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Pediatria - Diarreia Aguda

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DIARREIA AGUDA EM PEDIATRIA 
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1. INTRODUÇÃO
 
A diarreia aguda constitui uma das principais causas de mortalidade na população pediátrica, afetando principalmente as crianças menores de 5 anos. Atualmente nos países mais pobres, morrem no mundo quase 2 milhões de crianças menores de 5 anos pelas complicações derivadas da diarreia, estando apenas atrás das pneumonias e as causas neonatais. 
No Brasil, grandes avanços foram feitos nos últimos 20 a 30 anos, com uma notável queda na mortalidade infantil geral e nas taxas de mortalidade por diarreia, que caíram de 11,9 para 0,2 óbitos por mil nascidos vivos, uma redução de 98,6% entre os anos de 1980 e 2000. Tal diminuição pode ter sua explicação na melhora das condições de saneamento, na redução da prevalência de desnutrição, o uso massivo da terapia de reidratação oral, a maior cobertura vacinal, o maior acesso aos serviços de saúde e atendimento médico e, sem dúvida, a melhora nos índices sociais, como diminuição do analfabetismo e diminuição da desigualdade social. 
Mas ainda existem discrepâncias geográficas e entre classes na população, fazendo com que se mantenha uma diferença importante quando os índices de mortalidade infantil são comparados com os de países como os Estados Unidos, onde o número de mortes por diarreia em crianças menores de 5 anos é de 300 por ano. 
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças diarreicas estão entre as principais causas de morbidade e mortalidade em crianças de países em desenvolvimento. São, também, importante causa de desnutrição. Estimativas atuais calculam que 1,5 milhões de mortes por ano ocorrem por diarreia entre indivíduos menores de 5 anos.
2. DEFINIÇÃO 
Conceito Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (2005), a diarreia aguda define-se como a ocorrência de 3 ou mais episódios de fezes líquidas ou semilíquidas em um período de 24 horas durante no máximo 14 dias. 
Geralmente, o início é abrupto, a evolução é autolimitada e a duração não ultrapassa 5 a 7 dias. Quando as fezes são sanguinolentas, denomina-se Disenteria. Fisiologicamente, a diarreia resulta do desequilíbrio entre absorção e secreção de água, afetando tanto o intestino delgado quanto o grosso. 
A diarreia pode ser acompanhada de anorexia, vômitos, perda aguda de peso, dor abdominal, febre ou perda de sangue. A desidratação pode se instalar quando a diarreia é grave ou prolongada. Mesmo na ausência da desidratação, a diarreia crônica geralmente leva a perda ponderal ou incapacidade de ganhar peso.
Do ponto de vista clínico, a doença diarreica pode ser classificada como:
· Síndrome da diarreia aguda aquosa: que representa a grande maioria dos casos, com perda de grande volume de fluidos;
· Síndrome da diarreia aguda com sangue: conhecida como disenteria, causada principalmente por bactérias do gênero Shigella;
· Diarreia persistente: quando se estende por mais de 14 dias, estando relacionada a maior risco de complicações e letalidade.
De acordo com a gravidade, pode ser classificada como:
· Leve: sem desidratação.
· Moderada: desidratação leve ou moderada, com indicação de terapia de reidratação oral.
· Grave: desidratação intensa, com ou sem distúrbios eletrolíticos e necessidade de terapia de reidratação endovenosa.
2.1 Fatores de risco que favorecem a aparição da doença diarreica 
A transmissão de organismos enteropatógenos geralmente ocorre via fecal-oral, pelo contato direto com matéria fecal ou indireto através de água, alimentos, mãos e utensílios contaminados. Alguns fatores favorecem a aparição da doença, como: 
· Condições sanitárias, ambientais inadequadas, como a deposição de fezes ao ar livre, falta de água potável e de coleta de lixo, moradias em lugares impróprios. 
· Desmame precoce antes dos 6 meses de idade. 
· Falta de educação na higiene para a lavagem das mãos, de alimentos, uso de mamadeiras. Aglomeração de crianças em creches e escolas junto com cuidados inadequados de prevenção de diarreia. 
· Falta de acesso aos serviços de atenção primária. 
· Analfabetismo materno. 
· Escassez na dotação de antiparasitários e antibióticos nas unidades de unidades de saúde. 
· Falta de acesso a programas de capacitação para a equipe dos serviços básicos de saúde. 
· Condições próprias da criança como uma relação cripta/vilosidade 3:1 e não 4:1 como no adulto, pH gástrico maior, níveis menores de IgA e maior resposta a enterotoxinas no intestino imaturo.
3. ETIOLOGIA 
A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente nas menores de 5 anos. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais frequentes.
As diarreias agudas de origem infecciosa têm como principais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. 
No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotavírus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga viral para causar doença. 
Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, representando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa etária de 6 a 24 meses. 
Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser encontrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são assintomáticos. Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. 
Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. 
As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quentes. Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora cayetanensis.
O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência são assintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos.
A transmissão da maioria dos patógenos que causam diarreia é fecal-oral, podendo ocorrer de várias maneiras.
4. FISIOPATOLOGIA 
Os mecanismos da diarreia podem ser:
· Osmótico
· Secretório
· Inflamatório
· Malabsortivos
Diarreia osmótica resulta da presença de solutos não absorvíveis no trato GI, como no caso de intolerância à lactose. A diarreia é interrompida com a retirada do alimento causador, por 2 a 3 dias.
Diarreia secretória é o resultado da presença de substâncias (p. ex., toxinas bacterianas) que aumentam a secreção de íons de cloreto e água no lúmen intestinal. Esse tipo de diarreia não é interrompido com o jejum.
Diarreia inflamatória está associada a condições que provocam inflamação ou ulceração da mucosa intestinal (p. ex., doença de Crohn, colite ulcerativa). O extravasamento de plasma, proteínas séricas, sangue e muco aumenta o bolo fecal e o conteúdo de líquidos.
Má absorção é o resultado de mecanismos osmóticos ou secretórios ou situações que diminuem a superfície de absorção intestinal. Condições como insuficiência pancreática e síndrome do intestino curto e situações que aumentam a velocidade do trânsito intestinal causam diminuição da absorção e diarreia.
5. AVALIÇÃO 
É importante avaliar e sentir a condição geral da criança, o grau de hidratação, a presença de desnutrição e a possibilidade de septicemia. Deve-se investigar:
5.1 História
História da doença atual evidencia qualidade, frequência e duração das evacuações, assim como intercorrências como febre, vômitos, dores abdominais ou sangue nas fezes. Perguntar aos pais sobre o uso atual ou recente de antibióticos (nos últimos 2 meses). Os médicos devem estabelecer os elementos da dieta (p. ex., quantidade de sucos, alimentos ricos em açúcares ou sorbitol). Registrar história de fezes duras ou obstipação. Os médicos também devem avaliar os fatores de risco de infecções (p. ex., viagens recentes, exposição a fontes duvidosas de alimentos, contato recente com animais em zoológico, répteis ou pessoas com sintomas semelhantes).
A revisão dos sistemas deve buscar os sintomas de ambas as complicações e causas da diarreia. Sintomas das complicações incluem perda ponderal, diminuição da ingestão de líquidos e oliguria (desidratação). Sintomas das causas incluem erupção cutânea urticariforme associada à ingestão de alimentos (alergia alimentar); pólipos nasais, sinusite e déficit de crescimento (fibrose cística); e artrite, lesões cutâneas e fissuras anais (doença intestinal inflamatória).
História clínica anterior avalia possíveis disfunções como causa (p. ex., imunocomprometimento, fibrose cística, doença celíaca, doença inflamatória intestinal) no paciente e nos familiares.
5.2 Exame físico
Avaliar os sinais vitais que mostrem desidratação (p. ex., taquicardia, hipotensão) e febre.
A avaliação geral inclui verificação dos sinais de letargia ou dor. Os parâmetros de crescimento devem ser observados.
Como o exame abdominal pode indicar desconforto, é recomendável começar o exame pela cabeça. O exame deve focalizar as membranas mucosas para avaliar se elas estão úmidas ou secas. Notar a existência de pólipos nasais, dermatite psoriasiforme ao redor dos olhos, do nariz e da boca e, ainda, ulcerações orais.
O exame das extremidades enfoca o turgor cutâneo, o tempo do retorno capilar e a presença de petéquias, púrpura ou outras lesões cutâneas (p. ex., eritema nodoso, pioderma gangrenoso) exantemas e articulações inchadas eritematosas.
No abdome, observar distensão, dolorimento e qualidade dos ruídos (p. ex., muito altos, normais ou ausentes). O exame dos genitais focaliza a presença de exantemas e sinais de fissuras anais ou lesões ulcerativas.
Nunca esquecer de pesar a criança, pois o peso será parâmetro muito importante para decidir o plano a seguir e comparar com o peso anterior, caso a mãe saiba o peso prévio da criança, e depois avaliar a efetividade das medidas tomadas.
5.3 Sinais de alerta
Os achados a seguir são particularmente preocupantes:
· Taquicardia, hipotensão e letargia (significando desidratação);
· Fezes sanguinolentas;
· Vômito bilioso;
· Sensibilidade e/ou distensão abdominal sensível extrema;
· Petéquias e/ou palidez.
5.4 Interpretação dos achados
A história pode fornecer relatos sobre uso de antibióticos, situações pós-infecciosas ou relacionadas anatomicamente. O tempo pode estabelecer se a diarreia é aguda ou crônica. Também é importante estabelecer o nível de acuidade. A maioria das diarreias agudas tem etiologia viral e causa febre e diarreia não sanguinolenta. Por outro lado, as diarreias bacterianas podem trazer sérias consequências, como febre, diarreia sanguinolenta e, possivelmente, petéquias ou púrpura.
Os sintomas da diarreia crônica podem variar e aqueles de diferentes condições podem se superpor. Por exemplo, as doenças de Crohn e doença celíaca podem causar ulcerações bucais, algumas condições podem provocar exantemas e qualquer condição pode levar a déficit de crescimento. Se a causa não for esclarecida, testes adicionais deverão ser realizados com base nos achados clínicos.
5.5 Exames
Eles são desnecessários na maioria dos casos de diarreia aguda autolimitada. Entretanto, se a avaliação sugerir uma etiologia diferente da gastrenterite viral, os exames deverão ser dirigidos para a etiologia suspeita.
6. TRATAMENTO 
Os objetivos do tratamento são: 
· Prevenir ou tratar a desidratação e o desequilíbrio de eletrólitos e ácido-básico. 
· Prevenir a desnutrição, oferecendo alimentação adequada e precoce durante a hidratação. 
· Prevenir futuros quadros de diarreia com uso de zinco. 
As causas específicas da diarreia devem ser tratadas (p. ex., dieta sem glúten para crianças com doença celíaca).
O tratamento geral enfoca a hidratação, que geralmente é oral. Hidratação IV é raramente essencial. (Atenção: fármacos antidiarreicos [p. ex., loperamida] não são recomendadas para lactentes e crianças pequenas.)
O principal componente terapêutico para o tratamento da diarreia é a terapia de reidratação oral (TRO), feito com as soluções recomendadas pela OMS.
· HIDRATAÇÃO
De acordo com OMS, 90% dos casos de desidratação por diarreia aguda em qualquer idade e por qualquer etiologia podem ser segura e efetivamente tratados com terapia de reidratação oral. 
A desidratação pode ser assim classificada: 
· leve: com perda de peso inferior a 5%
· moderada: com perda de peso entre 5 a10%
· grave: com perda de peso superior a 10%
A desidratação é mais comum nos casos de diarreia associados a rotavírus, ETEC e cólera.
Há diversas estratégias e escores para avaliar o estado de desidratação, como a escala de desidratação clínica e o escore modificado de Vesikari, porém recomenda-se a utilização da proposta da OMS, adotada também pelo Ministério da Saúde (MS) brasileiro.
· PLANO A 
Tabela 3 – Plano A de tratamento segundo a OMS
· Continuar a alimentar normalmente a criança: 
Manter a lactância materna, não usar fórmulas diluídas, respeitar as condições culturais e financeiras da família dentro das necessidades de saúde da criança. 
Oferecer pequenas refeições várias vezes por dia. Uso de mamadeiras pode aumentar as náuseas. Uso de fórmulas com teor diminuído de lactose não tem indicação de entrada, mesmo em pacientes desnutridos, a menos que existam francos sinais clínicos de intolerância à lactose. A indicação de jejum, dietas restritivas, diluição do leite e a recomendação de alimentos com muito açúcar, que podem aumentar o número e quantidade de evacuações, assim como alimentos que estimulam a motilidade intestinal como café, chá preto, chocolate e bebidas carbonatadas, levam à diminuição de ingestão de vários nutrientes, acarretando desnutrição e prolongando o quadro diarreico.
Suplementação com zinco: 10 a 20mg diários em maiores de 6 meses, por 10 a 14 dias, previnem futuros episódios de diarreia durante os próximos 2 a 3 meses. 
· Orientações sobre quando retornar: 
· Febre alta persistente por mais de 3 dias 
· Paciente come ou bebe pouco 
· Evacuações muito frequentes e/ou abundantes 
· Sangue nas fezes 
· Vômitos e sede constantes. 
· Exames laboratoriais: 
Não existe indicação rotineira para uso de exames laboratoriais. Podem estar indicados em caso de surtos comunitários, diarreia em menores de 3 meses; disenteria, viagens, toxemia.
· Uso de outras medidas terapêuticas: 
Os antieméticos podem ser usados com cautela, basicamente pelos efeitos colaterais de tipo neurológico, como sonolência, liberação extrapiramidal (Dimenidrato, Metroclopramida) 
A Ondansetrona mostrou, em alguns estudos, efeito rápido na supressão do vômito, com diminuição do uso de hidratação endovenosa e maior facilidade para administrar TRO, porém pode incrementar o risco de prolongamento do intervalo QT no ECG. Pacientes de risco são aqueles com baixo K e Mg no sangue, os que tem patologia cardíaca de base e aqueles que estão tomando outras medicações que podem prolongar o QT. 
As drogas antissecretoras, como o Racecadotril, podem ser efetivas em casos de cólera em crianças. Não existe indicação para uso de drogas antidiarreicas como os derivados opióides, especialmente em crianças menores de 5 anos.
· PLANO B 
Tabela 4 – Plano B de Tratamento segundo a OMS
· Para crianças com algum grau de desidratação: 
SRO: 75 -100ml/kg em 4 horas divididos em 4 tomadas. 
Em crianças que tomam leite materno, continuar a oferecer. As crianças que ingerem alimentos
sólidos ou fórmulas deverão aguardar o final das 4horas para serem realimentadas. 
· Como oferecer TRO: 
· Menores de 6 meses: seringa ou copo, a cada minuto. 
· De 6 meses a 2 anos: copo, a cada minuto. 
· Maiores de 2 anos: copo, com goles frequentes. 
· Oferecer água pura nos intervalos nos menores de 6 meses. 
· Se vômitos, esperar 10 minutos e voltar a oferecer TRO mais lentamente 
· Monitorar os sinais de desidratação com frequência e decidir se é necessário repetir o Plano B ou passar ao Plano C, tanto durante o tratamento ou ao final das 4 horas. 
Tabela 5 – Opções para terapia de reidratação parenteral
· A criança está reidratada quando:
· Está mais ativa 
· Acalmou a sede 
· Diurese adequada 
· Turgor de pele normal. 
· Falha da TRO: 
 
· Volume de fezes muito alto (> 15-20g/kg/h) 
· Vômitos incoercíveis (4 ou mais vezes em 1h)
· Não aceita TRO 
· Usar SNG quando: 
· Perda de peso após 1 ou 2 horas de tratamento 
· Vômitos persistentes (4 ou mais vezes em 1h) 
· Dificuldade de reidratação por perda fecal alta (> 15-20g/kg/h) 
· Distensão abdominal importante 
· Como administrar TRO por SNG: 
· 20 a 30 ml/kg/hora até hidratação ou 
· 5 gotas/kg/min, aumentar a cada 15 minutos até chegar a 40 gotas 
· Se o paciente tiver náuseas ou vômitos diminuir para 10-15ml/kg/h. 
· Contraindicações da hidratação oral: 
· Vômitos incoercíveis 
· Grande gasto fecal 
· Sonolência, coma 
· Íleo paralítico 
· Lesões extensas de mucosa oral 
· Diarreia com patologia associada 
· Choque hipovolêmico. 
· Usar antibióticos quando: 
· Diagnóstico de Cólera 
· Imunossuprimidos (HIV; < 3 meses; neoplasias) 
· Hemoglobinopatias 
· Septicemia 
· Shigela. 
· Indicação relativa para antibiótico:
· Diarreia do viajante 
· C. difficile francamente sangrante 
· Aeromonas. 
Obs: Não usar em casos de Salmonella sp, por aumentar o estado de portador crônico. Nos casos de Salmonella só tem indicação de antibiótico quando se trata de S. typhi.
· PLANO C 
Tabela 6 – Plano C de tratamento sengo a OMS (paciente com desidratação grave)
· Indicações da hidratação endovenosa: 
· Choque hipovolêmico com insuficiência respiratória 
· Hipernatremia severa 
· Hiponatremia severa 
· Fracasso da hidratação oral 
· Piora do quadro clínico. 
O primeiro passo será estabelecer um acesso venoso adequado, sendo preferido o acesso periférico. Recomenda-se cateteres de maior calibre para permitir administração rápida de um grande volume de líquidos. 
No caso de impossibilidade de acesso venoso periférico rápido, considere-se a via intraóssea a melhor alternativa. Outra alternativa é um cateter venoso central, em cujo caso prefere-se a veia femoral ou a veia jugular interna. 
A hidratação endovenosa varia dependendo da gravidade da desidratação, do tipo (isonatrêmica, hipernatrêmica, hiponatrêmica), do déficit de outros íons e da presença de transtornos ácido-base. 
· Hiponatremia= Na < 120mEq/L 
· Hipernatremia= Na > 160mEq/L 
· Hipocalemia= K< 3.5mEq/L 
· Hipercalemia= K> 5.5mEq/L 
# A maioria dos casos de desidratação grave é do tipo isonatrêmica. 
· Hiponatremia 
Em casos de hiponatremia com sódio < de 120 mEq/L usar NaCl 3% segundo a fórmula: (Na desejado – Na encontrado) x 0,6 x peso kg = mEq de sódio a ser infundido 
Concentração das soluções usadas na correção: 
· NaCl 3% = 0,5 mEq Na/ml 
· NaCl 20% = 3,4 mEq Na/ml 
· Solução fisiológica 0.9% = 1,5 mEq Na/ml 
· Velocidade de infusão = 5 mEq da solução/kg/h
· Hipernatremia 
Geralmente devida à administração de dietas hiperosmolares, como soro caseiro preparado inadequadamente. Os sinais neurológicos como irritabilidade, choro estridente, letargia predominam sobre os sinais de desidratação. 
Tratamento em casos de choque: para expansão inicial, agir como em outros casos, depois tentar reduzir o sódio sérico. Pode-se administrar solução glicofisiológica (glicose 5% e solução salina 0,9%, 1:1), com velocidade de 10mEq Na/L em 24 horas. A correção deverá ser programada para ser feita em 48 horas. A velocidade é controlada com os valores de Na medidos a cada 6 horas. 
· Hipocalemia 
Com as perdas de potássio nas fezes ocorre saída de K do meio intracelular para o extracelular, com queda dos valores de K total corporal e do K plasmático (< 3,5mEq/L). 
A hipocalemia pode manifestar-se como distensão abdominal, náuseas, fraqueza muscular, paralisia, até parada cardíaca. O eletrocardiograma mostra achatamento da onda T.
Tratamento: 
KCl 19,1% = 2,4 mEq/ml 
Concentração máxima 4 mEq/ 100ml de solução. 
Em casos de hipocalemia leve a moderada, com K entre 3,0 - 3,5 mEq/L, aumentar o aporte de K mas soluções de manutenção ou na dieta e monitorar com dosagens sanguíneas e eletrocardiograma. Na hipocalemia grave, K < 2,5 mEq/L, fazer reposição venosa com uma velocidade de 0,2-0,4 mEq/kg/h, monitorando com eletrocardiograma, níveis séricos e sintomatologia. 
· Hidratação endovenosa 
A hidratação endovenosa realiza-se em 2 fases: 1ª fase: Expansão para reposição de volemia 2ª fase: Manutenção e reposição para repor as perdas sucessivas. 
A 1ª fase é feita com expansões de 20-50ml/kg que podem repetir-se a cada 30 minutos ou uma hora. 
Coletar amostras para glicemia capilar, gasometria, glicemia, creatinina e hemograma. As soluções indicadas pela OMS para serem usadas são as soluções de Ringer lactato ou solução fisiológica 0,9%.
Não é indicado uso de “soro ao meio” (solução de glicose 5% + solução fisiológica 0,9%, 1:1) por maior risco de hiponatremia. 
Nos pacientes graves, com respiração acidótica, pode ser associado na expansão 1-2 mEq/Kg de bicarbonato, mas geralmente a acidemia será corrigida automaticamente com a hidratação adequada. 
Com resultado de gasometria pode ser feita a correção de acidose metabólica segundo as seguintes fórmulas: mEq HCO3 = (Bicarbonato encontrado – 15 x 0,3 x peso kg).
Monitorar o paciente a cada 15 a 30 minutos até obter diurese e/ou melhora das alterações hemodinâmicas, com pulso radial mais forte, melhora da perfusão capilar e aumento da pressão arterial. Se a criança continuar desidratada, mas puder beber, passar ao plano B. Se hidratada, passar ao plano A. Se não puder beber, passar para a 2ª fase, mantendo via endovenosa.
2ª fase: Manutenção e reposição para repor as perdas sucessivas: 
Para isso, devem ser calculadas as necessidades basais de líquidos e eletrólitos para cada paciente. O método mais usado é o de Holliday-Segal, o qual assume que para cada 100kcal metabolizadas são necessários 100ml de água. 
· Para os primeiros 10kg 100ml/kg 
· Entre 10 e 20kg 50ml/kg 
· Para o excesso sobre 20kg 20ml/kg 
· Necessidades de eletrólitos: 3 mEq de sódio/100ml de solução; 2,5mEq de potássio/100ml de solução.
· Necessidades de glicose: 8 gramas/100ml 
Para compensar as perdas serão calculados empiricamente os valores para as próximas 24 horas.
· Exames: eletrólitos séricos, creatinina, hemograma, gasometria, urina, glicemia.
· Medidas preventivas 
A OMS, em seu último relatório, tem considerado 7 medidas base para empreender um plano cujo objetivo é a diminuição global das mortes por diarreias, estes 7 pontos incluem: 
1. Terapia de Reidratação Oral: esta medida simples apenas é recebida por 33% das crianças com diarreia nos países subdesenvolvidos. 
2. Alimentação contínua: só 31% das crianças com diarreia recebem uma dieta adequada nos países subdesenvolvidos.
3. Uso de zinco: ainda não disponível na rede pública da maioria dos países subdesenvolvidos; é bem conhecida sua efetividade para reduzir a severidade e a duração dos episódios de diarreia. 
4. Vacina contra rotavírus: seu uso resulta numa diminuição importante das internações devidas a diarreia em crianças menores de 5 anos. Vacina: desde 2006 a vacina contra rotavírus faz parte do calendário vacinal brasileiro. A vacina é contraindicada em pacientes com imunodeficiência, com malformações congênitas do trato gastrointestinal ou com sangramento intestinal ou antecedente de intussuscepção ou evento adverso importante com a 1ª dose ou em casos de alergia a algum dos
componentes da vacina. 
5. Água potável, redes de esgoto e adequadas condições sanitárias são medidas fundamentais na prevenção de diarreia; a simples lavagens das mãos pode potencialmente reduzir o número de casos de diarreia em até 40%. 
6. Lactância materna: crianças recebendo leite materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida e que continuam a recebê-lo até os dois anos de idade tem mais resistência ante a infecções e menos severidade das doenças, inclusive da diarreia. 
7. Suplementação de Vitamina A: tem mostrado ajudar significativamente na redução da mortalidade infantil, especialmente para a diarreia e sarampo.
· OUTROS ASPECTOS A SEREM TRATADOS 
· Dor e Febre
Para pacientes que tenham febre com temperatura maior que 39 °C ou febre com mal-estar, recomenda-se o uso de paracetamol ou dipirona. Em casos de tenesmo (frequentemente associados a Shigella) também podem ser usados o paracetamol ou a dipirona. Não se deve usar antiespasmódico (escopolamina) e antifisiótico (simeticona). 
 
· Antieméticos
Não se recomenda o uso de antieméticos para vômitos esporádicos, sobretudo porque o risco de efeito colateral aumenta na presença de desidratação ou distúrbios eletrolíticos. Não há evidências de benefício no uso de metoclopramina e dimenidrato na doença diarreica aguda. Indica-se o uso de ondansetrona, que demonstrou-se eficaz em reduzir risco de desidratação e hospitalização. Ressaltamos que a correção da desidratação também tem efeito sobre a êmese, já que a desidratação, mesmo que subclínica, pode causar vômitos.
 
· Antidiarreicos
Não há evidências de benefício no uso de adsorventes como caolin pectina, silicato de alumínio, ou diosmectite. A loperamida é proscrita em pediatria por efeitos tóxicos no sistema nervoso central e risco de íleo paralítico.
 
· Antisecretórios
A racecadotrila inibe a encefalinase e mostrou-se capaz de reduzir perda fecal e tempo de doença. Contudo, estes trabalhos de metanálise foram feitos a partir de estudos com risco de moderado a alto de viés. O ESPGHAN considera a indicação do uso da racecadotrila na doença diarreica aguda, mas ressalta o seu papel apenas como adjuvante à TRO.
 
· Zinco
A OMS recomenda a administração de 10 a 20 mg de zinco por 10 a 14 dias para crianças menores de 5 anos com diarreia. Foi comprovada a redução da gravidade e duração da doença diarreica aguda e de episódios subsequentes de diarreia em crianças menores de 5 anos. Este efeito tem relação com a modulação do sistema imunológico e a propriedade antissecretória do zinco. A OMS baseou-se em estudos de população de países em desenvolvimento, onde é frequente a deficiência de zinco. Estudos em populações de países desenvolvidos mostram resultados diferentes. Uma revisão da Cochrane em 2016, concluiu que não haveria evidências para o uso de zinco em menores de 6 meses, crianças nutridas e locais com baixo risco de deficiência de zinco.
 
· Probióticos
Tem efeito de antagonismo, imunomodulação e de exclusão de patógenos. O efeito benéfico na duração do episódio diarreico, redução de perdas fecais e de hospitalização foi demonstrado para algumas cepas: Lactobacillus rhamnosus GG e Saccharomyces boulardii. Não há evidências científicas para o uso em Bacillus clausii. A OMS e MS não mencionam o uso de probióticos, apenas a ESPGHAN, como adjuvante ao tratamento. 
 
· Antibióticos
Não são indicados mesmo se a etiologia for bacteriana, devido ao curso autolimitado da diarreia aguda e pelo seu efeito deletério sobre a microbiota protetora. A indicação de antibióticos está reservada para os casos de diarreia com sangue e cólera. Assumindo a provável etiologia relacionada à Shigella, a diarreia com sangue pode ser tratada com ciprofloxacin, azitromicina ou ceftriaxona. No Brasil, houve um aumento da resistência de amostras de Shigella ao sulfametoxazol e trimetoprim. Para diarreia colérica, indica-se o uso de tetraciclina ou eritromicina. O tratamento para protozoários deve ser realizado em imunodeprimidos.
· Pontos-chave
· Diarreia é uma preocupação pediátrica comum.
· Gastrenterite é a causa mais comum.
· Os exames raramente são necessários em crianças com doença diarreica aguda.
· Desidratação é provável se a diarreia for grave ou prolongada.
· Reidratação oral é eficiente na maioria dos casos.
· Antidiarreicos (p. ex., loperamida) não são recomendados para lactentes e crianças pequenas.

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