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Semiologia Psiquiátrica

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Exame Clínico 
Marco Antonio Alves Brasil e Heloisa Helena Alves Brasil 
O exame clínico em psiquiatria compreende a entrevista 
psiquiátrica (que inclui a anamnese tradicional e o exame psí-
quico) e o exame físico. 
Seus objetivos são semelhantes àqueles das outras espe-
cialidades médicas: pesquisar os sintomas e sinais das doen-
ças, discutir os mecanismos e o valor deles, coordenar e 
sistematizar todos os elementos obtidos para construir o 
diagnóstico, formular uma proposta terapêutica e deduzir o 
prognóstico. 
Há, no entanto, particularidades no exame psiquiátrico que 
o diferenciam dos demais. Mais do que em outras áreas da 
medicina, além da função diagnóstica, ele tem uma especial e 
importante função terapêutica. Esses dois aspectos, presentes 
desde o momento em que se inicia o exame psiquiátrico, estão 
intimamente inter-relacionados. 
.,... Entrevista psiquiátrica 
Ainda que o médico veja o paciente uma única vez, é pos-
sível uma interação verdadeiramente terapêutica. Mesmo que 
seguido de outros subsequentes, esse primeiro encontro tem 
um significado fundamental tanto em nível psicoterápico 
como diagnóstico. Daí a importância da entrevista inicial. 
• Entrevista inicial 
A princípio, essa entrevista deveria ser definida como o 
primeiro encontro que o paciente tem com o seu médico. No 
entanto, ela é, em geral, apenas o mais recente de uma série de 
encontros com outros profissionais de saúde. 
Inicialmente, o paciente reagirá influenciado pelo que 
vivenciou nas experiências anteriores. Assim, ele chegará à 
primeira entrevista com um prejulgamento ou sentimento 
antecipado sobre o médico que o entrevistará. Essas distorções 
da figura real desse profissional também podem estar ligadas 
a sentimentos inconscientes do paciente . .E importante, para a 
relação terapêutica, que o médico compreenda e aceite a des-
confiança e os temores iniciais que o paciente trará para a pri-
meira entrevista. 
O paciente se mostrará ansioso acerca de sua enfermidade, 
da reação do médico e dos problemas práticos do tratamento 
psiquiátrico. Muitas pessoas acham profundamente perturba-
dora a ideia de procurar um psiquiatra e temem ser rejeitadas, 
tratadas com desprezo, incompreendidas ou diagnosticadas 
como loucas, esquizofrênicas. Sentem vergonha ou humilha-
ção por terem de descrever seus sofrimentos mais íntimos, e os 
de sua família, a um estranho. 
Frequentemente, o paciente vai ao psiquiatra esperando 
que ele se interesse apenas por seus sintomas e deficiências de 
caráter, pois teme que suas revelações escandalizem ou assus-
tem o médico. Por isso, é importante que o profissional evite 
qualquer atitude que pareça de aprovação ou reprovação. Ele 
deve compreender o paciente, e não julgá-lo; não deve lhe dar 
nem lhe tirar a razão, mas aceitá-lo tal como é, com sua escala 
de valores. 
O médico, por sua vez, estará ansioso a cada encontro com 
um novo paciente, trazendo consigo a incerteza se saberá diag-
nosticar e atuar corretamente. Talvez esteja preocupado com 
o julgamento que o paciente fará dele e de sua competência 
profissional. Isso faz com que muitos profissionais, sobretudo 
os iniciantes, procurem dar a seus pacientes um diagnóstico o 
quanto antes possível, encaixando-os em um esquema preesta-
belecido, por meio de uma percepção seletiva, ou seja, ter um 
diagnóstico pré-fabricado desde as primeiras frases do paciente, 
percebendo seletivamente apenas os sintomas que concordam 
com o seu diagnóstico. Seria uma maneira de livrar-se de um 
incômodo encontro, o mais rapidamente possível. 
O médico não leva para a entrevista apenas suas qualida-
des profissionais, mas também suas características pessoais. 
Sua estrutura de caráter, seus valores e sua sensibilidade aos 
sentimentos alheios terão grande influência e participação 
no relacionamento com os pacientes (ver Capítulo 4, Relação 
Médico-Paciente). 
• Entrevistador principiante 
O entrevistador inexperiente sente-se mais ansioso que seu 
colega mais antigo. Tentando controlar a própria ansiedade, 
ele não consegue perceber as sutis variações nas respostas 
emocionais do paciente . 
O estudante apresenta o temor de estar agindo de maneira 
inadequada, deixando, com frequência, tal sentimento trans-
parecer para o paciente. O principiante imagina que o paciente 
ficará sabendo de sua condição de estudante e não acreditará 
que ele tenha competência para tratá-lo. 
As referências a essas questões deverão ser manejadas de 
maneira franca e espontânea, e o principiante deve esclarecer 
que se trata de um hospital de ensino e explicar sua condição 
de estudante (acadêmico, interno). A tranquila aceitação, por 
parte do estudante, dos temores do paciente em relação à sua 
falta de experiência fortalecerá a segurança e a confiança deste. 
O médico inexperiente, seja qual for a sua especialidade, 
sente-se culpado com o fato de praticar com seu paciente. Essa 
culpa é vivida intensamente quando, por exemplo, o estudante 
falha várias vezes ao tentar sua primeira venopuntura, acre-
ditando que o médico mais experiente teria obtido êxito na 
primeira tentativa. Isso está presente no aprendizado da entre-
vista psiquiátrica, que é longo e difícil Embora o supervisor 
observe que não há substituto para a própria experiência, 
adquirida ao longo da prática clínica diária, o principiante 
imagina, muitas vezes, como seria rápida a recuperação do 
paciente se este fosse tratado pelo seu supervisor. 
O estudante projeta em seu professor os mesmos sentimen-
tos de onipotência e onisciência que o paciente coloca sobre 
seu terapeuta. Em decorrência, é importante que ele saiba que 
nenhum profissional conduzirá uma entrevista totalmente 
livre de erros. A imperfeição, sendo uma realidade humana, 
concede ao médico a condição de permanente estudante e a 
contínua oportunidade de crescimento profissional. 
A natureza da relação médico-paciente favorece o desejo 
de onisciência e onipotência. Se o entrevistador aceitar esse 
180 I Exame Clínico 
papel, o paciente não poderá superar seus sentimentos básicos 
de impotência e inferioridade. 
O médico poderá utilizar ainda o exibicionismo como 
uma maneira de conquistar a afeição ou a admiração de seus 
pacientes. A ostentação de conhecimento e de status social e 
profissional são exemplos dessa atitude. Ele poderá tornar-se 
dependente dessa afeição como fonte de seu bem-estar, sobre-
tudo quando as gratificações proporcionadas por sua vida pes-
soal forem inadequadas. Consequentemente, sentir-se-á frus-
trado ou irritado toda vez que o paciente não corresponder 
àquelas necessidades. 
• Aliança terapêutica 
Nas situações em que o paciente vê o médico como fonte 
potencial de ajuda, este pode obter uma quantidade conside-
rável de informações sobre o paciente e seu sofrimento ape-
nas ouvindo-o. Contudo, há muitos casos em que o paciente 
não consegue confiar no médico de início. Em tais situações, o 
sucesso da entrevista dependerá da capacidade do examinador 
em conquistar essa confiança, estabelecendo com seu paciente 
uma aliança terapêutica ou rapport. 
A palavra rapport significa relação harmoniosa e é usada 
internacionalmente em medicina, com o mesmo significado: 
relação cordial, afetuosa, apreço e respeito mútuo, que devem 
unir o médico e o paciente. 
Os ingredientes mais importantes para que o médico esta-
beleça uma aliança terapêutica ou rapport são sua sensibili-
dade e capacidade de empatizar, ou seja, de sentir com, ser 
solidário com o sofrimento do paciente. 
Se existe um sinal de entrevista bem -sucedida, esse é o grau 
em que paciente e médico compartilham um sentimento de 
compreensão. Trata-se de algo que não pode ser fingido, assim 
como o interesse e o afeto sincero pelo paciente e seus proble-
mas. Aliás, o paciente psiquiátrico costuma ter uma intuição 
especial para perceber isso. 
Os primeiros momentos da entrevista têm uma importân-
cia fundamental na configuração da totalidade do curso da 
relação médico-paciente. A primeira impressãoque o pro-
fissional produz no paciente costuma ficar gravada na mente 
deste permanentemente. Se o primeiro contato não for bom, 
mas, sim, traumático para o paciente (sentir-se desrespeitado, 
rejeitado), é provável que os efeitos negativos sobre a relação 
jamais sejam anulados, por mais esforços que o médico faça 
em restabelecê-la. 
A ansiedade preside os primeiros momentos da entrevista, 
por isso cabe ao médico desfazer esse clima inicial. Ele deve 
agir nesse sentido mostrando-se receptivo e pronto para ouvir 
o que o paciente tem a dizer-lhe. Muitas vezes, bastam frases, 
como: "Em que posso ajudá-lo?"; "Fale sobre seu problema"; 
"O que o fez me procurar?': para que o paciente comece a falar 
de suas queixas. Esse é o momento em que o médico precisa 
ouvir, interrompendo o mínimo possível, somente quando 
absolutamente necessário para o entendimento do relato do 
paciente. 
Durante a entrevista, é importante que o profissional con-
ceda breves períodos de silêncio, o qual pode ter uma fun-
ção terapêutica. Quando este se prolongar, sugestões como: 
"Poderia falar alguma coisa sobre sua infância, de seu casa-
mento, de seus pais etc:' são preferíveis a perguntas mais diri-
gidas. 
A entrevista colhida de maneira não dirigida tem vantagem 
em relação à obtida por meio de questionário, não só no plano 
terapêutico como também no diagnóstico. 
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• Transferênda e contratransferência 
Sobre muitos aspectos psicológicos presentes na rela-
ção médico-paciente, o próprio médico pode dar-se conta e 
refletir sobre eles. Há, no entanto, alguns fatores que também 
estão presentes na dinâmica de uma entrevista, mas são difí-
ceis de serem percebidos, pois ocorrem em nível inconsciente, 
podendo atuar tanto no paciente como no médico. 
Eles podem ser percebidos apenas indiretamente, por 
meio de sonhos, atos falhos e, sobretudo, sentimentos apa-
rentemente incompreensíveis que o paciente experimenta. 
Estes - que, às vezes, são totalmente irracionais - derivam da 
identificação inconsciente que ele faz do médico com algum 
personagem significativo de sua infância (pais, irmãos, tios, 
babás). Sem se dar conta, o paciente tende a se relacionar com 
o profissional da mesma maneira como se relacionava com 
tal personagem (ou personagens) de sua infância: transfere 
para a relação médico-paciente a dinâmica psicológica de seus 
primeiros conflitos afetivos infantis, os quais marcaram de 
maneira permanente seu modo de reação inconsciente. Isso 
faz com que o paciente tenha uma relação inadequada, pois 
não corresponde à situação atual, mas, sim, a situações de seu 
passado remoto, de que ele não se recorda. Esse fenômeno de 
transferir cargas afetivas denomina-se transferência. 
O médico não está imune à dinâmica do inconsciente. 
Chama-se contratransferência o grupo de fenômenos de pro-
jeção sobre o paciente da própria estrutura inconsciente do 
médico, o qual cria sentimentos de simpatia, hostilidade, aver-
são, necessidade de receber afeto ou admiração injustificados 
e inadequados para a relação atual, mas coerentes com situa-
ções primitivas presentes no inconsciente. Nessa situação, o 
profissional reage ao paciente como se este fosse uma figura 
de seu passado. Então, quanto mais intensos forem os padrões 
neuróticos do médico, maior é a possibilidade de respostas 
contratransferenciais. 
O manejo desses mecanismos transferenciais e contra-
transferenciais não é fácil e exige um treinamento especial 
do terapeuta, que inclui a própria análise pessoal. Isso não 
impede que um terapeuta não especializado - o clínico geral, 
por exemplo - possa desfazer certas reações transferenciais, 
por meio de uma relação médico-paciente compreensiva e 
afetuosa. Do mesmo modo, na medida em que ficar atento às 
suas reações emocionais diante do paciente, o médico poderá 
perceber as reações que não correspondem à situação atual. 
As reações reais e adequadas do paciente com relação 
ao seu médico não são de transferência. Do mesmo modo, 
o médico pode gostar do paciente e sentir simpatia por ele, 
ou antagonismo, sem que isso implique contratransferência, 
desde que tais reações sejam as mesmas que o paciente provo-
caria na maior parte das pessoas. 
.... Anamnese 
Durante a entrevista com o paciente, o médico obterá 
dados que serão incorporados à anamnese e ao exame psí-
quico. Sendo assim, anamnese e exame psíquico se superpõem 
e somente por motivos didáticos serão vistos em separado. 
Esquematicamente, a anamnese psiquiátrica tem os mes-
mos elementos de toda história clínica: identificação, queixa 
principal, história da doença atual, história pessoal, incluindo 
antecedentes pessoais e familiares, bem como hábitos de vida. 
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No entanto, em virtude das características da doença men-
tal, a coleta e a interpretação dos dados exigem certos cuida-
dos e apresentam algumas peculiaridades. 
Os dados da anamnese são obtidos de duas fontes: do pró-
prio paciente ou de seus acompanhantes (geralmente familia-
res). Nenhuma das duas fontes é sempre fidedigna. 
O paciente pode simular sintomas psiquiátricos, o que é 
um fato relativamente raro. Dificilmente uma pessoa pode 
sustentar sintomatologia coerente com determinado trans-
torno psiquiátrico por muito tempo. 
A omissão de sintomas (dissimulação), em contrapartida, 
ocorre com bastante frequência. Nesse caso, o paciente omite 
seus sintomas por medo do tratamento (p. ex., internação) 
ou como consequência da sua atitude de desconfiança em 
relação ao examinador. Mesmo que o paciente procure ser 
sincero, poderá omitir importantes informações por meca-
nismos de defesa inconscientes (exemplos: negação, raciona-
lização). 
Com frequência, o paciente psiquiátrico vai acompanhado 
à entrevista. Quando isso ocorre, deve-se ouvi-lo em primeiro 
lugar, para, depois, sempre na presença dele, ouvir o acom-
panhante. Se o paciente se mostrar ansioso, desconfiado, soli-
citando a presença do acompanhante no início da entrevista, 
esta deve ser tolerada, até que ele sinta o mínimo de tranquili-
dade que lhe possibilite ficar a sós com o examinador. 
Os dados fornecidos por outras pessoas também podem 
estar distorcidos, como, por exemplo, as dificuldades que os 
pais têm em ver distúrbios de conduta nos filhos, bem como as 
deformações por inveja e a competição entre irmãos. 
O médico pode obter informações completamente contra-
ditórias, às vezes acompanhadas de acusações mútuas entre 
o paciente e seu acompanhante. Nesses momentos, é preciso 
lembrar que a imparcialidade é uma das condições necessárias 
na relação médico-paciente, não devendo o profissional tomar 
partido de um ou de outro. 
No caso de uma criança, alguns psiquiatras preferem entre-
vistar primeiro os pais dela e, em um segundo encontro, a pró-
pria. Outros acreditam que a entrevista com todos os familia-
res possibilita, desde o início, a observação de como interagem 
entre si, e que, junto à narração do sintoma e da história da 
criança, o médico deve valorizar as várias comunicações e tro-
cas extraverbais entre os membros do grupo familiar. 
Quando somente um dos pais comparece à consulta, um 
esforço deve ser feito para que o outro compareça em uma 
próxima entrevista. É importante que ambos estejam envolvi-
dos na avaliação e no tratamento da criança, mesmo que este-
jam separados, a não ser que um deles não participe de modo 
algum da vida do filho. 
Quanto à maneira de obter as informações sobre a criança, 
as opiniões divergem. Alguns psiquiatras acreditam que o 
uso planejado do tempo de entrevista é muito importante. 
Sem assumir um papel de interrogador rígido, o médico deve 
dirigir a entrevista seguindo um roteiro. Justificam que assim 
evitam que os pais entrem em divagações e observações sem 
objetivo e direção. Preferem "orientar-se na história pessoal da 
criança, reconstruir sua anamnese e deter-se na sua realidade 
imediata". Outros psiquiatras sugerem que o ideal é deixar que 
os pais falem livremente sobre os problemas que os levaram à 
consulta.Entre a entrevista livre e a dirigida, encontra-se a semidiri-
gida. O método é deixar que o relato se desenvolva livremente, 
sem interrompê-lo. Isso não quer dizer que perguntas não 
sejam permitidas. Deve-se evitar ficar preso a um interroga-
tório sistemático, interromper as associações de ideias feitas 
Parte 16 I Exame Psiquiátrico 
pelos pais sem valorizá-las e antecipar-se com explicações, 
conselhos e respostas. 
O local da entrevista deve ser em um ambiente que res-
guarde a privacidade do paciente. Evidentemente, ele não se 
sentirá encorajado a revelar aspectos íntimos de sua vida em 
um local onde a privacidade não esteja assegurada. Da mesma 
maneira, é importante que o profissional fale ao paciente de 
seu compromisso de guardar sigilo do que lhe for comuni-
cado, quando sentir seu embaraço no decorrer da entrevista. 
O médico precisa ter em mente um roteiro que o auxilie a 
cobrir todos os pontos úteis e necessários para diagnóstico e 
compreensão global do paciente. No entanto, esse roteiro não 
deve ser aplicado por meio de um questionário. As informa-
ções devem ser colhidas a partir da exposição do paciente, ini-
ciada de modo mais livre possível. 
A intervenção inicial do médico deve ser cumprimentar o 
paciente (sem se esquecer de dizer seu próprio nome e pergun-
tar pelo nome do paciente), ou seja, atuar como em qualquer 
encontro entre desconhecidos. Em seguida, perguntar-lhe o 
motivo de sua ida à consulta. 
Geralmente, o paciente começa a falar de suas queixas ou 
do motivo pelo qual foi à consulta. Outras vezes, permanece 
em silêncio, como se estivesse aguardando as perguntas do 
examinador (como no modelo médico tradicional). O esclare-
cimento quanto à importância de ouvir o que ele tem a dizer, 
encorajando-o a falar livremente, costuma quebrar o silêncio 
inicial. 
Por quanto tempo ouvir o paciente, quando interrompê-lo, 
como fazer de maneira adequada e oportuna essa interrupção 
são questões para as quais não há respostas prontas. Somente 
com a experiência, a prática da entrevista, o médico terá con-
dições de manejá-las adequadamente. Em pacientes prolixos, 
detalhistas, hipocondríacos, tais dificuldades afloram com 
mais nitidez. Nesses casos, o profissional terá de intervir para 
evitar repetições e sobrecarga de pormenores que poderiam 
comprometer a obtenção do essencial. 
Na realização da anamnese, é fundamental permitir que 
o paciente conte sua história com as próprias palavras e na 
ordem que ele escolher. À medida que ele faz seu relato, o exa-
minador deve reconhecer os momentos nos quais pode intro-
duzir questões relevantes para a anamnese e o exame psíquico. 
O erro mais comum na obtenção de uma história psiquiátrica 
é a interferência inoportuna do médico no relato do paciente, 
tentando organizar a entrevista com um número excessivo de 
indagações, ou para seguir o roteiro clássico de anamnese. 
As perguntas devem ser abertas, sem induzir respostas 
positivas ou negativas. Por exemplo: "Como tem estado o seu 
sono?': ou "Como o senhor tem dormido?", e não: "O senhor 
tem dormido bem?" ou "O senhor não tem dormido bem?': 
Além disso, elas devem ser feitas usando o vocabulário do 
paciente, e não a terminologia científica. Isso facilita o desen-
volvimento do rapport e ajuda o paciente a entender correta-
mente o sentido das questões que lhe são formuladas. 
Próximo ao final da entrevista (em geral, 10 a 15 min antes 
do término previsto), o médico deve informar ao paciente 
que ela está terminando. Nesse caso, devem-se aproveitar os 
minutos finais para esclarecer, com o paciente, algum ponto 
que não tenha ficado claro, cuja explicação ele julgue essencial. 
É importante, no entanto, lembrar ao examinador princi-
piante que não é possível esclarecer todos os fatos levantados 
pelo paciente durante a entrevista. Se não conseguir com-
preender o que se passa com o paciente depois de uma hora 
de conversação, o profissional não precisa necessariamente 
censurar-se por isso. É possível obter esse entendimento em 
180 I Exame Clínico 
oportunidades subsequentes, à medida que o paciente revele 
aos poucos a natureza de sua doença e de sua pessoa. 
Uma nova questão cada vez mais difundida, a qual pode 
interferir na anamnese e na relação com o paciente, refere-se 
às informações facilmente obtidas em sites de busca da inter-
net sobre as doenças. Como estão disponíveis, em grau cres-
cente, conhecimentos sobre diagnóstico e tratamento, muitos 
pacientes se apropriam deles e, mesmo sem entendê-los, intro-
duzem-nos durante a entrevista, questionando e até contradi-
zendo o médico. 
É necessário adquirir capacidade de lidar com esse pro-
blema, inclusive tirando proveito para informar melhor o 
paciente e os familiares. 
Geralmente, o paciente (ou acompanhante) espera que o 
médico, ao fim da entrevista, diga alguma coisa sobre o que ele 
tem, e lhe dê esclarecimentos e orientações sobre o tratamento 
a ser seguido. 
O plano geral da assistência proposta deve ser feito da 
maneira mais clara possível, no nível de compreensão do 
paciente. O uso de termos técnicos deve ser sempre evitado. 
Por exemplo: "Creio que posso ajudá-lo a recuperar-se desse 
desânimo, da falta de sono e de apetite e dos pensamentos 
ruins de que o senhor me falou:' 
Caso o médico não esteja seguro do diagnóstico, é prefe-
rível que ele faça novas entrevistas antes de começar o tra-
tamento, desde que não seja, obviamente, um caso de emer-
gência psiquiátrica. Por exemplo: "Como o senhor disse, seu 
problema parece ser psicológico, mas acho necessário outra 
entrevista para esclarecer melhor o seu caso:' 
De modo geral, os diagnósticos formais - "O senhor tem 
uma neurose fóbicà', "um transtorno bipolar" - devem ser evi-
tados. Eles de nada adiantam ao paciente e podem até mesmo 
ser nocivos em virtude das interpretações distorcidas que o 
paciente ou sua família podem fazer deles. 
• Roteiro da anamnese 
Nunca será demais enfatizar que a organização da anam-
nese e do exame psíquico, assim como é delineada neste capí-
tulo, serve de registro da história psiquiátrica; não se trata de 
um script a ser seguido durante a entrevista. 
... Identificação. Nome, idade, sexo, naturalidade, nacionali-
dade, estado civil, profissão, residência, religião, telefone 
para contato. É útil também registrar o(s) nome(s) do(s) 
acompanhante(s), grau de parentesco, endereço, bem como a 
fonte de encaminhamento - nome do médico, hospital, posto 
de saúde, instituição previdenciária. Essas informações po-
dem ser obtidas antes do encontro com o paciente . 
.... Queixa principal ou motivo da consulta. À primeira vista, essa parte 
parece a mais simples das subdivisões da anamnese. No en-
tanto, é uma das mais complexas. Em muitos casos, o paciente 
não começa sua história com uma queixa principal; por isso, 
é difícil o médico apreender o que mais incomoda o paciente 
ou por que ele procurou tratamento naquele momento. Outras 
vezes, o paciente nega qualquer razão para ir à entrevista, e a 
queixa é relatada por uma terceira pessoa. 
Deve-se registrar a queixa ou o motivo da consulta sem-
pre com as palavras do paciente ou do acompanhante. Queixas 
vagas como problemas dos nervos, depressão, fraqueza na cabeça 
devem ser esclarecidas até que fique claro o motivo da consulta. 
.... História da doença atual. Na obtenção da história da doença atu-
al, devem ser considerados fundamentais os seguintes dados: 
Início da doença. Nem sempre é fácil determinar o início da 
doença. Muitas vezes, o paciente dá respostas vagas, como: 
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"Tenho esta doença desde pequeno"; "Faz muito tempo que 
estou sentindo isto". Oferecendo pontos de referência como 
"foi antes ou depois de entrar para a escola, do serviço mili-
tar, do casamento, do nascimento do primeiro filho~ o médico 
pode ajudá-lo a localizar com mais precisão o início de seus 
sintomas. 
Outras vezes, o paciente faz referência apenas ao último epi-
sódio de uma doença recorrente. Perguntas como: "O senhor 
nunca teve nada parecidoanteriormente?" podem esclarecer 
aquela informaç.ão. 
Como se iniciou a doença. De maneira súbita ou insidiosa? 
Como evoluiu a doença. Sem remissão, de maneira remitente ou 
recorrente? A doença vem se agravando ou está estacionária? 
Se for recorrente, os episódios vêm aumentando em intensi-
dade, duração e/ou frequência? Seguem alguma periodicida-
de? Há alguma flutuação dos sintomas em relação a algum 
período do dia, semana, mês ou ano? E em relação ao perío-
do menstrual? 
Fatores precipitantes. À medida que o paciente fala sobre o desen-
volvimento dos seus sintomas e das mudanças de comporta-
mento que culminaram na procura de ajuda médica, o médico 
deve estar atento aos detalhes da vida do paciente, ao tempo 
em que aquelas dificuldades começaram. 
Frequentemente, o paciente tem dificuldade de correlacio-
nar o início de seus sintomas com alguma situação emocio-
nal. Costuma atribuir sua doença a situações concretas, como 
traumatismo na cabeça, doença física e outros incidentes que 
variam de acordo com o meio cultural e o nível intelectual do 
paciente. 
Não cabe ao examinador tentar convencer o paciente de 
que fatores psicológicos possam estar presentes no desencade-
amento ou agravamento de seus sintomas. É preciso procurar, 
ao longo da entrevista, obter dados sobre a vida do paciente no 
período coberto pela doença atual, de modo a verificar cone-
xões entre situações psicologicamente significativas (morte e 
doença de familiares, mudanças e perda de emprego) e o sur-
gimento dos sintomas. Essas correlações não devem ser expli-
cadas imediatamente ao paciente. Quando feitas prematura-
mente, podem intensificar a resistência dele em reconhecer 
tais fatores, prejudicando a relação médico/paciente. 
Impacto da doença sobre o paciente. Os sintomas psiquiátricos têm 
um impacto significativo no paciente e em sua família. De-
ve-se procurar saber dele quais atividades ele ficou impedi-
do de desempenhar após o surgimento da doença e como se 
adaptou a essas limitações. 
Em alguns casos, o paciente pode, inconscientemente, uti-
lizar as limitações decorrentes de sua enfermidade para obter 
benefícios secundários, tais como maior afeição e atenção das 
pessoas amadas, ser desculpado de responsabilidades desagra-
dáveis, reforço de seus sentimentos de dependência. A aborda-
gem dessa questão deve ser feita com bastante cautela e nunca 
nas primeiras entrevistas. 
Revisão dos sistemas ou interrogatório sintomatológico. Os distúrbios 
emocionais são frequentemente acompanhados por sintomas 
físicos. Se, no decorrer de seu relato, o paciente não fizer re-
ferência ao seu padrão de sono, aumento ou perda de peso, 
apetite, funcionamento dos intestinos e sua atividade sexual, 
essas questões devem ser abordadas para que a avaliação sobre 
a doença atual seja completa. Em caso de insônia, inquirir se 
ela é inicial, intermediária, terminal ou uma combinação des-
ses tipos (ver Capítulo 6, Anamnese) . 
.... Antecedentes pessoais. Devem-se registrar, aqui, os dados sobre 
a vida do paciente, desde as circunstâncias em que foi gerado 
até o momento atual de sua vida. Procura-se obter um quadro 
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o mais completo possível do desenvolvimento, da estrutura e 
das características de sua personalidade. Esse conhecimento 
de quem é o paciente deve ser abrangente, procurando ver 
não apenas suas deficiências e limitações, mas também suas 
qualidades, seus interesses, seus valores morais, espirituais e 
culturais. 
Cabe assinalar que nunca será possível a obtenção de uma 
história pessoal completa; sempre haverá espaço para um 
maior conhecimento do paciente. Sendo assim, não se deve 
esperar abordar todos os tópicos em uma única entrevista. 
Os itens que se seguem deverão ser tratados em momentos 
oportunos, acompanhando a capacidade e a disponibilidade 
do paciente em relatá-los. 
Infância. Procurar obter lembranças significativas desse perío-
do, como, por exemplo, se teve um desenvolvimento psicomo-
tor normal, ou apresentou alguma enfermidade grave, prolon-
gada ou debilitante. Além disso, informar-se sobre situações 
emocionalmente traumáticas (doença e morte na família, so-
bretudo entre aqueles envolvidos com sua criação). 
Verificar a existência de distúrbios emocionais precoces 
(terror noturno, tiques, chupar dedo, roer unhas, gagueira, 
crises de raiva, enurese noturna e distúrbios da alimentação). 
Pesquisar também o início da sociabilidade e escolaridade 
- participação em brincadeiras em grupo (líder, papel ativo 
ou passivo), bem como sua adaptação na escola, a qualidade 
dos primeiros relacionamentos com colegas e professores, o 
rendimento, a disciplina escolar e as atividades extracurri-
culares. 
Puberdade. Como viveu as modificações corporais e quais foram 
~ . . suas repercussoes emociOnais. 
Adolescênàa. Procurar saber que impressões guarda da sua ado-
lescência. Como foi seu relacionamento social, rendimento e 
comportamento escolares, bem como seu início de namoro, 
interesse em artes e esportes, seu posicionamento e o de sua 
família quanto a valores religiosos, morais, culturais e políti-
cos (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). 
Vida sexual. Como recebeu as primeiras informações sobre sexo; 
início, qualidade e características da vida sexual. 
Vida laborativa. Quando começou a trabalhar, número de em-
pregos e tempo de permanência em cada um deles, além da 
razão das mudanças de trabalho, situação profissional e das 
. - ' asprraçoes nessa area. 
História médica. Obter informações sobre doenças anteriores, 
hospitalizações e procedimentos cirúrgicos; história de trau-
matismos, desmaios, tonturas, fraqueza muscular, turvação da 
visão, cefaleia (com suas características - se uni ou bilateral, 
acompanhada de escotomas), crises convulsivas (tipo e fre-
quência), comportamento explosivo imotivado e episódios de 
confusão mental. 
Verificar quais medicamentos está usando ou tenha usado 
recentemente (incluindo pílulas anticoncepcionais, medica-
mentos para emagrecer, analgésicos, xaropes, gotas nasais e 
colírios). 
Pesquisar o consumo de substâncias tóxicas - bebidas 
alcoólicas, cocaína, anfetaminas, maconha e alucinógenos. 
Se tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas, avaliar 
quantidade e frequência; o mesmo vale em relação ao con-
sumo de café e cigarro. 
Condições atuais de vida. Onde e com quem vive? Verificar carac-
terísticas da habitação e da vizinhança, situação financeira, há-
bitos e lazer, relacionamento com colegas de trabalho, chefes 
e amigos . 
.,.. Antecedentes familiares. Obter dados a respeito das característi-
cas da personalidade dos pais, irmãos e outros familiares que 
Parte 16 I Exame Psiquiátrico 
tenham tido participação efetiva e significativa na educação e 
sustentação emocional do paciente. 
Avaliar a qualidade do relacionamento com seus pais e 
irmãos, bem como papel e grau de participação na família de 
origem. 
História conjugal. Informar-se sobre o casamento (tempo e qua-
lidade), se há conflitos conjugais e as maneiras usadas para 
contorná-los, como é a personalidade da esposa, quais são os 
pontos de discordância, objetivos e aspirações comuns doca-
sal, como é a vida sexual. 
Pesquisar se tem filhos e enteados - número, sexo, idade, 
escolaridade, trabalho e traços de personalidade. 
Em caso de viuvez ou separação, saber quando ocorreu e a 
sua repercussão emocional. 
Investigar presença de doença mental e outras enfermida-
des na família. Em caso positivo, procurar esclarecer as carac-
terísticas da doença. 
.,.. Roteiro para entrevista com os pais de uma criança na consulta psiquiá-
trica. Para a entrevista com os pais de uma criança na consulta 
psiquiátrica, deve ser adotado o seguinte roteiro: 
• Identificação da criança 
• Identificação dos pais (e/ ou responsáveis) 
• Encaminhamento: quando e de quem partiu o encami-
nhamento (de um ou ambos os pais, da escola, da própria 
criança, dos médicos, ou outros) 
• Motivo da consulta: a partir do motivo da consulta, os 
pais comumente fazem associaçõesque possibilitam obter 
outros dados 
• Ordem de nascimento: idade, posição na família, situação 
dos irmãos. Adoção: o paciente? Irmãos? Quando? Foi 
revelado? Quando e como? 
• Gravidez e condições de nascimento: gravidez desejada 
ou não? Ideia de aborto, sexo preferido, condições físicas 
e emocionais da mãe, pré-natal, intercorrências clínicas, 
gestação a termo, parto eutócico ou não, condições de vita-
lidade, peso, altura, complicações perinatais, em que con-
dições saiu da maternidade (se mãe e filho saíram juntos), 
medicamentos usados 
• Período neonatal: depressão materna ou outros transtornos 
• • emoc10na1s 
• Alimentação: amamentação materna ou artificial? Rigidez 
de horário? 
• Sono: história de dificuldades de dormir (desde recém-nas-
cido). Foi medicado? Condições atuais (tranquilo ou agi-
tado). Dorme em quarto próprio? Houve período em que 
dormiu com os pais? Em que circunstâncias? Rituais? Medos? 
Pesadelos? Terror noturno? Sonilóquio? Sonambulismo? 
Enurese noturna? Necessitou de algum brinquedo ou objeto 
para conciliar o sono? Quando o abandonou? Presença de 
movimentos ritmados antes de dormir? 
• Desenvolvimento psicomotor: observar a evolução cro-
nológica e procurar saber sobre suas atividades motoras, 
a exploração do ambiente, o interesse em brincar com os 
objetos. Saber quando sustentou a cabeça, sentou-se sem e 
com apoio, engatinhou, deambulou, e pesquisar sobre sua 
coordenação e habilidades motoras 
• Controle dos esfíncteres: quando adquiriu o controle 
diurno e noturno de ambos os esfíncteres? 
• Linguagem: aquisição e evolução, dislalias, gagueira, carac-
terísticas atuais 
• Atitudes educacionais. Castigos comumente adotados 
pelos pais, divergência entre eles, exigências disciplinares, 
reações da criança ao castigo e à disciplina 
180 I Exame Clínico 
• Independência: observar a independência nas atividades 
elementares 
• Sexualidade: masturbação e brincadeiras sexuais. Como 
foi a reação dos pais? Saber acerca da curiosidade sexual e 
curiosidade de um modo geral 
• Escolaridade: quando entrou para a escola? Como foi o 
período de adaptação? Quanto tempo foi necessário? Quais 
foram as reações da criança e dos pais? Qual foi a motiva-
ção para entrada na escola (nascimento de irmão? Retorno 
materno ao trabalho? Idade da criança?). Verificar a relação 
com amigos e professores 
• Socialização: a criança tem ou teve dificuldades em aceitar 
limites? Qual foi a reação dos pais? 
• Brinquedos e diversões: atitudes com os brinquedos e 
os companheiros. Capacidade de distrair-se sozinho? 
Insatisfação nas brincadeiras (interrompe facilmente, sente 
enfado, reclama, não sabe perder)? 
• Antecedentes patológicos pessoais: convulsão, cólica, ano-
rexia, insônia, choro excessivo, otite de repetição, eczemas, 
alergias? Traumatismos graves? Internação? Junto com a 
mãe? Cirurgia? 
• Antecedentes patológicos familiares: doenças hereditá-
rias, ou crônicas? Doença mental na família? Alcoolismo? 
Acidentes? 
• Dinâmica familiar: dados da personalidade de cada mem-
bro da família, relacionamento entre si e com a criança. 
Discussões? Separações? Motivos e épocas. 
..... Exame psíquico 
O exame psíquico consiste na avaliação do estado mental 
do paciente no momento da entrevista. É feita pela observação 
cuidadosa do seu comportamento, pela relação que ele esta-
belece com o examinador e pela pesquisa de sinais e sintomas 
psicopatológicos, ao longo de todo o seu período de perma-
nência no local do exame. 
Sua importância é comparável à do exame físico para os 
outros ramos da medicina. Há, contudo, uma particularidade 
fundamental: diferentemente das outras áreas nas quais, com 
frequência, pode-se recorrer a aparelhos e testes laboratoriais 
para confirmar os achados clínicos, não se dispõe, na maioria 
das vezes, de recursos complementares que objetivem e confir-
mem as impressões colhidas no exame psíquico. 
Essas impressões são, muitas vezes, duplamente subjeti-
vas, ou, melhor, intersubjetivas. Elas são obtidas a partir do 
que o médico captou subjetivamente das queixas do paciente. 
Ambos, médico e paciente, estão sujeitos a contínuas e recí-
procas influências, que podem interferir e modificar o com-
portamento de cada um. 
Por esse motivo, costuma-se dizer que, na sala de exames, 
estão "presentes" pelo menos quatro pessoas: o médico, o 
paciente, o médico que o paciente imagina e o paciente que o 
médico imagina! 
Tais influências fazem com que um mesmo paciente exa-
minado por outro médico tenha seu estado mental avaliado 
diferentemente, assim como um examinador pode avaliar o 
estado mental de seu paciente de maneira diferente, dias ou 
mesmo horas após o primeiro exame. 
Essas discordâncias podem ser também consequentes às 
flutuações e modificações da sintomatologia psicopatológica. 
Um paciente examinado pela manhã, mostrando um estado 
1371 
de consciência, orientação e pensamento normais, pode apre-
sentar-se desorientado e confuso ao final do dia. 
Outras dificuldades na realização do exame psíquico mere-
cem ser mencionadas. Nem sempre o paciente está disposto a 
revelar suas queixas. Às vezes, procura esconder e dissimular 
seus sintomas, exigindo do examinador grande perspicácia e 
experiência para apreendê-los. 
A relatividade dos sinais e sintomas psicopatológicos não 
pode ser avaliada isoladamente. Eles devem ser inseridos 
dentro de uma compreensão global do paciente, de sua his-
tória, seu estado emocional e de consciência, bem como do 
contexto sociocultural em que vive. Muitas manifestações apa-
rentemente psicopatológicas podem ser apenas expressão de 
condutas ditadas por subculturas diferentes daquela na qual o 
psiquiatra vive. 
As dificuldades do exame psíquico não devem servir de 
pretexto para deixá-lo de lado, negando sua importância. No 
curso médico, pouca atenção e tempo são dedicados ao ensino 
do exame psíquico. Isso favorece a tendência de ver o paciente 
com sintomatologia psicopatológica sob o rótulo genérico de 
caso psiquiátrico ou funcional, sem uma avaliação diagnóstica 
adequada. 
O perigo dessa atitude pode ser exemplificado pelo estudo 
feito por Murphy em um grupo de pacientes que cometeram 
suicídio. Verificou-se que a maioria deles foi vista por clínicos 
6 meses antes de suas mortes. Não só as queixas depressivas 
passaram despercebidas, como também foram prescritos seda-
tivos para suas queixas de insônia, em quantidade suficiente 
para transformar-se em dose letal, caso o paciente resolvesse 
ingeri-los de uma só vez . 
É frequentemente subestimada a importância de se dis-
tinguir se um paciente está deprimido ou apenas sedado, ou 
mesmo vivendo uma tristeza normal, compreensível, diante 
das limitações e dos sofrimentos impostos pela doença física. 
Isso pode ser tão grave quanto confundir angina com dispep-
sia. Assim como a angina denuncia o risco de um infarto do 
miocárdio, o mesmo faz a depressão em relação ao risco de 
suicídio. 
O exame psíquico detalhado constitui uma função do espe-
cialista, mas, de modo resumido, como exposto aqui, deve ser 
um instrumento semiológico a ser utilizado por todo médico. 
Assim, tal procedimento deve ser parte integrante de todo 
exame clínico. 
• Exame psíquico da criança 
Nesse exame, procura-se pesquisar os dados necessá-
rios para traçar o perfil do estado ou funcionamento mental 
da criança. Esse perfil será entendido, nesse contexto, como 
resultado da observação de um conjunto de funções psíquicas 
que correspondem, na sua maior parte, à vida consciente da 
• cnança. 
A maior parte dessas funções está sob o domínio do ego e, 
por isso, são chamadas de funções do ego. Elas são responsá-
veis pelo controle das funções motoras, desenvolvimento da 
fala, pela memória, percepção, atenção, inteligência, noção de 
realidade e pelo pensamento. 
No bebê, tais funções estão embrionárias, mas ele apre-
senta predisposição genética para desenvolvê-las. Esse desen-
volvimento progressivo e ordenado é o resultado de dois pro-
cessosque, embora distintos, se combinam: a maturação e 
os fatores que dizem respeito à interação entre a criança e o 
ambiente. 
1372 
É recomendável que a criança seja avisada, 1 a 2 dias antes 
da entrevista, da sua ida ao médico e sobre o motivo da con-
sulta. As explicações deverão ser simples e claras, levando em 
conta a idade dela. Os pais deverão também acrescentar que se 
trata de uma consulta diferente, que o médico estará interes-
sado essencialmente em conhecê-la para ajudá-la nas dificul-
dades que, porventura, existam. Para tanto, o médico colocará 
à disposição da criança jogos, material de desenho e brinque-
dos, dos quais ele poderá usar, ou, caso prefira, irá conversar. 
Contudo, ela não será obrigada a fazer nada que não queira. 
Para crianças maiores e adolescentes, o profissional deve assi-
nalar o caráter confidencial da entrevista, explicando que tudo o 
que for dito ali ficará entre eles, cabendo ao paciente a decisão 
de contar ou não aos pais sobre o conteúdo da entrevista. Para 
isso, é muito importante que, principalmente com o adoles-
cente, os contatos seguintes com os pais sejam feitos na presença 
dele para manter o clima de confiança estabelecido entre ele e o 
médico (ver Capítulo 11, Semiologia da Adolescência). 
A criança até os 5 ou 6 anos de idade é capaz de exprimir-se 
espontaneamente e com naturalidade sobre sua vida, seus 
amigos, sua casa. Ela é mais liberal em revelar seus pensamen-
tos e suas fantasias. 
Na criança maior, na latência, já começam a operar meca-
nismos de defesa que influenciarão na expressão de sua vida 
de fantasia, empobrecendo-a. Ela, com frequência, torna-se 
incapaz de expressar fácil e vivamente suas imaginações. Isso 
ocorre pela repressão, pelo mecanismo de defesa que, ope-
rando inconscientemente, impede que cheguem à consciência 
dela emoções, desejos ou fantasias, vividos como ameaçadores 
e, nessa fase, ligados ao conflito edipiano. 
• Funções psíquicas 
A fragmentação da vida psíquica em funções é utilizada 
tradicionalmente no estudo e na descrição dos sinais e sin-
tomas psicopatológicos. Assim, estudam-se os distúrbios da 
consciência, da orientação, da memória etc. como se fossem 
processos isolados, independentes uns dos outros. Isso é feito 
porque a maioria dos conceitos psicológicos e psicopatológi-
cos, utilizados no exame psíquico e no diagnóstico psiquiá-
trico, foi elaborada a partir dessa divisão. No entanto, a divi-
são da vida psíquica em funções isoladas é artificial, pois, na 
verdade, elas se superpõem, constituindo um todo indivisível. 
A observação atenta da aparência e do comportamento do 
paciente, de sua maneira de relacionar-se com o examinador e 
Esquema de exploração das funções psíquicas 
O esquema a seguir tem como objetivo não somente lembrar os pontos a serem 
observados e pesquisados ao longo da entrevista psiquiátrica, como também 
orientar a redação do exame psíquico. Inclui os seguintes itens: 
• Avaliação geral 
• Relação com o entrevistador 
• Consciência 
• Atenção 
• Orientação 
• Pensamento 
• Memória 
• Afetividade 
• Sensopercepção 
• Vontade 
• Psicomotricidade e atividade motora 
• Inteligência. 
Parte 16 I Exame Psiquiátrico 
do que comunica espontaneamente já oferece grande parte dos 
dados necessários à avaliação das funções psíquicas. Perguntas 
específicas e testes simples, realizados oportunamente, com-
plementam o exame psíquico. 
Avaliação geral 
Deve-se observar o paciente desde sua entrada na sala de 
exame, verificando se veio sozinho ou acompanhado. 
Como foi sua entrada na sala? Entrou com desembaraço, de 
maneira tímida, amedrontada, desconfiada, relutante, hostil, 
desafiante ou arrogante? Mostra-se indiferente ao ambiente? 
Procura orientar-se dentro da sala? Senta-se espontanea-
mente ou espera que seja convidado a fazê-lo? Como se senta? 
Joga-se na cadeira, senta-se de modo confortável ou tenso (na 
"ponta da cadeirà')? Permanece sentado na mesma posição 
ou a modifica constantemente? Com o decorrer da entre-
vista, sua atitude e postura foram sofrendo modificações? 
Tranquilizou-se, permaneceu inquieto? 
Como são suas vestes? Encontram-se limpas e em alinho? 
Como está seu asseio corporal? Apresenta barba por fazer? 
Está penteado(a)? Usa maquiagem? Mostra-se silencioso(a) 
ou falante? Qual seu ritmo, sua intensidade e seu tom de voz? 
Fala espontaneamente ou só responde às perguntas? Como as 
responde: monossilabicamente, lentamente, de maneira clara, 
confusa, prolixa, perseverante? 
.,.. Aparência. Qual é a sua estrutura e constituição física (alto, 
magro, atlético, obeso)? 
.,.. Fácies. Expressa tristeza, alegria, indiferença, medo, ansieda-
de, desconfiança? Apresenta rigidez facial ("face de cerà') ou 
algum tipo especial de fácies? 
Relação com o entrevistador 
Toma a iniciativa de cumprimentar o entrevistador ou 
aguarda que ele o faça? Como é seu aperto de mão (firme, 
vacilante, oferece as pontas dos dedos)? Apresenta sudorese 
palmar, tremor? Mãos frias ou quentes? Olha o médico fron-
talmente ou de soslaio? Que sentimentos o paciente desperta 
no examinador (compaixão, raiva, repulsa, medo, estranheza, 
simpatia)? Adota uma atitude sedutora, irônica, desrespeitosa, 
hostil ou cooperativa? Consegue-se estabelecer rapport? 
Consciência 
Chama-se consciência o conhecimento que temos de nós 
mesmos e do mundo externo. Ela é o resultado da atuação 
simultânea de um conjunto de fenômenos psíquicos; daí ser 
definida por Jasper como o todo momentâneo da vida psí-. 
qmca. 
O ciclo vigília-sono encerra as variações normais, fisioló-
gicas, da consciência. Assim, dentro desse ciclo, existem dife-
rentes níveis ou graus de consciência. Nos extremos estão o 
sono profundo, sem sonho (no qual há ausência de consciên-
cia) e o estado acordado pleno, denominado lucidez. Como 
níveis intermediários, há o sono com sonho (quando existe o 
contato com o mundo interior) e a sonolência do despertar e 
do acordar. 
É importante assinalar que as palavras consciência e luci-
dez são empregadas aqui em seu significado psicológico, e 
não no sentido da linguagem coloquial, no qual consciente e 
lúcido são sinônimos de perspicaz e dotado de capacidade de 
julgar adequadamente. 
A palavra inconsciência, em seu significado fenomeno-
lógico, quer dizer ausência de consciência, diferente do de 
inconsciente, que deve ser reservado ao sentido freudiano do 
termo. 
180 I Exame Clínico 
As alterações quantitativas da consciência vão da ligeira 
diminuição do nível de consciência ao coma profundo. 
.,.. Exploração da consciênáa. Pode-se dizer que a exploração do ní-
vel de consciência é uma das tarefas mais difíceis da semio-
logia psiquiátrica, já que se tem de fazê-la apenas por meios 
indiretos. Podemos recorrer à observação de determinados 
sintomas objetivos, mais ou menos evidentes em cada caso 
particular, a seguir: expressão fisionômica (embora nem sem-
pre reflita o estado de consciência; sua alteração costuma ser 
acompanhada de fisionomia fatigada, sonolenta, com tendên-
cia a fechar os olhos); desinteresse frente ao mundo externo; 
fatigabilidade da atenção, com diminuição da capacidade de 
concentração; desorientação; incoerência das ideias; incapa-
cidade de memorizar (memória de fixação); incapacidade de 
raciocinar (o pensamento fica alentecido ). 
A esses sintomas objetivos unem-se outros subjetivos -
o paciente queixa-se de "cabeça ocà', de estar tonto e ver o 
mundo exterior de maneira confusa. 
As alterações qualitativas da consciência incluem: 
Turvação da consciência. Ocorre quando, além da diminuição do 
nível de consciência, aparecem sintomas produtivos (alucina-
ções e ilusões). Provoca no paciente um estado parecido com 
o sonho, no qual se misturam percepções reais com produções 
fantásticas, constituindo a síndrome denominada confusão 
mental, estado confusional, ou delirium. 
Estados crepusrulares. Consistem em um tipo de alteração da 
consciência em que há um "estreitamento" do campo da 
consciência, no qual a atividade da consciênciapermanece fo-
cada em um objeto ou grupo de objetos e tudo o mais fica es-
maecido e sem relevo. O paciente atua como um autômato, com 
olhar vago, respondendo com pouca coerência e, em geral, com 
esquecimento quase total do que realizou nesse período. 
Atenção 
É a capacidade de concentrar a atividade psíquica em um 
determinado setor do campo da consciência. 
Costuma-se comparar a consciência a uma luz incidindo 
sobre um palco. Sua intensidade é o nível de consciência, e a 
área iluminada, o campo da consciência. As diversas funções 
psíquicas (afetividade, sensopercepção, memória etc.) seriam 
os atores que atuariam nesse palco. Ou seja, é com a luz da 
consciência que as outras funções podem atuar. 
A atenção seria, então, a capacidade de a pessoa dirigir 
e concentrar o foco de luz sobre um determinado ponto do 
palco. 
.,.. Alterações da atenção. O paciente tende a se voltar para a sua 
vida interior de maneira que atenda com dificuldade (ou não 
atenda) aos estímulos exteriores. Ele pode desviar sua atenção 
de um ponto para outro, sem conseguir fixar-se em nenhum; 
ou, ainda, concentrar-se em determinado ponto, mas por ape-
nas poucos minutos. Em todos esses casos, diz-se que há di-
minuição da atenção. 
Nos estados maníacos, tudo desperta a atenção do paciente, 
mas sua capacidade de concentração encontra-se bastante 
diminuída. Com o paciente deprimido, ocorre o contrário: 
apresenta-se pouco vigilante (os estímulos externos não lhe 
despertam a atenção), permanecendo voltado para suas ideias 
depressivas. O paciente com diminuição da consciência apre-
senta dificuldade de concentração e de atender aos estímulos 
externos. 
Na avaliação da atenção, feita a partir do comportamento 
do paciente durante a entrevista, observa-se se ele consegue 
concentrar-se nas perguntas que lhes são feitas ou se distrai 
com facilidade diante dos estímulos ambientais. 
1373 
Caso o médico esteja em dúvida quanto à capacidade do 
paciente em concentrar-se, ele pode recorrer a testes simples, 
como, por exemplo, solicitar ao paciente que diga os meses 
do ano e os dias da semana em ordem inversa ou, levando em 
conta o nível de instrução do paciente, recitar o alfabeto e sub-
trair 7 sucessivamente, a partir de 100 (93, 86, 79 etc.). 
Orientação 
É a capacidade de uma pessoa saber quem ela é (orientação 
autopsíquica) e de localizar-se no tempo e no espaço (orienta-
ção temporoespacial). 
Na exploração da orientação, normalmente, o comporta-
mento e as informações que o paciente fornece ao longo da 
entrevista são suficientes, sem necessidade de um questiona-
mento direto. Havendo dúvidas, o examinador poderá solici-
tar ao paciente que informe, por exemplo, de onde veio e como 
chegou ao local do exame. Perguntas diretas, como: "O senhor 
sabe onde está?"; "Que lugar é este aqui?" e "Que dia é hoje?" 
devem ser evitadas, pois podem ser impertinentes ou fornecer 
uma ideia errônea sobre a orientação do paciente. 
Geralmente, a capacidade de orientação temporal é a pri-
meira a ser comprometida; no entanto, sua avaliação deve ser 
feita com cuidado. Em situações normais, as pessoas, sobre-
tudo em período de férias, talvez não saibam o dia do mês e da 
semana em que se encontram, por não estarem atentas a isso. 
Situação semelhante, mas já em nível patológico, ocorre 
com pacientes deprimidos, que, por apatia, podem não saber 
o dia, o mês ou, mesmo, o ano em que estão ou para onde 
foram levados. 
Em ambos os casos, o que acontece é uma aparente deso-
rientação, por desinteresse, mas a capacidade de orientação 
está preservada. 
De maior significado semiológico são as dificuldades de 
localização quanto ao ano, época do ano (começo, fim) ou 
parte do dia (manhã, tarde, noite). Nesses casos, a capacidade 
de orientação costuma estar comprometida. 
Quando há desorientação espacial, em geral, além de não 
saber em que local se encontra, o paciente desconhece por que 
está ali e, paralelamente à desorientação espacial, pode tomar 
pessoas desconhecidas por conhecidas ou, ao contrário, des-
conhecer familiares e amigos próximos. Às vezes, ele tende a 
perceber sua desorientação e tenta justificá-la (como nos casos 
iniciais de demência e na síndrome amnéstica alcoólica), mas, 
em geral, suas argumentações são frágeis. 
.,.. Orientação autopsíquica. Geralmente, é a última a ser compro-
metida. O paciente não consegue informar seus dados pesso-
ais - idade, filiação, lugar de nascimento, estado civil ou, mes-
mo, seu nome. Isso pode ocorrer de maneira transitória nos 
casos de traumatismo cranioencefálico, estado crepuscular 
epiléptico e em quadros funcionais - neurose histérica, esta-
dos agudos de ansiedade e choques emocionais graves. 
Em pacientes esquizofrênicos, pode ocorrer o fenômeno da 
dupla orientação: ao mesmo tempo em que o paciente fornece 
corretamente seus dados de identidade, afirma, por exem-
plo, que é Presidente da República. Embora saiba o nome do 
hospital onde se encontra e nele se oriente sem dificuldades, 
afirma que aquele lugar não é um hospital, mas, sim, seu palá-
cio presidencial. 
Distúrbios parciais da orientação autopsíquica. Além de o paciente 
perder a noção de quem ele é, pode apresentar distúrbios da 
orientação do eu (também chamada da consciência do eu). 
Trata-se da noção que uma pessoa tem da sua própria exis-
tência; de que ela é única e a mesma ao longo da vida; que 
os impulsos, atos, pensamentos e sentimentos que realiza e 
1374 
vivenda são seus, em oposição ao mundo exterior, em clara 
delimitação entre o que faz parte do seu eu e o que não faz, 
o não eu. 
Essas características da orientação do eu parecem tão implí-
citas, óbvias, que não são notadas normalmente. No entanto, 
elas podem ser alteradas em diversos distúrbios psiquiátricos. 
Sentimento de despersonalização. Embora saiba quem ele é, o pa-
ciente pode sentir-se estranho, mudado, diferente, e não con-
segue explicar por que isso está acontecendo. Procura olhar-se 
no espelho, tocando no rosto, como se estivesse procurando 
reconhecer a própria imagem. 
Esse estado de estranheza pode ser projetado no mundo 
externo, constituindo o chamado sentimento de desrealização. 
O paciente vê lugares conhecidos como estranhos. As coisas e 
as pessoas parecem-lhe mudadas, diferentes. Há a impressão 
de distanciamento: '~ndo pelas ruas e vejo as pessoas distan-
tes, como se eu estivesse vendo um filme ou sonhando". 
O sentimento de estranheza do eu pode evoluir para a 
completa perda de identidade. O paciente já não é mais ele, 
é outra pessoa. Quando essa perda é parcial, a qual faz com 
que ele reconheça como própria apenas parte de sua perso-
nalidade, ocorre o fenômeno do desdobramento da persona-
lidade ou dupla personalidade. O paciente vivenda, em um 
mesmo momento, duas pessoas, duas personalidades, a sua e 
uma estranha. 
Fenômeno diverso é a chamada personalidade alternante, 
em que o paciente pode apresentar outra personalidade, 
durante estados crepusculares epilépticos ou histéricos. Não 
há, aqui, superposição de personalidades, mas duas persona-
lidades que se alternam. A dupla personalidade e a personali-
dade alternante são fenômenos bastante raros. 
Perda do sentimento de existência. Ocorre quando o paciente acha 
que partes do seu corpo não existem: "Não tenho mais estô-
mago"; "Retiraram o meu cérebro"; "Estou completamente va-
zio~ Isso pode levar a um sentimento de inexistência comple-
ta: "Estou morto, o que parece ser o meu corpo é ar:' Esses sin-
tomas surgem, particularmente, nos casos graves de depressão 
e esquizofrenia. 
Perda de controle da atividade do eu e do limite entre o eu e o mundo exter-
no. É quando o paciente tem a impressão, vivida com angústia, 
de não controlar as suas funções psíquicas. Isso é expresso de 
diferentes modos: seus pensamentos, sua fala, seus movimen-
tos são feitos, controlados ou influenciados por pessoas ou 
aparelhos. 
Os pacientes sentem que lhes roubaram o pensamento 
e introduziram nele ideias que não são suas. A impressão éde que se "pensa alto" - tudo o que se pensa é ouvido pelos 
outros. Isso faz com que um paciente fique calado diante de 
uma pergunta do examinador, para, logo depois, dizer: "Você 
já sabe de tudo, por que me pergunta?" 
Uma maneira de explorar esses distúrbios é perguntar ao 
paciente como estão seus pensamentos, sobre o que tem pen-
sado, ou o que o tem preocupado ultimamente. 
As noções de eu psíquico e eu físico estão indissoluvel-
mente unidas. Quando há alteração patológica de um deles, o 
outro é afetado em maior ou menor grau. 
No entanto, em alguns distúrbios, o que é primordialmente 
afetado é o eu psíquico (como na maioria dos exemplos até 
agora citados), enquanto, em outros, é a representação mental 
do próprio corpo. Essa representação é denominada esquema 
corporal ou imagem corporal, a qual pode estar comprome-
tida em várias doenças neurológicas e psiquiátricas. 
Um paciente pode perceber em seu corpo partes que, na 
realidade, não tem. É o caso do chamado membro fantasma 
Parte 16 I Exame Psiquiátrico 
- pacientes que têm um membro (ou parte dele) amputado 
continuam a sentir a parte amputada. 
Pacientes psiquiátricos tendem a ter alterações da imagem 
corporal sem nenhuma alteração física constatável. Essas alte-
rações vão desde a valorização da imagem corporal exagerada-
mente positiva (falsa ideia de beleza, vigor físico) ou negativa 
(impressão irreal de obesidade, magreza, pênis pequeno) de 
pacientes neuróticos até as distorções grosseiras de pacientes 
psicóticos delirantes ("Tenho 500 quilos"; "Meu braço é de 
borracha e tem 1 quilômetro de comprimentd'). 
Pensamento 
É um conjunto de funções integradas, capazes de associar 
conhecimentos novos e antigos, estímulos internos e externos, 
analisar, abstrair, julgar, sintetizar, bem como criar. 
No funcionamento do pensamento, outras funções psí-
quicas estão, particularmente, envolvidas: consciência, orien-
tação, atenção, memória, inteligência e percepção. Qualquer 
alteração em uma delas trará consequências ao funcionamento 
global do pensamento. 
Os distúrbios do pensamento são observados por meio da 
linguagem, que não é nada mais do que uma expressão simbó-
lica do pensamento destinada à comunicação. São, no entanto, 
excluídas desses distúrbios as perturbações da linguagem 
resultantes de lesão cerebral (afasias, agra:fias, alexias e suas 
variantes), as dificuldades de articulação da fala ( disartrias), 
as afonias e disfonias, resultantes de problemas da laringe e 
respiratórios. 
Normalmente, essas alterações próprias da linguagem 
podem ser diferenciadas sem maiores dificuldades dos distúr-
bios do pensamento. As eventuais dúvidas nessa diferenciação 
devem ser dirimidas por meio da história e apresentação sin-
tomatológica do paciente. 
Assim, por exemplo, pode haver uma semelhança, ainda 
que superficial, entre a linguagem desorganizada de um 
paciente com esquizofrenia e aquela de um portador de afa-
sia de Wernicke. Neste, o distúrbio tem um início rápido, sem 
pródromos e isolamento social. Já o paciente esquizofrênico, 
desde que não esteja agitado, é geralmente capaz de responder 
a solicitações verbais simples, como, por exemplo: "Caminhe 
até a porta e volte para o mesmo lugar onde está"; "Sente-se na 
cadeira ao lado da mesa", enquanto o paciente afásico, prova-
velmente, ficará confuso com essas solicitações. 
As tarefas de nomear, ler, repetir e escrever estão quase 
sempre preservadas na esquizofrenia e comprometidas na afa-
sia de Wernicke. Dificuldade maior surge, no entanto, quando 
o paciente com afasia de Wernicke desenvolve sintomas psico-
patológicos reativos, tais como: alucinações, ideias persecutó-
rias e alteração do humor. Nesse caso, urna história minuciosa 
e a realização de exames complementares- EEG, tomografia 
computadorizada, testes psicológicos e ressonância magnética 
- são úteis para a diferenciação diagnóstica. 
Como recurso didático, ainda que artificial, podem -se di vi-
dir os distúrbios do pensamento em: distúrbios formais do 
pensamento, caracterizados principalmente pela forma (e não 
pelo conteúdo) do pensamento e referindo-se ao pensamento 
como um todo; perturbações do conteúdo do pensamento, em 
que um pensamento aparentemente normal quanto à forma 
encerra ideias de cunho patológico - delírios, obsessões e 
fobias. 
.,. Distúrbios formais. O pensamento que predomina em uma pes-
soa normal é o pensamento realista, caracterizado por partir 
de diretrizes básicas ou tendências determinantes, que servem 
de guias para as ideias, associadas por vínculos de significado 
180 I Exame Clínico 
e temporoespaciais, e, por meio da lógica e da realidade, for-
mular conceitos e juízos. 
A esse pensamento contrapõe-se o pensamento fantástico: 
modo de pensar que não segue a lógica e a realidade, a "arte 
de construir castelos no ar': A pessoa vê realizar seus desejos, 
vivendo tais fantasias passivamente. O pensamento fantástico 
encontra -se presente especialmente nas crianças e nos adoles-
centes, e, durante toda a vida, nos tímidos e inseguros, embora 
também ocorra, em menor grau, nas pessoas normais. 
Quando a fantasia ocupa grande parte da vida de um indi-
víduo e leva-o a aceitá-la como algo real (a exemplo de um ator 
que vive como se o seu papel fosse realidade), trata-se de um 
distúrbio psicopatológico denominado pseudologia fantástica. 
Pensamento acelerado (maníaco). Tem um ritmo muito acelera-
do, que muda com frequência a diretriz básica, sem apa-
rente motivo para fazê-lo, ou em razão da distraibilidade. 
Comporta uma grande quantidade de representações e 
conceitos, cuja associação realiza-se não só segundo o sig-
nificado e a relação temporoespacial, mas também confor-
me a semelhança externa das palavras, especialmente por 
A • assonanc1a. 
Acompanha uma expressão verbal muito abundante, rápida 
e incoercível. É um pensamento típico dos pacientes manía-
cos e hipomaníacos, mas pode ocorrer em quadros orgânicos 
(febre, intoxicações). 
No pensamento acentuadamente maníaco, pode haver 
perda da continuidade do sentido, na qual predominam as 
associações por assonância, que caracterizam a chamada fuga 
de ideias. Veja um exemplo de trecho da fala de um paciente 
maníaco, que apresenta pensamento muito acelerado com 
fuga de ideias: '' [ ... ] Penso progressivamente a imaginar como 
você me sente curvas e correntes pentes serpentes vigas e dor-
mentes, acho que é crente [ ... ] :' 
Pensamento inibido (depressivo). Mostra muitas características con-
trapostas ao pensamento acelerado: alentecimento do pen-
samento, falta de material associativo, adesão pertinaz a um 
mesmo tema ideativo, dificuldade de desviar a atenção para 
estímulos exteriores. O paciente utiliza poucas palavras, ex-
pressas geralmente de maneira muito lenta. 
Pensamento esquizofrênico. Há um conjunto de transtornos da 
forma, que são caracteristicamente encontrados na esquizo-
frenia, embora não exista nenhum sintoma psicopatológico 
definitivamente patognomônico de uma doença psiquiátrica. 
São características do pensamento esquizofrênico: 
• Desagregação do pensamento: consiste na associação de 
ideias sem vínculos de sentido entre si, dando a aparência 
de um pensamento ilógico ou pouco lógico e racional. Uma 
forma ligeira de desagregação é o pensamento paralógico 
ou insípido, no qual o paciente diz uma série de frases à 
primeira vista relacionadas, mas que nada dizem 
• Concretismo reificante: trata-se de uma modalidade par-
ticular de concretismo, em que as expressões abstratas 
permanecem, mas são utilizadas de maneira concreta. Um 
paciente esquizofrênico, ao falar da beleza de uma moça, 
diz: "Ela é linda, uma deusa': vivenciando esta última pala-
vra de maneira concreta, como se fosse uma real divindade 
• Interceptação ou bloqueio do pensamento: há uma inter-
rupção súbita do curso do pensamento. Às vezes, o paciente 
não retoma ao tema anterior e passa a falar de assunto com-
pletamente diferente, configurando o sintoma denominado 
descarrilamento 
• Ambivalência:é a coexistência de dois pensamentos con-
traditórios e, inclusive, contrapostos. Além da ambivalên-
1375 
cia ide ativa, há a afetiva e a volitiva (dois sentimentos e dois 
desejos em um só tempo) 
• Perseveração ou iteração de ideias: repetição frequente das 
mesmas ideias ou palavras. Nos estados esquizofrênicos de 
agitação catatônica, a repetição das mesmas frases e pala-
vras é incessante 
• Pensamentos feitos ou subtraídos: vivência de influência 
externa sobre o pensamento, como pode ocorrer igual-
mente em relação aos atos, sentimentos e à vontade. Esses 
sintomas são geralmente aceitos, na ausência de causa 
orgânica, como altamente sugestivos de esquizofrenia 
• Sonorização do pensamento: o paciente refere que todas as 
suas ideias têm um eco que chega aos demais. Fenômenos 
afins são a difusão e o roubo do pensamento. O que carac-
teriza tais distúrbios é que a comunicação dos pensamentos 
próprios, diretamente ou mediante algum artifício, chega 
ao conhecimento dos demais. Todos são considerados sin-
tomas sugestivos de esquizofrenia 
• Pensamento incoerente: enquanto forma de pensamento, 
não se distingue do pensamento esquizofrênico desagre-
gado. A associação de ideias desprovidas de lógica e sen-
tido é característica de ambos. Quando isso ocorre com a 
consciência diminuída- torpor (lentidão psíquica, sonolên-
cia, falta de capacidade para concentrar-se e orientar-se)-
ou confusa- delirium (presença de alucinações e ilusões)-, 
denomina-se pensamento incoerente, reservado o termo 
desagregação para quando houver lucidez de consciência 
• Pensamento prolixo: caracteriza-se unicamente pelo exa-
gero de dados desnecessários e acessórios. Isso se deve à 
incapacidade de sintetizar, ou seja, de distinguir o essencial 
do acessório. Essa forma de pensamento é frequente entre 
os deficientes mentais leves, nos quadros iniciais de demên-
cia e na epilepsia 
• Pensamento oligofrênico: caracteriza-se pela pobreza de 
vocabulário e sua concretude. É limitado às situações mais 
imediatas e concretas. As atividades de generalização, abs-
tração, síntese e diferenciação conceitual entre o real e o 
imaginário, entre causa e efeito, entre o todo e as partes, 
estão geralmente ausentes nessa forma de pensamento 
• Pensamento demencial: decorre da deterioração intelectual 
instalada. O pensamento é, sobretudo, vago e inadequado. 
Essa vagueza reflete a insuficiente compreensão de con-
ceitos, juízos e raciocínio que ficaram ou ainda estão pre-
servados. A inadequação é uma característica importante 
desse pensamento. Os pacientes com demência incorrem, 
frequentemente, em erros grosseiros ao tentar aplicar suas 
ideias a uma situação ou um raciocínio. 
.,. Perturbações do conteúdo do pensamento. É de utilidade diagnósti-
ca a separação entre ideias delirantes primárias, ou delírio pri-
mário, e ideias delirantes secundárias, ou delírio secundário 
ou ideias deliroides. 
ldeias delirantes primárias. Trata-se de toda ideia ou juízo patolo-
gicamente falso, com as seguintes características: convicção 
extraordinária- o paciente é tomado de uma certeza subjetiva 
incomparável; impossibilidade de dados de realidade e racio-
cínios lógicos demoverem aquela certeza; impossibilidade do 
conteúdo. 
As ideias delirantes primárias não são passíveis de serem 
seguidas psicologicamente, do ponto de vista fenomenológico, 
ou seja, são incompreensíveis. Não são ideias compartilhadas 
por outras pessoas do mesmo meio cultural, diferenciando-se, 
assim, da superstição, nem decorrentes de outro distúrbio psi-
copatológico. 
1376 
O delírio pode surgir a partir de uma súbita intuição (cog-
nição ou intuição delirante). Por exemplo, um paciente, de 
repente, sente que tem poderes especiais, que é Jesus Cristo 
etc. É uma convicção irresistível que o domina completa-
mente. 
Pode aparecer a partir de determinada percepção, a qual 
passa a ter um sentido completamente novo e revelador - per-
cepção delirante. O paciente dá um significado singular, apa-
rentemente absurdo, a uma frase que ouviu, a um movimento 
de uma pessoa (mímica, gesto, maneira de cumprimentar), a 
uma notícia de jornal. 
Pode surgir também a partir de uma falsa recordação (per-
cepção e intuição mnésticas), por exemplo: "Agora me lembro 
de como o Papa olhou para mim - ele estava me dizendo que 
sou seu filho e sucessor"; "Quando criança, eu tinha poderes 
especiais e força de gigante''. 
O paciente pode construir, a partir de um delírio, toda a 
história ou trama delirante. Diz-se, então, que o delírio é sis-
tematizado. O paciente faz interpretações de fatos, comentá-
rios, gestos de acordo com seu delírio - são as interpretações 
delirantes. Por exemplo, ele diz ser vítima de um complô, 
que uma quadrilha internacional de tóxicos está querendo 
exterminá-lo, usando as mais diferentes maneiras. Quando 
o médico lhe oferece um copo d'água, passa a incluí-lo entre 
seus perseguidores, achando que ele quer envenená-lo. 
ldeias delirantes secundárias. Têm as características de ideia falsa, 
patológica, irredutível à argumentação lógica, mas é secun-
dária a algum acontecimento da vida do paciente ou a algum 
outro de seus sintomas. Ao lado do caráter de ser derivada, ela 
é compreensível psicologicamente. 
Fala-se que uma ideia, ou grupo de ideias, é compreensí-
vel psicologicamente quando o observador, uma vez diante da 
história do paciente, "compreende" o que ocorre com ele. Suas 
ideias têm uma lógica ligada a vivências atuais e anteriores, e a 
sua aparente absurdidade deve-se ao fato de partir de premis-
sas falsas, mas, se fossem corretas, as ideias seriam pertinentes. 
Um paciente deprimido, por exemplo, com ideias de autor-
reprovação e sentimento de culpa intenso, acredita que poderá 
ser preso a qualquer momento, pois a polícia está à sua pro-
cura, por ter cometido uma irregularidade em uma transação 
comercial feita há 20 anos. A autorrecriminação por essa irre-
gularidade adquiriu uma dimensão delirante e atual, por meio 
da perseguição policial. 
Fobia. É um medo irracional e persistente, advindo de algum 
estímulo fóbico específico, com as consequentes manobras 
para evitá-lo. Medo de baratas, ratos e outros insetos é uma 
situação bastante comum; contudo, quando tais medos impe-
dem um funcionamento social normal, constituem uma fobia. 
Um incontável número de objetos e situações pode funcionar 
como estímulo fóbico- medo de lugares altos, abertos, fecha-
dos, trovões, água, sangue, sujeira, cadáver, escuro, doença, de 
ser enterrado vivo, ser envenenado, de animais etc. 
O medo fóbico costuma estar diretamente ligado a situa-
ções traumáticas especificas (medo de mar após quase afo-
gamento) ou, segundo a teoria psicanalítica, como expressão 
simbólica de temores inconscientes. Por exemplo, o medo de 
andar sozinho pelas ruas pode estar ligado inconscientemente 
a fantasias sexuais. 
O paciente fóbico pode ficar imobilizado por seu medo, 
mas poderá vencê-lo quando acompanhado por uma pessoa 
confiável (denominada companheiro fóbico). As fobias ten-
dem a estar associadas a ataques de pânico (sensação súbita 
e crescente de medo e perda de autocontrole). Esses ataques 
são imprevisíveis e ocorrem geralmente em locais amplos, ou 
Parte 16 I Exame Psiqu iátrico 
onde o paciente não vê possibilidade de fuga (túneis, aviões 
etc.), fazendo com que ele tenha medo de sair de casa. 
Obsessões. São pensamentos, sentimentos ou impulsos desagra-
dáveis, persistentes, irresistíveis, que não podem ser elimina-
dos da consciência por meio da vontade e do raciocínio lógico. 
O paciente tem consciência de que os pensamentos são seus, 
embora apareçam contra a sua vontade. Em geral, ele se sente 
compelido a fazer atos ritualizados ou estereotipados, deno-
minados compulsões, com o objetivo de diminuir o descon-
forto provocado pelas ideias obsessivas. 
Frequentemente, as compulsões adquirem a forma de 
"dúvida imotivadà' sobre algo que pode ser importante, como, 
por exemplo, se fechou a porta da casa, o gás etc. Apóscon-
firmar o fechamento, minutos depois, a dúvida volta, obri-
gando-o a nova confirmação. Isso ocorre inúmeras vezes ape-
sar da indignação e exasperação do paciente. 
A exploração das fobias e obsessões consiste em perguntar 
simplesmente ao paciente se ele não as tem, dando exemplos: 
você tende a ficar preocupado sem motivo? Coloca os objetos 
de modo sempre igual e fica intranquilo quando essa ordem é 
alterada? Lava as mãos muitas vezes/dia? Fica, com frequência, 
em dúvida se fechou a porta, o bico do gás, tendo de confirmar 
isso repetidamente? Sente angústia, temor ou inquietação des-
proporcional em locais fechados, elevadores ou perante outra 
situação ou um objeto? 
Memória 
É a capacidade de recordar, ou seja, de reviver estados de 
consciência anteriores, reconhecê-los como tais e localizá-los 
no tempo e no espaço. 
A memória é dividida em: memória de fixação (capacidade 
de registrar e fixar o material mnêmico) e memória de evoca-
ção (capacidade de retomar à consciência o que foi apreen-
di do e conservado). Utiliza-se também a divisão segundo o 
tempo de duração da lembrança: memória recente (para fatos 
recentes, ocorridos há minutos, dias ou semanas) e remota 
(para fatos ocorridos há meses ou anos). 
Distúrbios quantitativos da memória - hipermnésia 
(aumento da memória) -, sem maior valor semiológico, 
podem, eventualmente, ocorrer em estados crepusculares epi-
lépticos, na mania e em outros estados de exaltação emocional, 
nos quais, geralmente, as representações afluem em grande 
quantidade, perdendo, no entanto, em clareza e precisão. 
~ Amnésias. Denomina-se amnésia de fixação a incapacidade de 
recordar fatos recentes. O paciente pode esquecer o que fez 
minutos antes, e isso faz com que ele não saiba onde se encon-
tra e o que acabou de fazer, levando-o a uma desorientação 
temporoespacial. Amnésia de evocação é a incapacidade de 
lembrar fatos vivenciados há meses ou, sobretudo, anos. 
Em geral, a memória para os fatos recentes é a primeira 
a ser comprometida, ficando preservadas as lembranças mais 
remotas (lei de Ribot). Pacientes na fase inicial do processo 
demencial podem apresentar apenas amnésia de fixação. 
Estudos recentes de investigação da memória remota, por 
meio de testes objetivos padronizados, mostram, no entanto, 
que há também distúrbio dessa memória, ainda que em menor 
grau. 
A amnésia lacunar caracteriza-se pelo esquecimento do 
ocorrido em um determinado período de tempo, com boa 
capacidade de evocação para os acontecimentos anteriores e 
posteriores a esse período. Pode ser de origem orgânica (trau-
matismo cranioencefálico) ou psicogênica (histeria). 
As alterações qualitativas da memória caracterizam-se 
pela presença de falsas recordações. Exemplo desses transtor-
180 I Exame Clínico 
nos qualitativos é o fenômeno do já visto, em que o paciente, 
diante de um fato novo (cena, filme, música), tem a clara 
impressão de tê-lo vivido anteriormente. Ocorre em estados 
de ansiedade, auras epilépticas, embora possa ocorrer também 
em situações normais. Outro exemplo é o da confabulação, na 
qual o paciente toma como recordação verdadeira sonhos ou 
fantasias. 
.,. Exploração da memória. Pacientes, como pessoas normais, 
queixam-se frequentemente de perda de memória. O mé-
dico deve procurar investigar se a queixa tem fundamento. 
Pessoas deprimidas ou ansiosas apresentam dificuldades de 
concentração, levando a uma falsa impressão de diminuição 
da memória. 
Durante toda a entrevista, o examinador deve estar atento 
à rapidez, à precisão e à orientação cronológica das informa-
ções fornecidas pelo paciente. O retorno a tópicos já tratados 
anteriormente possibilita avaliar a memória para fatos recen-
tes (pacientes com amnésia de fixação, sem perceber, repetem 
o que disseram no início da entrevista). 
A memória de evocação é avaliada quando se pergunta 
ao paciente sobre o seu passado e acontecimentos importan-
tes, tanto nacionais como internacionais, ocorridos há mui-
tos anos - por exemplo, quando ocorreu a inauguração de 
Brasília, qual o presidente da época, ou perguntas sobre ache-
gada do homem à Lua. 
A memória para fatos recentes pode ser explorada de 
maneira mais objetiva, por meio de testes simples, que o 
médico pode realizar durante o exame psíquico. A atenção 
está estreitamente ligada à memória de fixação, de tal modo 
que os testes servem para avaliar ambas as funções. 
Prova de repetição de números. O médico diz ao paciente, de ma-
neira pausada, séries crescentes de algarismos, pedindo que 
ele os repita segundos depois, em ordem direta e inversa. 
Normalmente, as pessoas conseguem repetir números com 
6 a 7 algarismos em ordem direta e com 4 a 5 em ordem 
inversa. Essa prova também é útil para o diagnóstico de si-
mulação. Suspeita-se que a pessoa esteja simulando quando 
erra o primeiro e o último algarismos, exatamente os mais 
fáceis de gravar. 
Prova de repetição de palavras. Pede-se ao paciente que diga nomes 
(p. ex., de animais, frutas) e, 3 a 5 min após, que os repita. 
Afetividade 
De difícil conceituação, a afetividade compreende um con-
junto de vivências que abrange desde as mais simples sensa-
ções de prazer e desprazer (como, por exemplo, a dor) até sen-
timentos complexos, como os religiosos e os estéticos. 
Os distúrbios da afetividade são investigados por meio do 
humor e das manifestações afetivas do paciente. 
Denomina-se humor (ou estado de ânimo) a tonali-
dade afetiva básica, ou seja, o estado afetivo predominante. 
Considera-se uma pessoa com humor normal quando não 
apresenta variações afetivas persistentes e polarizadas. Nos 
estados patológicos, o humor pode estar alterado em duas 
direções opostas - em um polo estão a tristeza, a ansiedade, 
o tédio e a inibição; no outro, a alegria, o entusiasmo e a exal-
tação. 
Na exaltação do humor - euforia ou elação -, o 
paciente encontra-se alegre, otimista, com profunda sen-
sação de bem-estar. É uma alegria imotivada, constante. 
Paradoxalmente, esse estado pode ser acompanhado de epi-
sódios de irritabilidade, chegando, em seus paroxismos, a 
momentos de fúria. Ocorre tipicamente na fase maníaca da 
psicose maníaco-depressiva, mas pode acontecer em outros 
1377 
distúrbios psiquiátricos (demência, reações medicamentosas, 
uso de drogas). 
Um tipo especial de euforia é a denominada moria, em que 
o paciente apresenta uma expressão de alegria estúpida, ri por 
motivos pueris, absurdos, a qual pode surgir em lesões cere-
brais do lobo frontal. 
Humor depressivo caracteriza-se por tristeza, desânimo, 
pessimismo. Esse estado afetivo pode ser desencadeado por 
um fator externo ou orgânico (depressão reativa ou secundá-
ria) ou não (depressão primária). 
Humor ansioso caracteriza-se por uma reação temerosa, 
"sem saber a quê", levando o paciente a um estado de tensão ou 
apreensão permanente. Pode ocorrer na fase prodrômica da 
esquizofrenia, na neurose de ansiedade, no hipertireoidismo, 
no cafeinismo. 
.,. Distúrbios da reação afetiva. Além de apresentar alterações em 
seu estado afetivo básico (humor), o paciente tende a apresen-
tar alterações na sua capacidade de variar, modular e controlar 
suas respostas afetivas. 
Indiferença afetiva. Pode chegar a uma absoluta ausência de res-
posta afetiva. Ocorre em pacientes deprimidos, que chegam 
a mostrar completo desinteresse pelo mundo exterior - tudo 
lhes é indiferente. Nada os mobiliza afetivamente. 
Situação diversa, mas que também pode levar à indiferença 
afetiva, acontece na demência e em casos graves de esquizo-
frenia, nos quais há um esvaziamento afetivo progressivo, 
levando, inclusive, à perda das ligações afetivas mais sólidas. A 
indiferença afetiva pode também aparecer na histeria, sendo 
denominada la belle indifférence. O paciente mostra-se indife-
rente, por exemplo, diante da paralisia de suas pernas. 
labilidade afetiva. Surge quando há rápidas mudanças de um es-
tado afetivo para outro. Ocorre na histeria, nos estados mis-
tos da psicose maníaco-depressiva (em que

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