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1 Nova Sociedade - uma Escola forjada na Luta Isabela Camini1- nov./2020 A História é tão vir-a-ser quanto nós, seres limitados e condicionados, e quanto o conhecimento que produzimos. Nada por nós engendrado, vivido, pensado e explicitado se dá fora do tempo, da História. Ter certeza, estar em dúvida, são formas históricas de estar sendo. (Paulo Freire, 1990, p. 19). A Pandemia continua seu percurso devastador e duvidoso, ceifando vidas, muitas delas próximas de nós, alcançando neste momento em que estou escrevendo, entorno de 162 mil óbitos no Brasil. Algo inadmissível em um país tão rico e com um povo tão generoso! Esperamos ansiosos por uma vacina, segura, confiável e eficaz, cientes de que nada mágico vai acontecer. Para isso, confiamos na ciência, e nos colocamos contra os negacionistas. Por ora, a orientação é nos cuidarmos mutuamente e solidariamente, partilhando o pão e a esperança. Ainda que custe sacrifício, há somente uma forma segura de evitarmos a proliferação do vírus: ficando em casa, ocupando-nos de tarefas, ao nosso alcance, acumulando forças para sermos apoio aos próximos, atingidos diretamente pelas perdas imensuráveis, pela dor e sofrimento. Entre várias ocupações, escrever tem sido uma terapia inspiradora. A escrita assegura o pensar e o agir focado nas memórias, nos livros, na organização das informações. Ela ocupa nossos pensamentos e sentimentos, e canaliza nossas emoções, de alguma forma afetadas pelo dramático e conturbado momento atual. O fato de não podermos ocupar as ruas para a campanha de candidatos, Prefeitos e Vereadores, que estão do lado do povo, e nem para protestar contra as injustiças, a retirada de políticas públicas, a venda das estatais, entre outras aberrações, também é um apelo para que nos reinventemos, inclusive para combater a acomodação e a indiferença com o que está ocorrendo no mundo. O tempo requer planejamento, exercício consciente para uma ação transformadora e libertadora de nós mesmos e dos coletivos a que pertencemos. Com os outros, pessoalmente, celebraremos a vida, mais tarde. Ainda que estejamos atravessando uma experiência de dúvidas e incertezas, advindas da Pandemia, somada a instabilidade política e econômica, seguida de maus exemplos, negacionistas, das autoridades, no que diz respeito aos protocolos necessários para nossa saúde, temos também motivos para comemorar e celebrar, mesmo de forma virtual, preparando-nos para o momento mais adequado e com segurança, nos encontrarmos. Os gestos de solidariedade, feitos pelo MST, que levam alimentos, livros, r boa dose esperança, que não amortece a indignação, às pessoas desprovidas de direitos básicos nas periferias urbanas, tem sido nosso guia animador, nestes tempos sombrios. Através deste texto, pretendo construir uma reflexão acerca da memória dos Trinta anos da Escola Nova Sociedade, assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita, conquistada em 13 de novembro de 1990, ao final da gestão do Governo Guazzelli 2. Sabemos que “a memória é a vacina contra a morte”, por isso a valorizamos e cultivamos. Se bem ordenada e reconstruída, ponto por ponto, nos dará os elementos constitutivos desta trajetória histórica, vivida com intensidade e intencionalidade pedagógica educativa, iniciada em meados de 1980. 1 Mestre e doutora em Educação pela UFRGS. Do Setor Educação do MST. Autora das obras: Escola Itinerante – na fronteira de uma nova escola. São Paulo, Expressão Popular, 2009/2011; e Cartas Pedagógicas – aprendizados que se entrecruzam e se comunicam, São Paulo, Outras Expressão, 2012. Ver outros textos, 2020: Qualidades necessárias ao educador revolucionário; Carta Pedagógica – Por uma Pedagogia da Solidariedade; Carta Pedagógica - O primeira alvo foi a Escola; Carta Pedagógica – Entre a Pena e a Agulha; Carta Pedagógica – Às muitas Anitas. 2 Gestão de Simon/Guazzelli 1987 - 1990. Gestão de Alceu Colares: 1991-1994. 2 A memória possível, da qual falamos, nos ajudará entender o papel inspirador que continua tendo essa escola, para centenas de outras conquistas em áreas de assentamentos. Ao revisitarmos a memória, damo-nos conta de que o impossível se tornou possível, com a luta organizada e o esforço coletivo. Fazer um balanço destas três décadas, celebrar e dar-lhes visibilidade é também pensar os desafios dos próximos anos. Uma tarefa que as novas gerações precisam tomar para si e abraçá-la, ao tomarem conhecimento da importância que guarda essa escola para o MST. E esta tarefa será ainda mais exigente, dado o retrocesso social em curso, o projeto de fechamento de escolas, a mercantilização da educação pública, o desprezo pela história, e o desrespeito para com os profissionais da educação. Sabemos que centenas de pessoas se envolveram e deram um pouco de seu sangue nesta caminhada, para concretizar a Escola que temos hoje. No entanto, algumas já se despediram de nós, sem alcançar nossa justa homenagem. Nossa gratidão aos que atualmente trabalham, empenhados na construção de uma nova sociedade, ocupando a Escola, e fazendo deste espaço educativo, um laboratório de formação humana, pretendida pela nova vida que almejamos construir, pela força viva dos trabalhadores/as. Portanto, essa narrativa é reveladora das trilhas pelas quais a Escola Nova Sociedade caminhou, para alcançar a maturidade e poder celebrar trinta anos de Escola. Nesta introdução, deixo meu agradecimento aos três diretores/as da Escola, Elizabete Witcel, Cícero Marcolon e Elaine da Rosa. Eles acolheram generosamente minha solicitação em busca de informações para dar corpo e legitimidade a este singelo texto. Sua leitura prévia foi fundamental. Sem suas vozes não poderia escrever o que escrevi. Meu agradecimento se estende à toda a comunidade escolar, assentados, educadores, educandos, ao conjunto da escola. No decorrer de três décadas, encontrei os educadores/as nos cursos de formação, e estive presente na escola, várias vezes, bebendo na fonte dos aprendizados construídos dia a dia. Por esta condição, me coloquei a tarefa de escrever e socializar com vocês, uma reflexão que traduz a caminhada de uma escola do e no campo, sem cercas e muros, próxima da vida dos sujeitos que a forjaram. Nos muitos dias em que me dediquei a este trabalho de elaboração, senti o pulsar do coração desta escola, vi sua face em transformação, movida pela dedicação dos sujeitos que têm pertença a ela. Percebi como se forja, se constrói e se nutre, cotidianamente, um projeto de Escola que se pretende mais do que escola. Sobretudo, pela coragem de se colocar o grandioso desafio - de por dentro dela, alimentar o sonho de uma nova sociedade, ainda com os limites que a instituição escolar nos impõe. Minha gratidão também aos educadores/as que leram este texto antes de sua publicação3. Seus comentários e observações contundentes, deram beleza e veracidade ao que escrevi. Portanto, são muitas pessoas que motivaram estas páginas. Ainda aqui cabe minha confissão. Escrever este texto foi um desafio enfrentado com coragem. Me exigiu tempo, paciência e disciplina pessoal. Foi escrito com profunda emoção e gratidão. Ao sistematizá-lo, dei-me conta de que estava imbricada nesta trajetória. Sou também uma memória viva, e neste caso, com dupla responsabilidade: continuar acompanhando a sua caminhada e dar-lhe visibilidade. Por isso, revisitando registros valiosos, e em diálogo com outras memórias, foi possível costurar este texto, em boa medida, atravessado pela pandemia, cuja leitura e escrita amenizam um pouco o isolamento. 3 Edgar Jorge Kolling, Diana Darós, Marli de Moraes, Soloá Sitolin, Roseli Caldart e Senira Beledelli. 3 A escola ajuda a construir o futuro quando anda junto com as lutas que constroem este futuro4. Para o MST, a Escola Estadual de Ensino Médio Nova Sociedade, é um marcoimportante que se entrecruza com a própria história do MST/RS, desde a ocupação da Fazenda Annoni, em 29 de outubro de 1985. de onde vieram as famílias, cujo acampamento motivou a criação do Setor de Educação e a luta pela escola de acampamento e assentamento. Por isso, confirma a ideia de construção conjunta do futuro. Imediatamente à chegada no território que seria o assentamento nesta região, à época, distrito Santa Rita, entre 1987-1989, as primeiras famílias, organizaram a luta pela escola de Ensino Fundamental, porque seus filhos já frequentavam a escola do acampamento5. E, de forma alguma aceitavam retroceder no processo e na consciência da importância do estudo. Contudo, a luta não parou na conquista. Eles precisaram aprender a fazer a escola com a qual sonhavam, por dentro da escola pública estadual, usualmente conservadora. E este exercício foi feito muito antes do Decreto de criação da Escola que falaremos abaixo. Era um exercício permanente de luta e de insistência junto ao Estado para que tivessem a Escola em seu meio, próxima da vida. Ao mesmo tempo, começaram a dar aula nas casas das famílias, debaixo das árvores, depois em pavilhão improvisado. Ou seja, quando se descobre que o aprendizado acontece em diferentes situações da vida, especialmente quando se está em luta, vivendo na carne, as contradições, e que a escola é um dentre esses espaços, não se espera pela construção das estruturas para que ela ocorra6. Deste modo, após muitas idas e vindas aos órgãos públicos, e conversas com autoridades, somente em 13 de novembro de 1990, é publicado o Decreto n. 33.720, que cria a Escola de 1º Grau incompleto nova sociedade, até 6ª série. Vejamos bem, mais uma vez é o Estado Capitalista que se dá o direito de definir e limitar o grau de escolaridade que o povo do campo tem direito. Por isso, precisamos gritar muitas vezes: Educação do Campo – direito nosso e Dever do Estado! Contudo, somente um ano depois, em 1991 conquistaram a ampliação para o Ensino fundamental completo, até a 8ª série. O que se constituiu um avanço significativo, mas ainda assim limitado para um povo que tem tantas potencialidades a serem colocadas em prática. Há indícios de que a construção das estruturas da Escola 4 Bogdan Suchodolski, Teoria Marxista da Educação. Santos – São Paulo, Volume I. Estampa Lisboa, 1976. 5 Aqui cabem duas lembranças. A Escola Margarida Maria Alves, de séries iniciais, foi a primeira escola de acampamento na ocupação da Encruzilhada Natalino. Em 1984, ela foi transferida junto com as famílias para o acampamento/assentamento de Nova Ronda Alta. Suas atividades cessaram em 1997, devido ao reduzido número de crianças que a frequentavam no assentamento Nova Ronda Alta, município de Ronda Alta (Camini, 2009, p. 104) Em 1987 foi inaugurada a Escola 29 de Outubro ainda dentro do acampamento da Annoni, identificada com a data da ocupação em 1985. O grupo de famílias que foi assentando na própria fazenda Annoni, Assentamento 16 de Março, em 1987, assegurou a escola de assentamento oficialmente criada em janeiro de 1988 (LAUER, Munir - Sistematização em leitura e literatura da Escola 29 de Outubro, 2019). 6 Neste período, há que se reconhecer a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA, aprovado em 1990, constituindo-se uma força política pelo direito à educação, merecedora de balanço e muita atenção nos dias atuais, tendo em vista o avanço agressivo, excludente e discriminatório de crianças e adolescentes vulneráveis. Uma boa lembrança nos ajuda a entender a força do ECA na luta pelo direito à educação para o MST. Em 1995 o MST do RS realizou o segundo Encontro Infanto-Juvenil, reunindo 112 crianças e adolescentes em Porto Alegre. Neste encontro as crianças estudaram o ECA, e nele encontraram a força de que precisavam. Este encontro foi o germe, a semente fértil que orientou o Movimento a buscar o reconhecimento e legalização definitiva das escolas dos acampamentos, espaços onde exercitavam o jeito da escola do assentamento, no/do campo. A Escola Itinerante, aprovada em novembro de 1996, pelo Conselho Estadual de Educação foi o resultado da compreensão do direito à educação explícito no ECA. Por isso, a lembrança de José Martí “O conhecimento Liberta”. Neste ano também foi decisivo para o avanço da educação no MST, a criação do Curso de Magistério na Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Região Celeiro do Estado, em Braga-RS, transferido para o Instituto de Educação José de Castro em Veranópolis, em 1996. Entre 1990 e 2010, doze turmas de Magistério foram formadas para atuarem como educadores/as nas escolas de assentamentos e acampamentos do MST, em diferentes estados. 4 recém criada se iniciaram ainda na gestão do governo Guazzelli, que a autorizou. A continuidade e a conclusão desta construção se deram no governo de Alceu Colares, gestão 1991-1994. Vejamos bem, a escola de Ensino fundamental seguiu seu percurso por 14 anos. E neste período, aqueles/as que desejaram continuar estudando, tiveram que ir para as cidades em busca de escola. Novamente, vemos que nada vem de graça para o povo do campo. Desde séculos, seu destino é lutar pelos seus direitos, sempre. Somente em 2004, a comunidade conquista o Ensino Médio, através do Decreto do Estado n. 42.886. Como acabamos de ver, a luta por Uma Nova Sociedade neste território, passa pelas lutas e conquistas da Escola Nova Sociedade. Um aprendizado, plantado e germinado durante o longo período de acampamento da Fazenda Annoni. Certamente, deste período, as famílias não esquecem jamais! Por isso, manter a memória viva, é muito importante. E quando ela vai para o papel, está assegurada, certamente. Obviamente, estas conquistas fazem parte de uma história muito importante para ao MST. De forma alguma estamos aqui elogiando os governos que autorizaram o funcionamento desta escola. Ela é uma política pública assegurada pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. E hoje pelas Diretrizes da Educação do Campo, Nacional e Estadual. Ou seja, nada se deu por dádiva e de presente, e sim pelo direito à educação, ainda que para obtermos este direito, tanto na conquista como para assegurá-lo em nossos territórios, se faz necessário muita luta, resistência e organização. É o que temos visto no decorrer de quatro décadas da história da luta pela terra em 24 estados do País, onde o MST está organizado. Se olharmos para a história do Rio Grande do Sul, com seus consecutivos governos, não restam dúvidas, a Nova Sociedade é uma escola conquistada num período político tenso e difícil para a classe trabalhadora. O Estado à época era governado por Pedro Simon - gestão 1987-1990 pelo PMDB. Em seguida Simon foi eleito Senador, e o Estado ficou nas mãos de Sinval Guazzelli, seu vice. Lembramos que vivíamos um período pós-ditadura, a classe trabalhadora ensaiava os primeiros passos nas lutas por justiça social, desarticulada pelo período nebuloso dos 20 anos de ditatura militar. Portanto, foram tempos de exercícios de aprendizados, tempos de inventar, arriscar, planejar, ousar. Uma ousadia acompanhada de perdas e massacres em nível nacional, porque ainda impedidos de lutar com autonomia e liberdade de expressão. Desta forma, a escola a que nos referimos, não foi aprovada facilmente. Isto não ocorre em governos autoritários, comprometidos e atrelados ao capital. Essa escola é fruto e resultado do conhecimento do direito à educação encontrado no ECA, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Constituição Federal. Apropriar-se desta legislação, foi determinante para alcançarmos estas conquistas. O governo à época, não teve outra saída, se não criar a Escola Nova Sociedade, mesmoideologicamente contrário a luta dos Movimentos Sociais do campo que se insurgiam e germinavam em outras regiões do país. Neste sentido, o governo à época foi esperto/ágil, pois, percebeu de imediato a força da luta coletiva destes trabalhadores, e que enfrentaria problemas maiores em sua gestão caso não a aprovasse. Isto é muito importante que o povo mantenha vivo na memória. A Escola Nova Sociedade é uma Escola forjada na luta. Obviamente, esta importante conquista foi animando a luta e fortalecendo a pressão para buscar outras escolas públicas, em 24 estados do Brasil onde o MST assentou pé na luta pela Reforma Agrária. Por essa razão, podemos afirmar que à esta Escola, se somam centenas de escolas do campo, no campo. E aos seus educadores e educandos, se somam milhares. Por isso, essa memória quer atualizar a coragem e a luta por escolas do campo no próximo período que se mostra desafiador para toda a humanidade, tendo em vista o avanço do fascismo que busca colocar medo nas pessoas, tirar-lhes o direito de dizer a sua palavra, e cantar a liberdade, travando os avanços alcançados nos últimos períodos. Por isso mesmo vemos tantos ataques à Educação libertadora, emancipatória, à Paulo Freire, Patrono da 5 Educação Brasileira. As investidas para criar a Escola Cívico-Militar e a Escola Sem Partido, são fortes indícios destes ataques. Nessa ótica, temos o depoimento revelador de Elaine da Rosa7 Falar da Escola Nova Sociedade, sem mencionar o Mestre Paulo Freire e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é sem dúvida, negar a história da escola, pois, sem a existência deles, tão pouco a escola existiria. A escola, no assentamento Itapuí é vista como alma viva, carrega a intencionalidade de humanizar e libertar as pessoas, um centro de cultura, exemplo de cooperação, solidariedade, organização e superação, e está vinculada a luta popular, a função social da escola, vai além do processo de escolarização, ultrapassa as quatro paredes. É fruto da luta dos assentados, sua proposta pedagógica foi construída de forma participativa, com raízes na educação do campo. A Escola e sua Identidade Para as pessoas que conhecem ou visitam esta escola, de imediato chama atenção o nome que a identifica. Um nome de significado singular para o MST. Contudo, para outros, nem tanto! Sabemos, há os que se incomodam com este nome. Como pode uma escola pública estadual ser aprovada com um nome tão diferente? Batizada por Escola Nova Sociedade, tem nome incomum se comparado a tantas escolas identificadas com nomes de personagens da história, apoiadores da ditadura, ou Santos/as, desconhecidos, sem nenhum vínculo com própria comunidade escolar. O nome Nova Sociedade foi escolhido em assembleia, porque era um nome bonito e seria o espaço propício que reeducaria os assentados e as novas gerações, para a nova sociedade pela qual lutavam. Por isso, no mesmo encontro, também discutiam a Filosofia da Escola que daria coerência ao nome de batismo. Portanto, a Filosofia desta Escola começou germinar no início de sua história, adubada e regada até hoje, A proposta da escola tem em sua essência a intencionalidade pedagógica da transformação social, utilizando-se dos espaços coletivos da escola e da comunidade para criar circunstancias que propicie, nos sujeitos envolvidos, um estranhamento capaz de provocar mudanças de atitudes e comportamentos. Parte da realidade local para resgatar e fortalecer a identidade do trabalhador e da trabalhadora do campo, e neste caso, com pertença e identidade com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (Elaine da Rosa). A nosso ver, o nome Nova Sociedade é revelador de um sonho, gestado pelas famílias acampadas, semeado, germinado e regado no assentamento. Enquanto lutavam por terra, acampados ou em marchas, também lutavam pelo direito à educação. Por isso tem a dimensão da esperança do verbo esperançar, do sonho que não se sonha só, do sonho coletivo. Da esperança que não deixa morrer nossa indignação, porque sonhamos juntos. O verdadeiro sonho que diuturnamente nutria as marchas das famílias em luta, por uma nova sociedade. Este novo que projetavam incluía terra, moradias, plantação, alimentação, comercialização, cooperativas, pesquisa, ciência, relação campo e cidade. E uma escola diferente para as crianças, adolescentes e adultos. Ao chegarmos na Escola hoje, e conversarmos com os educadores, com os educandos e comunidade escolar, vemos que os sonhos projetados, estão em boa medida, concretizados. E se olharmos para o seu entorno, ainda mais visível estão ali os sonhos realizados. Contudo, por sermos humanos, sonhamos sempre, embora nossa memória, nos traia, se negando a revelá-los. Por isso, temos muitos sonhos ainda a serem perseguidos. É bom lembrar que mesmo em condições precárias de acampamento, em barracos improvisados ou debaixo de árvores, 30 anos passados, ensaiavam esta escola, sem saber ainda que no mesmo período 7 Elaine da Rosa é professora desta escola há 14 anos. Diretora/gestora por 12 anos. De janeiro de 2013 a junho de 2018, foi Secretária da Educação do Município de Nova Santa Rita. É Licenciada em Letras, Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento, Administração Escolar, Supervisão e Orientação. Relato escrito no dia 26 de out./2020. 6 Paulo Freire escreveria sua própria experiência de alfabetização na Obra - A Sombra desta Mangueira, em meados de 1990. Uma experiência muito parecida com a dos Sem Terra. Paulo Freire teve seus os primeiros contados com a leitura em sua casa, à sombra de mangueiras. O próprio Freire relatou que, a sobra das mangueiras, e com gravetos destas, traçou as primeiras palavras, no quintal de sua casa, na Estrada do Encantamento, 724, no Bairro da Casa Amarela, na capital Pernambucana, sob a orientação de sua mãe Edeltrudes e do Pai Joaquim. O chão foi seu quadro-negro, e os gravetos, o seu giz. PF relata que em sua casa existiam duas mangueiras, muito próximas uma da outra, que permitiam a seu pai armar a rede, e também, debaixo destas, foi alfabetizado com palavras de seu cotidiano e de seu mundo (Andreola e Ribeiro, P. 15, 2005). Acampados na Annoni, apostavam de que a escola da qual não abririam mão ao chegar no assentamento, deveria se identificar pedagogicamente com a forma democrática como o Movimento se organizava. Isto é, uma escola em movimento, dinâmica, aberta, envolvida, e atenta à realidade ao seu entorno. Por experiências negativas passadas, se mostravam contrários a uma escola parada, imóvel, cercada, indiferente, bancária, distante da vida real, mesmo que sua estrutura tivesse endereço certo, no assentamento. Ou seja, nenhuma estrutura de escola, deve impedir a construção da Pedagogia do Movimento. Na nova sociedade que buscavam construir, estava prevista a escola, que seria mais do que escola na Pedagogia do Movimento, fazendo parceria com Paulo Freire seu farol inspirador. Interessante lembrar que a conquista desta escola ocorreu no mesmo ano em que Paulo Freire se encontrou pela primeira e única vez, pessoalmente, com o MST8. Guardada a história e a memória desta Escola, é importante lembrar que entre 1996 e 2009, a Escola Nova Sociedade viveu uma experiência desafiadora, singular, que a moveu para fora de si mesma, e a identificou ainda mais com o sonho e os princípios que alimentavam as famílias em relação à escola lá na origem. Quis o destino que ela se constituísse Escola Base das Escolas Itinerantes dos Acampamentos do MST, criada em novembro de 19969. Neste período, teve a incumbência de cuidar de toda a vida escolar dos educandos e educadores, da compra e distribuição da merenda escolar, que pelas circunstâncias da luta, essa escola itinerante se multiplicava para estar em vários acampamentos, em diferentes regiões do estado, em marcha, ou em frente a prédios públicos, na capital, pressionando o poder públicoa desapropriar áreas improdutivas para assentamentos da Reforma Agrária. Com este compromisso, a direção, coordenação pedagógica e secretária da Escola Nova Sociedade precisavam se deslocar para os locais onde estivessem estas escolas em situação de itinerância. Sem dúvida, o conjunto da escola, foi forjado a compreender ainda melhor, os grandes desafios pedagógicos enfrentados pelos educadores, na condução e condições enfrentadas por escolas, com estruturas precárias, e em locais distintos. Uma escola, itinerante, sem cercas e muros, colada, vivendo cotidianamente os desafios que a luta pela terra impõe, era de alguma maneira levada e partilhada com o conjunto dos educadores da Escola Base, Nova Sociedade. Obviamente que esta experiência de Escola Itinerante dialogou com a Nova Sociedade, que teve sua origem no acampamento da Annoni, a mantendo alerta, interrogada para não se distanciar do germe que a originou, tanto no período de acampamento, como também nos primeiros anos de assentamento. Em consequência desta realidade, acreditamos que as Itinerantes fortaleceram a Escola Base e lhes asseguraram os vínculos de que precisava, para ser o que estava em seu horizonte: Escola Nova Sociedade! No entanto, em algumas situações as “Itinerantes” a desestabilizou e a retirou da zona de 8 Lembramos aqui que em 25 de maio de 1990, o Educador Paulo Freire esteve presente no Lançamento do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, no assentamento Conquista da Fronteira, em Hulha Nega, Bagé. Com este propósito, está sendo reconstruída a memória do Encontro do MST com Paulo Freire. 9 A Escola Itinerante, pública, estadual, no Rio Grande do Sul viveu a experiência durante 12 anos, de 1996 – 2009. Neste período, inspirou a criação de Escolas Itinerantes nos seguintes Estados: Paraná, Santa Catarina, Goiás, Alagoas e Piauí. Atualmente essa forma escolar é encontrada apenas no Estado do Paraná. 7 conforto. Isto é, por ter conquistado uma estrutura física, fixa, segura, a tendência normal, e pela própria pressão do Estado Capitalista, poderia vir a ser a escola usual capitalista, longe da vida. Dito isto, sabemos que as Itinerantes deram muito trabalho e preocupações à Escola Base, mas também, serviram de farol inspirador para mantê-la coerente com a luta que a forjou, seguidas de muitas lutas, regadas pela Pedagogia do Oprimido e Pedagogia do Movimento. Por isso, ao visitarmos esta escola, é visível o vínculo com o Movimento Sem Terra, pela mística ao seu entorno, pelos painéis, cartazes, pinturas, pensamentos, bandeira, entre outros símbolos. De modo especial chama-nos atenção a frase na entrada da escola: Para que serve teu conhecimento? Esse vínculo se expressa pela formação de seus educadores e educandos, e pelas relações de respeito e amorosidade entre si. Uma horta orgânica, o jardim e o pomar, são fortes indícios desta escola diferente, contra hegemônica à escola capitalista. O Projeto Relações Humanas e Cooperação O caminho é a conscientização humana e social profundas. Se a consciência fica só no plano intelectual, ela é abstrata e teórica, mas pela ação prática – estudar, trabalhar, cooperar, conviver ou lutar – ela se torna real. Esta conscientização é o caminho para a transformação humana e social, um caminho sem fim para a utopia do socialismo de autogestão (SIMULA, 2017, p. 15). Aqui queremos destacar e dar visibilidade a uma iniciativa peculiar, própria da Escola Nova Sociedade. Uma descoberta feita pelo conjunto da escola, acolhida por toda a comunidade escolar, atualmente em estágio avançado e avaliado positivamente, pois são quinze anos que trilham este caminho formativo, que se entrecruza e se comunica com outros processos formativos orientados pelo Setor de Educação do MST. Cientes de que precisavam estar preparados para enfrentar os desafios próprios advindos de uma escola do MST, do campo, visibilizada pela sua história de luta e pelos sujeitos que a forjaram, em tempos de ataque e ameaças à escola pública, o coletivo de educadores buscou desenvolver um Projeto de Relações Humanas e Cooperação entre si. A ideia começou timidamente e tomou corpo no decorrer do processo. Com o propósito de ser força e manter a resistência, a lucidez e coragem para continuar a construção de uma Escola fiel ao seu nome de batismo - Nova Sociedade, o coletivo de educadores trilhou um caminho sem volta. Buscou mergulhar na realidade ao seu entorno, conhecer-se entre si, conhecer seus educandos e comunidade. Para isto, buscou aporte na Psicologia Social, dialógica, interrogativa, autocrítica. Dedicou tempo para encontros, estudos, reuniões que viabilizassem este projeto. Para isto foi preciso ignorar e se importar pouco com as críticas destrutivas e os impedimentos vindos inclusive do poder do Estado, que pouco se importa com a formação permanente, emancipatória dos educadores. Sendo assim, os educadores assumiram seu próprio destino, planejando-se e orientando-se para o horizonte em que acreditavam, tendo em vista que a prática concreta, é sempre o critério da verdade. Por conta disso, há mais tempo, o coletivo da escola está fazendo uma caminhada belíssima de formação, que eleva sua consciência, com a assessoria do Instituto Conscientia. De acordo com Elizabete Witcel10 Ao longo desses mais de 15 anos O projeto Relações Humanas e Cooperação foi se fortalecendo e atualmente é fio condutor dos demais projetos que a escola desenvolve. No início realizávamos dois encontros presenciais por ano com o Pertti e quando tínhamos dúvidas, inquietações, entrávamos em contato através de e-mail e ou telefone. De um clima tenso, frio e individualista a escola transformou-se num ambiente acolhedor, místico, de cooperação, respeito e motivação, entre os trabalhadores da escola e entre comunidade escolar (educadores, 10 Pedagoga, com especialização em Estudos Latinos na UFJF, professora da Escola desde 2002. Diretora desta escola entre 2012 a 2018. Assentada no Assentamento Capela de Santana desde 1993. Depoimento concedido por escrito em 29 de out./ 2020. 8 educandos e pais/responsáveis). A concepção da educação do MST e o método Conscientia balizam nossas práticas pedagógicas. O princípio da liberdade é o que nos orienta, e nessa perspectiva aprofundamos o conceito de liberdade que o método nos indicou, refletimos sobre a liberdade de sentir e pensar, e liberdade limitada de agir. E, ao trazermos o princípio da liberdade para pedagogia da escola, estamos reforçando que liberdade implica responsabilidade e responsabilidade requer liberdade, ou seja, são sinônimos. Somos responsáveis pelo nosso modo de sentir alegria, medo, indignação, inferioridade, tristeza, frustração, vergonha, raiva. Quando permitimos que esses sentimentos sejam expressados no dia a dia da escola, todos se sentem respeitados enquanto indivíduo, o que permite reflexões e mudanças de hábitos, inclusive do sentir11. Por ser um processo formativo que busca o equilíbrio emocional e pedagógico dos sujeitos que aprendem e ensinam ao mesmo tempo, tem contribuído significativamente com a humanização das relações em todos os aspectos da vida escolar. Porque à medida que alcançam resultados positivos advindos desta caminhada, percebem com mais nitidez os desafios da convivência humana, ainda mais quando se trata de processos educativos para a humanização destas relações. Neste sentido, o maior desafio é identificar a prática, a convivência que leve à superação de relações de opressão. Sobre este aspecto Paulo Freire tem muito a nos dizer, especialmente nas obras: Pedagogia do Oprimido e Educação como Prática da Liberdade. Como resultado, a escola tem se destacado na condução do Projeto Político Pedagógico de uma escola do e no Campo, na relação com a comunidade dos assentamentos e ao entorno, não assentados, assim como na capacidade e diálogo democrático coma Coordenadoria Regional de Educação de Canoas e Secretaria de Estado da Educação. De acordo com Cícero12 Neste processo, é desenvolvida uma metodologia que amplia as lentes sobre as questões emocionais dos educandos e dos educadores, e isto faz toda a diferença no processo ensino e aprendizagem. Neste processo, o julgamento de uns sobre os outros, não tem espaço e pouca importância. O que prevalece é a escuta, o respeito, o diálogo, a construção coletiva. Obviamente, o método é exigente. Requer autoconhecimento, reflexão, estudo, e muito diálogo no cotidiano da escola. Isto é alcançado com humildade, com escuta, com respeito, buscando integrar teoria e a prática nestas vivências que se encaminham para a pedagogia do amor. Um desafio grandioso a ser enfrentado, tendo em vista o desamor que ronda nossas vidas, nossas relações humanas, as disputas políticas e relações familiares, enfim. O Sistema em curso nos impõe formas de viver, de consumismo, de relações opressoras, de desvalorização do ser humano, de forma desenfreada. A escola Nova Sociedade soube contrariar este Sistema, buscando entender os meandros do Sistema Capitalista opressor que mata todos os dias um pouco, o sonho da classe trabalhadora, se não estiver muito atenta a esses meandros. Estudando e trilhando outra perspectiva social e humana, a escola encontrou outro caminho como perspectiva, colocando o ser humano no centro do processo, sujeito da pesquisa, na qualidade da sustentabilidade que envolve nosso planeta. O que temos percebido, é que a Escola Nova Sociedade se destaca quando seu grupo de educadores participa de algum encontro, seminário, curso. Eles conhecem a sua escola, falam com orgulho, têm clareza do conteúdo e forma como ela é conduzida. A pertença, a alegria e mística são próprias deles. São autônomos, posicionados, falam com desenvoltura, defendem e a querem como espaço educativo, emancipatório e libertador. 11 Esta citação é extraída da Tese de Doutorado/UFRGS (em construção), que estuda as práticas curriculares da Escola Nova Sociedade, de Rosângela Oliveira. 12 Cícero Marcolan é professor da Escola Nova Sociedade há 20 anos. Foi diretor por duas vezes, incluindo o período atual. Graduado em História, e Pós graduado em História do Brasil pela FAPA. 9 Analisando hoje essa sua caminhada, nos damos conta de que a maneira como se enfrenta os problemas, determinará, em boa medida, a qualidade de vida e de trabalho que fazemos. Em uma sociedade complexa e contraditória como a que estamos vivendo, ter responsabilidade emocional significa ter a chave para o equilíbrio. Ao meu ver, é isto um pouco do que o coletivo da Escola Nova Sociedade busca ao trilhar esta caminhada com o auxílio da Psicologia Social. A Escola e a Pesquisa Em que pese a importância desta conquista do MST, mantendo-se resistente a qualquer custo, essa escola não passa despercebida ao olhar dos pesquisadores da Educação do Campo. Para lembrar, em 2014 a Escola Nova Sociedade, passou por uma Dissertação de Mestrado, por Vicente Cabrera Calheiros, Universidade Federal de Santa Maria: A Avaliação em Educação Física Escolar na Escola Nova Sociedade: As relações de manutenção e Eliminação. Atualmente há em curso uma pesquisa que resultará numa Tese de doutorado, de Rosângela Oliveira, pela UFRGS. Cabe destacar aqui a percepção que temos. São inúmeras as escolas do campo que se mostram na prática, escolas do campo, no campo, porque enfrentam as contradições e tensões próprias de uma escola hegemônica, buscando construir uma escola diferente. Por isso mesmo são pesquisadas, levadas a construir ciência da educação. Sem dúvida, são pesquisas que fazem balançar as certezas, que comprometem a escola, no bom sentido. Uma escola, visitada e observada por um pesquisador que vasculha e desvenda os seus meandros, a coloca do avesso, terá necessariamente que se mover para a transformação, revendo sua função social desde o propósito para o qual foi criada e assegurada pelos assentados nestes territórios. Sabemos que uma pesquisa com sólida metodologia e categorias de análise, coloca em evidências questões do cotidiano, geralmente não observadas pela comunidade e educadores/as. A pesquisa identifica se o que anunciamos, se transforma em prática concreta na escola. E ainda nos ajuda teorizar práticas pedagógicas, ainda não teorizadas. Neste sentido, defendemos a importância de que haja um diálogo entre os sujeitos da pesquisa e os pesquisadores. Este acompanhamento e diálogo, enriquece tanto o pesquisador quanto a comunidade escolar, porque ambos se apropriam de lentes para desvelar o cotidiano escolar, usualmente não percebido no dia a dia, especialmente pelas questões imediatas que usualmente forjam a escola a se envolver. Reafirmando a ideia acima, um exemplo concreto. No processo de construção de minha tese de doutorado, 2006-2009/UFRGS13, sobre Escola Itinerante dos Acampamentos do MST, entreguei o capítulo que tratava diretamente da Escola como um contraponto à Escola Capitalista aos educadores itinerantes, por duas vezes. Eles leram com muito interesse, debateram e me entregaram observações e contribuições de valor imensurável. Eles se enxergaram na pesquisa, no texto. À época, tomei esta decisão ao reler Pedagogia do Oprimido, com profundo interesse. Assim entendi a humildade de Paulo Freire, que havia entregue o primeiro capítulo desta obra, à sua aluna negra de Harvard, e ela o entregou ao seu filho de 16 anos. E o admirei mais ainda, ao saber que recebeu os comentários do jovem com admiração e gratidão. Assim disse o jovem: “Paulo, esse texto foi escrito sobre mim. Ele trata de mim” (Freire, 1992, p.75. Hoje, revendo seu legado, vemos que Paulo fazia isso com frequência, e era profundamente grato a quem lia seus textos e lhes entregava observações e sugestões. Nesta perspectiva, tenho pensado: Se Paulo Freire, com a experiência de vida acumulada, não se via seguro diante do que escrevia, e buscava dialogar com os sujeitos da realidade que pesquisava, ainda mais nós o vemos como exemplo. Essa prática, sem dúvida, tem me fortalecido e enriquecido minhas escritas 13 CAMINI, Isabela. Escola Itinerante dos acampamentos do MST: Um contraponto à Escola Capitalista? Porto Alegre, 2009. 254 f. Tese. (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educaçao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. 10 atualmente. Nunca dou por finalizado o texto, sem submetê-lo à prova/leitura crítica, de outras pessoas, confiáveis. Por conta dessas experiências, sou defensora deste diálogo no processo, mesmo recebendo o convite para se fazer presente na defesa do trabalho, nos bancos acadêmicas. Uma possibilidade e condição que poucos alcançam. Obviamente, poder ler uma narrativa acerca de sua escola, no decorrer de um processo de pesquisa e análise, oportuniza enxergar o não percebido, o pano de fundo, a face oculta da escola, de práticas, muitas vezes anunciadas, inovadoras, sem serem inovadoras. Tudo aquilo que se esconde aos nossos olhos e percepções cotidianas, pela carga de questões imediatas a serem resolvidas a cada dia no ambiente da escola, se tornam visíveis nesta leitura. Ainda que a pesquisa é datada e feita por um pesquisador externo, estranho ao mundo da escola, ela levanta questões que precisamos prestar a atenção. Esta escola assegura os Princípios da Educação do Movimento, se insurgindo ao sistema e a forma escolar capitalista? Não temos dúvidas que a Escola Nova Sociedade é uma escola conquistada, mantida e assegurada no assentamento de Reforma Agrária, muito mais pela resistência das famílias assentadas, do que pelo apoio do Estado e/ou de governos. Por se constituir uma escola com 30 anos, ter enfrentado nove governos e um Estado indiferente com as escolas do campo, já foi desafiada a fazer um densoregistro de sua caminhada, para posterior Sistematização e reflexão deste processo. A nosso ver, é uma tarefa por ser feita, e sem razões para adiá-la por muito tempo. Nossa geração tem o dever de zelar pela história e memória dessas escolas. Certamente encontraríamos questões peculiares a serem respondidas, provocando um belo debate que qualificaria o trabalho pedagógico, de modo especial avaliando a sua caminhada, contrária ou a favor da escola hegemônica. Esse trabalho daria um bom debate, porque, por exigência, uma Sistematização, deveria ser feita pelos próprios sujeitos da escola, oportunizando-os a uma autocrítica, construtiva. A Sistematização, cujo processo exige ser construído pelos próprios sujeitos da escola, seria um trabalho de fôlego e de extraordinária riqueza pedagógica, tão ou mais importante que outras pesquisas feitas em uma escola que alcança a vida adulta. Sobretudo, porque a Sistematização é proposta para experiências escolares que chamam atenção, porque ousam interrogar o sistema, que se insurgem contra o enquadramento, e o cerceamento da função social da escola, de processar as mudanças pretendidas. Ou seja, aquelas experiências que se propõem, de forma planejada pedagogicamente intencionada, dar passos mais firmes e decididos na construção da escola com viés contra hegemônico ao capital. A Resistência No decorrer dos 30 anos, essa escola, pública estadual, atravessou e resistiu a nove governos estaduais, de partidos políticos diferentes e contraditórios no tratamento às escolas do campo, por eles ainda tradadas de Escolas Rurais. Destes nove governos, poucos reconheceram, apoiaram e incentivaram a escola. A indiferença foi visível pelo fortalecimento e fechamento de escolas em todo o Estado, abandonando à própria sorte inúmeras crianças, forçadas a buscar escola na cidade, longe da vida. Há que se dizer que essa escola enfrentou desafios imensos neste período, pois o Estado não realizou concursos públicos para professores e funcionários, ausência de processos de formação, transporte escolar precário, dificuldades de acesso a merenda escolar saudável, poucos recursos para manutenção e ampliação das estruturas, entre outras. Contudo, resistiu, apoiando-se na comunidade assentada e pressionando o governo. Aqui vamos nos deter a quatro governos de partidos e ideologias diferentes. Simon/Guazzelli 1986- 1990, Brito, 1995-1998, do PMDB, Olívio Dutra do PT, 1999-2002, e Yeda Crusius do BSDB, 2007- 2011. Nos governos do PMDB, foram criadas, a Escola 29 de Outubro, em Pontão, em 1988. Escola Roseli Correia da Silva, localizada no assentamento São Pedro, Eldorado do Sul, criada em 1989, e a 11 Escola Nova Sociedade, em 1990, assentamento Itapuí, Nova Santa Rita. Posteriormente, em 1996, esse mesmo partido foi pressionado a reconhecer e legalizar a Escola Itinerante nos acampamentos do MST, mencionada acima. A luta e a pressão organizadas, foram determinantes para haver estas conquistas, nada se dando por vontade e benevolência destes governos. Percebendo a realidade da luta pela terra, e pelo número de crianças acampadas ou sendo recentemente assentadas, os governos destes períodos, não encontram outra saída, a não ser criar as condições legais de escola, para acolher a demanda do Movimento. No entanto, foram negligentes na manutenção das condições dignas para o funcionamento destas escolas, o que também forjou o Movimento a permanecer vigilante. No período de governo de Olívio Dutra, 1999-2002, obtivemos significativas conquistas, fruto do diálogo democrático e das lutas. Em primeiro lugar deu amplo apoio ao Projeto de Escola Itinerante, à época, em pleno vigor em 16 acampamentos do MST, em regiões diferentes, e por vezes marchando ou em acampamentos em frente ao INCRA, junto com as famílias, reivindicando a liberação de áreas para assentamentos. Tomou conhecimento e apoiou as iniciativas criadas anteriormente. A formação de educadores itinerantes e de outras escolas do campo, permanente, marcou a caminhada no decorrer dos 4 anos. Não fechou nenhuma escola, e fortaleceu o projeto de merenda escolar ser adquirida dos trabalhadores da agricultura familiar. Pela Sistematização14 feita em 2018, identificamos neste período a criação de quatro escolas de assentamos, em regiões diferentes, duas de ensino fundamental e duas de Ensino Médio: Escola Antônio Conselheiro em Santana do Livramento, Escola Joceli Correa em Rondinha, Escola Paulo Freire, em Manuel Viana e Escola Oziel Alves Pereira, município de Canguçu. Vejam que seus nomes também dizem a que vieram estas escolas, porque identificadas com lutadores do povo, de pensadores da classe trabalhadora e de sujeitos sociais do próprio Movimento, como é o caso da Escola Oziel Alves Pereira, um jovem entre os 19 assassinados pela polícia em Eldorado dos Carajás, Pará, em 1996. Entretanto, o governo Yeda Crusius 2007-2010, PSDB, foi o governo/gestor mais danoso no que diz respeito à luta pela terra e pela escola nesse Estado. Seu governo foi exemplar na retirada de políticas públicas. Foi insensível ao chamado: Fechar Escola é Crime! Por isso, sem compromisso algum com a luta pela terra, interrompeu a experiência de Escolas Itinerantes há 12 anos no Rio Grande do Sul, exemplo que foi levado para os cinco estados citados acima. Indiferente com o sofrimento e a exclusão de 600 crianças e adolescentes que ficaram sem escola próxima da família, tendo que ir estudar na cidade, este governo foi insensível, ignorando a luta justa do povo. Desde o início da gestão, este governo, tomou para si fiscalizar as atividades pedagógicas escolares itinerantes, julgar e condenar, como algo perigoso e comunista, a forma escolar itinerante, a formação de educadores, as palavras da realidade trabalhadas na construção do conhecimento, Pedagogia do Movimento, e de modo especial, perseguiu as Escola Itinerantes, porque seus educadores estudavam e se inspiravam nas obras de Paulo Freire. “Com Paulo Freire aprendemos que o ser humano se educa nas relações, pelo diálogo, que é mais que troca de palavras. Ele aprende com o exemplo, aprende fazer e aprende a ser, observando, praticando, recriando. Vai se construindo na medida em que amplia sua cultura e seu conhecimento” disse a educadora Elaine da Rosa. Nessa ótica, o governo da época, discordou e negou a política pública de Escola Itinerante, articulado com as mãos do agronegócio que envenena terras e águas, ideologicamente seu parceiro. Nesta investida desumanizadora, autorizou a Brigada Militar, a destruir as estruturas das escolas em acampamentos que eram despejados das áreas, geralmente ao amanhecer. Assim, enfraqueceu, desarticulou e interrompeu as atividades escolares em março de 2009, no início do ano letivo, por força de sua assinatura, opressora e negadora de direitos. Contudo, somos guardiões de uma rica memória escrita desta Escola, que já subsidiou vinte e cinco Dissertações de Mestrado, e nove Teses de 14 MST/SETOR DE EDUCAÇÃO/RS. Alimentação Saudável na perspectiva da Agroecologia – Sistematização de Práticas Pedagógicas em Escolas de Assentamentos do RS. Porto Alegre, 2018. 12 doutorado, em várias Universidades do Brasil. E de parte do Movimento, temos guardada essa experiência extraordinária num Dossiê de textos inéditos, ao acesso de pesquisadores15. A propósito de construir um Inventário para posterior programa de formação de educadores, nós, do Setor de Educação do MST/RS, visitamos a Escola Estadual de Ensino Médio Nova Sociedade no ano de 2018. Como vimos, é uma escola que resistiu ao longo 30 anos em território de assentamento, mesmo que em alguns períodos, tenho recebido pouca e devida atenção do Estado, como requer uma escola do campo, especialmente pelas condições onde se encontra. Sua melhoria e ampliação de oferta, se deve mais à luta dos assentados, que pela atenção, dever e responsabilidadedo Estado, seu mantenedor. Mesmo assim a Escola Nova Sociedade consegui ampliar o atendimento para o Ensino Médio e EJA. As estruturas físicas foram ampliadas, contudo, ainda insuficientes e a serem melhoradas. Sente falta de recursos públicos para a permanente manutenção elétrica e hidráulica. Por exemplo, o banheiro masculino está interditado há mais de dois anos, e as recursos que o governo do Estado manda, não dão conta dessa degradação. Os gestores, geralmente sobrecarregados, buscam junto à comunidade suprir as lacunas que o Estado não oferece. É a forma de manter a escola de pé, e em condições de atender os estudantes. A Escola tem direção e vice direção, funcionários de limpeza, merendeiras. A maioria dos professores é concursada, mas há contratados temporariamente, o que dificulta a continuidade dos trabalhos. Nesta escola há professores assentados, mas a maioria vem da cidade. Atualmente atende em torno de 313 estudantes, que segundo o último sendo, todos pertencem ao meio rural. Por esta e outras razões, a Escola Nova Sociedade, a princípio, passa despercebida as investidas e ataques do Governo para fechamento desta escola, projeto em curso desde o Governo Yeda. E se o fizesse, sofreria forte pressão do Movimento Sem Terra e das comunidades ao entorno da escola. A escola neste meio guarda importância e significado, porque faz parte da memória da luta pela terra e pelo direito à escolarização há tanto tempo. Temos consciência de que muitas crianças e adolescentes formados nesta escola, estariam vivendo nas periferias, à margem social, no crime, nos presídios. Está comprovado em pesquisa de que são os jovens negros, pobres e com baixa escolaridade que lotam os presídios. Ou seja, a cada escola fechada hoje, corresponde a abertura de outros casas de detenção. Por tradição, ao longo deste período, a Nova Sociedade conseguiu assegurar a indicação da Direção e Vice Direção em diálogo com os Governos e comunidade escolar, vínculos assegurados desde a sua criação. Considera a rotatividade de professores desagradável, porque não favorece que processos pedagógicos iniciados tenham sua continuidade. Assim ocorre com a supervisão, orientação pedagógica e bibliotecária. Desta forma a escola não consegue assegurar a continuidade e qualidade do processo pedagógico em curso. O inventário nos deu elementos importantes de como se relaciona a escola com seu meio. A Nova Sociedade se caracteriza por estar mais próxima da Organização que a conquistou, seguindo as orientações do Setor de Educação e menos do Estado, buscando construir-se como Escola do Campo, no campo. Já fez várias tentativas, auto-organização dos estudantes, tempos educativos, memória do tempo de acampamento, formação de educadores, debates sobre o Plano de Reforma Agrária Popular, horta agroecológica, mística permanente, grupo de teatro, presença da bandeira e cartazes que falam dos lutadores que inspiram a Pedagogia da Escola. Projeto da horta viveiro de araucárias, agroflorestal são mantidos com entusiasmo e muito trabalho. Em 2019, a escola foi premiada na Feira de Ciências de Nova Santa Rita, com uma pesquisa da História do município de Nova Santa Rita. Há iniciativas positivas, mas ainda não transformadas num grande 15 Salientamos que as Dissertações, Teses e o Dossiê acerca das Escolas Itinerantes, são pesquisas e documentários destas Escolas nos seis estados onde elas foram criadas. Contudo, o seu maior número vem do PR e RS, pelo tempo de sua experiência. 13 projeto da escola. Mantem a preocupação viva com a formação de Educadores, orientada pelo Setor de Educação do MST/RS. Processos formativos feitos com o conjunto de educadores da região metropolitana, tem alcançado resultados positivos. No que diz respeito à formação, o Estado pouco fez, e quando fez, sem efeitos positivos. Infelizmente, a biblioteca não recebe o tratamento necessário, por falta de bibliotecária com tempo para atender os educandos, visto que o Estado/governo atual pouco se importa em pensar e equipar uma escola para além do cercado da sala de aula, cozinha, e outras dependências, que se parecem mais com puxados construídos com recursos insuficientes, mas que a curto prazo dão conta da demanda da escola. A escola acolhe estudantes de várias etnias, em menor número, negros e índios. A maioria que vem do entorno urbano, se encontra em vulnerabilidade social, muitos abandonados pela própria família. A Escola convive com a desistência de estudantes por desestrutura familiar, desemprego, desinteresse, itinerância nas escolas. Alguns dizem não ver sentido e não encontrar na escola o que buscam. Por isso cabe à escola resgatar sua autoestima, para que entendam que todos tem um lugar no mundo. Contudo, isso só ocorre com permanentes processos de formação de educadores. O transporte escolar é outra questão a ser enfrentada. Os trajetos são de chão batido, exigindo ônibus que guardam segurança aos estudantes, com manutenção permanente. O que nem sempre ocorre com os ônibus e com as estradas. Em relação à Alimentação Escolar, que deve ser, por força da Lei, adquirida, 30% da agricultura familiar, a Escola Nova Sociedade é exemplar. Ela consegue chegar à aquisição de 60% de alimentos saudáveis agroecológicos da produção das famílias assentadas, ao seu entorno. Sendo assim, a escola assegura uma alimentação saudável e justa para seus educandos, valorizando e incentivando a produção sem agrotóxicos. Os Desafios Revisitando os primeiros escritos do Setor de Educação da década de 1980, essa escola foi criada e sonhada a construir-se diferente, nada parecida com a usual escola capitalista, longe da vida, bancária, assegurada para poucos. Ela fora criada para contrariar a educação bancária, a hierarquia escolar, construindo outra forma escolar, motivadora da criativa, solidariedade e dialógica. Uma escola onde se pudesse organizar diversos tempos educativos, auto-organização dos estudantes, que biblioteca estivesse num espaço livre ao acesso de todos, com obras literárias importantes. Uma escola bonita, alegre, ampla, com horta, pomar e jardim. Com merenda escolar saudável, alimentos orgânicos, adquiridos dos próprios assentados. Escola, orientada pela Pedagogia do Movimento e pela Pedagogia do Oprimido. Disposta a se opor, a qualquer custo, a relações de opressão, de exclusão e de discriminação. Sem saber o que poderíamos encontrar no decorrer dos anos, ainda em tempos de otimismo, os princípios pedagógicos e filosóficos que embasam essa escola, assim como o nome que a identifica, é totalmente contrário ao projeto de escola sem partido ou escola cívico militar. Não cabe nesta escola do MST, desde sua origem e sujeitos dela, nada que possa tirar o direito ao conhecimento que liberta, ao diálogo, a formação humana, emancipatória. Seria uma traição aos princípios e aos sujeitos que lutaram para conquistá-la, caso tomasse esse rumo, destruidor de uma educação democrática, dialógica. Por conta deste projeto desafiador que o MST colocou para as escolas conquistadas nos seus territórios, desde 1982, em Nova Ronda Alta, a escola Nova Sociedade foi buscar meios e formas para enfrentar esses desafios. Por toda essa luta, entusiasmo e vigor, os sonhos ousados se transformaram em realidade. Uma realidade, cujos outros sonhos nos coloca em perspectiva. 14 Revisitando esta memória histórica, ao alcance de poucos, e privilégio de alguns, como é o meu caso, de pesquisadora, vemos mais claros os desafios do próximo período. Decorridos 30 anos, o MST e a comunidade escolar precisam revisitar a história desta escola, fazer uma espécie de balanço, retomando e avaliando sua caminhada. Por ser uma das pioneiras, seria importante debruçar-se sobre a vida longa desta escola, e fazer-se perguntas, algumas já feitas neste texto. Não com o propósito de buscar respostas, mas com a pura intençãode refletir sobre o processo, e fortalecer o Projeto de transformação da Escola: Como a escola foi se atualizando e se alimentando da produção e construção pedagógica do Setor de Educação? Conseguiu ser um laboratório da Pedagogia do Movimento, da Pedagogia do Oprimido e da Pedagogia Socialista, constituindo-se uma escola do e no campo? Como a realidade dos assentamentos, a produção agroecológica, as feiras integraram o planejamento geral da Escola e as atividades pedagógicas das áreas do conhecimento? Como o projeto de Reforma Agrária Popular (RAP) vem sendo estudado, apropriado e vivenciado nesta escola? O desafiou da produção agroecológica alcança o currículo? A comunidade escolar entendeu que é vitrine e alvo de pesquisas por estar localizada em áreas de reforma agrária, e ter 30 anos de resistência? O coletivo de educadores estuda as pesquisas acerca da escola? O seu trabalho pedagógico potencializa e tem incidência sobre a vida do assentamento e vice-versa? Como a escola tem participado do Plano Nacional - Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis, a curto prazo, incluindo o entorno da escola? Como tem se envolvido nas jornadas de solidariedade, multiplicadas em 24 estados, durante a Pandemia? Como os educadores enfrentam as aulas remotas? Há recursos e tecnologias ao acesso de todos os estudantes? Qual tem sido o posicionamento das famílias frente as tentativas do governo de Volta às aulas, sem segurança alguma? Outra questão são os dilemas causados pela perda da autonomia e de direitos nas escolas públicas, que avança a cada dia no governo atual. Como a escola Nova Sociedade tem enfrentado esses dilemas, sem perder sua identidade, e seguir se construindo uma escola diferente, com viés contra hegemônico? Ao revisitar e ressignificar os 30 anos já vividos, podemos projetar os próximos 10 anos, embora se vislumbre tempos difíceis pela conjuntura social, política e econômica em curso. Esta possível projeção só poderá ser feita em forma de perguntas, respondidas a curto, médio e longo prazo: Quais são os principais desafios que se colocam para os próximos anos? Como assegurar essa memória? Guardamos certezas de que essa conquista está assegurada, ou será preciso redobrar a vigilância nesta direção em área de Reforma Agrária? Ainda que estejamos atravessando uma Pandemia, seria importante a Escola Nova Sociedade programar-se para alguma atividade possível, para iniciar a celebração desta trajetória. Fazer um balanço e trazer a memória das três décadas, é uma tarefa que cabe a nós neste momento, fazendo uso da tecnologia que temos ao alcance, porque inviabilizados de nos encontramos por conta da Pandemia. As questões que podem nos orientar nesta busca e reflexão estão acima. É bom lembrar que uma memória fotográfica, ordenada cronologicamente ressignificará grandemente esta memória, porque é capaz de falar mais do que muitas palavras, sobrepondo-se as inúmeras fotos armazenadas nos celulares, sem que sejam vistas. Há que se buscar nas famílias, porque com certeza esta memória fotográfica se encontra guardada em muitas residências de assentados. É momento, pois de dar-lhe um bonito painel de visibilidade, onde os sujeitos destas conquistas poderão se ver, desde um tempo histórico que não voltará, porque a vida é um processo a ser vivido no presente, olhando para frente, sem se apegar ao passado, a não ser fazendo memória do que nos fez chegar até aqui. E termos coragem de contar, pessoalmente, a nossos filhos e netos, as experiências de vida e de luta pela Reforma Agrária Popular e pela Educação há quatro décadas. Contudo, alimentamos esperanças. Este ano vivemos a preparação para o Centenário de Paulo Freire, que completaria, em 19 de setembro de 2021, 100 anos, caso estivesse entre nós. Seu legado não morreu. Continua vivo e vibrando em nosso meio com mais força ainda. As críticas infundadas e negacionistas, não afetam o seu legado. Suas obras circulam, são lidas, reinventadas nas práticas 15 sociais e pedagógicas, concretas. Em nossas escolas, Paulo Freire Vive. E não deixaremos que sequestrem de nós, o direito à construção da Pedagogia do Movimento, articulada à Pedagogia do Oprimido e à Pedagogia Socialista. Um exemplo concreto está aqui sistematizado, pois a nova sociedade que a Escola busca construir, está encharcada de lutas. Volta às aulas na PANDEMIA É Crime!!! BIBLIOGRAFIA: ANDREOLA, Balduino A; RIBEIRO, Mario Bueno. 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