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Direito Administrativo Módulo 9

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Direito Administrativo - Prof. Evandro Borges 
 
9. Intervenção na Propriedade Privada e no Domínio Econômico 
 
Introdução 
A intervenção do Estado na seara privada, seja avançando sobre o patrimônio particular 
ou exercendo a regulação da atividade econômica, é sempre um tema espinhoso, na 
medida em que envolve concepções ideológicas acerca do “tamanho” desejável para o 
Estado (os defensores do “Estado Mínimo” pregam a não intervenção - abstencionismo). 
Incontroverso, entretanto, é o fato de que, no Brasil, o próprio texto constitucional legitima 
determinadas ações interventivas, na medida em que o direito à propriedade privada é 
condicionado ao bem estar social (art. 170 da CF/88). 
 
9.1 Considerações Gerais 
O Estado brasileiro assegura o direito à propriedade privada e à livre iniciativa 
em relação à atividade econômica, mas condiciona o gozo desses direitos ao bem 
estar social, conforme prescreve o art. 170 da CF/88. 
Assim o uso e gozo dos bens e riquezas dos particulares são regulados e 
limitados e, quando o interesse público exige, o Poder Público intervém na 
propriedade privada e na ordem econômica para satisfazer as necessidades coletivas 
e reprimir eventual conduta anti-social da iniciativa privada. 
A intervenção do Estado na propriedade privada ocorre por meio dos institutos da 
desapropriação, requisição, limitações, servidões administrativas, ocupação 
temporária e tombamento. 
Já a intervenção do Estado no domínio econômico é feita por meio de repressão 
ao abuso do poder econômico, controle dos mercados e tabelamento de preços. 
Como todo ato administrativo, a intervenção exige observância aos princípios da 
Administração Pública, (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), 
além de ampla-defesa, contraditório e motivação. 
 
9.2 Propriedade Privada e Domínio Econômico 
O Direito de Propriedade, embora consagrado constitucionalmente, não é 
absoluto, pois de há muito a propriedade deixou de ser exclusivamente um direito 
subjetivo do proprietário para se transformar na função social do detentor da riqueza. 
Assim a propriedade privada é um direito individual, mas condicionado ao bem 
estar social e coletivo. Por isso a CF/88 garante a propriedade (art. 5º), mas permite a 
sua desapropriação (art. 5º, XXIV), autoriza a sua requisição (arts. 5º, XXV e 22, III) e lhe 
atribui função social (arts. 5º, XXIII e 170, III). 
Já quanto ao domínio econômico (bens e riquezas a serviço de atividades 
lucrativas), a CF/88 assegura a livre iniciativa, mas no interesse do desenvolvimento 
nacional e da justiça social, impõe a valorização do trabalho, a harmonia e a 
solidariedade entre as categorias sociais de produção e a expansão das oportunidades 
de emprego produtivo (art. 170), admitindo que a União intervenha nesse domínio 
para reprimir eventual abuso do poder econômico. 
 
 
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Saiba disto! 
A intervenção do Estado na propriedade privada incide sobre os bens. 
A intervenção do Estado no domínio econômico incide sobre a atividade lucrativa. 
 
9.3 Intervenção na propriedade privada 
Intervenção na propriedade privada é todo ato do Poder Público que, 
compulsoriamente, retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de 
bens particulares a uma destinação de interesse público. 
O fundamento de qualquer ação interventiva do Estado na propriedade privada 
deve ser a necessidade/utilidade pública ou o interesse social. Todos os entes estatais 
(União; Estados; DF e Municípios) têm competência para expedir atos de intervenção na 
propriedade privada, nos limites de sua jurisdição. 
Conforme o caso e o tipo de interesse público envolvido, o Estado pode intervir na 
propriedade privada por meio das seguintes medidas administrativas: desapropriação, 
requisição, limitações, servidões administrativas, ocupação temporária e 
tombamento. Vejamos cada uma dessas espécies interventivas: 
 
9.3.1 Desapropriação (também chamada expropriação) 
É a medida mais extrema imposta pela Administração Pública no uso do poder de 
império, ou seja, da soberania interna que o Estado exerce sobre todos os bens 
existentes no território nacional. 
A desapropriação se constitui em forte instrumento de que o Estado dispõe para 
executar obras e serviços públicos, promover a urbanização, preservar o meio ambiente 
e realizar a justiça social, com a redistribuição de bens inadequadamente utilizados pelo 
particular. 
Todavia o uso do poder de desapropriar, embora discricionário, só será legítimo 
se observar os limites legais e o devido processo legal. Além da previsão constitucional, a 
desapropriação está regulada, basicamente, pelo Decreto-lei nº 3.365, de 21.6.41, 
também chamado de “Lei das Desapropriações”. 
Hely Lopes Meirelles (2002, p. 202) ensina que se trata da 
 
[...] transferência compulsória da propriedade particular (ou 
pública de entidade de grau inferior para a superior) para o Poder 
Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública 
ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa 
indenização em dinheiro (CF, art. 5º, XXIV), salvo as exceções 
constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de 
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de 
área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (CF, art. 
182, § 4º, III), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no 
caso de Reforma Agrária, por interesse social (CF, art. 184). 
 
Já Diógenes Gasparini (2005, p. 159) afirma que é o 
 
[...] procedimento administrativo pelo qual o Estado, 
compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade 
ou utilidade pública ou por interesse social e o adquire, 
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originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa 
indenização, paga em dinheiro, salvo os casos que a própria 
Constituição enumera, em que o pagamento é feito em títulos da 
dívida pública (art. 182, § 4º, III) ou da dívida agrária (art. 184). 
 
Saiba Disto! 
O art. 243 da CF/88 comete uma inadequação terminológica ao denominar 
“desapropriação” a tomada de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas 
psicotrópicas. Isso porque, na verdade, tal procedimento (justificado pelo interesse 
público de combater o tráfico de entorpecentes) não é desapropriação, mas sim 
confisco, já que nele não há pagamento de indenização ao proprietário expropriado. 
 
a) Características da Desapropriação 
 
•••• É forma originária de aquisição de propriedade, pois não deriva de título anterior 
e, por isso, o bem se torna insuscetível de reivindicação e libera-se de quaisquer 
ônus que sobre ele incidissem (ex.: hipoteca), ficando eventuais credores sub-
rogados no preço. 
 
•••• Pode incidir sobre todos os bens e direitos patrimoniais (inclusive sobre a 
posse e sobre ações ou quotas societárias). Por razões óbvias, também não se 
admite a desapropriação de moeda corrente nacional, pois seria paga com o 
mesmo objeto, salvo em se tratando de moedas raras para fins de preservação 
histórica. 
 
•••• Os bens públicos também são passíveis de desapropriação pelas entidades 
estatais superiores em relação a entidades estatais inferiores. 
 
•••• Admite-se desapropriação por zona que consiste na ampliação do ato 
expropriatório às áreas valorizadas extraordinariamente em razão da execução de 
obra/serviço público. 
 
b) Processo expropriatório (requer duas fases) 
 
1ª Fase 
Declaração, por lei ou decreto, de utilidade pública ou interesse social, indicando o bem e 
sua destinação. Após declaração, só se indenizam as benfeitorias necessárias e úteis, 
desde que autorizadas pelo expropriante. 
 
A declaração do expropriante expira em 5 anos, se fundada em utilidade pública, 
e em 2 anos, se fundada em interesse social. Tais prazos são contados a partir da data 
da publicação do ato de declaração de utilidade pública ou interesse social.Passado o 
prazo, o ato torna-se “caduco” e não pode fundamentar a ação expropriatória, sob pena 
de extinção do processo por ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e 
regular do processo. 
 
 
 
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2ª Fase 
Fase de execução, podendo ser administrativa ou judicial, com fixação de valor e 
transferência da propriedade. A ação de desapropriação tem rito especial, marcado pela 
nomeação de perito no recebimento da inicial e possibilitando a imissão provisória na 
posse, se alegada urgência. Após a citação, segue o rito ordinário. 
 
O juiz não poderá rever o mérito do ato administrativo discricionário, para tanto 
não poderá analisar a conveniência e oportunidade do ato de desapropriação, podendo 
apenas verificar os aspectos formais da questão. 
 
Saiba disto! 
Apesar da CF/88 exigir justa e prévia indenização, o STF admite liminarmente a imissão 
provisória na posse, desde que o expropriante declare a urgência da medida e deposite 
em juízo o valor do imóvel. O fundamento desse entendimento é que apenas a 
transmissão da propriedade deve ser mediante prévia e justa indenização, e não a 
imissão provisória na posse. 
 
Feito o depósito provisório pelo expropriante, o expropriado poderá levantar 80% 
do seu montante, ainda que discorde do preço ofertado, desde que atenda o disposto no 
art. 34 do DL 3365/41. A imissão definitiva da posse só ocorrerá após o integral 
pagamento do preço fixado na sentença ou no acordo. 
O expropriado tem direito de extensão, ou seja, de exigir que na desapropriação 
se inclua a parte restante do bem expropriado que se tornou inútil ou de difícil utilização. 
A Doutrina predominante entende ser possível a desistência da desapropriação, 
pela revogação do ato expropriatório, desde que ainda não tenha havido o trânsito em 
julgado da sentença e que o Poder Público não tenha alterado o estado do bem 
desapropriado. Nessa hipótese, além da devolução do bem, o expropriado tem direito de 
indenização dos prejuízos sofridos, mormente em casos de imissão provisória na posse. 
 
9.3.2 Servidão Administrativa 
É ônus real de uso imposto pela Administração a um determinado imóvel 
particular para assegurar a realização e/ou conservação de obras e serviços públicos 
(ex.: para passagem de fiação elétrica ou de gasoduto sobre propriedades particulares), 
mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário (não 
havendo prejuízo, não terá direito a indenização). 
Distingue-se da limitação administrativa que é uma restrição gratuita imposta pela 
Administração ao exercício de direitos individuais em benefício da coletividade (ex.: 
restrição de edificação além de certa altura ou de construções comerciais em 
determinadas áreas urbanas). 
 
Saiba disto! 
A Servidão Administrativa impõe a obrigação de suportar que se faça, ao passo que a 
Limitação Administrativa impõe uma obrigação de não fazer. 
 
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A servidão administrativa também não se confunde com desapropriação, pois na 
servidão a propriedade continua com o particular que apenas fica obrigado a suportar um 
ônus de uso público. 
Em regra, o procedimento para instituição da servidão administrativa é o mesmo 
da desapropriação, fazendo-se por acordo ou sentença judicial, sempre precedido de 
ato declaratório da servidão por utilidade pública ou interesse social. 
Como ônus real de uso, a Servidão deve ser registrada em Cartório para que 
tenha validade erga omnes. 
 
9.3.3 Requisição 
É a utilização compulsória de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por 
ato de execução imediata e direta do Requisitante, para atendimento de necessidades 
coletivas urgentes e transitórias. Seu fundamento constitucional está no art. 5º, XXV que 
autoriza o uso da propriedade particular, na iminência de perigo público, pelas 
autoridades competentes. 
Sua principal característica é acudir uma situação de perigo público iminente. 
Assim poderá ser usada, por exemplo, para combater a sonegação de produtos de 
primeira necessidade (grãos, leite, remédios etc) que possam comprometer a saúde ou a 
vida da população. 
É ato discricionário quanto ao objeto e oportunidade da medida. Mas vinculado à 
existência de perigo público iminente, bem como à competência da autoridade 
requisitante, à finalidade pública do ato e à forma legal. Além disso, é autoexecutória e, 
como tal, independe de autorização judicial. 
O Requisitado tem direito de indenização pelos prejuízos comprovadamente 
sofridos. Não havendo prejuízo, não terá direito à indenização. 
 
9.3.4 Ocupação Temporária 
É a utilização coativa e transitória, remunerada ou gratuita, de bens particulares 
pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades de interesse 
público. Está regulada pelo art. 36 do DL 3365/41. 
Normalmente a ocupação temporária é utilizada para atender a necessidade de 
depósito de equipamentos e materiais destinados à realização de obras e serviços 
públicos nas vizinhanças da propriedade particular. 
Será remunerada apenas se causar prejuízos ao particular, de outro modo, será 
gratuita. 
 
9.3.5 Limitação Administrativa 
É uma imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do 
exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social. 
Decorre do Poder de Polícia que a Administração Pública detém para condicionar o uso e 
gozo de bens, direitos e atividades particulares aos interesses da Coletividade. 
Só será legítima quando a medida representar um razoável condicionamento do 
interesse individual em benefício do bem-estar social. Caracteriza-se por sua 
generalidade, ao contrário da servidão e da desapropriação que atendem a situações 
individualizadas. 
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É normalmente utilizada para regular a ocupação e zoneamento do solo urbano e 
para disciplinar o exercício de atividades comerciais. 
 
9.3.6 Tombamento 
É a imposição que o Poder Público faz ao proprietário (público ou privado) acerca 
da preservação do bem (móvel ou imóvel), para salvaguardar determinado “patrimônio 
imaterial”, conforme os 4 livros do tombo: 1º Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; 2º 
Histórico; 3º Belas Artes; 4º Artes aplicadas. 
O tombamernto tem procedimento próprio: inicia-se com notificação do 
proprietário para impugnação em 15 dias. O proprietário continua na propriedade, porém 
com restrições de não danificar coisa tombada, reparar pintura ou restaurar, sem 
autorização especial. 
A venda de coisa tombada, mesmo judicial, deve preferência à União, Estados e 
Municípios, nessa ordem. Em regra, a coisa tombada não pode sair do país e, se sair, 
será por prazo determinado. 
Se o tombamento impedir completamente o uso da propriedade, cabe 
indenização, vez que se assemelha à desapropriação indireta. 
 
Obs.: o Código Penal prevê detenção de 6 meses a 2 anos a quem destruir, inutilizar ou 
deteriorar coisa tombada. 
 
Conclusão 
A CF/88 prescreve que a propriedade privada deve cumprir sua função social, de forma 
que, quando tal função não é adequadamente atendida, justifica-se a intervenção 
administrativa. Interessante notar que o conceito de função social tem sido ampliado ao 
longo do tempo, pois, por muito tempo, a idéia de função social era relacionada apenas à 
questão da produtividade (notadamente das propriedades rurais), ao passo que, agora, o 
cumprimento da função social exige também que se demonstre, além da produtividade, o 
respeito ao meio ambiente e à legislação trabalhista. 
 
Dica de Leitura 
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. São Paulo: RT, 
1980. 
 
Referências 
GASPARINI. Diogenes. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 
GRANGEIRO, José Wilson. Manual de Direito Administrativo Moderno. V. 3. 27. ed. 
Brasília: Vesticon, 2007.

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