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1 PARADIGMAS EDUCACIONAIS E O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL 2 PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO E ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL CARGA HORÁRIA: O Componente Curricular Paradigma da Educação e Ensino Religioso no Brasil traz uma nova visão de educação, ensino-aprendizagem e religião nos currículos escolares, bem como mostrar a relevância da quebra de paradigmas diante do novo contexto da prática pedagógica. É imprescindível a aceitação desse novo modelo pedagógico por parte do professor visando a transformação ética e cultural do educando. OBJETIVO GERAL Analisar, orientar e definir informações sobre os paradigmas da educação brasileira e a inserção do ensino religioso no currículo escolar. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Compreender as bases epistemológicas acerca da religião e religiosidade na escola moderna; Valorizar o pluralismo e diversidade cultural presente na sociedade brasileira; Facilitar a compreensão das formas que exprimem o transcendente na superação da finitude humana no processo histórico da humanidade; Propiciar o conhecimento dos elementos básicos que compõem o fenômeno religioso; Subsidiar e orientar na formulação do questionamento existencial do indivíduo; Analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais; Possibilitar condições para se vivenciar, no contexto democrático escolar, as diferentes manifestações religiosas e seus valores. METODOLOGIA Aula expositiva e dialogada; Leitura e debates sobre os temas abordados; Seminários; Apresentação de vídeos; Atividades em grupo e individual. AVALIAÇÃO O educando será avaliado por meio de participação coletiva nos debates em sala de aula, frequência, trabalhos escritos e discussões dentre outras. 3 SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................................... 4 o conceito de paradigma e a educação ........................................................................................ 4 a educação nos períodos da crise e da revolução científica ........................................................ 5 por que os novos paradigmas ainda não caracterizam a ciência normal atual? .......................... 6 o paradigma do ensino religioso no brasil .................................................................................. 9 um novo conceito de ensino religioso: por uma formação integral do educando .................... 12 a dimensão religiosa do ensino religioso: uma abertura à religiosidade .................................. 13 a dimensão ética do novo ensino religioso: ensinando valores. ............................................... 14 a dimensão política do novo ensino religioso: construindo à cidadania................................... 14 o lugar do ensino religioso na ldb/96: definindo sua natureza ................................................. 16 paradigmas contemporâneos de educação: escola tradicional e escola construtivista ............. 17 a escola tradicional ................................................................................................................... 17 aspectos filosóficos da escola tradicional ................................................................................. 18 aspectos epistemológicos da escola tradicional ........................................................................ 19 aspectos teóricos da escola tradicional ..................................................................................... 20 a escola construtivista ............................................................................................................... 21 aspectos filosóficos do construtivismo ..................................................................................... 21 aspectos epistemológicos do construtivismo ............................................................................ 22 aspectos teóricos do construtivismo ......................................................................................... 23 aspectos metodológicos do construtivismo .............................................................................. 26 escola tradicional e escola construtivista a: críticas ................................................................. 27 referências ................................................................................................................................. 29 4 1. INTRODUÇÃO A educação brasileira vem sofrendo transformações muito lentamente, ao longo dos anos. Há vários artigos, notícias e pesquisas cujos dados mostram que o Brasil não tem uma educação de qualidade. Não pretendemos aqui entrar no mérito de análise de dados e estatísticos que comprovem o fato acima, pois isso já é sabido por todos, e nem de discutir que modelos são mais adequados. Todos concordam que é preciso haver mudanças, as divergências surgem apenas no como. Na presente apostila procuramos fazer uma breve análise da educação no Brasil, nas últimas décadas, identificando a principal mudança ocorrida após a década de 80, no entanto, o objetivo maior é estabelecer uma relação das práticas educacionais com a epistemologia kuhniana do desenvolvimento científico, ou seja, utilizamos os conceitos introduzidos por Thomas Kuhn para descrever as transformações ocorridas na educação e seus respectivos paradigmas. Porém, a análise que fazemos é uma análise pessoal, aplicando os conceitos kuhnianos de “paradigma”, “ciência normal”, “crise” e “revolução científica” à educação como eu a vejo, baseada em diversas leituras, e observações. Aqui damos destaque para os modelos tradicional e construtivista por serem os mais difundidos, tentando identificar um momento de ruptura entre um e outro bem como as principais causas. Baseando-me nas práticas dos professores em sala de aula, coloco o construtivismo na condição de paradigma emergente, embora tenha surgido há anos, porque o modelo tradicional ainda é o mais utilizado. 2. O CONCEITO DE PARADIGMA E A EDUCAÇÃO O conceito de paradigma foi originalmente proposto pelo físico americano Thomas Kuhn, que contribuiu bastante com a filosofia da ciência, propondo uma ideia que, ao invés de explicar, descreve a evolução do desenvolvimento científico. Em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn diz que: “... um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (Thomas Kuhn, 1970, p.219). Em outras palavras um paradigma é a representação de regras ou modelos a serem seguidos, sendo que esses modelos se baseiam nas crenças de um determinado grupo e isso está intimamente relacionado com a resistência dos grupos ou comunidades de aceitarem ideias, regras, modelos novos ou um jeito novo de ser fazer algo. A epistemologia kuhniana envolve, além do conceito de “paradigma”, os conceitos de “ciência normal”, “anomalia” ou “crise” e “revolução científica”. Para Kuhn a ciência só se estrutura quando se adota um paradigma, ou seja, quando se adota uma maneira de resolver os problemas envolvidos na ciência em questão, seja na ciência propriamente dita ou em outros setores como no comércio, na política ou na educação. Durante o século XX o paradigma predominante na educação era o tradicional, aquele em que se privilegia a obediência, a memorização e a repetição. Neste modelo o professor é uma figura autoritária, pois ele ocupa posição acima da do aluno (relação vertical), ele é quem possui o saber e o transmite para o aluno, cujos conhecimentos prévios não sãolevados em consideração. Há uma preocupação grande com a questão comportamental, que é 5 um reflexo da situação social e política da época, em que o objetivo era formar pessoas passivas, obedientes e patriotas. Para o fim que se desejava, o modelo de educação tradicional foi bastante eficiente, caracterizando a “ciência normal” da educação no século XX, sobretudo na sua segunda metade. “Ciência normal” é o período em que se atua dentro de um paradigma, as pesquisas são feitas dentro das regras já existentes sem se preocupar em descobrir algo novo, ela foi definido por Thomas Kuhn como: “[...] pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas essas realizações são reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior”. (Thomas S. Kuhn, op cit, nota 19, p.29) Porém, com o fim do regime da Ditadura Militar (1964 – 1985), o paradigma do modelo tradicional tornou-se ineficaz, pois a sociedade, ao menos em tese, tornou-se democrática, principalmente, com a aprovação da Constituição Federal de 1988, vigente até hoje e que estabelece princípios democráticos. Com isso os objetivos educacionais também mudaram, pois uma sociedade democrática exige que seus cidadãos sejam críticos e criativos, capazes de compreender problemas, teorias e argumentos, reagindo a eles de forma consequente, para que o poder de decisão não se concentre nas mãos de poucos. “[...] Um estudante que tem um conhecimento sólido de física, história, das línguas cultas mais significativas, de filosofia, geografia, matemática, etc., e que tem instrumentos críticos que lhe permitem avaliar criativamente ideias, será um cidadão bem equipado para enfrentar os desafios do futuro. Um estudante que sabe enfrentar problemas, avaliar e propor teorias e argumentos – que sabe, em suma, por si só – é um cidadão criativo e crítico, elementos sine qua non para uma sociedade próspera. [...]” (Desidério Murcho, 2002) Vemos que os objetivos da sociedade pós-ditatura são totalmente contrários aos objetivos da sociedade existente durante o regime militar. Sendo assim, era preciso encontrar uma nova maneira de educar para alcançar os novos objetivos, ou seja, um novo paradigma capaz de solucionar os novos problemas. Começaram, então, a surgir várias ideias e teorias na tentativa de mudar a forma de educar, no entanto, o paradigma tradicional não foi abandonado. 3. A EDUCAÇÃO NOS PERÍODOS DA CRISE E DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA O fato o paradigma tradicional não ser capaz de formar cidadãos críticos pode ser entendido como uma falha desses, esta falha foi identificada e durante muito tempo tentou- se eliminá-la utilizando as regras existentes, porém, sem sucesso. Em consequência disto, ele, o paradigma, passou a ser desacreditado, abrindo espaço para o surgimento de novos paradigmas . Esta fase do desenvolvimento científico é denominada por Kuhn como um período de crise ou anomalia. A crise começou por volta dos anos 80, com o ressurgimento da democracia, neste período começou a se falar em construtivismo, uma concepção pedagógica baseada nas ideias de Jean Piaget (1896 – 1980), em que o professor sai da posição superior e ocupa o mesmo patamar do aluno, ou seja, passa a ter uma relação horizontal professor-aluno, não sendo mais o senhor do saber, mas o ajudador ou mediador do conhecimento, em que os alunos não aprendem por memorização e transmissão de informações, simplesmente, mas construindo o 6 seu próprio conhecimento, formulando hipóteses a partir da interação concreta com o objeto de estudo, participando e questionando. Arriscamo-nos a dizer que atualmente a educação se encaixa no período denominado por Kuhn como revolução científica, período esse em que se muda a forma de olhar para o real e os velhos paradigmas, aos poucos, vão sendo substituídos pelos novos. Isso já acontece, a educação já é vista com outros olhos, pois já existem além de várias teorias ou paradigmas emergentes, várias formas de incentivo à mudança. Exemplos disso são as novas leis, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº 9394/96), que reforça a democratização do ensino, estabelece a inclusão social, entre outros; Leis Complementares de Valorização do Magistério, que destina parte dos recursos financeiros à formação continuada dos professores, Leis e Resoluções que incluem no currículo a temática histórica e cultura afro-brasileira, valorizando a diversidade étnica e cultural da sociedade democrática (Lei nº 10639/03); os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e os Referenciais Nacionais (Educação Infantil), direcionando o currículo de forma a valorizar o sujeito aprendiz e o ensino contextualizado; é possível observar também que os livros didáticos possuem uma abordagem bem diferente daquela usada 20 anos atrás, valorizando as experiências e o cotidiano do aluno, até mesmo as questões de alguns vestibulares, em anos recentes, têm sido abordadas de maneira a explorá-las, diferentemente de como era feito tradicionalmente, exigindo apenas uma quantidade grande de informações decoradas ou memorizadas; há, também, incentivos em forma de bonificações salariais para os docentes que buscam atualizações e que comprovam bom desempenho; além de tudo isso, há outros tipos de incentivos à inovação como, por exemplo, o da Fundação Victor Civita que “visa identificar, valorizar e divulgar experiências educativas de qualidade com o prêmio Victor Civita educador nota 10; além de muitas outras”. Para mim, trata-se de uma revolução na educação, que dará início a uma nova ciência normal. 4. POR QUE OS NOVOS PARADIGMAS AINDA NÃO CARACTERIZAM A CIÊNCIA NORMAL ATUAL? Os motivos são vários, primeiro, como dito anteriormente, os paradigmas fazem parte das crenças de uma comunidade, dessa forma, existe ainda hoje, uma resistência a abandonar o velho paradigma e adotar o novo. Há muitos docentes, por exemplo, que acreditam fortemente que o modelo tradicional ainda é o mais eficiente e por isso, persistem nesta prática. Poucos são aqueles que tentam mudar a situação, e, além disso, não se pode negar que muitos desses poucos docentes que tiveram coragem para inovar fizeram tentativas frustradas de aplicar o novo modelo em suas classes de aula. Isso se deve entre outros fatores, à falta de preparo e à falta de compreensão das ideias do novo paradigma. Claro, pois quando um novo paradigma surge é mesmo muito difícil lidar com ele. Numa pesquisa feita por Sergio Antônio da Silva Leite e Luciane Vieira Palma, da UNICAMP, que consistiu de observações em sala de aula (de alfabetização) e entrevistas, eles descrevem as práticas pedagógicas desenvolvidas por professores que assumiram uma postura construtivista. É interessante notar que quando se fez as perguntas: “Questão 2: Como foi o seu primeiro contato com a teoria? Todas as professoras tiveram seu primeiro contato com a teoria construtivista a partir da segunda metade da década de 80, entre os anos de 1986 e 1989. (...) As mais diferentes reações foram apontadas pelas professoras em função dos primeiros contatos com a teoria. Uma delas foi de repulsão (... imagina eu fazer isto!... escrever sem pontuação, sem usar maiúscula, faltando letra... – P1). Outra reação pode ser considerada de paixão (... fui a um curso de quatro dias e fiquei 7 apaixonada... – P2). Detectou-se ainda outra reação: de indiferença, não valorização da novidade (...num primeiro momento não dei muito valor... –P4). (...) Em síntese, todas as professoras entrevistadas tiveram seu primeiro contato com a teoria construtivista em meados da década de 80, sendo que tal contato ocorreu de três formas: cursos oferecidos pelos órgãos centrais (três professoras), conversas informais (uma) e curso de habilitação para o magistério (uma).Este primeiro contato não ocorreu de maneira passiva: reações de repulsa, indiferença, paixão e reflexão foram apontadas pelas professoras. A prática de cada uma teve início em diferentes circunstâncias e foram permeadas por sentimentos de medo, insegurança, sofrimento e ansiedade. Questão 7:: Quais as dificuldades que você encontrou ao assumir a teoria construtivista com base para as sua prática de sala de aula? (...) Em síntese, nota-se, que, apesar da convergência de algumas opiniões, as professoras apontaram diferentes dificuldades enfrentadas no seu dia-a- dia na escola. Entre essas dificuldades destacara-se: o grande número de alunos em sala para um único professor, a falta de um projeto na escola, que dê continuidade ao trabalho; a falta de material tanto para alunos quanto para professores; a falta de informação e a falta de um coordenador pedagógico nas escolas. Questão 8: Você acha que a teoria construtivista dá conta de todo o processo de alfabetização escolar. (...) apenas uma professora respondeu negativamente a esta questão, sendo que as demais, por diversas razões, julgaram que a teoria construtivista pode explicar todo o processo de alfabetização escolar. (...) O contato com a teoria construtivista parece ter sido fundamental para todas as professoras envolvidas, pois as auxiliou a romperem com um modelo de ensino que sabemos estar ultrapassado. No entanto, nem todas as implicações daí resultantes constituíram, necessariamente, avanços: nota-se uma supervalorização da teoria em conjugação com um reducionismo do processo de alfabetização escolar. Isto sugere questionamentos a respeito dos procedimentos de divulgação da teoria construtivista, que podem estar passando uma ideia da mesma como solução universal para a educação. Outro aspecto a ser repensado é quanto à preocupação metodológica ainda presente: a tendência de reduzir o construtivismo a uma metodologia de alfabetização. Nesta vertente, observa-se a corrida desenfreada de professores em busca de novas atividades de ensino consideradas construtivistas (nesta pesquisa, notou-se esta intenção em apenas duas professoras). Quanto aos aspectos considerados positivos, retoma-se a melhoria das instruções, o aumento das atividades contextualizadas e uma baixa, porém existente, frequência de atividades funcionais, além da preocupação parcial com o fornecimento do feedback. Obviamente, deve-se ressaltar que a presente pesquisa apresentou um corte transversal na realidade de cinco professoras; e a realidade não é estática, mas profundamente dinâmica. Trata-se de profissionais vivendo um franco processo de rompimento com modelos ultrapassados e de construção de práticas mais avançadas, a partir de novas bases teóricas. (...)” [Sergio Antônio da silva leite e Luciane vieira Palma, revista RBEP, p. 178-180, 184- 185, 206]. 8 A falta de habilidade para lidar com o novo paradigma aliada a uma série de outros fatores resultou na queda da qualidade da educação ao longo dos anos, não é difícil encontrar um aluno do Ensino Médio que não consegue interpretar um texto – analfabeto funcional. “A revista britânica The Economist afirma que mesmo com grandes investimentos e progressos em setores como a política e a economia, em termos de educação, o Brasil está ‘bem abaixo de muitos outros países em desenvolvimento’” (Fonte: UOL) Porém, muitos esforços são feitos no sentido de melhorar a educação, de encontrar abordagens metodológicas que deem conta de resolver os problemas educacionais da década de 2000. Não podemos deixar de salientar que estamos vivendo num período de grandes avanços, principalmente, referente às novas tecnologias, que influenciam grandemente nossas vidas, estes avanços tem acontecido em grande escala de forma muito rápido, no entanto, a educação parece não acompanhar este ritmo. “A revolução no campo das ciências (em particular, na Física e na Biologia) traz mudanças na nossa vida cotidiana através de vários acontecimentos, como por exemplo, as aplicações tecnológicas”. Constatamos, de um lado, essas alterações, mas observamos, de outro lado, que há uma lacuna entre a nova visão do mundo que emerge dos sistemas naturais e os valores que ainda predominam nas ciências humanas e na vida da sociedade moderna. Em face das novas mudanças que vem ocorrendo em todas as áreas, em todas as ciências, os paradigmas existentes começaram a ser revistos para que houvesse melhor categorização e classificação dos novos fatos e dados que foram surgindo. Na passagem do que está estabelecido para o que se deseja, nota-se uma indefinição, de imediato, dos objetivos que se pretende alcançar, procura-se uma metodologia que concilie o que se deseja obter com os ganhos já obtidos. Torna-se urgente pensar numa forma de integrar esta interdisciplinaridade de conhecimentos nas propostas pedagógicas existentes ou em outras que se fazem necessárias. Esses conhecimentos vão englobar o estudo conjunto da natureza e do imaginário, do inverso de do próprio homem, relacionando-os, aproximando-os, permitindo-nos enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa época. Cada vez mais, estamos percebendo a necessidade de fazermos esse percurso numa linha interdisciplinar. O que caracteriza esta linha é a ousadia da busca, da integração, de uma nova construção, a educação não pode ficar longe desse percurso; ela deve oferecer meios e condições para que o educasse participe, mais conscientemente, dos desafios que deverá enfrenta.” [Mirian P. S. Z. Grinspun, RBEP, p. 211]. São dados incentivos à inserção da tecnologia em sala de aula, como o uso de computadores, softwares e vídeos. Esses incentivos acontecem, por exemplo, com programas de aquisição de computadores pelos professores, em que estes podem adquirir o computador com valores mais baixos e, às vezes, parcelados. O uso de tecnologias na educação permite que os estudantes desenvolvam habilidades intelectuais com maior motivação, pois ele estará aprendendo de forma condizente com a realidade em que vive – a era de grandes avanços tecnológicos. Ele já é uma realidade, mas não na grande maioria, na qual ainda predomina o estilo tradicional – carteiras enfileiradas, alunos calados e passivos, uso apenas de livros, lousa e giz. Não é difícil observar que a educação está passando por uma “revolução científica”, pois já se percebeu que velhos paradigmas não são mais capazes de solucionar os problemas atuais, que consistem em oferecer ao educando uma educação de qualidade, que reflita o momento histórico da sociedade na qual está inserido, preparando-o para lidar com problemas futuros. Em virtude disso novas ideias, novas tendências estão surgindo, estão sendo criados, portanto, novos paradigmas. O construtivismo pode ser considerado um paradigma emergente, pois apesar de sua disseminação ter começado há muitos anos, ele ainda não foi adotado, pois o que se 9 observa nas práticas em salas de aula e no próprio sistema – que está mudando, mas ainda não mudou – é que o modelo tradicional ainda está muito enraizado, caracterizando este, portanto, a ciência normal atual. Entretanto, várias medidas têm sido tomadas no sentido de romper de vez com este velho paradigma, desde incentivos salariais e premiações até elaboração de leis, assim, quem sabe, em pouco tempo possamos vivenciar a ciência normal do século XX. 5. O PARADIGMA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL A LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) nº 9.394 traz o artigo 33 que assegura ao educando um Ensino Religioso que respeita a sua diversidade cultural- religiosa e, com efeito, um ensino sem proselitismo. Assim, cria-se um contexto próprio para construirmos e apresentarmos um novo conceito de Ensino Religioso. O objetivo consiste, portanto, em superar o conceito tradicional de Ensino Religioso que, ao confundir-se com acatequese, propõe uma formação parcial do educando. Desse modo procuramos estudar os seguintes momentos: a) no primeiro, apresentaremos a história, as características, as práticas pedagógicas e o modelo didático do Ensino Religioso tradicional; b) no segundo momento, mostraremos a superação desse paradigma através de uma nova ideia de Ensino Religioso que contém as dimensões religiosa, ética e política. Veremos que a nova ideia conduz a um novo paradigma didático. E, por último, mostraremos qual é o lugar do Ensino Religioso na LDB. O conceito tradicional de Ensino Religioso: um paradigma a superar. O Ensino Religioso foi, frequentemente, confundido em toda a história da educação brasileira com catequese, ou seja, como doutrina da fé do educando. Apresentaremos, assim, um breve panorama histórico do Ensino Religioso no Brasil que, por um lado, ajudará a entender o motivo da confusão sobre a natureza do Ensino Religioso e, por outro lado, ajudará a entender a dificuldade atual de mudarmos de paradigma. Na primeira fase, entre 1500 a 1800, o objetivo do Ensino Religioso, segundo Anísia Figueiredo (1995), era de introduzir, nos alunos, os valores predominantes da sociedade. Assim, o Ensino Religioso era, antes de tudo, reacionário. O Ensino Religioso, nesse período, justifica o poder estabelecido. O método de doutrina empregado revela o caráter imposto e disciplinador de toda a catequese, que visa a submissão, à conquista e à adesão dos respectivos grupos à fé católica. Os valores e expressões religiosas da cultura dos nativos e dos negros são considerados, muitas vezes, como empecilhos à propagação da verdadeira fé. (Figueiredo, 1995, p. 22-23) A segunda fase, que vai de 1800 a 1964, é composta, segundo Figueiredo: da monarquia constitucional (1823 a 1889), da implantação do regime republicano (1890 a 1930), do período de transição (1930 a 1937), do Estado Novo (1937 a 1945) e do terceiro período republicano (1946 a 1964). Na monarquia constitucional (1823 a 1889), o Ensino Religioso é reduzido ao ensino de religião oficial do império, ou seja, a religião Católica Apostólica Romana. Nesse período, como aponta Figueiredo, o Ensino Religioso é submetido ao sistema de protecionismo da Metrópole. O período de implantação do regime republicano (1891 a 1930) é um dos mais difíceis para o Ensino Religioso, pois a religião foi, para os republicanos, um dos principais obstáculos para a implementação do novo regime. Por isso, a constituição republicana traz o dispositivo: “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino”. No entanto, o Ensino Religioso permaneceu nos estabelecimentos escolares “mesmo perante 10 proclamada laicidade do ensino nos estabelecimentos oficiais, o Ensino Religioso esteve presente pelo zelo de fidelidade dos princípios estabelecidos sob a orientação da Igreja Católica”. (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, 2004, P14) O Ensino Religioso é admitido, no período de transição entre (1930 a 1937), em caráter facultativo. A resistência ao Ensino Religioso se deve pelos teóricos da Escola Nova que eram contrários a implementação do Ensino Religioso nas escolas brasileiras. Esta resistência consiste no fato do ensino ser laico. No Estado Novo (1937 a 1945) o Ensino Religioso perde o seu caráter de obrigatoriedade. O terceiro período republicano (1946 a 1964) é uma tentativa frustrada de introduzir e garantir o Ensino Religioso na Escola. O Ensino Religioso é entendido como dever do Estado para com a liberdade do aluno. A terceira fase é de 1954 a 1964. De 1964 a 1984 o Ensino Religioso passa a ser, no contexto do autoritarismo, obrigatório nas escolas. Mas, no ato da matrícula, cabe ao aluno o direito de optar pela frequência ou não. Por ser fruto de uma outorga, o dispositivo constitucional garante o Ensino Religioso no sistema escolar. Na prática, porém, continua a receber um tratamento que o discrimina e dá origem a muitos desafios de natureza pedagógica e administrativa. Ainda que nesse período tenha sido iniciada a busca da sua identidade, não há clareza quanto ao seu papel específico no ambiente escolar. Há, contudo, um grande esforço de prática pedagógica em relação a esse conteúdo na escola. (Figueiredo, 1995, P12) Os últimos anos (1986 a 1996) são marcados pela busca de identidade, do espaço e da redefinição do papel do Ensino Religioso na escola. O breve panorama histórico do Ensino Religioso no Brasil, de 1500 a 1996 (data da publicação da LDB), mostra que o Ensino Religioso foi e continua sendo, frequentemente, confundido com a catequese. Esse é um dos obstáculos que impede a mudança de paradigma. Apresentamos, a seguir, algumas das principais características do conceito tradicional de Ensino Religioso. O Ensino Religioso no decorrer da história assume algumas características. O conjunto destas características constitui a identidade do conceito tradicional de Ensino Religioso. Destacaremos: a) finalidade; b) a quem se destina; c) aspectos de linguagem; d) algumas fontes; e) e pressupostos metodológicos. O Ensino Religioso como catequese tem a finalidade de promover a maturidade do educando na fé. Abre espaço para que o educasse se aproxime de Deus. Portanto, a finalidade é proporcionar uma formação cristã. Para quem é destinado esse Ensino Religioso? É destinado para crianças, jovens e adultos que devem educar a sua fé. Devem explicar sua religiosidade e o Ensino Religioso deve encontrar meios para isso. A linguagem do Ensino Religioso como catequese reflete a linguagem utilizada pela comunidade eclesial. A linguagem reflete também símbolos da fé, isto é, “a linguagem da comunidade eclesial reflete as razões de ser de um grupo religioso, mantido com características próprias, orientado pelas mesmas concepções religiosas.” (FIGUEIREDO, 1994, P.111). As principais fontes encontram-se nas Sagradas Escrituras. Assim, o Ensino Religioso utiliza, por exemplo, em suas aulas, orações e / ou textos bíblicos. A prática metodológica do Ensino Religioso é compartimentalizada, fragmentada, do corpo da Escola. Não é realizada de maneira interdisciplinar e nem é levado em consideração o contexto em que o aluno se encontra inserido. O conjunto das características apontadas forma a identidade do Ensino Religioso tradicional. Esta identidade foi construída, ao longo da história, sob o signo de violência e do fortalecimento do “status quo”. Foi formado sob o signo de violência por que não respeitou a adversidade cultural religiosa. Sempre impôs uma determinada religião ou credo. Portanto, o Ensino Religioso cometeu, frequentemente, violência simbólica contra o educando. Além disso, a identidade foi construída também sob signo do fortalecimento do “status quo”. O 11 Ensino Religioso foi utilizado como instrumento ideológico da igreja e do Estado. Sempre justificou o poder estabelecido. Assim, o conceito tradicional do Ensino Religioso teve sua identidade sob o signo de violência contra o educando e sob o signo do fortalecimento do “status quo”. As práticas pedagógicas do Ensino Religioso tradicional não apresentam, segundo Madalena Fernandes (2000), cinco atitudes básicas do educador de Ensino Religioso: 1) atitude de missão; 2) atitude de busca e de presença; 3) atitude de diálogo; 4) atitude de compreensão e 5) atitude de encontro. Toda comunidade em que o educador se encontra inserido atribui, a ele, a missão de formar educandos críticos e capazes de atuar de modo ativo na comunidade. Esta atitude de missão não faz parte das práticas pedagógicas do professor de Ensino Religioso tradicional, pois ele não leva em consideração o contexto em que ele e a escola estão inseridos. Os professores que orientam seu trabalho através do conceito tradicional de Ensino Religioso, não se abrem para o novo. Por isso, falta a eles a atitude de busca e depresença: “abrir-se ao novo, porém, não significa ministrar um Ensino Religioso superficial. Ao contrário, é dar-lhe um suporte antropológico de maior profundidade…” (FERNANDES, 2000, P.41). Outra atitude que falta ao professor de Ensino Religioso tradicional é a atitude do diálogo. Diálogo não apenas com os alunos, mas também com a realidade cultural e social que os circundam. O Ensino Religioso com proselitismo não abre para a diversidade cultural e religiosa do aluno. Falta diálogo nas práticas pedagógica do Ensino Religioso tradicional. A falta de presença e de diálogo desfavorece uma atitude de mútua compreensão. O professor não compreende as possibilidades, recursos e limitações dos alunos. Não compreende o contexto em que o jovem está inserido. Não existe nas práticas pedagógicas do Ensino Religioso encontro, mas desencontros com os educandos. Falta um esforço e um compromisso de conviver entre si. Esta distância entre o professor e o aluno se tornou um obstáculo para o verdadeiro encontro. O Ensino Religioso tem sido lecionado nas escolas sem utilidade de missão, de abertura ao novo, de diálogo, de compreensão e de encontro com o educando. Esse conceito tradicional de Ensino Religioso e suas práticas pedagógicas direcionam para um determinado paradigma didático. Veremos, em seguida, qual é o paradigma didático do Ensino Religioso tradicional. No livro “Paradigma didático para o Ensino Religioso”, Lizete Carmem Viesser, mostra que a prática pedagógica é resultado de uma determinada concepção teórica. Assim, o Ensino Religioso tradicional (concepção teórica) irá orientar a sua prática em sala de aula. Desse modo, veremos: (a) como que a ideia tradicional de Ensino Religioso determina a sua didática e (b) apresentaremos os quatro elementos determinantes, identificados por Viesser, na didática do Ensino Religioso tradicional. O Ensino Religioso Tradicional se preocupa com a evangelização do educando. Com isso, ele encontra-se “desvinculado da realidade, dos interesses e da vida de um aluno historicamente situado” (Viesser, 1994, P.16). Esta concepção teórica orientará a prática do Ensino Religioso para a formação de um aluno ideal. Assim, a ênfase recai na memorização. Viesser (1994) aponta em seu livro, para quatro elementos determinantes na didática do Ensino Religioso: O cultural; O pedagógico; O epistemológico O estrutural. O elemento cultural, segundo Viesser, é herança da Era Moderna. Trata-se de uma cultura fragmentada. A consequência disso é a supervalorização da Ciência como única forma 12 de conhecimento. Este determinante irá direcionar as práticas do Ensino Religioso Tradicional. Essa cultura fragmentada e mecanicista, que supervaloriza o científico e sustenta o antropocentrismo, negligência a vida em relação, o fracionamento das diversas ciências e influencia em todos os aspectos da vida. Isso tudo é evidenciado na escola pela compartimentalização estanque dos níveis e áreas de ensino, pela fragmentação do conhecimento, pela estrutura, pelas relações do poder. (Viesser, 1994, p.22). Outro determinante da didática do Ensino Religioso Tradicional é o aspecto pedagógico. Segundo Viesser, no contexto de uma pedagogia compartimentalizada, fragmentada, a didática do Ensino Religioso também se reduzirá a um aglomerado de técnicas para a sua prática. O epistemológico é outro determinante, apontado por Viesser, na didática do Ensino Religioso Tradicional, que se encontra fundamentado na ideia da Ciência Moderna, ou seja, de uma Ciência fragmentada. A escola com a finalidade de ensinar, pedagogicamente fragmentada ainda mais o conhecimento dito científico e o resultado do ensino fica reduzido a conclusões, soluções e conceitos fixos, onde o processo didático das inter-relações é desconhecido. (Viesser, 1994, p 26) O último determinante da prática do Ensino Religioso Tradicional é o aspecto estrutural. A prática do Ensino Religioso está presente em três instituições: Religião, Escola e o Estado. Muitas vezes, essas estruturas podem limitar a prática do Ensino Religioso. O Estado pode fazer, por exemplo, do Ensino Religioso um mero instrumento de dominação ideológica. Mas qual a consequência desse paradigma didático do Ensino Religioso Tradicional para a formação do educando? A consequência é uma formação parcial do educando, se volta apenas para a fé do aluno e esquece as outras dimensões do ser humano: estética, ética, política, etc. Portanto, o Ensino Religioso Tradicional não permite uma formação integral do educando. Por isso, é preciso mudar de paradigma. É preciso um novo conceito de Ensino Religioso. Passaremos, agora, para o segundo momento, onde apresentaremos um novo conceito de Ensino Religioso. O novo conceito apresenta diversas dimensões, um novo paradigma didático e um lugar na LDB / 96. 6. UM NOVO CONCEITO DE ENSINO RELIGIOSO: POR UMA FORMAÇÃO INTEGRAL DO EDUCANDO. Vimos, no primeiro momento, a necessidade de superarmos o paradigma do Ensino Religioso Tradicional. É preciso construir um novo conceito de Ensino Religioso que vise a formação integral do educando. Por isso, apresentaremos, nesta parte, os novos objetivos e características do Ensino Religioso. O que permitirá, consequentemente, construir uma identidade livre da violência e da manutenção do “status quo”. Por fim, indicaremos o novo papel do educador do Ensino Religioso. Em seu livro “Ensino Religioso: Perspectiva Pedagógica”, Anísia Figueiredo aponta para o novo papel do Ensino Religioso nas escolas. Atuar como instância articuladora dos meios que proporcionam às gerações do presente e do futuro as razões de ser e estar no mundo. 13 Fortalecer as predisposições naturais de cada ser humano em perceber a vida como um dom gratuito e o mundo como um todo, onde pensa, sente, decide e age como alguém chamado e a realizar ai um projeto existencial. (FIGUEIREDO, 1994, P. 114) Portanto, é objetivo do Ensino Religioso a formação integral do educando. A formação integral, passa pelas dimensões: da religiosidade, ética e política. Assim, podemos perceber novas características acerca de finalidade, a quem se destina, linguagem, fontes e pressupostos metodológico. A finalidade do novo Ensino Religioso não é mais evangelizar o educando, mas de educar a sua religiosidade. Cabe o Ensino Religioso criar condições para que o educasse supere seus limites, na ultrapassagem da realidade imanente para a realidade transcendental. Assim o novo Ensino Religioso se destina as crianças, jovens e adultos que integram a escola. A linguagem adequada não é mais a da comunidade eclesial, mas do ambiente escolar. O novo Ensino Religioso possui um vocabulário próprio que não se confunde com a catequese. A fonte é constituída de acordo com o novo conteúdo do Ensino Religioso, ou seja, o ser humano na sua totalidade, as dimensões do real (social, econômica, política, cultural, etc.) e o transcende. O novo Ensino Religioso não é entendido como uma prática metodologia desvinculada do projeto escolar. Ela é integrada a outras áreas do saber que visam um trabalho interdisciplinar. Esse é o novo pressuposto metodológico. A partir dos novos objetivos e características do Ensino Religioso podemos perceber a construção de uma nova identidade para o Ensino Religioso: agora sob o signo do dialogo e da abertura para o novo. Uma abertura para o saber e diversidade religiosa do educando e uma orientação para as mudanças sociais. Essa é a nova identidade do Ensino Religioso que caberá, aos educadores, lutar e assegurar esta conquista. Vimos que falta ao professor do Ensino Religioso tradicional cinco atitudes básicas, apontadas por Fernandes, atitude de missão, de abertura para o novo, de dialogo, de compreensão e de encontro. O educador do novo Ensino Religioso assume, em sua prática pedagógica, esses desafios. Assumea missão de ajudar os educandos da comunidade onde está inserido à ingressarem na sociedade e na cultura. Abre-se ao novo, e para as novidades que as novas gerações trazem. Entende a importância de se abrir para um dialogo fecundo e responsável com o educando. Abre-se também para um dialogo com a realidade social e cultural circundante da escola. Assim, o educador do Ensino Religioso poderá adotar uma atitude de compreensão das possibilidades e limites dos jovens. Assumindo estas atitudes, o educador estará indo de encontro, não apenas com o aluno, mas, com o sentido radical da vida. Passaremos, agora a apresentar algumas dimensões do Ensino Religioso que correspondem às dimensões do ser humano. 7. A DIMENSÃO RELIGIOSA DO ENSINO RELIGIOSO: UMA ABERTURA À RELIGIOSIDADE O objetivo do Ensino Religioso foi, durante muito tempo, a religião. Para Gruen (2004), existe equívoco conceitual entre religiosidade, religião e fé. Apresentaremos, agora, a distinção entre esses conceitos-chave. Para Max Scheler (apud GRUEN, 2004), a religiosidade é um elemento comum presente em todas as religiões. No entanto, segundo Paul Tillich (apud GRUEN, 2004), esse enfoque não leva em consideração as motivações das pessoas. Assim, para Gruen (2004), seguindo as intuições desses importantes teóricos, a religiosidade é uma abertura humana ao sentido radical da vida. 14 … chamamos religiosidade a disponibilidade dinâmica de pessoas ao sentido fundamental de sua existência, encarando como compromisso. (…) A religiosidade não é uma atitude entre muitas: ele é a raiz do conjunto das dimensões de vida da pessoa, na medida em que as integra, a religiosidade da coerência a um “projeto de vida” (Gruen, 2004, p 113) Com isso, a religiosidade possa a ser uma das dimensões fundamentais do novo Ensino Religioso. A institucionalização da experiência do sagrado ou da religiosidade constitui a religião. Ela é constituída dentro de um contexto social e histórico. Criam-se símbolos, rituais e cultos, para padronizar a religiosidade. Para Gruen, religiosidade e fé podem caminhar juntas. Segundo ele, a fé ilumina o novo sentido da base do ser humano, isto é, “religiosidade não é substituída pela fé: é por ela iluminada, explicitada”. “O grupo social que vive essa atitude constitui uma comunidade de fé”. (Gruen, 1995, p.76). Portanto, cabe ao Ensino Religioso educar para a religiosidade, isto é, criar condições reais para que o educasse possa se abrir ao sentido radical de sua existência. 8. A DIMENSÃO ÉTICA DO NOVO ENSINO RELIGIOSO: ENSINANDO VALORES. O livro “Ensino Religioso nas fronteiras da Ética”, Amauri C. Ferreira (2002) afirma que a educação moral é de suma importância para a formação do educando. Por isso, é necessário proporcionar uma formação ética a partir do aprendizado dos costumes, da diferença, da convivência e de quatro princípios (da justiça, da não violência, da solidariedade e da responsabilidade). Assim, o agir dos educandos passa a pressupor a ética. Os costumes, valores e normas são construídos historicamente. É desse modo que se constitui o ethos. Assim, “ethos, como costume, articula-se às escolhas que o sujeito faz ao longo da vida”. (Ferreira, 2002, P. 32). Entre as escolhas encontra-se a diferença. Pautar a sua ação pelo respeito à diferença é um costume importante para a formação dos educadores. Dessa maneira, eles estarão preparados para aprender dois dos mais importantes pilares da educação do século XX, apresentados pela UNESCO, o viver juntos e com os outros. Por fim, cabe ao educador de Ensino Religioso fornecer quatro princípios para que o educasse possa pautar sua ação: princípio da justiça, da não violência, da solidariedade e da responsabilidade. Ao se inspirar no ideal de ser justo, que consiste no respeito pelo outro que se iguala enquanto espécie, ao respeitar a não violência, as diferenças, ao ser solidário com o outro sem esperar dele reciprocidade e ser responsável não apenas com a alteridade, mas creem todo planeta, o educando estará agindo eticamente. 9. A DIMENSÃO POLÍTICA DO NOVO ENSINO RELIGIOSO: CONSTRUINDO À CIDADANIA Em seu livro “Ensino Religioso e formação do ser político”, Tarcizo G. Filho (1998) mostra que o homem é um animal político. A política é uma das suas inúmeras dimensões. Cabe, portanto, ao novo Ensino Religioso educar para a construção da cidadania. Educar para a cidadania é mostrar que a dimensão política do homem não se reduz ao voto ou a defesa dos próprios interesses. Educar para a cidadania é educar para a participação política ativa do educando na sua comunidade. Uma participação política voltada para as mudanças sociais. Assim, o Ensino Religioso cria condições para o educando se tornar um agente histórico capaz de transformação social. 15 … sem consciência política nada seria possível. Essa tarefa cabe à educação. Torna- se urgente educar para a cidadania, para ser possível vislumbrar o bem comum e o exercício da participação. Cabe à educação o descortinar horizontes, tendo em vista o bem comum, processo de longe duração, mas possível. ( FILHO, 1998, p. 106) O novo Ensino Religioso conduz o educando a conscientizar de sua dimensão política e a participação ativa na sua comunidade. O novo conceito de Ensino Religioso exige, segundo Lizete Viesser, um novo paradigma didático. Um paradigma didático que supera a fragmentação e a compartimentalização do ensino e que esteja em sintonia com o novo contexto cultural e social. Assim, a didática do novo Ensino Religioso exige: a) uma transformação cultural: nova cosmovisão; b) e uma transformação educacional: novo paradigma. Predomina, na cosmovisão moderna, uma concepção fragmentada da Educação e, com efeito, do Ensino Religioso. O ensino é entendido como compartimentalizado em disciplinas o que não realiza um trabalho interdisciplinar. Por isso, é preciso uma transformação cultural, ou seja, é preciso buscar uma nova cosmovisão: a holística. Segundo Viesser, nesta cosmovisão tudo se interliga, inter-relaciona e interdepende, pois é uma concepção sistêmica de vida. Assim, encontram-se nesse paradigma as possibilidades de soluções criativas para os problemas específicos que a atual era acumular. Desse modo, o Ensino Religioso deixa de entender o consumo como: … uma máquina composta de uma profusão de objetivos distintos e passa a ser assumido como um todo harmonioso e indivisível, numa rede de relações dinâmicas entre as partes e o todo e das partes entre si, onde está incluído o Ser Humano, vocacionando, portanto, passa comunhão. (Viesser,1994,p.36) Não basta apenas uma transformação cultural, é preciso também uma transformação educacional. O novo paradigma educacional, que é influenciado pelo cosmovisão holística, busca superar o ensino fragmentado. Com isso, a nova didática do Ensino Religioso propõe um trabalho interdisciplinar entre o Ensino Religioso e as demais disciplinas escolares. A nova concepção da didática do Ensino Religioso afasta ou desmitifica três regras: de competência, de eficácia e de segurança. A regra de competência esconde relações de poder. Ela determina como o professor deve saber, pensar e agir ao fornecer um “Kit religioso”. Um ideário que tende por finalidade a unidade de um local de uma rede de estabelecimento, de uma escola, acaba por silenciar o poder da didática, da prática de sala de sula e reforça a hegemonia de um grupo que constrói “um currículo”, autentico “Kit religioso”, como verdade já feita e determinada que se instale no senso comum. (Viesser, 1994, p. 54). Afasta também a regra da eficácia que, segundo Viesser, é marcada pela atitude iluminista, isto é, o transcendente é algo “de fora” que é trazida por aqueles que conhecem o Sagrado. E, por último, afaste a regra de segurança, que assegura um professor “provável” – que tema segurança do emprego, do conceito, dos objetivos e metodologia – e não um educador “possível” – que aceita o desafio e a contingência radical da experiência pedagógica para o Transcendente. Assim, a nova didática do Ensino Religioso será marcada, segundo Viesser, pela alegria. A alegria, que passa a ser o tom didático do Ensino Religioso, é entendida como uma satisfação no encontro, no dialogo, na compreensão e no amor ao educando. Alegria de um Ensino Religioso voltado para a formação integral do educando. 16 O novo Ensino Religioso, que traz consigo um novo paradigma didático, tem mostrado sua importância para a formação do educando e para a construção de uma escola humanista e crítica. Assim, resta encontrar, no último momento do artigo, o lugar do novo Ensino Religioso na LDB/96. 10. O LUGAR DO ENSINO RELIGIOSO NA LDB/96: DEFININDO SUA NATUREZA Apresentaremos, agora, o lugar que o Ensino Religioso ocupou na Constituição de 1988 e qual o lugar que ele passou a ocupar na Constituição de 1996 e, posteriormente, o substitutivo para o artigo 33 da LDB/97. Em 1988, houve uma enorme mobilização popular para garantir o Ensino Religioso obrigatório. Alegaram que é um direito do educando e um dever do Estado. Assim, a Constituição de 1988 assegurou o Ensino Religioso nas escolas. … passou a constar o artigo 210, parágrafo 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil. Nesta Constituição recebeu, então, seguinte redação: “O Ensino Religioso, de matricula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. (CARON, 1998, P. 15). O esforço de regulamentar o Ensino Religioso nas escolas, no período entre 1988 a 1996, se viu ameaçado, na LDB/96, com um acréscimo da expressão: “sem ônus para os cofres públicos”. A partir disso, iniciar um intenso debate sobre este dispositivo e, com efeito, sobre a natureza e prática do Ensino Religioso nas escolas. Após a LDB/96, o Ensino Religioso teve seu lugar ameaçado no ensino brasileiro. Tornou-se urgente alguma ação. No primeiro semestre de 1997, foram apresentados, na Câmara dos Deputados em Brasília, três projetos de lei sobre o Ensino Religioso que tinha o intuito de modificar a expressão “sem ônus para os cofres públicos”. O primeiro projeta de lei (nº 2.757/97), para alterar o artigo 33, foi do deputado Nelson Marchezan e consistia em retirar a expressão “sem ônus para os cofres públicos”. O segundo projeto (nº 2.997/97) do deputado Mauricio Requião pretendia uma alteração abrangente do que do deputado Marchezan. O terceiro projeto (nº 3.43/97) foi da própria iniciativa do Poder Executivo, que após consultarem vários setores da sociedade, acrescentou mais uma modalidade de Ensino Religioso: o ecumênico. O que somava com mais duas já existentes: confessional e interconfessional. Segundo Lourdes Caron (1998), os três projetos não receberam, na comissão de Educação da Câmara, emendas dentro dos prazos regimentais. Assim coube o relator, o deputado PE. Roque Zimerman, após muitos estudos e ouvir todos os setores interessados, elaborar um substitutivo de lei, nº 2.757, de Nelson Marchezan. Ele levou em conta as demais propostas dos outros dois projetos. Com isso, no mesmo ano, em julho de 1997, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sanciona a nova lei (nº 9.475) e publica-a no Diário Oficial com a seguinte redação: Artigo 33 – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina aos horários normais, das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Todo o debate em torno do Ensino Religioso serviu para tentar definir uma natureza para ele. Portanto, a natureza do Ensino Religioso, de acordo com o substitutivo do art. 33, é de um ensino sem proselitismo. Além disso, é um ensino que proporciona uma formação integral do educando e, sobretudo, que respeita a sua diversidade cultural religiosa. 17 O primeiro momento do artigo apresentou a história, as características e as práticas pedagógicas do conceito tradicional de Ensino Religioso. O Ensino Religioso tradicional, que ao longo da história se confundiu com catequese, conduz a um paradigma didático fragmentado. No segundo momento, mostramos a importância de superar esse paradigma a partir de um novo conceito de Ensino Religioso. O novo conceito propõe novas dimensões: religioso-antropológica, ética e política. Essa dimensão do novo conceito de Ensino Religioso visa a formação integral do educando e conduz, consequentemente, para um novo paradigma didático. E, por último, mostramos o lugar do Ensino Religioso na LDB. O novo conceito de Ensino Religioso tem provocado algumas questões. Uma delas é sobre a aplicação prática de um novo conceito de Ensino Religioso nas escolas brasileiras. Sabemos que o novo conceito encontra, na maioria das escolas, muita resistência. Entretanto, percebemos, em casos isolados, uma mudança de mentalidade. Assim, o Ensino Religioso cumpre a sua principal tarefa no ensino: a formação integral do educando. Esperamos que o presente artigo possa contribuir para a construção de novas práticas do Ensino Religioso, que auxilie para a formação integral do educando e que abra uma perspectiva sempre aberta para o novo. Sempre aberta para a expansão de novos e desconhecidos horizontes do saber! 11. PARADIGMAS CONTEMPORÂNEOS DE EDUCAÇÃO: escola tradicional e escola construtivista Tarefa não menos difícil é descrever e situar nossos atuais modelos de educação. A “invasão” do construtivismo em nossa sociedade é uma realidade da qual não podemos fugir. A escola tradicional — que sofreu inúmeras transformações ao longo de sua existência e que, paradoxalmente, continua resistindo ao tempo —, dia-a-dia, vem sendo questionada sobre sua adequação aos padrões de ensino exigidos pela atualidade, mas ao mesmo tempo é retentora da grande maioria das escolas do nosso país. Tudo o que rodeia a educação institucionalizada é fruto de nossa própria história de sociedade em suas mais variadas ramificações (política, econômica, etc.). As concepções sobre a educação também fazem parte dos caminhos tomados pela humanidade em sua incansável procura de cultura e conhecimento. Descreveremos a seguir os aspectos principais das duas teorias que iremos abordar: a educação tradicional e a educação construtivista. Apresentaremos os suportes dessas escolas a partir de seus aspectos filosóficos, epistemológicos, teóricos e metodológicos. 12. A ESCOLA TRADICIONAL As teorias da educação que nortearam a escola tradicional confundem-se com as próprias raízes da escola tal como a concebemos como instituição de ensino. Não é falso afirmar que o paradigma de ensino tradicional foi um dos principais a influenciar a prática educacional formal, bem como o que serviu de referencial para os modelos que o sucederam através do tempo. Interessante é perceber que a escola tradicional continua em evidência até hoje. Paradoxo? É possível, mas é necessário reconhecer que o caráter “tradicional atual” da escola passou por muitas modificações ao longo de sua história. É necessário situar no tempo a escola tradicional que interessa a esta discussão. Ela surgiu a partir do advento dos sistemas nacionais de ensino, que datam do século passado, mas que só atingiram maior força e abrangência nas últimas décadas do século XX. Com o início de uma política estritamente educacional foi possível a implantação de redes públicas de ensino na Europa e América do Norte (Patto, 1990). A organização desses sistemas de ensino inspirou-se na emergente sociedade burguesa, a qual apregoava a educação como um 18 direito de todos e dever do Estado. Assim, a educação escolar teria a funçãode auxiliar a construção e consolidação de uma sociedade democrática: O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder: a burguesia... Para superar a situação de opressão, própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado “livremente” entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância... A escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter súditos em cidadãos. (Saviani, 1991. p. 18). A organização dessa escola do século passado seguia os passos determinados por essa teoria pedagógica que permanece atual em seus pontos principais: Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor razoável mente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas em forma de classes, cada uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente. (Saviani, 1991. p.18). A história da educação mostrou que tudo não passou de um sonho embora não saibamos quem realmente o sonhou. A universalização da educação é uma realidade na maioria dos países ocidentais; porém, no dizer de Gadotti (1995), uns receberam mais educação do que outros. A igualdade entre os homens permanece um sonho ainda muito distante do nosso planeta. Apesar de tudo a escola como instituição destinada a “todos” surgiu nessa época e faz parte do nosso cotidiano e das obrigações da família e do Estado para com suas crianças e adolescentes. Não é propósito de esse estudo analisar as diversas tendências que se opuseram à Escola Tradicional em nosso país, tais como a Escola Nova e o Tecnicismo. Essas e outras teorias educacionais tiveram seus momentos históricos devidamente discutidos pelos pesquisadores e levamos em conta que podem ter trazido certas modificações à estrutura original da escola tradicional. Mas o que interessa analisar sobre a escola tradicional é que ela continua existindo de modo semelhante ao que foi no seu início. Isso nos intriga e nos desafia. Afinal, não somos nós mesmos produtos dessa escola tão criticada? A aprendizagem escolar nessa escola tão tradicional dependeu dos bons professores ou de nossos interesses pessoais? Não temos as respostas para essa última questão, mas procuraremos mostrar agora os pilares da escola tradicional a fim de entendermos sua trajetória. 13. ASPECTOS FILOSÓFICOS DA ESCOLA TRADICIONAL O ensino tradicional fundamentou-se na filosofia da essência, de Rousseau, passando à pedagogia da essência (Saviani, 1991). Tal pedagogia acredita na igualdade essencial entre os homens: a de serem livres, e essa igualdade vão servir de base para estruturar a pedagogia da essência respaldando o surgimento dos sistemas nacionais de ensino, que, por sua vez, foram fundamentais para proporcionar a escolarização para todos: Esse ensino tradicional que ainda predomina hoje nas escolas se constituiu após a revolução industrial e se implantou nos chamados sistemas nacionais de ensino, configurando amplas redes oficiais, criadas a partir de meados do século passado, no momento em que, consolidado o poder burguês, aciona-se a escola redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória como um instrumento de consolidação da ordem democrática. (Saviani, 1991. p.54). Em História das ideias pedagógicas (1995), Moacir Gadotti nos remete à época de constituição da escola como instituição de ensino, bem como à inspiração filosófica em que foi baseada: 19 Nunca se havia discutido tanto a formação do cidadão como durante os seis anos de vida da Revolução Francesa. A escola pública é filha dessa revolução burguesa. Os grandes teóricos iluministas pregavam uma educação cívica e patriótica inspirada nos princípios da democracia, uma educação laica, gratuitamente oferecida pelo Estado para todos. Tem início com ela a ideia da unificação do ensino público em todos os graus. Mas ainda era elitista: só os mais capazes podiam prosseguir até a universidade. (Gadotti, 1995. p.88). Sobre o surgimento dos sistemas nacionais de ensino, Gadotti (1995) segue um pensamento semelhante ao de Saviani (1991): O iluminismo educacional representou o fundamento da pedagogia burguesa, que até hoje insiste, predominantemente na transmissão de conteúdos e na formação social individualista. A burguesia percebeu a necessidade de oferecer instrução, mínima, para a massa trabalhadora. Por isso, a educação se dirigiu para a formação do cidadão disciplinado. O surgimento dos sistemas nacionais de educação, no século XIX, é o resultado e a expressão que a burguesia, como classe ascendente, emprestou à educação. (Gadotti, 1995. p.90). A universalização da escola, em grande parte do Ocidente, é uma conquista que não podemos deixar de reconhecer. Não podemos dizer o mesmo, porém, dessa igualdade que ela representaria entre os homens que foi embasamento para a escola tradicional. Não sabemos por quanto tempo ainda haverá uma educação para os pobres e outra para os ricos, mas já temos certeza de que a escola, por si só, não é redentora da humanidade. Acreditamos que vamos entrar no terceiro milênio com uma escola tradicional nada revolucionária se comparada às suas origens. 14. ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA ESCOLA TRADICIONAL A abordagem tradicional do ensino parte do pressuposto de que a inteligência é uma faculdade que torna o homem capaz de armazenar informações, das mais simples às mais complexas. Nessa perspectiva é preciso decompor a realidade a ser estudada com o objetivo de simplificar o patrimônio de conhecimento a ser transmitido ao aluno que, por sua vez, deve armazenar tão somente os resultados do processo. Desse modo, na escola tradicional o conhecimento humano possui um caráter cumulativo, que deve ser adquirido pelo indivíduo pela transmissão dos conhecimentos a ser realizada na instituição escolar (Mizukami, 1986). O papel do indivíduo no processo de aprendizagem é basicamente de passividade, como se pode ver: ...atribui-se ao sujeito um papel irrelevante na elaboração e aquisição do conhecimento. Ao indivíduo que está “adquirindo” conhecimento compete memorizar definições, enunciados de leis, sínteses e resumos que lhe são oferecidos no processo de educação formal a partir de um esquema atomístico. (Mizukami, 1986. p.11). Ao abordarmos os aspectos epistemológicos da escola construtivista discutiremos as três diferentes estratégias utilizadas pelas ciências humanas, na modernidade, para resolver o problema do conhecimento humano: o essencialismo, o fenomenismo e o historicismo. Acreditamos que a escola tradicional ora se utilizou do inatismo – que tem origem no essencialismo do século XVII – e ora do ambientalismo – originado do fenomenismo do século XVIII – para seu suporte epistemológico, não importando, inclusive, o fato de serem contraditórios. Grosso modo, ou o aluno aprendia os conteúdos escolares porque era portador de uma inteligência inata, ou sua aprendizagem estava diretamente relacionada à quantidade ou qualidade da experiência escolar em determinado conteúdo. Consequentemente, como o 20 historicismo veio superar essas duas primeiras estratégias, foi a partir dessa epistemologia historicista que se originou o construtivismo. 15. ASPECTOS TEÓRICOS DA ESCOLA TRADICIONAL De acordo com Mizukami (1986), a abordagem tradicional do processo de ensino- aprendizagem não se fundamenta em teorias empiricamente validadas, mas sim numa prática educativa e na sua transmissão através dos anos. Dessa forma, os pressupostos teóricos da escola tradicional partiram de concepções e práticas educacionais que prosseguiram no tempo sob as mais diferentes formas. As críticas à escola tradicional marcaram o início do surgimento das novas abordagensde ensino que tiveram de partir da própria abordagem tradicional como referencial teórico e prático de ensino. Saviani (1991) mostra, porém, o caráter científico do ensino tradicional em suas origens e que se estruturou através de um método pedagógico, que é o método expositivo, que todos conhecem, todos passaram por ele, e muitos estão passando ainda, cuja matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart. Esses passos, que são o passo da preparação, o da apresentação, da comparação e assimilação, da generalização e da aplicação, correspondem ao método científico indutivo, tal como fora formulado por Bacon, método que podemos esquematizar em três momentos fundamentais: a observação, a generalização e a confirmação. Trata-se, portanto, daquele mesmo método formulado no interior do movimento filosófico do empirismo, que foi a base do desenvolvimento da ciência moderna. (Saviani, 1991. p.55). O ensino tradicional pretende transmitir os conhecimentos, isto é, os conteúdos a serem ensinados por esse paradigma seriam previamente compendiados, sistematizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade. Dessa forma, é o professor que domina os conteúdos logicamente organizados e estruturados para serem transmitidos aos alunos. A ênfase do ensino tradicional, portanto, está na transmissão dos conhecimentos (Saviani, 1991). Em trabalho que analisa as tendências pedagógicas na prática escolar, José Carlos Libâneo. (1992. p.23-4) mostra detalhadamente as características da escola tradicional que transcrevemos no quadro a seguir: CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA TRADICIONAL Papel da Escola Conteúdos de Ensino Método Relacionamento professor-aluno Pressupostos de Aprendizagem Manifestações na prática escola A atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos Alunos para assumir sua Posição na sociedade; O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade; o caminho São os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades; As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela s sociedade e ordenadas na legislação; Os conteúdos são Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demonstração; tanto a exposição quanto a análise da matéria são feitas pelo professor; os passos a serem observados são os seguintes: Preparação Predomina a Autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula; O professor transmite conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; A disciplina A capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida; os programas devem ser dados numa progressão lógica, sem levar em conta as características próprias de cada idade; A aprendizagem é receptiva e mecânica utilizando-se muitas vezes coação; a retenção do material ensinado é Essa pedagogia, chamada pelo autor de Pedagogia Liberal Tradicional, é viva atuante em nossas escolas; na descrição apresentada aqui se incluem as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação clássico-humanista ou uma orientação humano-científica, sendo que esta 21 cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos desde que se esforcem. separados da experiência do aluno e das realidades sociais; É criticada por ser intelectualista ou ainda enciclopédica Apresentação Associação Generalização ∗ aplicação a ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas e na memorização visa disciplinar a mente e formar hábito imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria; A transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às respostas dadas em situações anteriores; a avaliação se dá por verificações de curto e longo prazo: arguição, tarefa de casa, provas escritas, trabalhos de casa se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa história educacional. 16. A ESCOLA CONSTRUTIVISTA Poderíamos começar perguntando: em que se baseia uma prática docente construtivista? Este questionamento se faz necessário para esclarecer um primeiro ponto antes de adentrarmos na teoria construtivista. Construtivismo não é um método. Construtivismo não é uma técnica. Veremos que esse novo paradigma de ensino na verdade não é exatamente uma metodologia e sim uma postura em relação à aquisição do conhecimento: Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento. (Becker, 1993. p.88). 17. ASPECTOS FILOSÓFICOS DO CONSTRUTIVISMO O construtivismo fundamenta-se no iluminismo. Por sua vez, a filosofia iluminista preceitua que o homem é um ser dotado de razão. Segundo Freitag (1993), a novidade introduzida é que a faculdade de fazer uso da razão não é transmitida geneticamente, mas uma potencialidade que precisa se desenvolver no decurso da vida. Para a autora, de acordo com Piaget e Kolberg, o ser humano tem, sim, uma predisposição para pensar e julgar com bases racionais, isto é, uma predisponibilidade para o racional, que, no entanto, não é uma herança genética. A construção do conhecimento humano pelo uso da razão tem o objetivo de alcançar os patamares mais elevados do pensamento lógico, do julgamento e da argumentação, sempre no sentido de haver reciprocidade na transmissão e na compreensão das ideias ditas pelo outro: O pressuposto filosófico do Construtivismo é, de fato, um pressuposto iluminista. Sem a razão, teríamos a desrazão, teríamos a loucura, teríamos a impossibilidade de pensar o mundo, de ordenar, de construir uma visão, uma concepção sobre o mundo, da natureza e o mundo social, ou seja, a sociedade. Portanto, existe implícito no Construtivismo um postulado que eu chamaria de universalismo cognitivo. Potencialmente, o homem é um ser dotado de 22 razão. Ou seja, ele tem um potencial cognitivo de pensar o mundo, de reconstruir no pensamento, nos conceitos, o mundo da natureza e de ordenar o mundo (inclusive o mundo social), com o auxílio de critérios racionais. (Freitag, 1993. p.28). Aqui vale relembrar que os sistemas nacionais de ensino criados no século passado e que são o berço da escola tradicional desfrutaram da mesma inspiração filosófica que a escola construtivista. Os passos da prática pedagógica seguidos pela escola tradicional e pela escola construtivista são, no entanto, muito diferentes de acordo com os aspectos pedagógicos e metodológicos de cada escola discutidos neste estudo. 18. ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DO CONSTRUTIVISMO Epistemologia é uma ciência que tem como objeto o estudo do conhecimento ou a compreensão de como chegamos a conhecer. O conhecimento humano é tema que vem sendo estudado ao longo de toda a história da humanidade. Várias tentativas têm sido feitas de formulação de uma teoria, capaz de chegar a uma conclusão ou, ao menos, a uma aproximação sobre essa capacidade unicamente humana de reter, criar e elaborar conhecimento.Ao analisar o problema da fundamentação teórica das ciências humanas, Domingues(1991) descreve as três diferentes estratégias da Episteme moderna: 1. Essencialista – Século XVII – voltada para o modus essendidas coisas, seu elemento próprio é o ser (essência) e as qualidades do ser (acidentes, atributos, modos etc.); toma a verdade como essência a desvelar; 2. Fenomenista – Século XVIII – voltada para o modus operandi dos fenômenos como notas da observação e da experiência, isto é, não como essências a desvelar, mas fatos a descrever; seu elemento próprio é o fenômeno e as correlações dos fenômenos; 3. Historicista – Século XIX – voltada para o modus faciendi das coisas, seu elemento próprio é o devir e as correlações do devir. Domingues (1991) indica como a estratégia historicista superou as duas anteriores que vigoraram nos séculos XVII e XVIII: Ao fim e ao cabo do conflito dessas duas estratégias contraditórias, que ocupou demasiadamente os espíritos dos dois séculos, emerge uma terceira estratégia discursiva, nem essencialista nem fenomeniza, mas histórica, que vai alterar profundamente o programa de fundamentação do conhecimento e dar-lhe uma configuração absolutamente nova: 1) a realidade histórica está composta numa superfície que comporta dois planos ou níveis: em cima, a zona ruidosa dos acontecimentos, à que corresponde o mundo dos fenômenos da estratégia fenomeniza; embaixo, a região instável do devir ou do ser-advento, algo parecida com o universo das essências da via essencialista; 2) para compreendermos o que se passa em cima é preciso saber o que se passa embaixo, e reconduzir os acontecimentos ao ser-advento ou ao devir. (Domingues, 1991. p.50). Para os empiristas, inspirados pela estratégia fenomeniza, o conhecimento tem origem e evolui a partir da experiência acumulada pelo indivíduo. É o chamado determinismo ambiental: o homem é produto do ambiente. Por sua vez, para os inatistas, influenciados pela estratégia essencialista, o conhecimento é pré-formado; já nascemos com as estruturas do conhecimento, que se atualizam à medida que nos desenvolvemos. Finalmente, o construtivismo, que se baseou na estratégia historicista, veio superar essas duas visões ao afirmar que o conhecimento resulta da interação do indivíduo com o ambiente: 23 As estruturas do pensamento, do julgamento e da argumentação dos sujeitos não são impostas às crianças, de fora, como acontece no behaviorismo... Também não são consideradas inatas como se fosse uma dádiva da natureza. A concepção defendida por Piaget e pelos pós piagetianos é que essas estruturas são o resultado de uma construção realizada por parte da criança em longas etapas de reflexão, de remanejamento. Poderíamos dizer que essas estruturas resultam da ação da criança sobre o mundo e da interação da criança com seus pares e interlocutores. (Freitag, 1993. p.27). A mesma autora considera que os pressupostos epistemológicos do construtivismo se fundamentam na ideia de que o pensamento não tem fronteiras: ele se constrói, se destrói, se reconstrói. Um dos pontos principais da visão construtivista de ensino é que a aprendizagem é uma construção da própria criança, em que ela é o centro no processo, e não o professor. 19. ASPECTOS TEÓRICOS DO CONSTRUTIVISMO Vários estudiosos deste século podem ser classificados como teóricos do construtivismo. Entre eles, os principais são: Jean Piaget (considerado o precursor, ao mesmo tempo em que sua obra extensa continua baseando as pesquisas mais atuais sobre aquisição do conhecimento), Henri Wallon, L.S. Vygotsky, A. N. Leontiev, A. R. Luria e Emília Ferreiro. Esses dois últimos pesquisadores foram a fundo no estudo sobre a aquisição da escrita pela criança, sendo suas obras consideradas referenciais teóricos. Dos autores citados Piaget é, sem dúvida, o mais importante teórico do construtivismo. Sua obra científica é tão vasta que após mais de quinze anos de sua morte a leitura de inúmeros de seus livros ainda é privilégio para estudantes completamente apaixonados por este gênio do conhecimento humano. Os dois pressupostos básicos de sua obra são o Interacionismo e o Construtivismo Sequencial. Para o biólogo suíço o desenvolvimento resulta de combinações entre aquilo que o organismo traz e as circunstâncias oferecidas pelo meio. O eixo central de sua teoria sobre o desenvolvimento mental é justamente a interação entre o organismo e o meio ambiente em que está inserido: Cinquenta anos de experiências ensinaram-nos que não existem conhecimentos resultantes de um simples registro de observações, sem uma estruturação devida às atividades do indivíduo. Mas tampouco existem (no homem) estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o funcionamento da inteligência é hereditário, e só gera estruturas mediante uma organização de ações sucessivas, exercidas sobre objetos. Daí resulta que uma epistemologia em conformidade com os dados da psicogênese não poderia ser empírica nem pré-formaste, mas não pode deixar de ser um construtivismo, com a elaboração contínua de operações e de novas estruturas. (Piaget apud Macedo, 1990. p.14). O interacionemos piagetiano pretende superar as concepções inatistas e comporta- metalistas sobre como o homem adquire conhecimentos e condutas. Como vimos na discussão dos aspectos epistemológicos, essas duas posturas são contrárias à concepção construtivista de aquisição do conhecimento e, ao mesmo tempo, é fundida para dar lugar a essa nova concepção chamada interação. Para Piaget essa interação se dá por dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio. A adaptação ao meio é definida por Piaget como a própria função do desenvolvimento da inteligência. Ocorre por meio de dois processos complementares – assimilação e acomodação: 24 ...a adaptação intelectual, como qualquer outra, é um estabelecimento de equilíbrio progressivo entre um mecanismo assimilador e uma acomodação complementar... em todos os casos, sem exceção, a adaptação só se considera realizada quando atinge um sistema estável, isto é, quando existe equilíbrio entre a acomodação e a assimilação. (Piaget, 1975. p.18). É sempre bom lembrar que o significado desses dois termos utilizados por Piaget não se refere ao senso comum. Cotidianamente, assimilar refere-se a aprender, apreender ou fixar ideias ou ensinamentos; acomodar significa conformar-se ou adequar-se a uma situação. Em “O Nascimento da Inteligência na Criança”, Piaget esclarece o sentido que dá a esses dois termos. Vejamos primeiro a assimilação: Com efeito, a inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência. Quer se trate do pensamento que, graças ao juízo faz ingressar o novo no conhecido e reduz assim o universo às suas noções próprias, quer se trate da inteligência sensório-motora que estrutura igualmente as coisas percebidas, integrando-as nos seus esquemas, a adaptação intelectual comporta, em qualquer dos casos, um elemento de assimilação, isto é, de estruturação por incorporação da realidade exterior a formas devidas à atividade do sujeito. (Piaget, 1975. p.17) Em relação à acomodação, Piaget define: A vida mental também é acomodação ao meio ambiente. A assimilação nunca pode ser pura, visto que, ao incorporar novos elementos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica incessantemente os últimos para ajustá-los aos novos dados. Mas, inversamente, as coisas nunca são conhecidas em si mesmas, porquanto esse trabalho de acomodação só é possível em função do processo inverso de assimilação. (Piaget, 1975. p.18). Os esquemas de assimilação vão se modificando, progressivamente, configurando os estágios de desenvolvimento, os quais, na teoria piagetiana, representam os suportes para o construtivismo sequencial. A ideia central do construtivismo sequencial é
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