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AULA 1 CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL Prof. Gabriel N. Coelho 2 CONVERSA INICIAL A contabilidade, na qualidade de ciência social aplicada, possui aspectos como qualquer outra ciência: um objeto de estudo, um objetivo e campos de aplicação. O objeto da ciência contábil, em seu sentido amplo, é o patrimônio constituído por bens, direitos e obrigações vinculados a uma entidade. Assim como ocorre em outras ciências, a contabilidade possui ramificações, seja para fins acadêmicos, seja para profissionais. Por ser a contabilidade governamental uma dessas ramificações da ciência contábil, não poderia ter um objeto diferente da ciência que a origina. O principal objetivo da maioria das entidades do setor público é prestar serviços à sociedade, ao invés de buscar o lucro ou o retorno financeiro de investidores. Entre esses serviços, podemos citar os programas e políticas de bem-estar, educação pública, segurança nacional e defesa nacional (Brasil, 2018). Outras características que diferenciam o setor público do setor privado e têm impacto na contabilidade aplicada em cada setor são apresentadas na Figura 1. Figura 1 – Diferenças entre setor privado e público Além das características do setor de atuação, as entidades do setor público possuem atributos que as diferem das demais, dentre as quais destacam-se: 3 A importância do orçamento público: o governo e outras entidades do setor público elaboram orçamentos. No Brasil, a Constituição exige a elaboração do orçamento anual, a sua aprovação pelo Poder Legislativo e a sua disponibilização à sociedade (Brasil, 1988). O orçamento aprovado é utilizado como base para a definição dos níveis de tributação e de outras receitas, compondo o processo de obtenção de autorização legislativa para a realização do gasto público (CFC, 2016). A natureza dos programas e longevidade do setor público: muitos programas do setor público são de longo prazo e a capacidade para cumprir os compromissos depende dos tributos e das contribuições a serem arrecadados no futuro (CFC, 2016). A natureza e propósito dos ativos e passivos no setor público e o papel regulador das entidades: no setor público, a principal razão de se manterem ativos imobilizados e outros ativos é o potencial de serviços desses ativos e não a sua capacidade de gerar fluxos de caixa. Governos e outras entidades do setor público podem manter itens que contribuam para o legado cultural e histórico da nação ou da região, por exemplo, obras de arte, prédios históricos e outros artefatos (CFC, 2016). Compreender as características, peculiaridades dessa área da contabilidade é útil tanto para futuros servidores públicos quanto para profissionais do ramo contábil ou cidadãos que queiram conhecer qual o destino dos recursos pagos em forma de impostos e a maneira como estão sendo utilizados. Dessa forma, convidamos você a conhecer um pouco mais das características da contabilidade governamental, das entidades a que ela se destina, das leis e regulamentos aplicados na área, do seu processo de convergência com as normas internacionais e a estrutura conceitual vigentes. Atenção O termo contabilidade governamental é sinônimo de contabilidade aplicada ao setor público (Casp) e de contabilidade pública. TEMA 1 – CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL A contabilidade governamental ou contabilidade aplicada ao setor público (Casp), por muito tempo, foi sinônimo de orçamento; contudo, ao longo das últimas décadas, essa visão passou por mudanças profundas. 4 Coelho e Lins (2010, p. 44) afirmam que a contabilidade é uma ciência social capaz de, por meio de um conjunto de conhecimentos sistematizados, estudar, registrar, controlar e mensurar as variações ocorridas no patrimônio de uma entidade. Por meio de normativos emitidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) desde 2008, a contabilidade pública passou a olhar para o real objeto de estudo da contabilidade: o patrimônio, de modo a evidenciar e controlar os fatos ocorridos no patrimônio público de uma entidade. No próximo tópico iremos nos aprofundar um pouco mais sobre o objeto e o objetivo da contabilidade governamental. 1.1 Objeto e objetivo da contabilidade governamental Conforme prevê a Lei n. 4.320/1964 (Brasil, 1964), a Casp, no estudo e acompanhamento de seu objeto (o patrimônio público), deve evidenciar as variações patrimoniais, sejam elas independentes, sejam resultantes da execução orçamentária (Brasil, 2018, p. 102). Para esclarecer o que é o patrimônio público, de acordo com a NBC T 16.2, temos que: patrimônio público é o conjunto de direitos e bens, tangíveis ou intangíveis, onerados ou não, adquiridos, formados, produzidos, recebidos, mantidos ou utilizados pelas entidades do setor público, que seja portador ou represente um fluxo de benefícios, presente ou futuro, inerente a prestação de serviços públicos ou a exploração econômica por entidade do setor público e suas obrigações. (CFC, 2012) O objetivo da Casp, conforme a NBC T 16.1, é fornecer aos usuários informações sobre os resultados alcançados e os aspectos de natureza orçamentária, econômica, financeira e física do patrimônio da entidade do setor público e suas mutações, em apoio ao processo de tomada de decisão; a adequada prestação de contas; e o necessário suporte para a instrumentalização de um controle social (CFC, 2012). Além de objeto e objetivo, esse ramo da contabilidade apresenta aspectos específicos, como veremos a seguir. OBJETO DA CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL PATRIMÔNIO PÚBLICO 5 1.2 Aspectos orçamentário, patrimonial e fiscal Para interpretar corretamente as informações contábeis, é importante compreender os diferentes aspectos da Casp: orçamentário, patrimonial e fiscal (Brasil, 2018, p. 20). 1.2.1 Aspecto orçamentário Os registros de natureza orçamentária impactam e norteiam os registros de natureza patrimonial e fiscal. Compreendem o registro e a evidenciação do orçamento público, desde sua aprovação até sua execução. 1.2.2 Aspecto patrimonial Os demonstrativos patrimoniais, sendo o balanço patrimonial o mais conhecido, são fundamentais para a tomada de decisão e prestação de contas. A composição patrimonial do ente público, o registro e sua evidenciação são impactados pelas normas de convergência internacional contábil. 1.2.3 Aspecto fiscal O aspecto fiscal compreende a apuração e a evidenciação, por meio da contabilidade, dos indicadores estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Brasil, 2000). O Relatório de Gestão Fiscal (RGF) e o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) representam os principais instrumentos para evidenciar o aspecto fiscal. Os relatórios fiscais são utilizados, principalmente, para analisar opções de política fiscal, definir políticas e avaliar os seus impactos, determinar o seu impacto sobre a economia e comparar os resultados fiscais nacional e internacionalmente. Após esta introdução, veremos, a seguir, o campo de aplicação da contabilidade governamental. Entenda como o Tesouro Nacional contribui para a gestão do dinheiro público por meio da contabilidade pública, no vídeo sugerido, acessível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6flXO3V6-fM> (Sobre a contabilidade, 2019). 6 TEMA 2 – ENTIDADES A QUE SE DESTINA A CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL De acordo com o Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público (Mcasp), as normas estabelecidas no manual aplicam-se, obrigatoriamente, às entidades do setor público (Brasil, 2018). Estão compreendidos no conceito de entidades do setor público: os governos nacional (União), estaduais, distrital (Distrito Federal) e municipais e seus respectivos poderes (abrangidos os tribunais de contas, as defensorias e o Ministério Público), órgãos, secretarias, departamentos, agências,autarquias, fundações (instituídas e mantidas pelo Poder Público), fundos, consórcios públicos e outras repartições públicas congêneres das administrações direta e indireta, inclusive as empresas estatais dependentes (Brasil, 2018, p. 21). Para um melhor entendimento, a Figura 2 ilustra o campo de aplicação da contabilidade governamental, bem como as definições retiradas dos art. 4º e 5º do Decreto-Lei n. 200/1967 (Brasil, 1967). Figura 2 – O campo de aplicação da contabilidade governamental Fonte: Brasil, 2019a. Segundo o Decreto-Lei n. 200/1967: Art. 4° A Administração Federal compreende: I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; 7 c) Sociedades de Economia Mista; d) fundações públicas. Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (Brasil, 1967, grifos nossos) As empresas estatais dependentes estão inclusas no campo de aplicação da contabilidade governamental. Elas são empresas controladas, que recebem do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal, despesas de custeio em geral ou despesas de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária (Brasil, 2018). Já para as empresas estatais independentes, a aplicação é facultativa ou por determinação dos respectivos órgãos reguladores, fiscalizadores e congêneres. Estatais independentes são todas as demais empresas controladas pelas entidades do setor público que não se enquadram como dependentes (CFC, 2012). As práticas contábeis do setor público decorrem de leis, decretos e portarias. Dessa forma, torna-se oportuno conhecer as principais leis e regulamentos dessa área da contabilidade. TEMA 3 – LEIS E REGULAMENTOS APLICADOS À CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL A ciência contábil, no Brasil, vem passando por significativas transformações rumo à sua convergência com os padrões internacionais. O processo de evolução da contabilidade do setor público deve ser analisado de forma histórica e contextualizada com o próprio processo de evolução das 8 finanças públicas (Brasil, 2018). Para um melhor entendimento das principais leis e regulamentos aplicados no âmbito da contabilidade governamental, a Figura 3 fornece uma cronologia dos principais eventos que deram origem às leis e regulamentos abordados nesse campo. Figura 3 – Cronologia das principais leis e regulamentos Fonte: Adaptado de Brasil, 1964, 1988, 2000, 2009. Nos tópicos seguintes, abordaremos cada um desses marcos e sua contribuição para a contabilidade governamental. 3.1 Lei n. 4.320/1964 A Lei n. 4.320/1964, também conhecida como Lei do Orçamento, estabeleceu importantes regras para o controle das finanças públicas, bem como criou as bases de uma administração financeira e contábil no país, tendo como principal instrumento o orçamento público. Ela estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal (Brasil, 1964). Trata-se de uma lei fundamental para o estudo e entendimento da contabilidade governamental. Embora antiga, essa lei possui diversos dispositivos importantes. Vale ressaltar que muitos de seus dispositivos foram alterados por outras leis e atualmente não possuem aplicabilidade (Brasil, 1964). Com a edição da Lei n. 4.320/1964 (Brasil, 1964), o orçamento público ganhou significativa importância no Brasil. Como consequência, as normas relativas a registros e demonstrações contábeis, vigentes até hoje, acabaram por dar enfoque sobretudo aos conceitos orçamentários, em detrimento da evidenciação dos aspectos patrimoniais (Brasil, 2018, p. 18). 9 3.2 Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) causou avanços nas normas relativas ao orçamento, instituindo matéria a respeito dos instrumentos de planejamento: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA) – art. 165 e seguintes da CF/1988. Dentre as mudanças ocasionadas pela CF/1988, um dos pontos relacionados à contabilidade governamental foi o dispositivo constitucional expresso no art. 163, que exige lei complementar para tratar de assuntos específicos (Brasil, 1988). Art. 163. Lei complementar disporá sobre: I - finanças públicas; II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; III - concessão de garantias pelas entidades públicas; IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública; V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional. (Brasil, 1988) Tal dispositivo foi atendido quando, em maio de 2000, foi sancionada a LRF, elaborada para atender às expectativas da sociedade brasileira na busca pela responsabilidade e pelo bom uso dos recursos públicos (Brasil, 2000). 3.3 Lei Complementar n. 101/2000: Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) A LRF, como a Lei Complementar n. 101/2000 ficou popularmente conhecida, foi criada com o propósito de regulamentar a Constituição Federal, estabelecendo normas gerais de finanças públicas a serem observadas pelos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) (Brasil, 1988, 2000). A LRF inovou ao conceder à contabilidade pública novas atribuições referentes ao controle orçamentário e financeiro. Houve a definição de como as contas públicas deverão ser consolidadas e divulgadas à população, tornando as informações contábeis acessíveis e compreensíveis não apenas para os gestores e membros da Administração Pública, mas para a sociedade (Brasil, 2000). Diferentemente da Lei n. 4.320/1964, que instituiu regras para elaboração e controle dos orçamentos, a Lei Complementar n. 101/2000 buscou instituir regras visando a uma gestão fiscal responsável, traduzida no equilíbrio das contas 10 públicas, na preservação do patrimônio público e na transparência das ações governamentais (Brasil, 1964, 2000; Ravanello; Marcuzzo; Frey, 2015, p. 117).A LRF tem como objetivo principal, de acordo com o caput do seu art. 1º, “[...] estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal” (Brasil, 2000). Por sua vez, o parágrafo primeiro desse mesmo artigo procura definir o que se entende como responsabilidade na gestão fiscal, estabelecendo os seguintes postulados (Brasil, 2000): Ação planejada e transparente; Prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas; Garantia de equilíbrio nas contas, via cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, com limites e condições para a renúncia de receita e a geração de despesas com pessoal, seguridade, dívida, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar. Os instrumentos preconizados pela LRF para o planejamento do gasto público são os mesmos já adotados na CF/1988 (Brasil, 1988, 2000): o PPA, a LDO e a LOA. O que a LRF busca, na verdade, é reforçar o papel da atividade de planejamento e, mais especificamente, a vinculação entre as atividades de planejamento e de execução do gasto público (Nascimento; Debus, 2001). 3.4 Manual de contabilidade aplicada ao setor público (Mcasp) O órgão central de contabilidade do governo federal, a STN, cuja função foi-lhe atribuída pelo Decreto n. 6.976/2009, é responsável pela elaboração do Mcasp (Brasil, 2009, 2018). A STN edita o Plano de contas aplicado ao setor público – Pcasp (Brasil, 2019b) e o Mcasp, com abrangência nacional, que permitem e regulamentam o registro da aprovação e execução do orçamento, resgatam o objeto da contabilidade – o patrimônio – e buscam a sua convergência com os padrões internacionais, tendo sempre em vista a legislação nacional vigente e os princípios da ciência contábil (Brasil, 2018, p. 18). O Mcasp não é propriamente um normativo, mas sim um agrupamento de procedimentos que visa orientar o processo de elaboração e execução orçamentária (Brasil, 2018). 11 Saiba mais Atualmente, o Mcasp está dividido em cinco partes e está em sua 8ª edição, com validade a partir de 2019: 1. Procedimentos contábeis orçamentários; 2. Procedimentos contábeis patrimoniais; 3. Procedimentos contábeis específicos; 4. Plano de contas aplicado ao setor público; 5. Demonstrações contábeis aplicadas ao setor público. O Pcasp contido na parte 4 do Mcasp apresenta metodologia, estrutura, regras, conceitos e funcionalidades que possibilitam a obtenção de dados que atendam aos diversos usuários da informação contábil. Segundo o Mcasp (Brasil, 2018, p. 18), a elaboração de um plano de contas com abrangência nacional surge da necessidade de evidenciar com qualidade os fenômenos patrimoniais e da busca por um tratamento contábil padronizado dos atos e fatos administrativos no âmbito do setor público. Saiba mais Entenda o papel da STN: <https://www.youtube.com/watch?v=2ASbQY5uUH8> (Sobre o Tesouro, 2019). TEMA 4 – CONVERGÊNCIA DA CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL COM OS PADRÕES INTERNACIONAIS Assim como aconteceu com a contabilidade societária, a contabilidade governamental está passando por um processo de reformulação, buscando a sua convergência (também conhecida como harmonização) com as normas internacionais de contabilidade pública. O setor público segue as Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, no inglês International Public Sector Accounting Standards (Ipsas), que são editadas pela Federação Internacional de Contadores (Ifac, do inglês International Federation of Accounts), uma organização mundial composta por 173 membros e associados, incluindo o Brasil, que tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento da economia internacional e é responsável pela edição das Ipsas. No Brasil, o processo de convergência das normas contábeis aos padrões internacionais de contabilidade teve início em 2004, quando o CFC instituiu um 12 grupo de estudos com a finalidade de analisar, elaborar e propor normas técnicas de contabilidade aplicadas ao setor público que fossem alinhadas com os padrões das Ipsas (Feijó, 2013, p. 53). Feijó (2013) esclarece que o processo de convergência da contabilidade brasileira com os padrões internacionais foi desmembrado em duas fases. Inicialmente, decidiu-se promover o seu alinhamento aos padrões internacionais, no qual o propósito básico seria editar normas técnicas brasileiras que refletissem o espírito do modelo das Ipsas. Paralelamente, seria buscada a convergência de nossa contabilidade com os padrões das Ipsas. Nessa fase, as normas alinhadas seriam paulatinamente substituídas por normas individualmente convergidas com um correspondente padrão das Ipsas, preservadas as particularidades do contexto brasileiro. A Figura 4 demonstra o processo e a participação de vários órgãos no processo de convergência. Figura 4 – Normas e órgãos participantes no processo de convergência Fonte: Adaptado de Brasil, 2019b. Seguindo a estratégia de convergência adotada, nos últimos anos foi emitida uma série de normas, sendo algumas revogadas e substituídas por novas normas convergidas. Portanto ao se consultar os normativos, deve ser respeitada uma ordem de observância, como na Figura 5. Figura 5 – Ordem de observância das normas Fonte: Adaptado de Brasil, 2019b. MCASP NBC TSP NBC T 16 (nas partes não revogadas) NBC TSP Estrutura Conceitual 13 Saiba mais Você pode conferir as normas vigentes em: <https://cfc.org.br/tecnica/normas-brasileiras-de-contabilidade/nbc-tsp-do-setor- publico/> (CFC, [201-]). 4.1 Benefícios da convergência O novo modelo objetiva resgatar a essência da contabilidade aplicada ao setor público, um ramo da ciência contábil, dando o enfoque adequado ao seu objeto, o patrimônio público. Dentre os benefícios gerados com a adoção dos procedimentos e normas internacionais de contabilidade, destacam-se (Brasil, 2013): Geração de informação útil para a tomada de decisão, por parte dos gestores públicos; Comparabilidade entre os entes da federação e entre diferentes países; Registro e acompanhamento de transações que afetam o patrimônio antes de serem contempladas no orçamento; Melhoria no processo de prestação de contas, tanto por parte dos tribunais e órgãos de controle, quanto pela sociedade; Elaboração do Balanço do Setor Público Nacional (consolidação nacional das contas dos entes da Federação), conforme previsto na LRF; Racionalização e melhor gestão dos recursos públicos; Reconhecimento do profissional contábil no setor público. A adesão às Ipsas, no Brasil, é vista como relevante e vantajosa, uma vez que, por ser um país em desenvolvimento, que busca aumentar sua credibilidade entre os demais países, as normas internacionais de contabilidade são uma estratégia de aumento da confiança diante dos investidores internacionais (Zeff, 2014). TEMA 5 – ESTRUTURA CONCEITUAL APLICADA À CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL (NBC TSP) Uma das normas brasileiras de contabilidades aplicadas ao setor público (NBC TSP), a que versa sobre a estrutura conceitual para elaboração e divulgação de informação contábil de propósito geral pelas entidades do setor público, vigente 14 a partir de 1º de janeiro de 2017, ofereceu um novo arcabouço conceitual para a contabilidade pública e é conhecida como NBC TSP Estrutura Conceitual. Seu conteúdo contempla conceitos, características, metodologias, princípios e regramentos para nortear a elaboração das demais normas específicas, sendo sua aplicação obrigatória (Brasil, 2016). A Figura 6 apresenta as principais características e funções da NBC TSP Estrutura Conceitual. Figura 6 – Principais características e funções da NBC TSP Estrutura Conceitual Fonte: Adaptado de Brasil, 2016. Um tema recorrente na norma é a definição da sociedade como principal usuária da informação contábil,apresentando a importância dos Relatórios Contábeis de Propósito Geral das Entidades do Setor Público (RCPGs) para prestação de contas, tomadas de decisão e responsabilização (accountability) (Brasil, 2016). 5.1 Relatórios Contábeis de Propósito Geral das Entidades do Setor Público (RCPGs) Segundo a NCB TSP Estrutura Contábil, os RCPGs são relatórios contábeis elaborados para atender às necessidades dos usuários em geral, não tendo o propósito de atender a finalidades ou necessidades específicas de determinados grupos de usuários (Brasil, 2016). Os RCPGs são os componentes centrais da transparência da informação contábil dos governos e de outras entidades do setor público; fornecem 15 informações aos seus usuários para subsidiar as avaliações de algumas questões, tais como: Se a entidade prestou seus serviços à sociedade de maneira eficiente e eficaz; Quais são os recursos atualmente disponíveis para gastos futuros e até que ponto há restrições ou condições para a utilização desses recursos; Se a extensão da carga tributária que recai sobre os contribuintes em períodos futuros para pagar por serviços correntes tem mudado; Se a capacidade da entidade para prestar serviços melhorou ou piorou, em comparação com exercícios anteriores. Saiba mais O que é o accountability? Accountability é um termo da língua inglesa frequentemente usado no estudo da Administração Pública e da contabilidade governamental, frequentemente traduzido como responsabilização, prestação de contas ou responsabilidade ética. Os RCPGs abrangem as demonstrações contábeis, incluindo as suas notas explicativas; contudo, abrangem ainda a apresentação de outras informações que dão suporte a inúmeros relatórios. A Figura 7 apresenta alguns dos relatórios que se encaixam no conceito de RCPGs. Esses relatórios e demonstrações atendem a diversos usuários da informação, auxiliando na prestação de contas, responsabilização (accountability) e tomada de decisão. Figura 7 – Exemplos da utilidade dos RCPGs Fonte: Adaptado de Brasil, 2019b. RCPG Demonstrações Contábeis e Notas Explicativas Demonstrativos Fiscais Relatórios Gerenciais Relatórios para fins de Transparência 16 Diversos são os usuários das informações contidas nos RCPGs. Como exemplo, podemos elencar consultores, auditores, analistas, agências reguladoras, grupos de interesse público ou privado e a própria sociedade. Muitos dos conceitos aplicados atualmente na contabilidade governamental são oriundos da NBC TSP Estrutura Conceitual. Futuramente, iremos explorar mais outros conceitos e definições contidos no normativo (Brasil, 2016). FINALIZANDO Com base no conteúdo apresentado, pudemos ver alguns aspectos introdutórios do ramo da contabilidade que tem como objeto o patrimônio público. Verificamos que a contabilidade governamental ou Casp tem seu campo de aplicação específico, assim como uma série de leis, normas e regulamentos que embasam a sua aplicação. Enfatizamos que a contabilidade governamental está passando por um processo de reformulação, buscando a sua convergência com as normas internacionais de contabilidade pública, e atualmente tem seu arcabouço conceitual regido pela NBC TSP Estrutura Conceitual (Brasil, 2016). A intenção desta aula foi apresentar de forma introdutória os principais conceitos e características da contabilidade governamental para, posteriormente, avançarmos no conteúdo. 17 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 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