasileiro, o Código de Processo Penal adotou, como regra, o livre convencimento do juiz fundamentado na prova produzida sob o contraditório judicial (art. 155, caput, do CPP). Não obstante, como adiante será demonstrado, remanescem, ainda, algumas exceções que se constituem resquícios dos sistemas da íntima convicção e da prova tarifada. 1.4.1. Sistema da íntima convicção do magistrado Trata-se do sistema que confere ao julgador total liberdade na formação de seu convencimento, dispensando-se qualquer motivação sobre as razões que o levaram a esta ou àquela decisão, sendo irrelevante a circunstância de encontrar-se ou não a prova nos autos. O sistema da íntima convicção não foi adotado no ordenamento pátrio, pelo menos em regra. Todavia, não foi abandonado definitivamente em nosso direito, sendo acolhido nos julgamentos afetos ao Tribunal do Júri, caso em que o veredicto absolutório ou condenatório tem origem em um Conselho de Sentença, integrado por pessoas do povo – os jurados. No âmbito do Júri, até mesmo pela desnecessidade de fundamentação da decisão dos jurados, o Conselho de Sentença não está necessariamente vinculado às provas constantes dos autos, podendo formar sua convicção a partir de critérios subjetivos, sendo possível que venha a decidir em desacordo com os elementos probatórios coligidos. 1.4.2. Sistema da prova tarifada No sistema da tarifação, a lei estabelece o valor de cada prova, não possuindo o juiz discricionariedade para decidir contra a previsão legal expressa. Tal como ocorre com o livre convencimento, também aqui se exige que estejam incorporados ao processo os elementos de convicção, não sendo lícito ao magistrado decidir com base em provas extra autos. 21 É certo que o Código de Processo Penal não adotou o sistema em questão. No entanto, não se pode negar a existência de certos resquícios de sua aplicação. Um exemplo de prova tarifada consta do art. 155, parágrafo único, do CPP, o qual dispõe que “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”. 1.4.3. Sistema do convencimento motivado (persuasão racional do juiz) O sistema do livre convencimento está previsto no art. 155, caput, do CPP1, ao dispor que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. De acordo com esse sistema, o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais têm, legal e abstratamente, o mesmo valor, porém se vê obrigado a fundamentar sua decisão. A discricionariedade de avaliação do quadro probatório soma-se a obrigatoriedade de motivação da conclusão do magistrado. Essa garantia não só assegura o exame cuidadoso dos autos, mas também permite que, em grau de recurso, se faça o eventual reexame em face de novos argumentos apresentados. Em regra, é esse o sistema adotado pelo ordenamento pátrio. Com a nova redação dada ao art. 155 do CPP pela Lei n° 11.690/08, agora também é possível se extrair a adoção do sistema do convencimento motivado do próprio Código de Processo Penal. O convencimento do juiz deve ser formado, em regra, a partir da prova produzida em contraditório judicial, sendo obrigatório que o magistrado fundamente sua conclusão. Por fim, com a adoção desse sistema, surgem alguns efeitos: Não há hierarquia de provas no processo penal, sendo que toda prova tem valor relativo. 1 Vide questão 3 do material 22 Deve o magistrado valorar todas as provas produzidas no processo, mesmo que para refutá-las. As partes possuem, portanto, o direito de verem apreciados seus argumentos e provas, direito este cuja observância deve ser aferido na motivação. Somente serão consideradas válidas as provas constantes do processo: não se pode emprestar validade aos conhecimentos privadosdo magistrado, sejam elas provas nominadas ou inominadas, típicas ou atípicas. 1.5. Da prova ilegal 1.5.1. Limitações ao direito à prova O direito à prova, como todo e qualquer direito fundamental, não tem natureza absoluta. Está sujeito a limitações porque coexiste com outros direitos igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico. Não por outro motivo, dispõe a Constituição Federal que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI). Embora a Carta Magna não tenha conceituado o que seria prova ilícita, a doutrina nacional sempre se baseou na lição do italiano Pietro Nuvolone para conceituar prova ilegal. Considera- se prova ilegal sempre que sua obtenção se der por meio de violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, de natureza material ou processual. A prova será considerada ilícita quando for obtida através da violação de regra de direito material (penal ou constitucional). Portanto, quando houver a obtenção de prova em detrimento de direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo, a prova será considerada ilícita. Outra característica da prova ilícita é a violação no momento da colheita da prova. Geralmente é colhida em momento anterior ou concomitante ao processo. Apesar de, em regra, a prova ilícita ser produzida externamente ao processo, nada impede que sua produção ocorra em juízo. Por outro lado, a prova será considerada ilegítima quando obtida mediante violação à norma de direito processual. A prova ilegítima, como se vê, é sempre intra-processual (ou endoprocessual). 23 Importa dizer que, o art. 157, caput, do CPP, o qual se refere às provas ilícitas, dispõe que “assim devem ser consideradas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, não distinguindo se a norma legal é material ou processual”. Todavia, Renato Brasileiro entende que quando o art. 157, caput, do CPP, faz menção a normas legais, deve-se interpretar o dispositivo de maneira restritiva, referindo-se única e exclusivamente às normas de direito material, mantendo-se, quanto às provas ilegítimas, o regime jurídico da teoria das nulidades. Por fim, é necessário trazer entendimentos dos Tribunais Superior acerca do acesso às conversas do Whatsapp pela autoridade policial e (in)validade da prova – tema recorrente em provas de concursos públicos). STJ/2016: Sem consentimento do réu ou prévia autorização judicial, é ilícita a prova, colhida de forma coercitiva pela polícia, de conversa travada pelo investigado com terceira pessoa em telefone celular, por meio do recurso "viva-voz", que conduziu ao flagrante do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. STJ/2017: Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário - a vítima - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa. STJ/2017: Não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia, sem prévia autorização judicial, na hipótese em que seu proprietário - a vítima - foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa. STJ/2016: Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática e telemática. STJ/2016: Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no celular 24 do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante. 1.5.2. Prova ilícita por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) Provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obstante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Suponha-se que alguém tenha sido constrangido, mediante tortura, a confessar a prática de um crime de homicídio. Necessariamente, essa confissão deverá ser declarada ilícita. Pode ser que, dessa prova ilícita originária, resulte a obtenção de uma prova aparentemente lícita (v.g., localização e apreensão de um cadáver). Apesar da apreensão do cadáver ser aparentemente lícita, percebe-se que há um nexo causal inequívoco entre a confissão mediante tortura e a localização do cadáver. Dessa forma, se não fosse à prova ilícita originária, jamais teria sido possível a prova que dela derivou. Nesse sentido, conclui-se que a ilicitude da prova originária transmite-se, por repercussão, a todos os dados probatórios que nela se apoiem, ou dela derivem, ou, finalmente, nela encontre o seu fundamento legal. Com a entrada em vigor da Lei n° 11.690/08, a teoria dos frutos da árvore envenenada passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. Segundo o art. 157, § 1º, do CPP, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. 1.5.3. Limitações à prova ilícita por derivação Após o desenvolvimento da teoria dos frutos da árvore envenenada, houve uma forte reação da própria Suprema Corte norte-americana contra a rigidez de tais regras, sendo desenvolvidas, então, exceções às exclusionary rules. Veremos algumas das teorias (mais 25 recorrentes em provas) que já vem sendo aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual merecem a nossa atenção. Da teoria da fonte independente Conforme essa teoria se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. Há de se tomar extrema cautela com a aplicação da exceção da fonte independente, tendo em vista que para que a teoria da fonte independente seja aplicada, impõe-se demonstração fática inequívoca de que a prova avaliada pelo juiz efetivamente é oriunda de uma fonte autônoma, ou seja, não se encontra na mesma linha de desdobramento das informações obtidas com a prova ilícita. Caso não se demonstre, inequivocamente, a ausência de qualquer nexo causal, fica valendo a teoria da prova ilícita por derivação. Em caso de dúvida, aplica-se o in dubio pro reo. A teoria da fonte independente, no Brasil, já vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal há alguns anos. Entretanto, com a reforma processual de 2008, a limitação da fonte independente passou a constar expressamente do Código de Processo Penal. Isso porque, segundo o art. 157, § 1º, do CPP, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. O art. 157, § 2º, do CPP, trás o conceito de fonte independente. Considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. Todavia, apesar de o dispositivo fazer menção à fonte independente, Renato Brasileiro afirma que "parece ter havido um equívoco por parte do legislador,pois, ao empregar o verbo no condicional, o conceito aí fornecido (seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova) refere- se ao da limitação da descoberta inevitável, objeto de nosso estudo no próximo tópico". 26 Teoria da descoberta inevitável Também conhecida como exceção da fonte hipotética independente, caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser considerada válida. Para aplicação dessa teoria, é indispensável à existência de dados concretos a confirmar que a descoberta seria inevitável. Em outras palavras, não basta um juízo do possível. É necessário um juízo do provável, baseado em elementos concretos de prova. Importa dizer que, na visão de parte da doutrina, tal teoria teria passado a constar expressamente do Código de Processo Penal, a partir das alterações trazidas pela Lei n° 11.690/08. Ora, embora o legislador não tenha se referido de maneira expressa à teoria da descoberta inevitável, podemos extraí-la do Art. 157, §2.º, do CPP “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Como dito no tópico acima, parece ter havido uma confusão por parte do legislador ao se referir à fonte independente, pois o conceito por ele trazido é o da limitação da descoberta inevitável. Limitação da mancha purgada (vícios sanados ou tinta diluída) Conhecida como limitação dos vícios sanados, do nexo causal atenuado ou da tinta diluída. Conforme essa teoria, não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação se o nexo causal entre a prova primária e a secundária for atenuado em virtude do decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória, da menor relevância da ilegalidade ou da vontade de um dos envolvidos em colaborar com a persecução criminal. Nesse caso, apesar de já ter havido a contaminação de um determinado meio de prova em face da ilicitude ou ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento futuro expurga, afasta, elide esse vício, permitindo-se, assim, o aproveitamento da prova inicialmente contaminada. Todavia, não se tem conhecimento da adoção da limitação da mancha purgada pelo Supremo Tribunal Federal, nem tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça. 27 1.5.4. Inutilização da prova ilícita A prova ilícita não pode ingressar nos autos do processo. Deve haver uma decisão determinando o desentranhamento da prova declarada inadmissível. Ademais, uma vez preclusa tal decisão, a prova declarada inadmissível será inutilizada, sendo facultado às partes acompanhar o incidente. § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. A apreciação da ilicitude da prova deve ocorrer o quanto antes possível, sobretudo de modo a se evitar que referida prova venha a contaminar outras. Se houver oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e ulterior recebimento da peça acusatória, o reconhecimento da ilicitude da prova deve ocorrer imediatamente após a apresentação da resposta à acusação pela defesa. Contudo, caso a prova tenha sido apresentada em audiência, deve o magistrado se pronunciar quanto à sua ilicitude de imediato, afastando sua valoração de eventual sentença condenatória. Em ambas as situações, esse desentranhamento imediato há de se limitar a uma inutilização formal provisória, devendo a prova ilícita ser preservada na secretaria judicial, para eventual retomo aos autos principais caso a decisão seja anulada ou modificada. No que tange ao recurso cabível, é certo que, se o magistrado reconhecer a inadmissibilidade da prova antes da audiência una de instrução e julgamento, o recurso cabível será o recurso em sentido estrito. Lado outro, caso não seja reconhecida a ilicitude da prova, será possível a impetração de habeas corpus em favor do acusado, desde que a imputação constante do processo refira-se à infração penal que preveja, pelo menos em tese, pena privativa de liberdade. Se, no entanto, o reconhecimento da ilicitude da prova ocorrer durante a audiência una de instrução e julgamento, sendo proferida sentença em seguida (CPP, art. 403, caput), o recurso a ser manejado será o de apelação, ainda que somente se recorra quanto à questão probatória. Inutilização da prova ilícita no Tribunal do Júri 28 Caso a prova ilícita tenha sido produzida ainda na primeira fase do procedimento do júri, deve o juiz sumariante, ao pronunciar o acusado, determinar o desentranhamento da prova ilícita, deixando de levá-la em consideração na sua decisão. Se, no entanto, a prova ilícita tiver permanecido no processo ou nele ingressar após a pronúncia, ocorrendo o julgamento pelos jurados, deverá o Tribunal, em sede de recurso de apelação ou habeas corpus, reconhecer a ilicitude da prova e, por consequência, determinar a anulação do julgamento, diante da impossibilidade de se avaliar o grau de influência da prova ilícita sobre os jurados. Descontaminação do julgado Código de Processo Penal ANTES da Lei n.º 13.964/2019 Código de Processo Penal DEPOIS da Lei n.º 13.964/2019 Art. 157. (...) (...) §4.º VETADO. Art. 157. (...) § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). O §4.º do Art. 157 do CPP, introduzido pela Lei n.º 11.690/2008, previa que “o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir sentença ou acórdão”. Entretanto, esse dispositivo foi vetado pelo então Presidente da República. O Congresso Nacional deliberou por introduzir o referido dispositivo ao nosso Código de Processo Penal, através da tramitação legislativa do Pacote Anticrime. Repetiu os exatos termos do vetado §4.º, e inseriu o §5.º no Art. 157 do CPP. É o que a doutrina denomina de descontaminação do julgado. O objetivo do Art. 157, §5.º, CPP, é evitar que o juiz que tiver contato com a prova ilícita venha a julgar o caso, pois não teria isenção de ânimo suficiente para apreciar o caso concreto com a imparcialidade que dele se espera. É dizer, por mais que o referido magistrado tenha determinado o desentranhamento e ulterior inutilização das provas ilícitas, sua imparcialidade ainda estaria prejudicada. 29 Todavia, embora o dispositivo tente minimizar a contaminação subjetiva do magistrado responsável pelo julgamento, o dispositivo em questão pode ser objeto de críticas. Nesse sentido, a decisão do Min. Dias. Toffoli no julgamento da ADI 6.298 MC/DF (j. 15.01.2020). Para o Ministro, a forma como foi redigida o §5.º do art. 157, “pode resultar na criação de situações em que a produção de provas eventualmente nula sirva como instrumento deletério de interferência na definição do juiz natural, abrindo brecha para a escolha do magistrado que examinará o processo crime, vulnerando-se, por via transversa, o postulado constitucional em questão”. Nesse sentido, o eminente Ministro concedeu parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para suspender a eficácia do art. 157, §5.º, do CPP, incluído pela Lei n.º 13.964/2019. A decisão em questão acabou sendo mantida pelo Min. Luiz Fux (ADI 6.299 MC/DF, j. 22.01.2020). 1.6. Meios de prova e meios de obtenção de prova em espécie 1.6.1. Cadeia de custódia Consiste em um mecanismo garantidor da autenticidade das evidências coletadas e examinadas, assegurando que correspondem ao caso investigado, sem que haja lugar para qualquer tipo de adulteração. Prevista no Art. 158-A, do CPP: Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentara história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Funciona, pois, como a documentação formal de um procedimento destinado a manter e documentar a história cronológica de uma evidência, evitando-se, assim, eventuais interferências internas e externas capazes de colocar em dúvida o resultado da atividade probatória, 30 assegurando, assim, o rastreamento da evidencia desde o local do crime até o Tribunal. (Renato Brasileiro, 2020). Tem fundamento no princípio da “autenticidade da prova”, pelo qual se entende que determinado vestígio relacionado à infração penal, encontrado, por exemplo, no local do crime, é o mesmo que o magistrado está usando para formar se convencimento. É aplicável a todo e qualquer elemento probatório, tendo início com a preservação do local do crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígios, e se encerra tão somente com o descarte do vestígio, geralmente ao final do processo penal. Conforme o Art. 158-A, §1.º, do CPP, incluído pela Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime), o marco inaugural da cadeia de custódia do vestígio pode ocorrer de três formas, em conjunto ou isoladamente, quais sejam: 1. Preservação do local do crime: consiste na manutenção do estado original das coisas em locais de crime até a chegada dos profissionais de perícia criminal. § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 2. Procedimentos policiais: é quando a polícia (militar ou não) por meio de ações institucionais de patrulhamento e prevenção ao crime (blitz de trânsito) ou por meio de procedimentos investigatórios (infiltração policial) identifique a existência de vestígios relacionados à infração penal, hipótese em que deverá proceder à respectiva coleta, deflagrando-se o início da cadeia de custodia. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 3. Procedimentos periciais: o vestígio é identificado através do trabalho técnico. 31 § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Importante ter em mente que a cadeia de custodia não está restrita à perícia criminal. Na verdade, a depender do caso concreto, pode ter início muito antes, quando o Delegado de Polícia apreende determinado objeto, ou quando um policial civil (ou militar) receber algum objeto material que possa guardar relação com determinado delito, oportunidade em que deverão observar com rigor todas as etapas da cadeia de custódia. No que tange as consequências decorrentes da quebra da cadeia de custódia, temos alguns entendimentos. De um lado, há quem entenda que a quebra inviabiliza o efetivo exercício o do contraditório pela parte que não tem acesso à prova integral. Sob a ótica da teoria dos frutos da árvore envenenada, os elementos remanescentes serão contaminados, logo, ilícitos. Por fim, em sentido diverso, com a introdução do regramento da cadeia de custódia pela Lei n.º 13.964/2019, parte da doutrina prefere afirmar que eventual violação à nova sistemática adotada pelos arts. 158-A a 158-F do CPP, poderá acarretar a ilegitimidade da prova , haja vista a violação a regras de direito processual, com a consequente aplicação da teoria das nulidades. (Posição adotada por Renato Brasileiro). Etapas do rastreamento do vestígio na cadeia de custódia Conforme a Portaria n.º 82/2014 da SENASP, as etapas da cadeia de custódia são divididas em duas fases: 1. Fase externa: compreende a preservação do local do crime, a busca do vestígio, seu reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte e recebimento. 2. Fase interna: compreende todas as etapas entre a entrada do vestígio no órgão pericial até sua devolução juntamente com o laudo pericial, ao órgão requisitante da perícia. A etapa do rastreamento do vestígio compreendida na cadeia de custódia está prevista no Art. 158-B, e assim dispõe: 32 Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial; Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter 33 o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Coleta dos vestígios A Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime) introduziu o Art. 158-C, caput, do CPP, prevendo que a coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares. Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 1º Todos vestígioscoletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). A utilização da palavra “preferencialmente” denota que se acaso não for possível o recolhimento dos vestígios por um perito oficial, um perito não oficial poderá fazê-lo, nos termos do Art. 159 e §§ do CPP, sob pena de contaminação da cadeia de custódia. De acordo com o art. 158-C, §2.º do CPP, é proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização. 34 § 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Importa dizer que, embora o dispositivo determine que a prática dessas duas condutas (entrada em locais isolados e remoção dos vestígios) deverá ser tipificada como fraude processual, é crucial entender que não se trata de um tipo penal autônomo. Portanto, a tipificação desse crime de fraude processual a que se refere, estará condicionada, rigorosamente, à presença das respectivas elementares do delito em questão, que encontra previsão no art. 347 do CP, no art. 312 do CTB, e nos arts. 23 e 24 da nova lei de abuso de autoridade. Recipientes para acondicionamento de vestígios O art. 158-D trás as regras para o acondicionamento de vestígios: Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente, por pessoa autorizada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 35 § 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). § 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). Centrais de custódia Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal. Essa central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio. Importante dizer que, na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam. Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso. Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação. Destinação do material após a realização da perícia Uma vez realizado o exame pericial deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer. Essa sistemática está prevista no art. 158-F, do CPP: Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 36 Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de natureza criminal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019). 1.6.2. Do exame de corpo de delito e das perícias em geral Do Corpo de delito Corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais ou sensíveis deixados pela infração penal. Exame de corpo de delito e outras perícias O exame de corpo de delito é uma análise feita por pessoas com conhecimentos técnicos ou científicos sobre os vestígios materiais deixados pela infração penal para comprovação da materialidade e autoria do delito. A depender do caso concreto, um mesmo corpo de delito pode ser submetido a vários exames periciais. O exame de corpo de delito não é única espécie de exame pericial, embora grande parte da doutrina assim ensine. Na verdade, o exame de corpo de delito é uma espécie de perícia. Logo, apesar de o exame de corpo de delito ser o mais importante exame pericial, pois ligado aos vestígios deixados pela infração penal, há outros exames periciais com igual relevância, tais como os de verificação da sanidade mental do acusado, os de constatação da idade do acusado, etc. Não é prova hierarquicamente superior às demais. Em regra, o exame pericial pode ser determinado tanto pela autoridade policial quanto pelas autoridades judiciária e ministerial. Entretanto, a determinação para o exame de sanidade mental, apenas pode ser feita pela autoridade judiciária. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico- legal (CPP, art. 149, caput). 37 A conclusão do exame pericial cabe aos os peritos, jamais as autoridades policial, judiciária e ministerial poderão interferir, tendo em vista a garantia da autonomia técnica, científica e funcional, dos peritos. Além disso, segundo o art. 161 do CPP, o exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora. Laudo pericial É a peça técnica elaborada pelos peritos quando da realização do exame pericial. Subdivide-se em 4 (quatro) partes: a) preâmbulo: qualificação do perito oficial ou dos peritos não-oficiais e do objeto da perícia; b) exposição: narrativa de tudo que é observado pelos experts; c) fundamentação: motivos que levaram os experts à conclusão final; d) conclusão técnica: resposta aos quesitos. Obrigatoriedade do exame de corpo de delito: infrações transeuntes e não transeuntes É importante diferenciarmos as infrações penais transeuntes das não transeuntes: Infrações penais transeuntes: são as infrações penais que não deixam vestígios. Ex: crimes contra a honra praticados verbalmente; Infrações penais não transeuntes: são as infrações penais que deixam vestígios materiais. Ex: crime de homicídio cujo cadáver foi encontrado. A relevância da realização do exame de corpo de delito recai sobre as infrações não transeuntes, pois tais delitos costumam deixar vestígios. Exame de corpo de delito direto e indireto O exame de corpo de delito direto é aquele feito por perito oficial (ou dois peritos não oficiais) sobre o próprio corpo de delito. Há dúvidas na busca da doutrina pelo conceito de exame de corpo de delitoindireto. Para uma primeira corrente, não há qualquer formalidade para a constituição do corpo de delito indireto, constituindo-se pela colheita de prova testemunhai, a qual, afirmando ter presenciado o crime ou visto os vestígios, será suficiente para suprir o exame direto, ou, ainda, pela análise 38 de documentos que comprovem a materialidade, tais como fotografias dos vestígios sensíveis ou o prontuário médico do atendimento da vítima no posto de saúde. Para uma segunda corrente, o exame de corpo de delito indireto é um exame pericial e não se confunde com o mero depoimento de testemunhas (CPP, art. 167). Para essa corrente, após colherem os depoimentos das testemunhas acerca dos vestígios deixados pela infração penal, ou analisar documentos pertinentes à materialidade da infração penal, os peritos irão extrair suas conclusões, firmando um laudo pericial. Esse exame é tido como indireto pelo fato de não ser feito diretamente sobre os vestígios deixados pela infração. Conclui-se, portanto, que o exame de corpo de delito direto é, sim, um exame pericial. De outro lado, a depender da corrente adotada, o exame de corpo de delito indireto pode ser considerado um exame pericial ou um exame judicial, ou seja, uma análise do juiz acerca da materialidade do delito, porém a ser feita a partir da prova testemunhai ou documental. Ausência do exame de corpo de delito A lei que estabelece que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito. Então, se era possível à realização do exame direto, ou, ainda, se a ausência do exame direto não foi suprida pelo exame de corpo de delito indireto, deverá o processo ser anulado, a partir do momento em que o laudo deveria ter sido juntado ao processo. Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Prioridade à realização do exame de corpo de delito A lei que estabelece que, alguns crimes, terão prioridade na realização do exame de corpo de delito. Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva: I - violência doméstica e familiar contra mulher; (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018).2 2 Vide questão 6 do material 39 II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018).3 Peritos: oficiais e não oficiais Os peritos podem ser de duas espécies: peritos oficiais ou não oficiais. Em ambas as hipóteses, o perito deve ser portador de diploma de curso superior. No entanto, há precedente da 2ª Turma do Supremo reconhecendo a possibilidade de exame ser feito por dois peritos não oficiais não portadores de diploma de curso superior. Perito oficial é o funcionário público de carreira cuja função é a de realizar perícias determinadas pela autoridade policial ou judiciária. Já o perito não oficial ou inoficial é a pessoa nomeada pelo juiz ou pela autoridade policial para realizar determinado exame pericial. Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Dispõe o art. 159, § 2º, do CPP, que os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Para a doutrina e para a jurisprudência, a ausência desse compromisso configura mera irregularidade. § 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Por fim, tanto o perito oficial quanto o perito não oficial são considerados funcionários públicos para os fins do art. 327 do Código Penal. O primeiro, por ser titular de cargo público. O segundo, por exercer, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, função pública. Assistente técnico 3 Vide questão 5 do material 40 O assistente técnico, introduzido no processo penal pela Lei n° 11.690/08, é um auxiliar das partes, dotado de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, responsável por trazer ao processo informações especializadas pertinentes ao objeto da perícia. § 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. O momento de admissibilidade do assistente técnico é muito discutido na doutrina. Renato Brasileiro entende que sua atuação somente pode ocorrer na fase judicial. Isso porque, segundo o art. 159, § 4º, do CPP, o assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. § 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.4 Na mesma linha, dispõe o Código que, durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia, indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência (CPP, art. 159, § 5º, II). Por fim, e ainda segundo as alterações introduzidas no CPP pela Lei n° 11.690/08, havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação (CPP, art. 159, § 6º). Não se admite, portanto, a intervenção do assistente na fase investigatória. Autópsia e exumação para exame cadavérico Nos termos do art. 162, caput, do CPP, a autópsia será feita pelo menos 6 (seis) horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto. Não obstante, nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou 4 Vide questão 9 do material 41 quando as lesões externas permitam precisar a causa da morte e não haja necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante. Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto. Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante. Laudo pericial complementar no crime de lesões corporais Nos casos de lesão corporal grave que resulta incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, além do primeiro exame pericial, comprovando a ofensa à integridade corporal, é necessária a realização de um exame complementar, a fim de se aferir se a vítima ficara incapacitada para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias. Importante ressaltar, todavia, que a falta desse exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal (CPP, art. 167, c/c art. 168, § 3º). Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame
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