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Epistemologia e Didática Vila Velha (ES) 2018 Escola Superior Aberta do Brasil Diretor Geral Nildo Ferreira Coordenador do Curso de Administração EAD Almir da Cruz Sousa Coordenador do Curso de Administração Pública EAD Almir da Cruz Sousa Coordenador do Curso de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos EAD Almir da Cruz Sousa Coordenador do Curso de Pedagogia EAD Maria da Ressurreição da Silva Coqueiro - Marizinha Coordenador do Curso de Sistemas de Informação EAD Jadson do Prado Rasalfalski Coordenador do Curso de Ciências Contábeis EAD Fabrício Conceição das Neves Secretário Acadêmico Aleçandro Moreth Produção do Material Didático-Pedagógico Escola Superior Aberta do Brasil Design Gráfico Rayron Rickson Cutis Tavares Felipe Silva Lopes Caliman Diagramação Rayron Rickson Cutis Tavares Felipe Silva Lopes Caliman Equipe Acadêmica da ESAB Coordenadores dos Cursos Docentes dos Cursos Copyright © Todos os direitos desta obra são da Escola Superior Aberta do Brasil. www.esab.edu.br Apresentação Caro estudante, Seja bem vindo à ESAB. A Escola Superior Aberta do Brasil, funda-se no princípio básico de atuar com educação a distância, utilizando como meio, tão somente, a internet. Em 2004,foi especialmente credenciada para ofertar cursos de pós-graduação a distância, via e-learning, utilizando-se de software próprio denominado Campus Online. Em 2009 foi credenciada com Instituição de Ensino Superior – IES, através da portaria MEC nº 1242/2009, de 30 de dezembro de 2009, ocasião em que também foi autorizada a ofertar o curso de pedagogia – licenciatura, na modalidade presencial, conforme portaria MEC nº 14/2010, de 9 de janeiro de 2010. Em outubro de 2012 recebeu o Prêmio Top Educação 2012, da Editora Segmento, sendo reconhecida como a Melhor Instituição de Ensino EAD para Docentes. Em 2013 é aprovada para a oferta dos cursos de: Administração (Bacharelado); Pedagogia (Licenciatura) e Sistemas de Informação (Bacharelado), todos na modalidade EAD, com avaliação máxima das comissões avaliadoras. Inicialmente, queremos convidá-lo a um passeio pelo túnel do tempo, para conhecer as origens da Didática e seus primórdios na educação brasileira. A seguir, vamos apresentar as tendências pedagógicas liberais e progressistas, as novas teorias de aprendizagem, buscando identificar em cada uma delas aspectos como o papel da escola, os conteúdos e métodos de ensino, os pressupostos de aprendizagem e como se dá a relação entre professor e aluno no processo de ensino e aprendizagem. Você conhecerá também as transformações ocorridas nas teorias que formam a base da educação em uma perspectiva contemporânea. Estudará também acerca da influência das tecnologias de informação e comunicação sobre a Didática; influência que, entre outras coisas, passou a exigir um novo perfil docente, além de diferentes competências docentes e novas formas de ensinar e aprender. Este estudo está predominantemente fundamentado em Candau (1999), Castro (2005), Cordeiro (2007), Demo (2011), Jolibert et al. (2007), Sacristán (2007) e Veiga (2003). Bom estudo! Objetivo O nosso objetivo é apresentar a história da Didática e das tendências pedagógicas, percorrendo os principais componentes do processo de ensino e aprendizagem, buscando (re)significar e aprimorar a ação docente numa perspectiva contemporânea. Habilidades e competências • Reconhecer as diferentes teorias de aprendizagem e tendências pedagógicas presentes na história da educação brasileira. • Compreender as alternativas didático-pedagógicas apresentadas, de forma articulada, com uma perspectiva contemporânea de educação. • Propor de forma planejada alternativas didático-pedagógicas para uma prática pedagógica reflexiva e interdisciplinar. • Identificar tendências e teorias de ensino e aprendizagem da pedagogia moderna na sociedade do conhecimento. Ementa Perspectiva histórica, fundamentos teóricos e contribuições da Didática para a formação de professores. O professor e sua epistemologia. Reflexões sobre as tendências pedagógicas atuais. Diferentes abordagens didáticas no processo de ensino-aprendizagem. As relações interativas na sala de aula. Intervenção na sala de aula e análise da prática. Planejamento e avaliação da ação docente. O professor e o trabalho coletivo. Sumário 1. Uma retrospectiva histórica da Didática: de Comenius a Rousseau ..................................7 2. A Didática nos primórdios da educação brasileira .........................................................13 3. O que são tendências pedagógicas? ..............................................................................17 4. Tendências pedagógicas liberais ...................................................................................22 5. Tendências liberais: Escola Nova ....................................................................................28 6. Tendências liberais: Pedagogia Tecnicista ......................................................................33 7. Tendências pedagógicas progressistas: as teorias crítico-reprodutivistas ......................39 8. Tendências pedagógicas progressistas: Pedagogia Libertadora ....................................43 9. Tendências pedagógicas progressistas: Pedagogia Libertária........................................48 10. Tendências progressistas: pedagogia crítico-social dos conteúdos ................................52 11. Teorias de aprendizagem: construtivismo piagetiano - parte I ......................................55 12. Teorias de aprendizagem: Construtivismo piagetiano – parte II ...................................60 13. Teorias da aprendizagem: sociointeracionismo vygotskiano – parte I ...........................65 14. Teorias da aprendizagem: sociointeracionismo vygotskiano – parte II..........................70 15. Didática e o processo de ensino-aprendizagem ............................................................74 16. Didática e a prática pedagógica ....................................................................................80 17. Didática na formação do professor: reflexões críticas ....................................................85 18. Formação de professores ...............................................................................................90 19. O professor e a sua epistemologia: construções.............................................................96 20. O professor e a sua epistemologia: reflexão ................................................................105 21. O professor e a sua epistemologia: qualidade profissional ..........................................110 22. Tendências pedagógicas da atualidade: origens .........................................................116 23. Tendências pedagógicas da atualidade: sociedade .....................................................122 24. Tendências pedagógicas da atualidade: tecnologias de informação e comunicação ...131 25. Pressupostos teóricos ..................................................................................................139 26. Pressupostos teóricos: a reconstrução do objeto .........................................................145 27. Diferentes abordagens didáticas no processo de ensino e aprendizagem ....................151 28. Diferentes abordagens didáticas no processo de ensino-aprendizagem: o ato de ensinar ..........................................................................................................159 29. Diferentes abordagens didáticas no processo de ensino-aprendizagem: escola, sociedade e cultura ..........................................................................................163 30. Diferentes abordagens didáticas no processo de ensino e aprendizagem: novas possibilidades ...................................................................................................169 31. As relações interativas em sala de aula .......................................................................17532. As relações interativas em sala de aula: desafios atuais ..............................................184 33. As relações interativas em sala de aula: o intelectual-social-cultural ..........................190 34. Intervenção em sala de aula: construção do conhecimento ........................................197 35. Intervenção em sala de aula: recursos didáticos ..........................................................202 36. Intervenção em sala de aula: a disciplina ....................................................................208 37. Intervenção em sala de aula: a prática da pesquisa docente .......................................216 38. Planejamento e avaliação da ação docente: saber fazer ..............................................222 39. Planejamento e avaliação: escola e sociedade ............................................................228 40. Planejamento e avaliação: soluções de problemas ......................................................233 41. Planejamento e avaliação: projetos .............................................................................239 42. Planejamento e avaliação: qualidade do processo de ensino-aprendizagem ..............244 43. Planejamento e avaliação: currículo e atividades ........................................................251 44. Planejamento e avaliação: o professor e o fracasso escolar .........................................259 45. O professor e o trabalho coletivo: contrato pedagógico ...............................................264 46. O professor e o trabalho coletivo: planejamento e avaliação .......................................269 47. O professor e o trabalho coletivo: desenvolvimento de grupos ....................................274 48. O professor e o trabalho coletivo: formação cultural ...................................................279 Glossário ............................................................................................................................285 Referências ........................................................................................................................307 www.esab.edu.br 7 1 Uma retrospectiva histórica da Didática: de Comenius a Rousseau Objetivo Conhecer as origens da Didática. Vamos iniciar o nosso estudo na disciplina Epistemologia e Didática começando pelos aspectos históricos do pensamento didático. Nesta unidade, abordaremos as origens, os primeiros autores e pontos importantes pertinentes à evolução da Didática. Pronto para começar? Vamos lá! Em 1628, Comenius – professor e pastor religioso – refugia-se na Polônia, em consequência de con� itos políticos e religiosos importantes da época. Aí se envolve tanto na defesa do seu povo e da liberdade religiosa, quanto em projetos cientí� cos e educacionais. Ligado à educação, empenhou-se na reforma do conhecimento humano, dos métodos de ensino e para haver mudanças no sistema escolar. Todas essas ações, com base na sua obra “ Didática Magna”, marcam o início da sistematização da pedagogia e da Didática no Ocidente. Figura 1 – “O aprender brincando” – de Comenius, o pai da Didática. Fonte: <www.revistaescola.abril.com.br>. www.esab.edu.br 8 Vamos pensar sobre a razão pela qual Comenius intitula como “Didática Magna” sua principal obra? Conforme Cordeiro (2010), nela o pensador proclama a possibilidade e a necessidade de “ensinar tudo a todos”, mediante a adoção de um método único e universal que abreviaria o trabalho do professor e tornaria mais acessíveis os conhecimentos para os alunos. Então, observe que Comenius acreditava e defendia uma educação universal, inclusive que chegasse também às mulheres, movimento no qual foi pioneiro. O professor, investido da missão de tornar o homem diferente, representa o agente da “arte de ensinar” – denominada por Comenius de Didática, opondo-se ao pensamento pedagógico predominante na época. Podemos conhecer e compreender mais o pensamento de Comenius quando ele explica o título de sua obra: A proa e a popa da nossa Didática será investigar e descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais sólido progresso [...] (COMENIUS apud VEIGA, 2003, p.18) Nesse sentido, podemos pensar que a “Didática Magna” era considerada a grande referência sobre o ensino naquela época, em que Comenius, conforme Cordeiro (2010), apresentava uma Didática centrada na razão, isto é, defendia a racionalização de todas as ações educativas, da teoria didática às questões do cotidiano da sala de aula. A escola não mais prioriza como função especí� ca desenvolver o homem por meio do intelecto, suas potencialidades; passa a enfatizar, no processo de ensinar, o desenvolvimento da individualidade humana. Essa transformação mudou a prática diária da escola – a relação professor-aluno, os recursos e procedimentos aplicados ao conhecimento ensinado – gerando a produção de conhecimentos pedagógicos voltados para a “arte de ensinar”. www.esab.edu.br 9 Para sua re� exão Agora o convidamos, caro estudante, a refl etir sobre a Didática de Comenius. Para isso, leia a edição especial “Comênio: a arte de ensinar e aprender” de Francisco Marques. Disponível aqui. As respostas a essas refl exões formam parte de sua aprendizagem e são individuais, não precisando ser comunicadas ou enviadas aos tutores. Saiba que Comenius passou a ser considerado o pai da Didática Moderna. Isso se deve à importância que teve a sua obra, por reconhecer o direito de acesso ao saber de todos os seres humanos. Então, com base nessas ideias, você saberia descrever quais as principais contribuições de Comenius para o momento atual da educação? É importante que você tenha em mente dois eixos pontuais: • trazer a realidade social para a sala de aula, fazendo uso dos meios tecnológicos mais avançados como recursos pedagógicos; • propor uma prática pedagógica inclusiva: “o direito de aprender é de todos”. Além de Comenius, convidamos você a conhecer outros pensadores que contribuíram para o desenvolvimento da Didática. Vamos estudar quem foi Johann Friedrich Herbart (1776-1841). Como precursor da psicologia experimental, desenvolveu nas suas investigações e especulações aspectos sobre o funcionamento da mente humana. A partir desses estudos, trouxe para a pedagogia o caráter de objetividade de análise, o rigor e a sistematização dos métodos de ensino. Ou seja, propôs uma pedagogia que fosse considerada como uma verdadeira ciência da educação. De acordo com Herbart, a ação pedagógica deveria se orientar por três procedimentos: o governo, a instrução e a disciplina. www.esab.edu.br 10 E como isso pode ser compreendido? Cordeiro (2010) explica que na educação trata-se, primeiramente, de controlar a criança para submetê-la às regras do mundo adulto – o governo. Esse procedimento possibilita começar a instrução, que deve estar focada no estímulo e no trabalho sobre os interesses. Com base no controle (governo) e na instrução, o aluno adquire a disciplina, que lhe dá condições para orientar e autocontrolar a própria vontade, formando o seu caráter e a sua capacidade de juízo moral. O método didático de Herbart constitui-se por intermédio da estruturação lógica dos conteúdos escolares que possam ser desenvolvidos ao tempo da duração da aula. Nesse desenvolvimento, ele propõe que a aula se estruture sempre do mesmo modo, organizando-se em uma sequência de cinco passos formais: 1. preparação: correção dos exercícios feitos em casa; 2. apresentação: exposição do conteúdo novo a ser aprendido naquele dia; 3. comparação ou assimilação: aplicação dos conhecimentos novos, trabalhados por meio de exemplos; 4. generalização: possibilidade de aplicação do conteúdo aprendido, a partir do estabelecimento de padrões, regularidades ou leis gerais, em situações emque esse conhecimento seja adequado; 5. aplicação: é a fase dos exercícios a serem resolvidos em classe ou em casa. Nessa esteira, vimos que a educação para Herbart se dá pela instrução e tem caráter intelectualista. No entanto, ele tem uma grande in� uência no pensamento e na prática pedagógica desde o seu tempo. O que é possível constatar em relação à postura de Herbart e a de Comenius, frente a educação? Vale re� etir! Para � nalizar esta unidade, vamos tratar agora de um terceiro pensador que integra também a história da Didática. Trata-se de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), cujas ideias são relevantes, especialmente para a educação infantil. www.esab.edu.br 11 Vamos compreender as ideias de Rousseau? Siga com atenção! Elas são importantes especialmente para conhecer o lugar da pedagogia no seu pensamento. Comecemos pelas obras mais signi� cativas desse pensador: “O contrato social” (1762), obra que apresenta a legitimidade do poder político, ressaltando o homem como cidadão; e “Emílio, ou Da Educação” (1762), que trata inicialmente da educação do homem natural e de sua formação como indivíduo. Analisando as posições de Rousseau, a partir do campo teórico construído por ele, inclusive suas correspondências, podemos constatar, apesar da polêmica existente quanto às oposições aparentes, que os dois livros são complementares, levando em conta o princípio � losó� co que os norteia: “O homem é naturalmente bom”. Logo, ele revolucionou a educação da sua época chamando a atenção para as necessidades da criança e as condições de seu desenvolvimento. Para Rousseau, a criança não deve ser entendida como um adulto em miniatura, pois sendo a criança um ser com características próprias, com ideias e interesses diferentes dos adultos, deveria ser tratada como tal. Também esse pensador apresenta ideias bastante distintas daquelas de Herbart que vimos anteriormente. Essas ideias contrariavam todo o entendimento que se tinha até então de que a educação é um processo pelo qual a criança passa a adquirir conhecimentos, hábitos e atitudes armazenados pela civilização, sem nenhuma necessidade de ser modi� cada. Observe que, de acordo com Rousseau, para compreender a infância, o homem deve olhar a vida com simplicidade. Suas posições sobre homem, infância e conhecimento possibilitaram a construção dos conceitos de jardim de infância, de trabalho na escola e de metodologia. Parece muito oportuno, caro estudante! www.esab.edu.br 12 Para sua re� exão Você acabou de conhecer três grandes precursores da Didática Moderna. Você acredita que as ideias deles ainda infl uenciam a educação atual? Em que aspectos essa infl uência ocorre? Procure dedicar um tempo para refl etir a esse respeito e vamos em frente! As respostas a essas refl exões formam parte de sua aprendizagem e são individuais, não precisando ser comunicadas ou enviadas aos tutores. www.esab.edu.br 13 2 A Didática nos primórdios da educação brasileira Objetivo Identifi car o papel da Didática nos primórdios da educação brasileira. Agora que você já conhece um pouco mais a respeito dos principais pensadores ligados à história da Didática na Europa, vamos ver como ela se deu aqui no Brasil? Nesta unidade, vamos identi� car a trajetória da Didática e suas repercussões nos primórdios da educação brasileira (1549-1930). Trata-se de um momento histórico em que ainda não se dispensava grande atenção para a importância de uma organização disciplinar, muito menos interdisciplinar, na con� guração do processo de ensino- aprendizagem. Conforme Veiga (2003), a retrospectiva histórica da Didática caracteriza- se por dois momentos: no primeiro, é abordado o papel da disciplina antes de sua inclusão nos cursos de formação de professores de nível superior, no percurso de 1549 a 1930; no segundo, procura reconstituir a trajetória da Didática a partir de1930 até os dias atuais. Procure interagir atentamente com o conhecimento em estudo, à luz de quatro questões centrais que se relacionam à Didática, apresentadas a seguir: o que ensinar, para que ensinar, como ensinar e para quem ensinar, em cada momento histórico, social e político da educação. www.esab.edu.br 14 Figura 2 – Jesuítas – a primeira escola pedagógica brasileira. Fonte: <commons.wikimedia.org>. Você sabe como era a educação no Brasil a partir da chegada dos portugueses? Nos primeiros tempos, em quase todo o período colonial (1549-1930), a educação � cou nas mãos dos padres jesuítas da Companhia de Jesus, como a representação na Figura 2. Tinha por objetivo, mediante o ensino da leitura e escrita, fortalecer a religião católica, que vinha perdendo espaço não só no campo educacional como na sociedade. E como era a ação pedagógica dos jesuítas? Era marcada pelas formas dogmáticas do pensamento contra o pensamento crítico; privilegiava o exercício da memória, o desenvolvimento do raciocínio e a formação do caráter. De acordo com Veiga (2003), no contexto de uma sociedade de economia “agrário exportadora-dependente”, explorada pela Metrópole, a educação não era considerada um valor social importante. A missão educativa visava à catequização e à instrução dos indígenas. No entanto, para a elite colonial era oferecida outra educação. Quanto aos métodos de estudo: a matéria e o horário das aulas expositivas eram prescritos pelo mestre jesuíta aos futuros professores. A www.esab.edu.br 15 estes cabia memorizar e repetir os conteúdos e expô-los, reproduzindo essas práticas nas aulas com seus alunos. A educação tinha como meta a formação do homem universal humanista e cristão; o ensino de cultura geral, “enciclopédico”, era alheio ao contexto da realidade vivida no Brasil Colônia. Foram esses os elementos fundantes da Pedagogia Tradicional, no viés religioso. Saviani (apud VEIGA, 2003, p. 26) sintetiza esses princípios a� rmando que a Pedagogia Tradicional é marcada por uma “[...] visão essencialista do homem, isto é, o homem constituído por uma essência universal e imutável. A essência humana é considerada criação divina”. O aproveitamento dos alunos também era avaliado de modo rígido, feito na forma de exames orais e escritos. O papel da Didática, denominada Metodologia de Ensino, no Código pedagógico dos jesuítas é atravessado pelo caráter meramente formal, considerando a inteligência, o conhecimento, sustentados na “visão essencialista do homem”. Nessa modalidade, estava longe de se pensar uma prática pedagógica, muito menos uma Didática que pretendesse ser transformadora. Então, o que você pensa? Haveria perspectivas de mudança? Não aconteceram movimentos pedagógicos importantes no Brasil após os jesuítas, assim como poucas mudanças foram vivenciadas pela sociedade colonial até o Império e a República. Porém, com a expansão cafeeira e a mudança do modelo comercial- exportador, em torno de 1870, o Brasil vive o seu tempo de “iluminismo”, momento em que começam a enfraquecer as in� uências religiosas no campo educacional. Nesse contexto, o ensino religioso é suprimido nas escolas públicas; responsabilizando-se o Estado pelo ensino laico, ou seja, destituído do caráter religioso que predominava até então. Na época (1890), Benjamin Constant, buscando atender às necessidades da burguesia industrial que se instalava no país, propôs uma reforma www.esab.edu.br 16 educacional positivista fundamentada na ordem e no progresso. Porém, apesar do caráter laico, a Didática continuou a ser compreendida como um conjunto de regras e conteúdos dogmáticos, sendo que a teoria e a prática se distanciavam cada vez mais. Essa visão da Didática ainda perdurou por muitos anos. Entretanto, décadas mais tarde, por volta de 1930, com a crise do café, instalou- se um novo modelo socioeconômico no Brasil, sendo que o con� ito gerado pela reorganização das forças econômicas e políticas resultou na Revolução de 1930. Você pode estar se perguntando: por que esse fato é relevante? Porque eledeterminou o início de uma nova fase na história da República do Brasil. Entre outros fatos, foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública. Inicia-se, portanto, uma nova etapa, com uma sequência de acontecimentos também no âmbito educacional. Organiza-se o ensino comercial, o ensino superior passa a ter regime universitário e a primeira universidade brasileira é instituída: a Universidade de São Paulo (USP) – sendo que a origem da Didática como disciplina dos cursos de formação de professores de nível superior está vinculada à criação da Faculdade de Filoso� a, Ciências e Letras da referida universidade. Estudo complementar O método de ensino utilizado pelos jesuítas no Brasil foi o Ratio Studiorum, ou Plano de Estudos. Compreendia o trinômio: estudar, repetir e disputar; e como exercícios escolares, havia a preleção, lição de cor, composição e desafi o, práticas pedagógicas que remetiam diretamente à escolástica medieval, confi gurando-se como Pedagogia Tradicional. Se você desejar saber mais sobre o Ratio Studiorum, acesse o link aqui. www.esab.edu.br 17 3 O que são tendências pedagógicas? Objetivo Analisar o papel da Didática nas diferentes concepções de educação. Caro estudante: vamos seguir aprendendo mais sobre a Didática? Nas duas primeiras unidades, estudamos sobre as origens e a evolução da Didática no campo conceitual, bem como seus pressupostos. Agora, vamos estudar outras concepções de educação. Considerando que a escola é uma representação da sociedade vigente em que estamos inseridos, a educação escolar cumpre funções suscitadas por essa sociedade em um dado momento histórico, social e político. Logo, as tendências pedagógicas caracterizam o fenômeno produzido pelos desejos e pelas aspirações dessa sociedade, que determinam os modos como o conhecimento será veiculado e a natureza das relações entre quem ensina e quem aprende. Essas a� rmações nos levam a pensar sobre o fato de que o papel da escola não se restringe a interesses pedagógicos, mas avança pelo campo da � loso� a e da política. Dessa forma, a prática escolar está ligada a condicionantes sociopolíticos que con� guram diferentes concepções de homem e de sociedade; consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da escola, da aprendizagem, da relação professor/aluno e das técnicas pedagógicas. Perceba que o modo como os professores realizam seu trabalho, selecionam e organizam o conteúdo de aprendizagem, escolhem técnicas de ensino e formas de avaliar relaciona-se, explícita ou implicitamente, com os pressupostos metodológicos. Estes fundamentam a educação em um dado momento político e sócio-histórico. www.esab.edu.br 18 Nas unidades a seguir, vamos dar continuidade, de modo mais especí� co, às tendências pedagógicas impressas nas escolas, mediante a posição dos educadores nas suas práticas. Iremos considerar ainda que a tendência pedagógica não é uma verdade única e absoluta, pelo contrário, é um fenômeno altamente dinâmico. Necessitamos compreender e aprofundar o real papel da Didática nas diferentes concepções de educação. Quando falamos em concepção de educação (pedagógica), referimo-nos aos pressupostos teórico-práticos que orientam a prática educativa. Uma concepção pedagógica está relacionada aos diversos discursos que permeiam a realidade educacional, considerando suas raízes históricas e � losó� cas, assim como suas manifestações na prática pedagógica dos professores. Além da descrição dos fundamentos da história de cada corrente teórica, ou tendência pedagógica, o objetivo deste estudo é possibilitar aos que, direta ou indiretamente, lidam com a educação, reconhecer e identi� car as posturas adotadas frente ao processo educativo, uma vez que ele está sempre ligado a um fundamento epistemológico. Antes de começar o estudo sistemático sobre as concepções, é importante lembrarmos de algumas questões sobre a natureza do processo educativo, principalmente o seu caráter de processo. Vamos juntos nesse caminhar? Como se sabe, a educação, assim como o ser humano, está em constante mutação. Logo, podemos inferir que um modelo de educação concebido em determinada época histórica, sob determinadas condições sociopolíticas, não pode servir aos sujeitos da educação em outro tempo e em outra cultura, pois as condições de vida se transformaram. Saiba que, em cada época histórica, sociedades surgem e declinam; por exemplo, no âmbito educacional, no ano de 1932, logo após a constituição do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e da saúde pública, é lançado o Manifesto dos pioneiros da Escola Nova (discutiremos sobre esse manifesto na unidade 5), que preconizava a reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial. Nesse movimento – o escolanovismo – o ponto marcante é a valorização da www.esab.edu.br 19 criança, com a solução de problemas educacionais em uma dimensão interna da escola, independente da realidade política, social e econômica. A Didática, consequentemente, também é in� uenciada; e o caráter prático-técnico é acentuado no processo de ensino/aprendizagem: teoria e prática são justapostas. A dimensão técnica da escola é privilegiada pela Didática, que por sua vez é entendida como um conjunto de ideias e métodos. Já no período de 1945-1960, com uma turbulência econômica e sociopolítica, a democracia liberal passa a ser um imperativo, com crescente participação das massas. Nesse contexto, com o estado populista, desenvolvimentista, insere-se a educação. A Didática, por questões legislativas no ensino, perde sua quali� cação geral e especial e a prática de ensino é introduzida sob a forma de estágio supervisionado. Como podemos perceber, as mudanças vão acontecendo... Com a inserção das escolas católicas no movimento renovador, métodos de ensino especí� cos são difundidos – Montessori, por exemplo, assim como outros indícios renovadores começam a ser propagados. No entanto, de modo paralelo, outro redirecionamento é dado à escola renovada, marcada signi� cativamente pela centralidade metodológica, movimento que culminou com as reformas do sistema escolar brasileiro (1968-1971). Saiba que quando o ideário renovador-tecnicista começa a ser difundido, nessa fase, o ensino da Didática também se sustenta no liberalismo e no pragmatismo. A Didática se volta para as questões do processo de ensino à parte do contexto político-social. Acentua-se o enfoque renovador tecnicista da Didática. No período pós 1964, com tantas mobilizações quanto à ideologia política e à forma de governo, as mudanças também chegam à educação. A Didática é superposta pela nova disciplina – “Currículos e Programas” – nos cursos de Pedagogia. www.esab.edu.br 20 Na Pedagogia Tecnicista, o papel da Didática situa-se no âmbito da tecnologia educacional, tendo como foco a e� cácia e a e� ciência do processo de ensino. A caminhada para conhecer e compreender o papel da Didática nas diferentes concepções pedagógicas continua, a partir de 1974, com a abertura do regime político autoritário; surgem estudos evidenciando as reais funções da política educacional denominados por Saviani (apud VEIGA, 2003, p. 36) de “teorias crítico reprodutivistas”. Com o predomínio dos aspectos políticos, as questões didático-pedagógicas são diminuídas. Por outro lado, existe todo um movimento de atitude crítica, que os professores e alunos exigiam no sentido de estabelecer mais coerência entre a prática pedagógica e a realidade sociocultural. Logo, requer que a Didática seja revisada, o que aponta para a busca de novos rumos. Na década de 1980, caracteriza-se o momento atual da Didática. Isto é: surgem os primeiros estudos, buscando alternativas para este campo de conhecimento, a partir dos princípios da Pedagogia Crítica. Assim, podem auxiliar no processo de politização do professor. É preciso, caro estudante, instituir uma Didática que suscite mudanças, críticas, contextualizações e que esteja comprometidacom a formação do professor. E é justamente sobre essas tendências pedagógicas que você continuará estudando nas próximas unidades. Mas lembre-se: não são essas somente a permear a educação brasileira. Por esse motivo, cada educador poderá buscar sua identi� cação com aquela (tendência) que é mais parecida com as suas inclinações pessoais, posições e o seu entendimento sobre educação. Faça esse exercício de construção! Até a próxima unidade! www.esab.edu.br 21 Fórum Caro estudante, dirija-se ao Ambiente Virtual de Aprendizagem da instituição e participe do nosso Fórum de discussão. Lá você poderá interagir com seus colegas e com seu tutor de forma a ampliar, por meio da interação, a construção do seu conhecimento. Vamos lá? www.esab.edu.br 22 4 Tendências pedagógicas liberais Objetivo Identifi car as tendências pedagógicas liberais e suas consequências para a Didática. Você já deve ter percebido que a educação está fortemente marcada por uma sociedade historicamente situada. Nesta unidade, você vai conhecer as tendências pedagógicas liberais cujas ideias nascem das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia. É a burguesia estabelecendo uma forma de organização social com base na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. Aparentemente, falar em uma pedagogia liberal pode nos remeter a um princípio de liberdade equivocado. No pensamento liberal, o princípio de igualdade parte da ideia de que todos os indivíduos são livres para ocupar, socialmente, qualquer posição que almejam em função de seus talentos. Uma vez que os homens não são iguais em seus talentos, é natural que não sejam iguais em sua posição social. Portanto, a igualdade para o liberalismo não leva em conta as condições materiais do indivíduo. Embora pratique o discurso da igualdade de oportunidades, incentiva uma pedagogia seletiva que não considera as diferenças individuais. Convém lembrar que a pedagogia liberal vai se estruturando no contexto de uma sociedade capitalista que busca justi� car as diferenças de classe colocando no indivíduo a responsabilidade por sua ascensão social. A Escola Tradicional é vista como a perspectiva mais conservadora do pensamento liberal. Veiga (2003) a� rma que foi essa vertente a inspiradora da criação da escola pública, laica, universal e gratuita. Politicamente, garantir a presença de todos na escola e manter a gratuidade fez despertar na população o interesse pela educação e, www.esab.edu.br 23 consequentemente, garantir a participação do indivíduo como cidadão moderno, ou seja, sentindo-se parte da sociedade, respeitando suas leis e aprendendo as boas maneiras, atitudes requeridas pela cultura moderna. E como você acha que � ca a educação embasada pelo pensamento liberal? Qual a orientação dada aos professores e alunos nessa perspectiva? Para sua re� exão Você sabe o que signifi ca a criação da escola pública, laica, universal e gratuita? Embora a realidade nos mostre que até nossa época ainda não tenha sido consolidado este ideal, convenhamos que um grande passo foi dado. Refl ita sobre a importância desse momento histórico para a educação. As respostas a essas refl exões formam parte de sua aprendizagem e são individuais, não precisando ser comunicadas ou enviadas aos tutores. Segundo Veiga (2003), a pedagogia tradicional mantém a visão essencialista de homem, não como criação divina, porém aliada à noção de natureza humana, essencialmente racional. A ênfase está no ensino humanístico, com o objetivo de possibilitar ao aluno seu pleno desenvolvimento pessoal levando a realização e à prosperidade pelo seu próprio esforço. Para compreender como isso acontece, vejamos agora algumas características da Pedagogia Tradicional. Ao fazer a leitura, devemos comparar os aspectos aqui destacados com nossa vida escolar. www.esab.edu.br 24 Observe que, de acordo com Veiga (2003), a essa teoria correspondem as seguintes características: • enfatiza o ensino humanístico de cultura geral; • centra no professor, que transmite a todos os alunos, indistintamente, a verdade universal e enciclopédica; • desenvolve a relação pedagógica de forma hierarquizada e verticalista, em que o aluno é educado para seguir atentamente a exposição do professor; • segue seis passos de método de ensino, são eles: preparação, apresentação, comparação, assimilação, generalização e aplicação. Portanto, a escola está voltada para a cultura da elite que é apresentada a todos os alunos. Cabe a eles assimilar conhecimentos dessa cultura. Os melhores, por merecimento, galgarão os níveis mais avançados de educação. Os outros que não conseguirem superar suas di� culdades, devem buscar alternativas de ocupação que não necessitem de estudo. É dessa forma que a Didática se apresenta na Pedagogia Tradicional. Conteúdos e métodos são utilizados para garantir os conhecimentos construídos socialmente. Ao professor, cabe o papel de transmissor de conteúdos; ao aluno, de receptor passivo. Não há momentos de re� exão e crítica. O professor é o intérprete da matéria a ser lecionada. O aluno deve prestar atenção, memorizar e reproduzir nas provas o tema em estudo tal qual o professor transmitiu. Figura 3 – O professor fala e o aluno escuta. Fonte: Harper et al. (1980). www.esab.edu.br 25 Como você pode perceber, não há diálogo entre professor e aluno. O professor tudo sabe. O aluno se apresenta como uma página em branco a ser escrita com os ensinamentos que recebe do professor. Isso quer dizer que todo o conhecimento construído socialmente pelo aluno, desde seu nascimento, não é valorizado. Os livros didáticos são seguidos rigorosamente. É dos livros que os professores retiram todo o ensinamento que repassam aos alunos. Perceba que ensinar é passar matéria e estudar é repetir os conteúdos uma in� nidade de vezes para que sejam memorizados e repetidos nas provas tal qual se apresentam no livro didático. Tanto o dever de casa quanto as provas têm origem na Pedagogia Tradicional. Com o dever de casa o professor garante que o conteúdo seja revisado por intermédio de exercícios repetitivos e de memorização. As provas são utilizadas como recurso de avaliação, para medir o conhecimento adquirido pelo aluno. Quando o resultado da prova aponta para o fracasso, cabe ao aluno se recuperar. Na maioria das vezes as di� culdades vão aumentando e levam à evasão escolar. Outra herança desse modelo de escola é o castigo. Você já deve ter ouvido falar nas expressões: “orelha de burro”, “cantinho do castigo”, “cheirar parede”, “ajoelhar no milho”. Bem, você deve saber que conseguir a atenção dos alunos em sala de aula não é uma tarefa fácil, principalmente em se tratando de manter a passividade. Você pode imaginar crianças, com toda a energia característica da idade, ouvindo atentamente a explanação do conteúdo pelo professor sem poder interagir? Segundo VEIGA (2003, p. 28), “[...] a disciplina é a forma de garantir a atenção, o silêncio e a ordem”. O aluno indisciplinado recebe castigo como forma de punição. www.esab.edu.br 26 Figura 4 – O castigo em sala de aula. Fonte: <www.123rf.com>. Então, caro aluno, revisitando sua vida escolar, deparou-se com alguma experiência que lembre a Pedagogia Tradicional? Muitos de nós, alunos ou professores, de alguma forma ainda sofremos forte in� uência do pensamento liberal. Somos conservadores ou sujeitos da história? E quanto à Didática? Bem, na Pedagogia Tradicional, a Didática é entendida como um conjunto de regras que orienta o trabalho dos professores em sua prática docente. A atividade do professor não tem cunho político e os conteúdos são desvinculados da realidade dos alunos e dos acontecimentos sociais. Portanto, é uma Didática que separa teoria e prática (Veiga, 2003). A ideia da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais é acentuada também pela tendência liberal renovada. Porém, o que difere é que essa tendênciacompreende a educação como um processo que ocorre internamente no sujeito, ou seja, parte das necessidades e dos interesses individuais para a adaptação ao meio. A escola renovada propõe um ensino que valoriza a autoeducação, por meio da qual o aluno assume o papel de sujeito do conhecimento. Note que a escola renovada desloca o aluno para a centralidade do ensino. Já em relação à tendência liberal tecnicista, a educação � ca www.esab.edu.br 27 subordinada à sociedade, tendo como função a preparação dos recursos humanos e de mão de obra para a indústria. Nesse sentido, a sociedade industrial e tecnológica estabelece cienti� camente as metas econômicas, sociais e políticas à educação, que, por sua vez, treina nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. A tecnologia é entendida, nesse contexto, como o aproveitamento ordenado dos recursos, com base no conhecimento cientí� co. Ela é o meio adequado de obter a maximização da produção e garantir um ótimo funcionamento da sociedade. Dessa forma, a educação é um recurso tecnológico por excelência. Saiba mais Nesta unidade, discutimos brevemente os pressupostos que embasam a Pedagogia Liberal nas suas vertentes tradicional, liberal renovada e tecnicista, além da sua repercussão nos processos de ensinar e aprender. Para entender um pouco mais sobre o papel da Didática nas diversas tendências pedagógicas, assista ao vídeo: “Didática Geral: a identifi cação da Didática”, disponível aqui. E assim encerramos mais uma unidade de estudo. Continue dedicando sua atenção a esta disciplina, porque na sequência você terá a oportunidade de conhecer pormenores da tendência liberal renovada, na sua expressão não diretiva, conhecida principalmente como Escola Nova. Vamos lá! www.esab.edu.br 28 5 Tendências liberais: Escola Nova Objetivo Diferenciar o escolanovismo das demais tendências liberais a partir da perspectiva da Didática. Na unidade 3 tratamos de forma bastante breve sobre a Escola Nova, você está lembrado? A partir de agora, vamos aprofundar nosso estudo sobre a tendência escolanovista, que é uma das principais representantes das tendências pedagógicas liberais. Como já vimos em estudos anteriores , a necessidade de educar a criança veio se � rmando ao longo dos últimos séculos e se solidi� cou na modernidade, criando um novo paradigma para a educação. A escola passa a ser a instituição que dá sustentação à educação propagada pelo Estado. É a responsável por transformar a criança em adulto. Você deve lembrar, conforme nossos estudos, que é na escola que se dá a iniciação social da criança, o aprendizado das boas maneiras que é esperado na cultura moderna. É a escola da socialização controlada e determinada pelos gestores da educação. No entanto, como já é do seu conhecimento, a educação acompanha as mudanças ocorridas em cada época da história. De acordo com Cordeiro (2010), ao mesmo tempo em que se consolida o modelo da Escola Tradicional, ele já começa a receber críticas. Com a aceleração do processo industrial e da urbanização, faz-se necessário romper com o passado e a tradição para se concretizar o objetivo esperado socialmente: o progresso. Em decorrência, nasce na Europa – na passagem do século XIX para o século XX – a Educação Nova. Essa reelaboração do modo de ver a educação é fruto da popularização do questionamento de pensadores acerca do modelo vigente. Esse movimento reuniu autores com as mais variadas propostas, no entanto, segundo Cordeiro (2010), havia em comum entre eles as contribuições dos estudos provenientes da psicologia da infância. www.esab.edu.br 29 A ideia era que a Pedagogia e a Didática incorporassem os estudos cientí� cos realizados na época para entender a criança e manter uma proposta de ensino bem fundamentada. Essa forma renovada da tendência liberal, embora modi� que as � nalidades, os conteúdos e o método de ensino, mantém os pressupostos do pensamento liberal que inspirou a Escola Tradicional. Esse movimento critica a escola e o professor existentes, que são chamados de tradicionais porque simplesmente reproduziriam as tradições e as estruturas da sociedade do passado. Seria necessário romper com esse modelo e adotar procedimentos e concepções pedagógicas modernas, progressistas, sintonizadas com as rápidas mudanças que surgiam na sociedade e no conhecimento cientí� co. Assim, embora os defensores da Educação Nova criticassem a escola e o professor, acabaram mantendo um papel central para a educação na medida em que pretendiam transformar a escola e o professor em agentes do progresso (CORDEIRO, 2010). No Brasil, essa corrente pedagógica foi implementada a partir de 1932 com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, tendo os educadores Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Francisco Campos como seus principais defensores. Esse manifesto expressa um momento de luta contra o conservadorismo, trazendo a discussão da educação como meio de reconstrução social. Nesse momento histórico, o Brasil passa por reformas provenientes da Revolução de 30, em que o capitalismo industrial ganha força e desloca os trabalhadores da agricultura e da pecuária para as indústrias, tornando necessária a educação formal. Mas vamos saber o que mudou com a proposta da Escola Nova? Para início de conversa, é importante lembrar que o conhecimento que se adquiriu acerca da criança foi fruto de pesquisas cientí� cas que de� niram as formas de pensar, agir e sentir próprias da natureza infantil. Porém, as representações que se � zeram sobre as crianças são frutos de um saber sobre elas e não a partir delas. E é esse conhecimento que serve de embasamento para normatizar as rotinas escolares. www.esab.edu.br 30 A Escola Nova tem como proposta de base descentrar o ensino do professor para centrá- lo na criança. Parte do princípio de que uma criança não é um adulto em miniatura e, por isso, precisa de um tempo para aprender, um tempo próprio que é parte de seu desenvolvimento humano. Portanto, caros alunos, percebam que a forma de ensinar ganha características diferentes. A atividade, aqui entendida como tarefas desenvolvidas pelas crianças na escola, deveria partir do interesse delas. Surgem as atividades lúdicas como forma de estimular a sensibilidade infantil: desenhos, teatros, jogos, as quais passam a fazer parte do planejamento escolar. O estímulo à resolução de situações-problema envolvendo desa� os também são incluidos nas estratégias de ensino. Essa corrente valoriza a educação como processo ativo, dando importância à interação do indivíduo com o meio ambiente, por isso valoriza as atividades ao ar livre, em ambientes como laboratórios e o� cinas, para que o aluno possa experimentar e vivenciar o conteúdo que é trabalhado em sala de aula. Cordeiro (2010) diz que as aulas expositivas são eliminadas como recurso didático. O trabalho em grupo é o recurso mais utilizado pelo professor no que tange à formação física da sala de aula. Procurando respeitar a criança em seu desenvolvimento, essa teoria, diferente da teoria da Escola Tradicional, renega o castigo, uma vez que impede a espontaneidade do aluno. Você sabe como � ca o professor nessa concepção? O professor que mantinha a centralidade do ensino, segundo Cordeiro (2010, p. 50), “[...] deve se deslocar para uma posição secundária, como auxiliar, monitor ou animador dos debates”. Como você pode ver, ele passa de mestre a mero auxiliar e expectador do ensino, já que toda intervenção é inibidora da aprendizagem. www.esab.edu.br 31 A aula e o currículo devem prever a aprendizagem por meio da participação ativa do aluno. O que importa é a aprendizagem ativa, por meio da interação direta da criança com os objetos materiais, com as experiências concretas, com a vida e com a produção do conhecimento (CORDEIRO, 2010). Os conteúdos foram substituídos por “acordos de interesse”, levando o professor a transformar-se de autoritário (tradicional)para especialista em relações humanas, pro� ssional cuja função é manter a harmonia do grupo e provocar estímulos ao interesse dos alunos. E a Didática? Bem, segundo Candau (1999), a Didática tem como princípio, nessa pespectiva, a aquisição de atitudes tais como: calor, empatia, consideração positiva incondicional. A base de sua proposta deve partir dos interesses espontâneos e naturais da criança, os princípios de atividade, de individualização e de liberdade. Como já vimos anteriormente, trata-se de uma Didática de base psicológica. Seu fundamento está na psicologia evolutiva e na psicologia da aprendizagem. Enfatiza-se a ideia do “aprender fazendo” e do “aprender a aprender”. Estudam-se métodos e técnicas de ensino, tais como: estudo dirigido, unidades didáticas, método de projetos, a técnica de � chas didáticas entre outras. A autora ainda enfatiza que, do ponto de vista econômico, social e político, a Didática � ca “privatizada”, pois não considera estes aspectos ao trabalhar o crescimento pessoal, interpessoal e intragrupal. Será que essa concepção foi utilizada com sucesso nas escolas brasileiras? Vejamos. Os pressupostos da Escola Nova encontraram di� culdades em se universalizar no ensino brasileiro. Seus métodos foram utilizados como experiências isoladas, em poucas escolas, não chegando a construir uma hegemonia pedagógica nacional. www.esab.edu.br 32 Na verdade, observe que os princípios psicológicos da Escola Nova tendiam a contrastar com a formação dos professores e sua intenção de educar. Como o centro do processo é o aluno, surgia um con� ito todas as vezes em que o professor tentava intervir, levando à descon� ança e certa resistência dos professores com relação aos princípios escolanovistas, ainda mais se atentarmos para o fato de que a sociedade e o próprio sistema escolar cobram resultados da ação docente. www.esab.edu.br 33 6 Tendências liberais: Pedagogia Tecnicista Objetivo Reconhecer a pedagogia tecnicista e sua didática. Mais uma unidade se inicia e, neste momento, você já pode perceber que o conhecimento adquirido acerca da Didática está aumentando pouco a pouco, não é mesmo? E agora, vamos avançar em nossos estudos com mais uma das tendências liberais. Na unidade anterior você conheceu a tendência pedagógica renovada escolanovista e sua repercussão no ensino brasileiro. A seguir, veremos a tendência liberal tecnicista. Trata-se da Pedagogia Tecnicista, vertente que foi o� cialmente implantada no ensino brasileiro no � nal da década de 1960. Podemos perceber que ela coincide com o início da ditadura no Brasil, ocorrida em 1964. A ditadura militar juntou-se a vários outros eventos semelhantes em toda a América Latina. Atualmente, estudos mostram que, em grande parte, esses regimes de governo totalitário foram � nanciados pelos norte- americanos, que viam no sul do continente um amplo mercado para o desenvolvimento do modelo capitalista. Foi nesse contexto histórico que se � rmaram os acordos MEC-USAID (1964-1968), entre o Ministério da Educação do Brasil e as agências norte-americanas para o “desenvolvimento da educação”. E quais eram os objetivos de tais acordos? De acordo com Veiga (2003), os acordos tiveram como principal objetivo as reformas de ensino superior, de 1º e 2º graus, adaptando a legislação e a educação brasileira ao modelo de racionalidade técnica das indústrias americanas. Em outras palavras, signi� cava mais objetividade, mais produtividade e racionalidade na produção. www.esab.edu.br 34 Você sabe como se de� ne a educação nesse período? Veiga (1996) a� rma que o Sistema Nacional de Ensino é reorganizado tendo em vista a racionalização dos aspectos administrativos e pedagógicos, assegurando o pleno controle do trabalho pelos gestores do sistema. Perceba que a educação � ca completamente dependente das políticas federais, cabendo aos estados da Federação apenas o cumprimento das metas do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e do Conselho Federal de Educação (CFE). De forma diferente do que vinha acontecendo na pedagogia escolanovista, em que os currículos não eram rígidos e não passavam por supervisão, agora o MEC e os técnicos norte-americanos controlam os currículos desde as primeiras séries do ensino fundamental até a universidade. Além disso, com vistas a combater os focos de resistência ao regime, em 1968, preparando o terreno para implementar a Pedagogia Tecnicista, o MEC edita a Lei nº 5.540, de reformulação do Ensino Superior. É oportuno comentar as modi� cações ocorridas no Ensino Superior a partir dessa lei. São elas: • proibição das agremiações; • departamentalização; • uni� cação do vestibular; • matrícula por disciplina (sistema de créditos); • rigoroso controle tecnológico nas produções acadêmicas. Você pode imaginar as consequências desta nova forma de organização? Pois bem, o que passa a ocorrer a partir daí é a separação de alunos e professores com seus pares, di� cultando os encontros e, consequentemente, evitando a coesão política. Como isso acontece? Os alunos passam a se matricular em disciplinas diferenciadas, de acordo com a disponibilidade e andamento no curso e, dessa forma, a turma que iniciou unida vai se separando no percurso. Os professores se isolam em seus departamentos e nem a título de planejamento se juntam. www.esab.edu.br 35 E a reforma do então denominado 1º e 2º graus? Em 1971, a Lei nº 5.692 tratou de homogeneizar o currículo nacional, introduzindo a pro� ssionalização ao Ensino Médio, que passou a ser chamado de segundo grau pro� ssionalizante. Isso signi� ca que a maioria dos cursos de nível médio passa a preparar também para o mercado de trabalho. Veiga (1996) a� rma que esse modelo de organização do trabalho, que tem o indivíduo como base, acarreta competitividade, individualismo e hierarquização nas relações sociais, incluindo estratégias de controle que di� cultam o trabalho coletivo. Perceba, assim, que o tecnicismo predomina enquanto dura a ditadura e procura sufocar neste período histórico qualquer tendência à autonomia da educação. Tudo certo até aqui? Lembre-se de que, sempre que você tiver alguma dúvida, pode e deve entrar em contato com a tutoria da disciplina por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem. Acompanhe agora como se estabelecia o papel da escola dentro do modelo tecnicista. No Brasil, a missão da Pedagogia Tecnicista é a de cumprir com os seus objetivos primordiais. São eles: • justi� car o industrialismo, preparando a mão de obra para o recém- instalado parque industrial brasileiro; • impor o modelo militarista nas escolas e nas universidades, a partir da criação de disciplinas como Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira (OSPB), Iniciação para o Trabalho (IPT), entre outras. Observe que, de acordo com o exposto anteriormente, a Pedagogia Tecnicista justi� ca de uma só vez não apenas os currículos, mas o próprio regime militar. Contrariando ao modelo subjetivista proposto pela Escola Nova, o modelo tecnicista vê na escola um veículo e� caz de instrução programada, objetivando o controle do comportamento e disciplinando para o modelo fabril. www.esab.edu.br 36 De acordo com Veiga (2003), o trabalho pedagógico segue o modelo do trabalho fabril. A divisão do trabalho é justi� cada em nome da produtividade, e este tipo de trabalho acaba por fragmentar todo o processo escolar, aumentando a distância entre quem planeja e quem executa. Nessa concepção, perceba que a sociedade é um todo harmônico, cabendo ao indivíduo ajustar-se a ela e ser treinado para nela se inserir completamente, como uma peça de uma engrenagem complexa: o organismo social. Vamos conhecer um pouco mais sobre os métodos de ensino no modelo tecnicista? Bem, você deve lembrar-se que, no ensino tradicional, o professor era o centro do processo. Já na Escola Nova, a centralidade se deslocou para o aluno. Por sua vez, no tecnicismo, professor e aluno não têmmuita importância. Você sabe por quê? No tecnicismo, o que importa são os objetivos instrucionais e as técnicas de ensino. Aliás, as técnicas e os métodos de ensino são pensados por pro� ssionais dedicados à instrução programada, cabendo ao professor apenas aplicar os modelos especí� cos para obter os resultados previamente traçados. Veiga (2003) aponta para a importância do processo, uma vez que é ele quem de� ne o que professores e alunos devem fazer, quando e como o farão. O modelo tecnicista prevê um vasto aparato cientí� co baseado na tecnologia educacional e subsidiado pela psicologia comportamental, cuja � nalidade é a de assegurar a objetividade na relação entre ensino e aprendizagem. Observe que metodologias como a instrução programada, máquinas de ensinar, livro-texto, tele-ensino, entre outras, eram planejadas por especialistas educacionais. Logo, neste contexto, cabia ao professor apenas entregar os materiais aos alunos, ler com eles os textos e os exemplos. Os alunos, por sua vez, deveriam completar os exercícios, responder aos questionários de acordo com o texto e fazer exercícios de retenção e � xação da instrução, sendo estimulados com notas e conceitos. www.esab.edu.br 37 Vamos tratar agora da visão tecnicista em relação ao processo de aprendizagem? Bem, na concepção behaviorista, aprendizagem é mudança de comportamento. Com as experiências do médico russo Ivan Pavlov e dos comportamentalistas ingleses acerca dessas mudanças, a psicologia desenvolveu um ramo novo: o controle do comportamento. E como isso se relaciona ao que estamos estudando? A partir de experiências com animais, a psicologia comportamentalista concluiu que poderia controlar também o comportamento humano. Do condicionamento clássico (estímulo-resposta), criou-se o condicionamento operante (estímulo-resposta-reforço). Como assim? Bastava reforçar o estímulo para obter um comportamento controlado. Seguindo essa linha de pensamento, Skinner, psicólogo norte-americano, desenvolveu um projeto utilizando cobaias humanas, comprovando que o homem também poderia ser controlado no seu comportamento. Pois foram justamente essas teorias que subsidiaram as ideias tecnicistas: o ensino é um modo de controlar o sujeito a dar respostas previamente estabelecidas de acordo com os objetivos instrucionais. Essas eram as aprendizagens entendidas como mudança de comportamento. Apesar de toda a crítica que o modelo tecnicista sofreu nos anos 1980, ele ainda está presente na prática pedagógica. O uso frequente do livro didático, em muitos casos, e a total dependência dele, força os professores a executarem programas previamente pensados. A aplicação de provas e testes objetivos, com posterior reforço com notas e conceitos, tende a cristalizar princípios tanto tradicionais como tecnicistas. Observe, portanto, que tais práticas denunciam que as marcas deixadas pelo tecnicismo foram profundas. E aqui encerramos esta unidade, ao longo da qual você conheceu a pedagogia liberal na sua vertente tecnicista. Com isso, � nalizamos também a abordagem das vertentes pedagógicas liberais, estudo que será complementado na sequência, ao tratarmos acerca das escolas críticas. Continue empenhado. Até a próxima unidade! www.esab.edu.br 38 Resumo No decorrer das seis primeiras unidades deste Caderno de Estudos, você acompanhou o movimento histórico da Didática desde suas origens, passando pelos primórdios da educação brasileira até o percurso da Didática como disciplina articuladora dos diversos aspectos do processo de ensino e aprendizagem nas diferentes tendências da Pedagogia Liberal. Abordamos as três principais tendências liberais – escola tradicional, escola nova e tendência tecnicista. Para ampliar seus conhecimentos sobre o papel da escola, os métodos de ensino, os pressupostos de aprendizagem, o relacionamento professor- aluno e a avaliação em cada uma das tendências pedagógicas estudadas, consulte a bibliogra� a e as sugestões de trabalhos complementares. www.esab.edu.br 39 7 Tendências pedagógicas progressistas: as teorias crítico- reprodutivistas Objetivo Diferenciar as tendências liberais e progressistas e sua Didática. Caro aluno, estudar as tendências pedagógicas nos ajuda a re� etir e a entender a dimensão política existente nas práticas pedagógicas adotadas nas escolas e universidades, através dos períodos históricos e na atualidade. Você sabe por que é importante essa re� exão? Como você já viu nas unidades que estudamos anteriormente, as concepções pedagógicas de� nem nossa atuação em sala de aula, uma vez que fazem parte de nossa formação pro� ssional. O trabalho do professor sempre revela um modo de ver o mundo, portanto não é um trabalho neutro. Estudando a pedagogia tradicional, a pedagogia renovada e a pedagogia tecnicista, todas de cunho liberal, re� etimos sobre as implicações dessas pedagogias no contexto educacional, destacando o papel da Didática. Como exercício, você foi convidado a revisitar sua vida escolar para perceber quais concepções estavam presentes nos momentos de sua formação. Continuaremos estudando as tendências pedagógicas, só que agora em suas vertentes progressistas. Sugerimos que você continue fazendo relação do que está estudando com sua vida escolar, dessa forma poderá ir construindo sua identidade pro� ssional. Vamos lá! www.esab.edu.br 40 Enquanto durou o Regime Militar no Brasil (1964-1985), o pensamento liberal esteve presente. Até os anos 1970, a visão tecnicista se manteve, embora educadores preocupados com o rumo que a educação estava tomando se posicionassem contra o modelo em andamento. As discussões acaloradas resultaram em novas propostas, voltadas para as reais necessidades do povo brasileiro. As teorias críticas da educação, também conhecidas como tendências pedagógicas progressistas, nasceram nesse clima de con� ito, a � m de criar mais compromisso com o povo. Veiga (2003) a� rma que foi a partir de 1974, época em que iniciou a abertura do Regime Militar instalado em 1964, que surgiram os primeiros estudos criticando o modelo de educação dominante, pondo em evidência as reais funções da política educacional vigente. E você, sabe o que mudou no discurso dessas novas propostas? Elas deslocaram a discussão das questões didático-pedagógicas para os aspectos ideológicos e políticos da educação. Veja o que nos diz Veiga sobre este tema: Tais estudos foram agrupados e denominados por Saviani de “teorias crítico- reprodutivistas”, que, apesar de considerar a educação a partir dos seus aspectos sociais, concluem que sua função primordial é a de reproduzir as condições sociais vigentes. Elas se empenham em fazer a denúncia do caráter reprodutor da escola. Há uma predominância dos aspectos políticos, enquanto as questões didático- pedagógicas são minimizadas. (VEIGA, 2003, p. 36) Assim, surge a teoria crítico-reprodutivista, nome dado por Saviani em função do empenho em fazer a denúncia do caráter reprodutor da escola. Nessa corrente, há uma predominância dos aspectos políticos em detrimento dos aspectos didático-pedagógicos, que são minimizados. Foi a partir da crítica ao modelo vigente que se evidenciou a falsa neutralidade da pedagogia tecnicista. Logo, as reais intenções que estavam escondidas sob a égide do compromisso político-social aparecem. www.esab.edu.br 41 Veiga (2003) a� rma que, nesse momento da história, as ciências humanas e sociais passam a ter outros objetos de estudo, novos focos de análise. Nesse contexto, o saber fazer ganha importância no que diz respeito ao ato de educar. O aluno e sua prática social são elementos centrais das práticas pedagógicas, e é a partir dessa a� rmativa que a relação conteúdo- forma ganha novos contornos. Vamos ver, então, como � ca a Didática nessa nova forma de pensar a educação? A Didática passa a denunciar o seu conteúdo reprodutivista. É como se a sua única função fosse fazer a crítica ao modelo que vinhaseguindo devido às tendências educacionais anteriores. Candau (1999) denuncia que a Didática, ao a� rmar a dimensão política da prática pedagógica, nega sua dimensão técnica e então, mais do que uma Didática, o que se sobressai é uma antididática. Embora o conteúdo da Didática tenha se colocado de forma a favorecer o caráter puramente instrumental, a crítica a ela destinada não pode se reduzir apenas à negação do técnico. Ainda segundo Candau (1999), a prática pedagógica, por ser política, exige competência técnica. As dimensões política, técnica e humana são necessárias para a educação do sujeito, que vive todas essas dimensões. No entanto, essa mútua implicação não se dá espontaneamente. Há necessidade de trabalho consciente para atingir os � ns. Além disso, essa autora (1999) sugere o estudo de uma Didática fundamental que: • parte da análise da prática pedagógica concreta e de seus determinantes; • contextualiza a prática pedagógica e repensa as dimensões técnica e humana, situando-as; • analisa as diferentes metodologias, deixando claros seus pressupostos, o contexto em que foram geradas e a visão de homem, sociedade e educação que exprimem; www.esab.edu.br 42 • elabora a re� exão Didática partindo de análises de experiências concretas, dando sentido à relação teoria e prática; • re� ete a Didática tendo em mente o compromisso social, buscando práticas pedagógicas que tornem o ensino e� ciente para a maioria da população; • rompe com a prática pro� ssional individualista; • cria possibilidades de permanência das crianças na escola; • estuda o currículo tendo como princípio a interação com a população concreta e suas necessidades. Por entendermos que o conhecimento está sempre em movimento, esta discussão em torno da Didática é de fundamental importância para a formação de professores. Fazer a crítica não signi� ca negar os caminhos percorridos, mas ressigni� cá-los. Ao promover o desenvolvimento de novas competências, a Didática possibilita aos futuros professores uma visão mais dinâmica da escola e dos conhecimentos escolares. www.esab.edu.br 43 8 Tendências pedagógicas progressistas: Pedagogia Libertadora Objetivo Identifi car os pressupostos teórico-metodológicos da Pedagogia Libertadora. Vamos dar continuidade aos nossos estudos sobre as tendências progressistas. Nesta unidade, destacaremos a chamada Pedagogia Libertadora, que tem como principal representante o educador brasileiro Paulo Freire. Essa pedagogia está a serviço da transformação social. Os estudos e as pesquisas centrados na prática pedagógica das escolas na década de 1980 desenvolvem alternativas para o ensino tendo como meta a lógica, os interesses e as necessidades das classes trabalhadoras (MARTINS apud VEIGA, 1996). Foi com esse objetivo que Paulo Freire faz chegar às classes populares o método de alfabetização para adultos. Você sabia que devido à e� cácia do seu método o educador � cou conhecido no mundo inteiro? O que o levou a criar um método de alfabetização? Sendo professor de Português, desde muito cedo, Freire se interessou pelas questões da educação popular e consequentemente pela alfabetização de adultos. Segundo Cordeiro (2010), na década de 1950, o educador trabalhava no movimento de renovação da Igreja Católica, em uma perspectiva de solidariedade com os mais pobres. Seu método foi criado em 1960 e, devido ao sucesso das primeiras experiências, o seu trabalho teve forte repercussão nacional e internacional, resultando em uma campanha que pretendia erradicar o analfabetismo em praticamente todo o território brasileiro no ano de www.esab.edu.br 44 1964. Porém, o golpe militar chegou antes de se realizar o sonho de ver todos os brasileiros alfabetizados. Podemos imaginar o que aconteceu. Conforme Cordeiro (2010), o golpe militar levou à suspensão do movimento e, como se não bastasse, Paulo Freire foi preso e posteriormente exilado. O educador passou a viver fora do país, mas manteve seu trabalho ligado a programas de alfabetização. Nesse período, atuou na educação em diferentes países, entre outros, Chile, Estados Unidos, Suíça, Guiné-Bissau e Moçambique. Após a anistia, Paulo Freire retornou ao Brasil e então retomou seu trabalho de alfabetização junto aos movimentos populares. Foi Secretário Municipal da Educação de São Paulo no período de 1989-1991. Vamos nos concentrar agora em que consiste o seu método de alfabetização para adultos. Em primeiro lugar, convém conceituar alfabetização nesta proposta. Segundo Cordeiro (2010, p. 183), Freire considerava a alfabetização como um processo de conscientização da realidade social e cultural dos educandos. O ensino, nessa perspectiva, não está centrado nos conteúdos sistematizados na escola, mas busca colocar em discussão temas que dizem respeito à realidade política e social dos alunos e também promover ações de ordem prática que envolvem a realidade na qual o aluno está inserido. A classe é transformada no chamado círculo de cultura, em que, por meio de debates coordenados por um monitor, os educandos podem se apropriar da sua própria cultura, elevar o seu nível de compreensão da realidade e, ao mesmo tempo, adquirir um poderoso instrumento intelectual e político representado pelo letramento. (CORDEIRO, 2010, p. 182) www.esab.edu.br 45 Figura 5 – Método Paulo Freire: alfabetização pela conscientização – “círculo de cultura”. Fonte: <commons.wikimedia.org>. Perceba que Freire não está preocupado apenas com a leitura de palavras e frases, seu método não visa à simples decodi� cação de símbolos. O que busca para os alunos, na realidade, é uma leitura de mundo. Outra parte importante do método são os temas geradores e as palavras geradoras. Os temas geradores são materiais preparados pelo professor que dizem respeito a aspectos da comunidade. Nesse sentido, toda forma de material é válida, exempli� cando: dados sobre a comunidade, entrevistas escritas ou gravadas, fotos, documentos e outros. Já as palavras geradoras são instrumentos elaborados que são utilizados no momento de alfabetização, mas igualmente conduzem a debates que nascem do sentido das palavras. Vale destacar ainda que a proposta do trabalho pedagógico incentiva os alunos a superarem as di� culdades encontradas no meio social em que vivem ao darem signi� cado aos conteúdos trabalhados, uma vez que os conteúdos são expressão do seu cotidiano. www.esab.edu.br 46 E quanto ao professor? Bem, saiba que Paulo Freire foi exemplar como educador, portanto falar dessa relação não devia ser difícil para ele – falava do que fazia. Repudiava a pedagogia bancária porque via no diálogo a forma mais adequada de professor e aluno manterem a relação pedagógica. Nessa relação, ambos aprendem e ensinam. O professor deve, diariamente, mostrar ao aluno sua competência, ser amoroso, paciente, coerente naquilo que diz e faz, conseguir viver com as diferenças e, acima de tudo, posicionar-se politicamente. Para Freire, teoria e prática tinham de caminhar juntas para dar conta da superação. Conforme a� rma Cordeiro (2010, p. 183): O objetivo de todo esse trabalho é cooperar no processo de conscientização e de libertação dos oprimidos, no sentido da instauração de condições para a construção coletiva e autônoma de uma sociedade nova, em que não haja mais dominantes nem dominados. Na � gura a seguir, você pode veri� car de que forma lavradores, alunos da escola inspirada por Freire, utilizaram a escrita para denunciar irregularidades em suas propriedades. www.esab.edu.br 47 Figura 6 – Carta-denúncia dos lavradores. Fonte: Brandão (1991). E, para � nalizar, citamos Apple (1989 apud CASTANHO; CASTANHO, 1996) acerca dos objetivos de ensino de uma pedagogia libertadora: ao adotar uma perspectiva emancipatória em que a educação é vista como lugar e instrumento de libertação dos grupos discriminados e dos indivíduos reprimidos, os objetivos, que se articulam com a intenção, deixam deser um problema técnico (o quê, como, quando, onde) para ser um problema político-estratégico (para quê, para quem, para quando, para onde, com quem). Com isso, podemos perceber que a intencionalidade está fortemente marcada no ato de educar. www.esab.edu.br 48 9 Tendências pedagógicas progressistas: Pedagogia Libertária Objetivo Conhecer a tendência libertária e suas infl uências sobre os modos de ensinar e aprender. Vamos a mais uma unidade? Estudadas as tendências pedagógicas que perpassaram a história da educação, pudemos perceber que cada uma delas deixou marcas em nossas vidas, seja como alunos ou professores. Nesta unidade, vamos nos dedicar ao estudo da Pedagogia Libertária. Em um primeiro momento, podemos achar que alguns elementos deste tema já foram estudados na unidade anterior, uma vez que eles possuem muita coisa em comum. No entanto, há algumas diferenças entre a Pedagogia Libertária e a Pedagogia Libertadora que merecem nossa atenção neste estudo. Vamos começar por diferenciá-las? Você estudou na unidade 8 que a escola baseada na Pedagogia Libertadora tem como objetivo conscientizar e libertar os oprimidos, dando-lhes condições de superar seu modo de viver, podendo, dessa forma, construir coletivamente uma nova sociedade, onde não haja dominantes nem dominados. Já na Pedagogia Libertária, a escola tem como objetivo ajudar a transformar a personalidade dos alunos no sentido de fazê-los se autogerir. É contra qualquer tipo de autoritarismo, e por esse motivo o professor não tem um papel relevante no processo, devendo se colocar como igual nos momentos de interação. Na corrente pedagógica libertária o conteúdo também ocupa um lugar secundário: é colocado à disposição do aluno, que não necessita estudá- lo obrigatoriamente. Só se justi� ca a aprendizagem do conteúdo quando www.esab.edu.br 49 é para convertê-la em prática. A informação não é o principal, o que está no centro da proposta é a formação, a humanização. As práticas pedagógicas se dão em grupos, assembleias, reuniões, conselhos, no entanto não têm como objetivo estudar um conteúdo predeterminado. Podemos perceber o quanto as diferenças são signi� cativas no que tange ao papel do professor e também dos conteúdos. A Pedagogia Libertadora, ao contrário da Libertária, coloca no conteúdo a possibilidade de o aluno conseguir sua autonomia intelectual, com o objetivo de transformar e transformar-se. O professor ocupa papel de coordenador dos grupos, fazendo o conteúdo chegar até o aluno e levando em consideração, em um primeiro plano, a sua história de vida. O objetivo é conscientizar para mudar. Educar é um ato político. Apesar das diferenças, as duas correntes têm em comum a busca pela transformação. A Pedagogia Libertária, assim como as demais pedagogias progressistas estudadas nas unidades anteriores, segue a tendência � losó� co-política de conceber a importância da educação educação como transformação da sociedade. De acordo com Veiga (2003), a educação nessa vertente não está centrada no professor nem no aluno, mas na formação do homem. Volta-se para o ser humano e sua realização em sociedade, ou seja, agir no interior da escola é trabalhar para a transformação da própria sociedade. Você saberia dizer qual o papel da Didática em todas essas mudanças ocorridas na educação? Veiga (2003) a� rma que a Didática, no âmbito dessa pedagogia, tem o papel de auxiliar na formação política do futuro professor, aguçando seu olhar no sentido de perceber a ideologia que inspirou a forma de pensar e de fazer dessa escola. É seu papel compreender e analisar a realidade social em que a escola está inserida. Agora que você já conhece um pouco da Pedagogia Libertária, passaremos a apresentar dois de seus representantes, cujos estudos foram e permanecem de fundamental importância no que diz respeito às novas perspectivas para a educação em uma visão libertadora. www.esab.edu.br 50 O primeiro representante dessa corrente pedagógica aqui apresentado é Alexander Sutherland Neill, criador da famosa Escola de Summerhill. Segundo Cordeiro (2010), essa escola tem como princípio a liberdade de seus alunos, a autogestão e a não diretividade. É uma escola que atrai a atenção de estudiosos do mundo inteiro devido à sua proposta libertária. O que a difere das outras escolas? Nela, os alunos não são obrigados a frequentar aulas ou fazer qualquer outra coisa que não queiram. As decisões são tomadas em assembleias. Nos momentos de posicionamento, as intervenções dos alunos e dos professores têm o mesmo peso. Neill a� rma ser a repressão da liberdade do indivíduo o impedidor do pleno desenvolvimento das capacidades humanas, por esse motivo, em sua escola os alunos vivem em regime de internato, pois defendia a ideia de que certas convivências in� uenciavam negativamente os alunos. Vejamos o que diz Cordeiro sobre isso: Neill defendia a ideia de que, para criar indivíduos livres e felizes, seria necessário afastá-los das infl uências repressoras e danosas da família e da sociedade. Para tanto, crianças e jovens estudam em regime de internato, só visitando suas famílias durante as férias. (CORDEIRO, 2010, p. 181) Para Neill, o sucesso da escola deveria ser avaliado de acordo com a felicidade dos indivíduos que ali estudavam e não pelo que esses sujeitos ganhariam em dinheiro ou pelo cargo que ocupariam depois que saíssem da escola. Cordeiro (2010) a� rma que embora a escola de Neill tenha sido criticada por muitos, ela continua sendo referência e motivo de inspiração para muitos educadores. A escola continua funcionando e é dirigida pela � lha de Neill. Uma proposta bem interessante e diferente, você concorda? Vamos agora conhecer o segundo representante da Pedagogia Libertária. Cordeiro (2010) destaca a importância de Célestin Freinet ao a� rmar que foi um educador importante que criou um conjunto de técnicas destinadas a facilitar o trabalho dos professores. Tinha por objetivo também permitir o desenvolvimento da capacidade de expressão e o pensamento das crianças, bem como seu espírito comunitário e de www.esab.edu.br 51 solidariedade. Várias de suas técnicas são utilizadas por professores em nossas escolas, sendo que as mais conhecidas são: as aulas-passeio, o texto livre, o desenho livre, a correspondência entre escolas, o jornal chamado de imprensa escolar e o livro da vida. Ademais, considerava a criança como participante de uma comunidade e não como um simples indivíduo, portanto, um ser social. Por esse motivo, suas propostas pedagógicas levam a trabalhos coletivos. Quanto à avaliação, Freinet a� rma que deva ser feita sempre em conjunto pelos alunos e professores. Tanto Neill quanto Freinet foram professores que construíram teorias a partir de suas práticas, o que nos leva a pensar sobre o papel que cada um de nós deve exercer em sala de aula no que diz respeito à construção do conhecimento e à autoria. Terminamos esta unidade salientando a importância da intencionalidade no ato de educar, citando Veiga (2003), que diz ser importante a mudança da Didática, mudança que deve priorizar o pensar e agir dos professores e que, ao pensar, os professores tenham em mente a necessidade de democratizar o ensino. A autora salienta a necessidade de se conceber o ensino como um processo democrático e intencional de transmissão e elaboração de conteúdos culturais e cientí� cos. Diz ainda que a apenas a Didática não conseguirá formar o professor crítico. A conscientização e a percepção das contradições que permeiam as relações de sala de aula são, nesse sentido, fundamentais para que o professor possa ajudar a construir uma Didática crítica, contextualizada e socialmente comprometida com a formação dos professores. Atividade Chegou a hora de você testar seus conhecimentos em relação às unidades 1 a 9. Para isso, dirija-se ao Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e responda às questões. Além de revisar o conteúdo, você estará se
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