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História e Literatura do Antigo Testamento História e Literatura do Antigo Testamento Acir Raymann Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Conselho Editorial EAD Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Mara Lúcia Machado Astomiro Romais Dados técnicos do livro Fontes: Minion Pro, Officina Sans Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa) Medidas: 15x22cm Projeto Gráfico: Humberto G. Schwert Editoração: Rodrigo Saldanha de Abreu Capa: Juliano Dall’Agnol Coordenação de Prod. Gráfica: Edison Wolf Impressão: Gráfica da ULBRA Abril/2011 ISBN 978-85-7528-372-1 Andrea Eick André Loureiro Chaves Cátia Duizith Acir Raymann possui graduação em Pedagogia pela Faculdade Porto- Alegrense de Educação, Ciências e Letras (1972); graduação em Teologia pelo Seminário Concórdia (1970); mestrado em Teologia pelo Concordia Seminary (1974); e doutorado em Teologia pelo Concordia Seminary (1999). Atualmente é professor adjunto da ULBRA e professor titular do Seminário Concórdia. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia do Antigo Testamento, atuando principalmente nos seguintes temas: hebraico bíblico, Antigo Testamento, exegese, hermenêutica e arqueologia bíblica. R267h Raymann, Acir. História e literatura do antigo testamento / Acir Raymann. – Canoas : Ed. ULBRA, 2011. 136 p. 1. Antigo Testamento. 2. História. 3. Religião. I. Título. CDU 222 Sumário Apresentação .............................................................. 7 1 | O Antigo Testamento.................................................... 9 2 | História do estudo científico do Antigo Testamento ........ 21 3 | A formação do Antigo Testamento ................................ 27 4 | O Pentateuco – Gênesis .............................................. 37 5 | Êxodo ...................................................................... 49 6 | Levítico ................................................................... 65 7 | Números .................................................................. 73 8 | Deuteronômio ........................................................... 83 9 | Os profetas – Isaías ................................................... 91 10 | Os Escritos – Salmos .................................................109 Bibliografia .............................................................129 Apêndice ................................................................133 Apresentação Esta disciplina se chama História e Literatura do Antigo Testamento. Comecemos por definir o que pretendemos com esse título. Iniciemos com a última expressão: Antigo Testamento. O nome “Antigo Testamento” provém de 2 Coríntios 3.14, em que o apóstolo Paulo emprega a expressão “antiga aliança” para designar a Bíblia hebraica. Paulo reporta-se aqui à ideia da “nova aliança”, mencionada em Jeremias 31.31. Na visão cristã, o conceito “Antigo Testamento” implica que a Bíblia compõe-se de duas partes, a saber, o Antigo ou Primeiro Testamento e o Novo ou Segundo Testamento. O termo “Testamento” vem da língua latina, uma tradução do termo hebraico berit, que significa “aliança”. Claro, recentemente no diálogo entre cristãos e judeus o emprego da expressão “Antigo Testamento” foi criticado porque o termo “antigo” pode também ter a conotação de “ultrapassado” levando a crer que o Antigo Testamento só tem valor por causa do Novo Testamento ou, pior (como julgam alguns), uma vez que o “novo” está presente, o “antigo” é perfeitamente dispensável. (Não é assim que muitas vezes até cristãos sinceros e piedosos também pensam?) Este é o motivo por que as expressões mais objetivas “Bíblia hebraica” e “Primeiro Testamento” são aqui também empregadas. Originalmente, o texto bíblico não continha divisão em capítulos, versículos e nem mesmo divisão entre palavras que não continham vogais (embora o hebraico 8 Apresentação fosse uma língua vocálica).1 Todos esses artifícios foram criados posteriormente, quando a língua hebraica deixava de ser a língua franca (tipo assim inglês da época) para se tornar a segunda língua ou até mesmo uma língua morta na Palestina. A atual divisão em capítulos, portanto, não provém dos autores bíblicos, mas é uma iniciativa do arcebispo da Cantuária chamado Stephan Langton, no século XIII. A divisão em versículos foi feita bem mais tarde, por volta de 1550. Os textos bíblicos encontrados em Qumran (em português Cumrã), nas cavernas do mar Morto em 1947, mostram que já antes de Jesus o texto do Antigo Testamento estava dividido em capítulos e versículos que serviam, sobretudo, para fins litúrgicos. Mais tarde, na época rabínica, foram determinados os parágrafos e os trechos de leitura para o culto; versículos eram determinados por acentos gráficos, mas não numerados. Também se deve levar em conta que os títulos dos capítulos, comum na maioria das traduções, são acréscimos posteriores cuja intenção é estruturar o texto e facilitar a sua compreensão. Neste livro, os nomes próprios bem como o sistema de abreviação de livros bíblicos e de indicação de capítulos e versículos seguem a versão revista e atualizada de João Ferreira de Almeida, editada pela Sociedade Bíblica do Brasil. Estudar História e Literatura do Antigo Testamento demanda muito espaço e tempo. Visto que numa disciplina como esta sofremos com a carência de ambos, foi necessário optar por aprofundar certas partes representativas do Primeiro Testamento para fornecer a você, estudante, uma ideia da sua estrutura, conteúdo, mensagem e teologia. Em razão disso, o Pentateuco – que forma a primeira parte do cânone –, por ser o fundamento dos demais livros do Antigo Testamento, será tratado com maior atenção e amplitude. A segunda parte está representada por aquele que é considerado o maior profeta do Antigo Testamento, a saber, o profeta Isaías; e a terceira parte tratará de um estudo mais amplo e detalhado daquele que é o livro mais popular do Antigo Testamento entre os cristãos, ou seja, Salmos. Acir Raymann 1 Além da ausência de vogais, os versículos eram escritos juntos, sem separação entre as palavras. | Imagine você o primeiro versículo da Bíblia em português escrito desta maneira: “Nprncpcrdsctrr”. Isso é Gn 1.1 sem as vogais (Almeida Revista e Atualizada). 1 O Antigo Testamento 1.1 Por que o Antigo Testamento? Por que estudar o Antigo Testamento? Há necessidade de se estudar o Antigo quando o Novo já está aí? E se o Novo chegou, existem motivos para se voltar ao Antigo? Não são poucas as vezes em que as pessoas formulam tais perguntas. As respostas talvez fiquem claras se prestarmos atenção para o que o próprio Jesus considerou ser o Antigo Testamento. Pelo estudo dos evangelhos ficamos sabendo que Jesus realmente tinha o Antigo Testamento em alta consideração ou, mais precisamente, o considerava como Palavra de Deus. Para Ele o Primeiro Testamento, como também chamamos, era Palavra de Deus. O diálogo de Jesus com os dois discípulos na estrada de Emaús, depois da Sua ressurreição, é bastante revelador. No relato de Lucas (24.13-31) se percebe claramente que aqueles dois discípulos não haviam acolhido plenamente o testemunho das mulheres que afirmavam que Cristo havia ressuscitado. A eles Jesus diz: “Ó néscios e tardos de coração para crer em tudo o que os profetasdisseram!” (v. 25). E passou a lhes mostrar, fundamentado nas Escrituras do Antigo Testamento, como tudo já estava previsto. E Lucas continua dizendo: “E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a Seu respeito constava em todas as Escrituras” (v. 27). Note a expressão: “...em todas as Escrituras”. Jesus fundamentou o Seu argumento no livro conhecido como “as Escrituras” e bem 10 O Antigo Testamento assim como “Moisés e os profetas”. Esta última expressão é um designativo do Antigo Testamento encontrado com frequência nos manuscritos do mar Morto (ou manuscritos de Cumrã) e também no Novo Testamento. A parábola de Jesus sobre o rico e Lázaro me parece que fala ainda mais alto com relação a este aspecto. A ênfase desta parábola está no fato de que precisamos dar crédito à Palavra de Deus. O texto diz que o homem rico foi condenado ao tormento eterno do qual não havia escapatória nem alívio. Por outro lado, Lázaro, o mendigo, se encontrava em um lugar de bênçãos eternas. O homem rico suplicou a Abraão para que este enviasse Lázaro à terra para alertar os seus cinco irmãos. Jesus cita a resposta de Abraão: “Eles têm Moisés e os profetas”, ou seja, o Antigo Testamento. Uma vez mais o homem condenado implora que seus irmãos recebam um testemunho espetacular, miraculoso. Abraão responde: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (v. 31). Observe a força e a pertinência deste argumento de Jesus. O testemunho do Antigo Testamento é mais valioso do que o de um indivíduo supostamente vindo do além. As tradições dos judeus daquele tempo haviam deturpado a mensagem bíblica. Isso fica atestado no fato de que nem a ressurreição de Lázaro ou do próprio Jesus foram suficientes para convencer os oponentes. As palavras de Jesus são claras: a Lei e os Profetas são testemunhos eficazes da salvação. Em outra ocasião, Jesus fala algo similar. Ele diz: “Porque, se, de fato, cresses em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” (Jo 5.46-47). Nessa passagem, por um lado Jesus está se referindo a Moisés como autor do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) e, por outro, está confirmando que tais escritos falam a respeito Dele e precisam ser cridos. Em outras palavras, duvidar do Antigo Testamento é duvidar das palavras de Jesus. Se cremos em Jesus – e por certo cremos –, então devemos também crer no Antigo Testamento. Seguidamente, alguns críticos liberais usam a passagem de Mateus 5.17 para afirmar que na sequência Jesus contradiz as Sagradas Escrituras. O versículo em que baseiam seu argumento é este quando Jesus fala: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (v. 43). Na verdade, o que Jesus está dizendo é: “Ouvistes o que foi dito” (e não “o que está escrito”): “Amarás 11O Antigo Testamento o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. O termo dito tem a ver com “tradição”, “cultura”, “costume.” É diferente do está escrito. A expressão “foi dito” é uma referência que Jesus faz aos anciãos, escribas, fariseus; por outro lado, a expressão “está escrito” tem a ver com Deus e Sua Palavra – o Antigo Testamento. Apenas a primeira parte dessa citação (Lv 19.18) está no Antigo Testamento; o trecho seguinte, não. O que Jesus faz é contradizer o que os fariseus acrescentaram. Jesus critica e condena os acréscimos, as tradições impostas, pois estas não fazem parte da Escritura. O que é Escritura ou Palavra de Deus é o que consta no Antigo Testamento. Uma análise mais detalhada seria necessária para nos convencermos do valor e da importância que Jesus dava ao Antigo Testamento. Como isso não é possível neste espaço, mesmo assim algumas referências são relevantes. Jesus deu início ao seu ministério em Cafarnaum, ao ler Isaías na sinagoga (Lc 4.16-19). Perante todos declarou: “Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4.21). Na face dos saduceus disse que estes estavam errados “não conhecendo as Escrituras” (Mt 22.19). Apelou ao Antigo Testamento para justificar as suas ações no dia do sábado (Mt 12.5), sua atitude ao expulsar os cambistas do templo (Mt 21.13) e o fato de ter aceito o louvor do povo na sua entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21.16). Referiu-se à história de Jonas e o grande peixe como figura da Sua ressurreição (Mt 12.40), à criação de Adão e Eva pelas mãos de Deus (Mc 10.6). Diante de seus ouvintes e principalmente diante de seus opositores, Jesus mostra que a fonte da vida e da salvação tem seu início nas promessas e correta interpretação delas no Antigo Testamento. 1.2 O cenário do Antigo Testamento A Bíblia, não obstante o seu caráter divino nela implícito, é também um livro humano. Por ter um caráter também humano, a Bíblia interage com a história e a geografia. Os relatos bíblicos, diferentes dos relatos míticos das nações circunvizinhas ao povo de Deus do Antigo Testamento, acontecem no tempo e no espaço. Portanto, a geografia desempenha um papel importante na narrativa e na compreensão dessa narrativa. A narrativa bíblica do Antigo Testamento se desenrola numa área geográfica bastante ampla no assim chamado Antigo Oriente Próximo (AOP). As regiões ocupadas por nações como a Assíria, Síria, Babilônia, Egito e Moabe, por 12 O Antigo Testamento exemplo, são conhecidas, apesar de a extensão do seu território ter sido alterada no transcorrer da história. Além dos territórios, também várias cidades antigas como Jericó, Jerusalém e Damasco podem ser identificadas e continuam a ter importância ainda hoje. O desenvolvimento amplo da história bíblica no seu contexto geográfico serve de cenário para a mensagem central da Escritura Sagrada, que é a salvação da humanidade rebelde na pessoa e na obra do Salvador Jesus Cristo. Embora geografia e história tenham como personagens seres humanos, o protagonista delas não é outro senão o Deus que cria e mantém o universo. A Escritura estabelece uma diferença marcante entre Deus e Sua criação. Em Isaías 40.22, os moradores da terra são descritos como gafanhotos, enquanto Deus está assentado sobre a redondeza da Terra. Na visão bíblica, portanto, apenas Deus tem a verdadeira perspectiva do mundo – como cenário onde está e milita a Sua Igreja. 1.2.1 O Crescente Fértil Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três continentes: Ásia, África e Europa. Logo, é o encontro também de três culturas: oriental, africana e ocidental. Ali estava a esquina do mundo de então. Crises, mudanças e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente, toda a região. É nesta área que a Terra Santa está situada. Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra verde e fértil em forma de “C”, ou duma Lua Quarto Crescente, que vai da Suméria, junto ao Golfo Pérsico no leste, até o Egito, cobrindo toda a faixa banhada pelo rio Nilo, no oeste. 1.2.2 Mesopotâmia Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a Mesopotâmia, cujo nome significa “[terra”] entre rios”, ou seja, os rios Tigre e o Eufrates. O lado norte da Mesopotâmia era defendido naturalmente por uma cordilheira de montes, chamados Zagros. Tal cordilheira era uma defesa contra os fortes ventos gelados vindos do Polo Norte, fazendo com que a região da Mesopotâmia desfrutasse um clima ameno boa parte do ano. Da mesma forma, 13O Antigo Testamento servia como barreira para eventual invasão de exércitos inimigos vindos do outro lado. Na região da Mesopotâmia se desenvolveram várias superpotências, a saber, a Assíria, Síria, Babilônia, Média-Pérsia. A Mesopotâmia foi o lugar originário dos israelitas, pois os patriarcas hebreus viveram na região de Harã, entreo Tigre e o Eufrates. Abraão é chamado de amorreu (Ez 16.3), e, certo tempo depois, Jacó residiu temporariamente entre seus parentes amorreus em Padã-Harã (Gn 28.1-9). Sabemos também que Abraão migrou da cidade de Ur, na Mesopotâmia, para Harã, ao norte, e depois para Canaã, seguindo a revelação e a promessa do Senhor. Posteriormente, maior influência tiveram ainda os mesopotâmicos, assírios, babilônios e persas sobre a história dos israelitas quando controlaram a Palestina em determinados momentos de seu governo sobre o Antigo Oriente Próximo. Esse domínio aconteceu quando a Assíria e a Babilônia se tornaram responsáveis pela destruição do reino dividido dos israelitas e pela deportação de milhares deles para a Mesopotâmia. Mais tarde, sob o governo persa, os exilados hebreus tiveram permissão para retornar à sua terra e reconstruir suas cidades e o templo de Jerusalém. 1.2.3 Região siro-palestina A costa siro-palestina junto ao mar Mediterrâneo era uma região fértil e bastante cobiçada. Especialmente a Fenícia tinha a vantagem dos portos naturais, algo que não acontecia na parte sul de toda a região, por ser uma costa quase reta na direção norte-sul. Isso propiciou um amplo comércio marítimo centrado na região fenícia, especialmente através dos seus portos: Tiro, Sidom e Biblos. Os fenícios ocupavam a costa norte da Palestina, de Aco a Ugarite, e negociavam por toda a costa mediterrânea durante quase dois milênios (cf. Ez 27). A Bíblia fala que Davi e Salomão foram aliados dos fenícios. Como resultado dessa aliança, os fenícios ajudaram no projeto da edificação do templo de Jerusalém como também na construção de um porto em Elate, no mar Vermelho (1 Rs 7.13-22; 9.26-28). Essas relações políticas e comerciais levaram a que Acabe, rei de Israel, casasse com a princesa fenícia Jezabel. Esta união resultou no surgimento da religião de Baal-Melcarte na vida religiosa do Reino do Norte (1 Rs 16.29-34). 14 O Antigo Testamento 1.2.4 Egito O Egito ficava no extremo ocidental do Crescente Fértil, a noroeste da Palestina. Atrelado ao Egito está o seu rio, o Nilo. Sem o Nilo, o Egito não poderia existir. Historiadores antigos já diziam que o Egito é um presente do Nilo. Pela importância que tinha para os egípcios, estes consideram o rio como um deus porque toda a vida dependia das correntes contínuas do seu grande leito. O Egito Antigo era dividido em reino do Alto Egito, ao longo da estreita faixa do vale do rio ao sul, e o reino do Baixo Egito, a área do delta ao norte. As cheias previsíveis do rio e as barreiras naturais de montanhas e deserto na fronteiras oriental e ocidental tornaram o Egito uma civilização estática. Sem ser ameaçado, por milênios o Egito desenvolveu uma economia agrícola invejável, uma estrutura governamental estável e uma cultura própria e duradoura. A história de Israel no Antigo Testamento está vinculada, em vários momentos, por estreitas relações com o Egito. O período do Império Antigo (cerca de 3100-2100 a.C.) foi a época da construção das grande pirâmides sepulcrais da família real. O Médio Império (2133-1786 a.C.) teria incluído a passagem de Abraão pelo Egito (Gn 12.10-20) e a migração de Jacó e sua família para lá (Gn 45.16-47.12). É possível que o Segundo Período Intermediário (1786- 1570 a.C.) tenha sido palco da presença e a consequente opressão dos hebreus como escravos (Êx 1.1-14). O Novo Império (1570-1085 a.C.) testemunhou o chamado de Moisés como libertador dos hebreus e o Êxodo do cativeiro egípcio (Êx 3-13). Até o Bronze Posterior (cerca de 1200 a.C.), o Egito controlou a Palestina sob o governo de Ramsés II, graças, em parte, a um tratado com os hititas. A intervenção egípcia na Palestina continuou com Sisaque I, que acolheu Jeroboão como fugitivo político de Israel (1 Rs 11.40). Tempos depois, entretanto, ele invadiu Judá durante o reinado de Roboão (1 Rs 14.25-26). Daí em diante, o Egito permaneceu aliado importante e necessário para ambos os reinos, do Norte e do Sul, contra os poderes imperiais mesopotâmicos da Assíria e da Babilônia. A presença egípcia foi influente na monarquia hebreia. O rei Salomão, por exemplo, se casou com a filha do faraó como parte de uma aliança política (1 Rs 3.1-2). Bem mais tarde, em triste episódio, o rei de Judá Josias foi morto pelo faraó Neco na batalha de Megido (2 Rs 23.28-30). 15O Antigo Testamento 1.2.5 Palestina No centro do Crescente Fértil está a Palestina. A região da Palestina recebe este nome por causa dos filisteus (pelishtim), que se instalaram ao longo da costa do Mediterrâneo de Jope a Gaza ao redor de 1200 a.C. Antes da chegada dos filisteus, a região se chamava Canaã. Esse termo significava “terra púrpura” e, possivelmente, se originou da tintura produzida por um tipo de molusco encontrado em abundância ao longo da costa. No século V a.C., o historiador grego Heródoto referiu-se à área como “Síria Filisteia”. Mas este nome não aparece no Antigo Testamento, que prefere “terra de Canaã”, em função de seus principais habitantes, os cananeus. No Antigo Testamento ela é chamada “Israel” ou “terra de Israel” (1 Sm 13.19). Já o nome Terra Santa (Zc 2.12) se tornou popular na Idade Média, especialmente em razão das Cruzadas. A Palestina se acha rodeada ao norte pela Mesopotâmia; ao sul pelo Egito; a oeste pelo mar Mediterrâneo, que no Antigo Testamento é também chamado de “Grande Mar”; ao leste está a região desértica e inóspita da Arábia. Todas estas regiões, umas mais, outras menos, estão intimamente ligadas ao texto bíblico. A Palestina é geralmente considerada o centro geográfico e teológico do mundo antigo. De um lado era privilegiada pela sua posição geográfica na medida em que se situava no cruzamento de rotas comerciais importantes da Antiguidade, entre os continentes da África, Ásia e Europa. Por outro, era uma área bastante cobiçada por nações estrangeiras em razão de sua posição militarmente estratégica. A região tem aproximadamente 240km de extensão de Dã, ao norte, a Berseba, no sul, e 140km do rio Jordão (leste) ao mar Mediterrâneo (oeste) – uma área equivalente ao estado de Sergipe. A terra da Palestina se divide claramente em quatro regiões longitudinais, ou seja, na direção norte-sul. São elas: a planície costeira, a cordilheira central, a depressão jordânica e o planalto da Transjordânia (cf. Dt 1.6-8). Planície costeira A planície costeira se estende a distâncias de 15 a 20km ao sul da Palestina. É uma faixa fértil de terra porque recebe chuvas frequentes vindas do mar Mediterrâneo. Três planícies distintas são identificadas ao longo da costa: Aco, 16 O Antigo Testamento que se estende ao norte, do monte Carmelo; Sarom, entre o monte Carmelo e a cidade de Jope; e a planície dos filisteus, de Jope a Gaza. Para o povo de Israel no Antigo Testamento, a planície costeira nunca teve importância maior porque não tinham fácil acesso a ela. Os fenícios a controlavam ao norte; os filisteus, a planície sul; e a planície de Sarom era composta por um solo pouco fértil e por uma floresta densa naqueles tempos e que era, via de regra, ocupada também pelos filisteus. Na planície costeira, uma importante estrada norte-sul ligava o Egito a Damasco e depois à Mesopotâmia. Seguidamente, ela tem sua rota alterada para o interior em razão das dunas e pântanos. Ela é chamada Via Maris, a “Estrada do Mar”, expressão cunhada pela Vulgata ao traduzi-la dessa forma em Isaías 9.1. Antes de chegar ao monte Carmelo, a Via Maris avançava bastante em direção ao centro da região. Era guardada na entrada da planície de Jezreel pela cidade de Megido. De Megido a estrada se ramificava, voltando-se para o norte, em direção às cidades fenícias, mesopotâmicas e em direção do golfo pérsico, a oriente. Esta estrada internacional foi usada durante todo o período bíblico, e algumas dascidades mais importantes da Antiguidade estavam próximas a ela. Cordilheira central Esta, sim, era uma região importante para o povo de Israel no Antigo Testamento, quem sabe, a mais importante. Por ser uma região montanhosa e, por isso mesmo, oferecer defesa natural, a maioria das cidades israelitas foi construída ali. O terreno montanhoso forma a espinha dorsal da Palestina, geralmente dividida em três partes principais: Galileia, Samaria e Judá. As elevações atingem até os 1.000m, e o bom índice pluviométrico é próprio para o cultivo de grãos, vinhedos, pomares e olivais. Começando ao norte, os principais pontos da Galileia incluem o monte Tabor (Jz 4.6,12) e o vale de Jezreel. Na área de Samaria, o grande destaque era a cidade de Siquém, situada entre os montes Ebal e Gerizim. A principal cidade era, claro, Jerusalém, que se situava no cruzamento das rotas comerciais de Judá. Mais tarde, durante a época da monarquia no reino de Judá, a cidade fortificada de Laquis se tornou a segunda cidade mais importante. 17O Antigo Testamento Depressão jordânica O vale do rio Jordão é uma grande depressão geológica que inicia na região da Síria, ao norte as montanhas do Líbano, e se estende para o sul até o golfo de Ácaba e o mar Vermelho. Este vale determina a fronteira oriental da Palestina. O rio Jordão tem suas fontes nas encostas do monte Hermom e é formado por três pequenos ribeiros. O nome “Jordão” vem do hebraico “Yarden”, que tem sua origem no verbo yarad, que significa “descer”. “Jordão”, portanto, é “aquele que desce”. E o rio faz jus a seu nome. O Jordão desce do Hermom a mais ou menos 500m, flui para o pântano de Hulê e rapidamente cai para 300m, desaguando no mar da Galileia. Este lago de água doce fica a cerca de 200m abaixo do mar Mediterrâneo e é cercado por colinas. Na Escritura o mar da Galileia possui vários nomes: Quinerete (“harpa” – Nm 34.11), Genesaré (Lc 5.1) e Tiberíades (Jo 21.11). O mar da Galileia possui 20km de largura e 11km de comprimento. Desse ponto, desce mais ainda em direção ao mar Morto. O mar Morto é chamado também de “mar Salgado” (Gn 14.3), “mar da Arabá” (Js 3.16) e “mar ocidental” (Zc 14.8). Josefo referiu-se a ele como o “mar de asfalto” (Guerra 4.8.4, #476) e os árabes o chamam de “mar de Ló”. O mar Morto não é mencionado no Novo Testamento. Devido à imensa quantidade de sais que o Jordão lança no mar Morto, sua concentração de salinidade fica em quase 30%, quando o normal é em torno de 7%. Nada sobrevive nele; por isso o nome, recebido dos gregos. O mar Morto se situa a mais de 400m abaixo do nível do Mediterrâneo, tornando-se o ponto mais baixo do mundo. Os desfiladeiros de calcário que circundam a margem ocidental do mar Morto estão repletos de cavernas que serviam de esconderijo para bandidos, foragidos políticos e seitas religiosas. Entre as cavernas dessa árida região foram encontrados os famosos manuscritos do mar Morto, ou Cumrã, em 1947. Em tempos do Antigo Testamento, a região em torno do mar da Galileia era densamente povoada e a agricultura era viçosa graças às técnicas de irrigação. Serpenteando para o sul, o vale estreitava-se e se cobria de vegetação densa, lugar propício para a presença de animais selvagens (Jr 49.19; 50.44; Zc 11.3). 18 O Antigo Testamento Planalto da Transjordânia A leste da depressão jordânica a terra se eleva abruptamente, formando um planalto que se estende até o deserto arábico. Boa parte da região possui alguns minérios e é adequada à agricultura e ao pastoreio. Quatro grandes uádis, ou ribeiros, deságuam no rio Jordão desde o planalto: Jarmuque, Jaboque, Arnom e Zerede. O planalto pode ser dividido em três platôs principais: Seir, ao sul; Moabe e Gileade, na Transjordânia central; e o planalto de Basã, ao norte. O planalto de Seir, ao sul, é o mais acidentado deles, com montes que atingem até 2.000m. Foi nessa área que os edomitas, e mais tarde os nabateus, construíram cidades entre os desfiladeiros. A mais conhecida hoje é a cidade de Petra, famosa por aparecer em filmes de Indiana Jones e até em novela brasileira. Gileade possuía terras férteis e até hoje remanescentes de florestas podem ser ali encontrados. Mas o maior e mais fértil dos planaltos era o de Basã. O rico solo vulcânico faz dela a melhor terra de pastagem da região do Levante. Com tal característica a região de Basã é mencionada na Bíblia (Sl 22.12; Am 4.1). A segunda importante estrada internacional passava por essa região e era chamada a “Estrada do Rei” (Nm 20.17; 21.22). Ela estendia-se do Golfo de Ácaba ao sul até Damasco, ao norte. Para contornar o leito dos quatro rios e deformações no terreno, a estrada tinha de ser por vezes desviada até 40km para o leste, chegando à beira do deserto. Era a estrada mais usada pelas caravanas de nômades que transportavam seus produtos comerciais para trocá-los por produtos agrícolas. Durante a monarquia israelita, a “Estrada do Rei” ganhou importância especial pelo incremento do comércio com a Arábia. A região da Transjordânia foi a primeira a ser colonizada pelos hebreus na conquista da Palestina após o Êxodo do Egito. Atividades 1. Várias vezes Jesus se refere a um fato ou episódio como “foi dito”; outras vezes Ele diz “está escrito”. Verifique em sua Bíblia, com o auxílio de uma pequena Concordância Bíblica se possível, onde Jesus emprega tais expressões e observe se faz diferença o uso de uma e de outra. 19O Antigo Testamento 2. Com as palavras “Ouvistes o que foi dito...” Jesus está se referindo a (assinale duas alternativas): a) Antigo ou Primeiro Testamento. b) anciãos, escribas e fariseus. c) tradição. d) Moisés e profetas. e) Lei Mosaica. 3. A origem de “Jordão” vem de uma palavra hebraica, que significa: a) subir. b) descer. c) correr. d) afundar. e) salinizar. 4. A Palestina possuía duas estradas principais que foram importantes na história bíblica do Antigo Testamento. Uma delas era a Via Maris, que se estendia de: a) Dã a Berseba. b) Jope a Rabá. c) Elate a Damasco. d) Egito a Damasco. e) Egito a Jerusalém. Respostas: 2) b, c 3) b 4) d 2 História do estudo científico do Antigo Testamento 2.1 Período da Igreja Pós-neotestamentária Os Pais da Igreja Neotestamentária não se preocupavam muito com questões científicas relacionadas ao Antigo Testamento. Seu objetivo maior e imediato, até mesmo em função da sua proximidade com a ressurreição e ascensão de Jesus, estava ligado mais ao aspecto missiológico, à exposição do conteúdo das Escrituras e à formulação de doutrinas. Mas houve momentos em que foram compelidos a focar sua atenção em questões de aspectos de introdução relacionados ao Antigo Testamento. Desde a época de Marcião, um herege gnóstico que viveu no segundo século, a Igreja tem sido desafiada com o problema do papel do Antigo Testamento na Bíblia. Marcião rejeitava o Antigo Testamento e o Deus descrito nessa parte da Bíblia. Para ele o Deus do Antigo Testamento era um Deus da ira, da guerra e, portanto, um “Deus inferior”. A Igreja precisou tomar posição quanto a essa visão, e a partir daí vem se defrontando com preconceitos em relação ao Antigo Testamento. Um pouco mais tarde, quando Porfírio, por exemplo, atacou o livro de Daniel e o declarou uma fraude forjada, Jerônimo, que traduziu a Vulgata, fez uma réplica, contestando a posição de Porfírio. A primeira tentativa para uma análise mais ampla e enfocada sobre a introdução a um livro bíblico provavelmente se encontra em Santo Agostinho, na sua obra escrita em latim A Respeito da Doutrina Cristã. Esta obra contém valiosa 22 História do estudo científico do Antigo Testamento contribuição sobre o assunto da interpretação do texto bíblico. Nos dois primeiros livros, Agostinho exibe e desenvolve as características da correta interpretação bíblica. Importantetambém a refutação que faz aos donatistas e seus pontos de vista, dentre os quais a exagerada importância que davam à Septuaginta. 2.2 Período da Reforma O término do período medieval testemunhou profundas transformações até mesmo no estudo do Antigo Testamento. A característica fundamental da Reforma é fazer com que a atenção da Igreja da época se volte para as Sagradas Escrituras como fonte única de fé e vida. Essa revolução faz com que a Reforma tenha como mérito também o fato de ter impelido para o primeiro plano a importância do estudo da Escritura a partir das línguas originais. A ênfase no hebraico e no grego fez com que os debates teológicos fossem, por vezes, decididos em análises mais precisas e meticulosas do estudo do texto original. São conhecidas as palavras de Martinho Lutero sobre a importância das línguas bíblicas. Dizia ele: “Não conseguiremos preservar o Evangelho corretamente sem as línguas. As línguas [originais] são as bainhas da espada do Espírito. São o cofre no qual se guarda essa preciosidade...”.2 Nesta ênfase, não muito distante de Lutero, está Calvino. Ambos estudaram a língua hebraica com grandes professores e sem dúvida muito fizeram para encorajar outros ao seu estudo. Em razão disso, as obras sobre Introdução ao Antigo Testamento, que se originaram nesse período e pouco depois, revelaram profundo interesse na questão do texto. É consenso entre os estudiosos que a Reforma foi responsável por um verdadeiro e sensível progresso no estudo científico do Antigo Testamento. 2.3 O período da Pós-Reforma O período após a Reforma fica demarcado pelo aparecimento de pontos de vista filosóficos que se revelaram como hostis ao elemento sobrenatural do cristianismo. Algumas dessas opiniões tiveram expressão na obra Leviathan, 2 LUTERO, Martinho. | Obras Selecionadas. V. 5. Ilson Kayser, editor-geral. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1994, p.311, 312 e 316. 23História do estudo científico do Antigo Testamento de Thomas Hobbes, um deísta inglês (1651). Hobbes atacou algumas tradições relacionadas à origem e à data de certos livros do Antigo Testamento. Um pouco mais tarde, em 1670, aparece a obra de Benedito Spinoza chamada Tratado Teológico-político, que, baseada em princípios semelhantes aos de Hobbes, questiona a presença de aspectos sobrenaturais na Escritura. Estes críticos foram seguidos por outro, desta vez um padre católico romano francês, chamado Ricardo Simon. Na sua obra História Crítica do Antigo Testamento (1685) Simon discute a data de vários livros, particularmente os do Pentateuco. Afirmou que o Pentateuco, em sua forma presente, não pode ter sido obra de Moisés e considerava os livros históricos (como Reis e Crônicas) como extratos tirados dos anais públicos da corte de Israel e Judá. 2.4 Período do Iluminismo A obra de Simon produziu frutos nos escritos de Johann Semler, que fortaleceu os princípios adotados por Simon com um espírito ainda mais negativo. Semler estabeleceu dois princípios com relação ao Antigo Testamento. Primeiro: o Antigo Testamento “apenas contém a Palavra de Deus”. Segundo: “Trate o Antigo Testamento como qualquer outro livro”. Em outras palavras, para Semler, a autoridade para interpretar e dar valor ao Antigo Testamento era o próprio leitor, do seu jeito e a seu modo. Em 1780, surge a Introdução ao Antigo Testamento de Johann G. Eichhorn. Na maior parte da sua obra Eichhorn chamou a atenção para a beleza literária do Antigo Testamento, mas descartou também uma compreensão genuína sobre o seu caráter sobrenatural. A partir daí as Escrituras passaram a ser consideradas como meramente a literatura nacional dos hebreus. A crítica liberal ao Antigo Testamento encontra sua culminância, em grande parte, na obra Introdução ao Antigo Testamento de Robert H. Pfeiffer.3 Pfeiffer parte do princípio que o que não pode ser cientificamente repetido, não pode ser admitido como verdade. Visto que milagres no Antigo Testamento não podem ser provados (pela sua repetição), eles não devem ser aceitos como verdade. 3 PFEIFFER, Robert H. | Introduction to the Old Testament. New York/London: Harper & Brothers Publishers, 1941. 24 História do estudo científico do Antigo Testamento Para se entender esse movimento dominó na crítica com relação ao Antigo Testamento, é preciso entender um pouco do espírito daquela época e dos movimentos filosóficos então presentes. Se no século XVI havia uma revolta contra a autoridade opressiva da Igreja da época, agora, nos séculos XVIII e XIX, essa revolta se estende contra a autoridade da Bíblia. O século XVIII havia testemunhado uma exaltação da razão humana, que ficou conhecida como época da “Iluminação” ou “Iluminismo”. O termo está atrelado a um conceito em que o ser humano tem a supremacia sobre tudo. Rejeitar a revelação externa e considerar a razão humana como lei para si mesma não é iluminação, mas é cair em grande engodo. Exaltar a razão humana como árbitro sobre todas as coisas é, na realidade, substituir o Criador pela criatura. Confiabilidade do Antigo Testamento No século XIX se cristaliza o movimento da Hipótese Documental, em que o Pentateuco é analisado a partir da crítica das fontes. O Pentateuco perde, segundo os críticos, a sua unidade, sendo analisado a partir de uma fragmentação teórica de documentos denominados J, E, D e P. Tal abordagem não apenas afetou a composição literária do Pentateuco, como teve repercussão à historicidade das narrativas dos patriarcas. Julius Wellhausen foi o maior defensor da crítica das fontes. Pela sua análise, chegou a afirmar que o Pentateuco não comprova a historicidade dos patriarcas, mas apenas reflete as histórias patriarcais recontadas em uma época posterior, a maior parte delas fruto do período pós-exílico de Israel. Nos dias de hoje, há fundamentalmente duas escolas ou tendências de pensamento sobre a confiabilidade histórica do Pentateuco ou do Antigo Testamento em geral. A primeira, normalmente denominada conservadora, entende que o Antigo Testamento é resultado da inspiração e da revelação divinas, pressupondo, portanto, a participação sobrenatural de Deus na sua origem. Dessa forma, as narrativas são verdadeiras e possuem precisão histórica e plena confiabilidade. O teólogo conservador recorre também a fontes extrabíblicas e arqueológicas para elucidar o pano de fundo e a história do povo de Deus no Antigo Testamento. A segunda tendência é que se chama de reconstrucionismo histórico. Os defensores desta escola assumem uma posição cética frente ao texto bíblico 25História do estudo científico do Antigo Testamento por serem obras de escritores que eles consideram pré-científicos e medievais. Em geral, para estes os escritos antigos paralelos ao texto bíblico são até mais confiáveis que a narrativa do Antigo Testamento por serem mais antigos e mais próximos dos acontecimentos relatados. Os proponentes desta abordagem empregam grande gama de metodologias extraídas da crítica histórica e linguística para reconstruir a história de Israel sob a alegação de que os relatos bíblicos como tais não podem ser interpretados literalmente. A questão da confiabilidade histórica das narrativas do Pentateuco e de outras partes do Antigo Testamento depende, pois, dos pressupostos referentes à natureza do texto bíblico. A questão toda não está no texto em si, mas de como o texto pode ser interpretado. Os que defendem a confiabilidade histórica creem na inspiração divina das narrativas bíblicas e defendem a exatidão da história da ação de Deus com o Seu povo do Antigo Testamento. De modo inverso, os que sustentam a posição “reconstrucionista” da história do Antigo Testamento em geral desconsideram a origem e a participação divinas nesse processo. Tais pressupostos explicam sua abordagem crítica do Antigo Testamento comoum documento humano apenas e, por isso, falho. Esta visão lhes dá liberdade para reinterpretar e reconstruir a história de Israel a partir de elementos literários, achados arqueológicos e modelos contemporâneos sociopolíticos. Atividades 1. Na sua opinião, existe diferença entre afirmar que a “Escritura é Palavra de Deus” e a “Escritura contém Palavra de Deus”? 2. Herege gnóstico que questionou a equivalência em autoridade divina entre o Antigo e o Novo Testamento. Assinale a reposta correta. a) Jerônimo. b) Agostinho. c) Marcião. d) Lutero. e) Porfírio. 26 História do estudo científico do Antigo Testamento 3. Período que foi responsável por um sensível progresso no estudo científico do Antigo Testamento. Assinale a reposta correta. a) Pós-neotestamentário. b) Reforma. c) Renascentista. d) Pós-reforma. e) Iluminismo. 4. Marque a alternativa correta. Tratar o Antigo Testamento como qualquer outra obra literária tem implicações. Tais implicações se manifestam em que: a) a inspiração divina é considerada. b) a revelação divina se torna relevante. c) o ser humano finalmente pode interpretar o texto bíblico a seu critério. d) o texto se torna isento de inverdades por ser produto de acurada pesquisa. e) Ao fim e ao cabo, a narrativa veterotestamentária se torna equivalente aos escritos da sua época. Respostas: 2) c 3) b 4) e 3 A formação do Antigo Testamento O Antigo Testamento foi escrito em duas línguas. A língua predominante é o hebraico. A outra língua, prima do hebraico e posterior, é o aramaico, que gradualmente assumiu o posto da comunicação como língua viva nos últimos seis séculos antes de Cristo. O hebraico tem muitos elementos paralelos com outras línguas semíticas como o cananítico, ugarítico e o árabe. A língua aramaica era a língua usada no tempo de Jesus, sendo muito parecida com a língua siríaca da Igreja Cristã Pós-neotestamentária. As línguas semíticas são diferentes das línguas clássicas. Originalmente, o hebraico não possuía vogais. Para facilitar o processo de transmissão escrita, dois sistemas de vogais foram criados, mas apenas um deles foi universalmente aceito e hoje integra o Texto Massorético (TM), o texto das nossas Bíblias em hebraico. A divisão de capítulos foi adicionada a partir da Vulgata no século XIV, e os versículos foram numerados no século XVI. No período da Reforma, inúmeras horas foram despendidas no debate sobre a inspiração ou não das vogais. Ao contrário de vários, Lutero entendia que as consoantes eram inspiradas, as vogais não. Nos seus comentários, Lutero, seguindo outros manuscritos, chegou a mudar a vocalização do TM para alterar a terceira pessoa para a primeira em 2 Crônicas 18.29. O estudo do texto para determinar com a maior precisão possível o texto consonantal é chamado de “crítica textual”. O tradutor, o comentarista bíblico e o pregador têm a tarefa de exercitar esta atividade. O estudo do “quem, quando, onde, por que, o que” nos livros bíblicos é chamado de “crítica literária”. Há 28 A formação do Antigo Testamento critérios científicos para isso, mas há também inúmeras hipóteses questionáveis. Infelizmente, muitas pessoas perderam o interesse nas Escrituras como Palavra viva de Deus em razão de argumentos estéreis neste campo, tanto do lado conservador como do liberal. 3.1 Texto e versões do Antigo Testamento Desde 1947, descobertas arqueológicas e paleográficas em Cumrã, nas proximidades do mar Morto, têm revelado fragmentos de inúmeros manuscritos hebraicos que antecedem em mil anos os anteriormente conhecidos. Na primeira caverna uma cópia do livro completo de Isaías foi encontrada juntamente com outro pergaminho quase completo também do mesmo livro. Igualmente, dois capítulos de Habacuque aparecem num comentário anterior ao tempo de Cristo. Com ao menos 11 cavernas abertas na década seguinte, existe agora ampla evidência de que em algum momento da história todo o Antigo Testamento foi conhecido pelos sectários da região de Cumrã. Antes desta descoberta, os textos mais antigos do Antigo Testamento eram em grego. Fragmentos e livros inteiros eram conhecidos e datam até o século IV. Popularmente, a tradução grega é conhecida como Septuaginta (LXX). Houve, entretanto, outras versões gregas em datas posteriores. Era necessário traduzir as Sagradas Escrituras na língua do povo, visto que o hebraico deixara de ser língua viva. O grego era a língua da Diáspora e do comércio no Antigo Oriente Próximo no período final do Antigo Testamento. Estudos nos Manuscritos do mar Morto evidenciam um texto hebraico que, ao que parece, foi usado em Alexandria pelos tradutores da LXX. No início os estudiosos desconfiavam que o texto da LXX não era acurado, preciso; mas agora se sabe que eles empregaram um texto de diferente tradição. Dentro dos limites da Palestina, o aramaico era a lingua franca no tempo de Jesus. É bem possível que as sinagogas de Nazaré e Cafarnaum tenham se utilizado de paráfrases em aramaico do texto hebraico nas atividades religiosas regulares. Nos primeiros séculos da Igreja Cristã Neotestamentária, uma versão em aramaico surge com o nome de Targum, que significa “paráfrase” ou “interpretação”. 29A formação do Antigo Testamento Uma das mais importantes versões do Antigo Testamento para outra língua veio com a tradução para o latim, denominada Vulgata. Foi traduzida por Jerônimo em 405, comissionado pelo papa Dâmaso. No concílio de Trento, em 1546, a Igreja Católica Romana aceitou a Vulgata como sua tradução oficial. Lutero viu erros na Vulgata, o que o levou a traduzir toda a Bíblia a partir das línguas originais hebraico e grego. A primeira Bíblia dos cristãos católicos brasileiros foi uma tradução da Vulgata feita para o português. Para atender os cristãos de fala siríaca, várias versões do Antigo Testamento nessa língua foram elaboradas. A principal e mais popular é a Pesita (150-200), que foi considerada modelo para aqueles dias. Em conclusão, podemos dizer que as versões do Antigo Testamento para as diversas línguas são de muita importância. Primeiramente, elas servem como investigação textual, ou seja, vez por outra testificam o texto original em versículos onde este se havia corrompido. Em segundo lugar, elas servem como auxílio na interpretação. Toda tradução necessariamente envolve interpretação. Nesse sentido, as versões são os primeiros comentários sobre determinado texto. E, por último, as versões, por disponibilizarem a Palavra de Deus em várias línguas, tornam-se instrumentos valiosos de missão. 3.2 Antigo Testamento e o cânone A palavra “cânone” não se encontra na Bíblia, embora sua raiz apareça em 1 Reis 14.15, Jó 40.21 e Isaías 42.3. Originalmente, qāneh significava “junco” ou “talo” de papiro. Pelo fato de juncos serem usados como réguas ou instrumentos para medir linhas retas, “cânone” passou a significar “medida”. O termo “cânone” ou “cânon” foi empregado pela primeira vez como expressão teológica referente às Escrituras por Atanásio, bispo de Alexandria (cerca de 367) em carta pascal às igrejas em que descreve o conteúdo do cânone do Novo Testamento. Canonicidade se diz do livro que tem a “medida” para ser incluído no cânone bíblico, ou seja, na lista oficial dos livros que integram as Escrituras, inspirados pelo Espírito Santo. Há teorias erradas sobre as razões por que um livro integra o Cânone do Antigo Testamento. Algumas delas são: 30 A formação do Antigo Testamento a. A antiguidade do livro. Um livro é distinguido devido à sua idade. Entretanto, idade não é documento para canonicidade. Assim que foi escrito, o Pentateuco foi considerado canônico. O mesmo aconteceu com outros livros do Antigo Testamento. b. A língua hebraica como critério para a canonicidade. O argumento seria que, depois que o aramaico passoua ser língua falada na Palestina, qualquer material escrito em hebraico seria considerado canônico. Mas este pensamento não está correto: alguns livros, como 1 Macabeus, Eclesiástico e Tobite, foram originalmente escritos em hebraico e, entretanto, não são canônicos. Além disso, livros como Daniel e Esdras foram escritos em parte em aramaico e fazem parte do cânone. c. Concordância com a Torá/Pentateuco (norma e padrão último da verdade). Contudo, alguns livros concordam com a Torá, mas não foram aceitos como canônicos, como, p. ex., 2 Macabeus. d. Valor ou conteúdo religioso determina a canonicidade (para alguns, a cristocentricidade do livro). Entretanto, canonicidade nada tem a ver com o propósito de um livro. Ademais, quem determina o valor de um livro? Nem todos os livros canônicos falam diretamente sobre Cristo. Por outro lado, há inúmeros livros com orientação evangélica que não integram o cânone. Um livro que proclama o Evangelho pode conter erros e contradizer livros canônicos. e. A Igreja ou o povo de Deus (tanto no período do Antigo como do Novo Testamento) é a fonte de canonicidade. Uma variante dessa teoria é que a comunidade inspirada é fonte de canonicidade. Entretanto, se a Igreja concede canonicidade, o resultado é uma autocontradição, visto que na história do cânone a Igreja propôs listas diferentes de livros oficiais. Na verdade, a fonte de canonicidade de um livro está em Deus. É Ele quem possui a suprema autoridade e o que provém de Deus é infalível. Canonicidade e autoridade estão atreladas à origem de um determinado livro bíblico. Se um livro vem de Deus, ele é canônico. Outra forma de dizer isso é: se um livro é inspirado, ele é canônico. Como podemos ter certeza se um livro tem sua origem em Deus? Se o autor do livro foi inspirado. 31A formação do Antigo Testamento 3.3 Critérios de canonicidade e divisão O critério mais importante para nós é o testemunho de Jesus e seus discípulos. Eles identificaram como derivando de escritores inspirados – e por isso como autoritativos – tanto livros individuais do cânone como todo o cânone judaico da sua época. Este cânone era aceito pelos judeus que viviam na Palestina no século I, com exceção dos saduceus, que aceitavam apenas a Torá. As evidências apontam para o cânone de Cristo e Seus discípulos como sendo idêntico ao cânone dos judeus contemporâneos a Jesus. O cânone está dividido em três partes, como segue abaixo. Lei A Lei, ou Torá, consiste dos cinco primeiros livros da Bíblia. Ela também é chamada de Pentateuco (da palavra grega para “cinco”, penta). Não há dúvida de que estes livros já eram aceitos e normativos no tempo de Esdras e, quem sabe, já antes, no tempo do rei Josias. Profetas Os profetas ou Nebi’im foram os próximos a receber crédito pelo seu uso. Na Bíblia hebraica eles se dividem em dois grupos, a saber, os profetas anteriores, contendo os livros históricos de Josué a 2 Reis, e os profetas posteriores, compreendendo os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas menores. Escritos A terceira divisão na Bíblia hebraica é chamada de Escritos ou Ketubim. Ela compõe-se de todos os demais livros que não constam nas divisões anteriores, ou seja, a poesia, os rolos para festas e acréscimos históricos. Não se pode determinar quando tais livros foram aceitos. Entretanto, por volta de 185 a.C., Ben Siraque, no Prefácio do seu livro não canônico Eclesiástico, fala em “Lei, os profetas e outros livros”, dando indicação de que o cânone estava fechado. 32 A formação do Antigo Testamento Não resta dúvida de que o cânone que conhecemos hoje era o mesmo do tempo de Jesus, como Ele mesmo testemunha. Em Lucas 24.44 Jesus fala em “Lei, profetas e salmos”. Em duas ocasiões Jesus aponta para o primeiro e o último mártir mencionados no Antigo Testamento (Mt 23.35 e Lc 11.51). Jesus se refere nominalmente a Abel (em Gênesis) e a Zacarias (1 Cr 24.20). Crônicas é, no cânone hebraico, o último livro do Antigo Testamento. Fávio Josefo (cerca de 70) menciona 22 livros. Este número fecha com o cânone hebraico, visto que a separação dos 12 profetas menores ocorre posteriormente, como também de outros livros históricos. Os sectários de Cumrã, junto ao mar Morto, conheciam todos os livros da Bíblia hebraica que nós hoje possuímos. Eles também copiaram e estudaram os livros apócrifos. O Concílio de Jamnia, em cerca de 90, tem sido muitas vezes indicado como o evento que canonizou as Escrituras Hebraicas. Mas esta é uma posição equivocada. O que o concílio fez foi certificar o que já era uma realidade pelo uso da Igreja e pela Providência Divina. Não se pode prescindir do fato de que a providência divina agiu de forma soberana no estabelecimento e na preservação do cânone como o fez na inspiração de cada um de seus livros. Quando uma criança reconhece seu próprio pai, no meio de uma multidão de outros adultos, seu ato não empresta ao pai uma nova qualidade de parentesco; simplesmente reconhece um relacionamento que já existe. Assim também é o caso de listas de livros autoritativos reconhecidos por concílios. Não puderam emprestar a canonicidade a uma página sequer das Escrituras; simplesmente reconheceram a inspiração divina inerente aos documentos e formalmente dispensaram outros livros em prol dos quais falsamente se tinha pleiteado a canonicidade. 33A formação do Antigo Testamento Divisão tripartite do Antigo Testamento: Torá Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio Profetas Anteriores Josué Juízes Samuel Reis Posteriores Isaías Jeremias Ezequiel Livro dos Doze: Oseias Naum Joel Habacuque Amós Sofonias Obadias Ageu Jonas Zacarias Miqueias Malaquias Escritos Salmos Jó Provérbios Rute Cântico dos Cânticos Eclesiastes Lamentações Ester Daniel Esdras Neemias Crônicas 34 A formação do Antigo Testamento 3.4 Apócrifos O termo “apócrifo” significa “escondido”. Aplicado à coleção de livros judaicos datados do período intertestamental, o termo possui duas conotações: 1) livros “escondidos” por sua natureza esotérica; 2) livros “escondidos” por merecimento, ou seja, não eram reconhecidos como canônicos. Os apócrifos se constituem numa coleção de 14 livros compostos por autores judeus entre 200 e 100 a.C. Foram escritos originalmente em grego, hebraico e aramaico e preservados depois em várias outras línguas. Os apócrifos contêm cinco gêneros literários diferentes, a saber, religioso, didático, histórico, profético e literatura lendária. Inicialmente, os apócrifos foram gradualmente acrescentados em edições mais recentes da Septuaginta. Estes livros foram separados das Escrituras hebraicas e não foram considerados parte do Antigo Testamento pelos hebreus. Esse fato ficou na tradição hebraica, mas não foi estabelecido por escrito. Em vista disso, surge certa confusão entre os cristãos de língua grega que adotaram a LXX como versão bíblica. Isso ocorre principalmente após o ano 100, pelo fato de cópias posteriores da LXX haverem sido feitas por escribas cristãos. Confusão maior ainda viria com a publicação da Vulgata, por Jerônimo, em 405. Jerônimo opunha-se aos apócrifos e fez anotações específicas na Vulgata a esse respeito. Mas edições posteriores não mantiveram essas distinções e logo a maioria dos leitores da Vulgata não faria diferença entre o Antigo Testamento e os apócrifos. A Reforma retomou o debate sobre os apócrifos. Ao traduzir a Bíblia a partir do hebraico, os Reformadores descobriram que os apócrifos não faziam parte do seu cânone. Entenderam que tal coleção de livros não deveria ser considerada equivalente em autoridade bíblica com os que integravam o cânone. Os apócrifos são fonte útil de informação para se entender o período intertestamental. Não há nada teologicamenteimportante nos apócrifos que não fique duplicado na literatura canônica. Ao contrário, mesmo o sóbrio relato histórico de 1 Macabeus está permeado de inúmeros erros e anacronismos. 35A formação do Antigo Testamento A Igreja Católica Romana reagiu aos Reformadores no Concílio de Trento (1545-1564), aceitando os livros como se encontram na Vulgata. Hoje a coleção geralmente é chamada deuterocanônica e foi consolidada pelo Concílio Vaticano de 1870. Conceitos doutrinários da Igreja Católica Romana como purgatório, mérito por boas obras e prática de oração pelos mortos são extraídos dos livros deuterocanônicos. Para exemplificar, o livro de Enoque, como outros livros apócrifos que carregam o nome de personagens bíblicos famosos (Abraão, Moisés, Salomão, etc.), tem sido empregado por movimentos esotéricos como referência, entre outras coisas, a episódios ocorridos em Gênesis e que supostamente estariam incompletos. Uma tentativa de explicar a origem dos “Nephilim”, gigantes na terra, estaria na ordem do dia neste livro. A referência a Enoque no livro de Judas 14 no Novo Testamento é extraída do livro de Enoque que, supõe-se, tenha sido escrito pelo Enoque de Gênesis 5. O livro não aparece no mercado senão antes do século I a.C. O fato de o livro não ser canônico não significa que não contenha nenhuma verdade. Por outro lado, o fato de Judas citá-lo também não significa que ele esteja considerando o livro todo como inspirado. O apóstolo Paulo cita diretamente ou indiretamente obras seculares como Aratus (At 17.28), Menander (1 Co 15.33) e Epimênedes (Tt 1.12). Isso, entretanto, não serve como evidência de que as citações ou os livros de onde foram tiradas sejam divinamente inspirados. Atividades 1. Disserte sobre por que as primeiras versões do Texto Massorético são importantes para a Igreja e sua missão no mundo. 2. Assinale a resposta que indica o período em que surgiram as vogais na língua hebraica. a) No tempo de Adão. b) No tempo de Moisés. c) No tempo de Isaías. d) No tempo de Jesus. e) Depois de Jerônimo. 36 A formação do Antigo Testamento 3. Com relação aos critérios para a formação do cânone do Antigo Testamento, assinale a resposta correta. a) O livro foi escrito na língua hebraica. b) Os próprios autores afirmavam ser inspirados pelo Espírito Santo. c) O cânone é resultado da ação providencial de Deus na história. d) Após longos estudos, o cânone foi estabelecido no concílio de Jamnia, em cerca de 90. e) Os sectários de Cumrã já conheciam todos os livros da Bíblia hebraica que formam o cânone, e a Igreja confiou na escolha deles. 4. A Igreja Católica confirmou os livros deuterocanônicos na sua Bíblia como equivalentes aos canônicos em: a) Concílio de Jamnia, em cerca de 90. b) Época da Reforma, em 1517. c) Concílio de Trento, em 1545. d) Concílio Vaticano, em 1870. e) Concílio Vaticano II, em 1962. Respostas: 2) e 3) c 4) d 4 O Pentateuco – Gênesis A primeira parte da Bíblia é chamada de Torá (Pentateuco, em grego). Torá, em hebraico significa Lei. Mas “lei’, em português, normalmente tem sentido negativo, e, por vezes, proibitivo. Seguidamente, ouve-se pessoas relacionando o Antigo Testamento como “Lei” e o Novo Testamento como “Evangelho”. Esta é uma visão equivocada da Bíblia e, se aplicada dessa forma, traz sérios problemas para a compreensão e a interpretação do Antigo Testamento. Na verdade, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento possuem lei como evangelho. O termo Torá, aplicado a Gênesis e ao Pentateuco, possui um sentido mais neutro como “instrução” ou mesmo “Palavra de Deus”. Autoria do Pentateuco Tradicionalmente, estes cinco livros, a começar com Gênesis, têm sido considerados como de autoria de Moisés. Embora ele não tivesse sido testemunha ocular de todos os eventos de Gênesis, a grande maioria dos textos sem dúvida foi por ele escrita. No século XIX e início do século XX, os críticos liberais empreenderam enormes esforços no sentido de segmentar os livros do Pentateuco ou Hexateuco (incluindo parte dos livros históricos) em inúmeros documentos, fragmentos e poemas e lendas independentes, como vimos em parte no capítulo 2. A esterilidade deste processo de copia-e-cola a respeito de autoria e data conduziu a uma reação logo após a Primeira Guerra. Liderada por estudiosos escandinavos do Antigo Testamento, ênfase bastante grande 38 O Pentateuco – Gênesis foi colocada sobre a acurácia literal da tradição oral entre os povos semitas. As descobertas arqueológicas em Ugarite de 1929 em diante mostraram que a literatura escrita antes de Davi era perfeitamente plausível, e as descobertas em Mari e Nuzi, na região da Mesopotâmia, atestam verossimilidade à sociedade descrita em Gênesis. Gênesis A. Nome Os títulos de muitos livros no Antigo Testamento são extraídos da respectiva primeira palavra hebraica desse livro. Assim, o título hebraico de Gênesis é “Bereshith” ou “No princípio”. O nome do livro em português é copiado da Vulgata e da Septuaginta. Bem antes da divisão dos capítulos, o primeiro livro da Bíblia foi dividido em dez “histórias”, ou “gerações” (ARA).4 Ela é conhecida como “fórmula toledoth”. B. Esboço e referências principais Esboço Referências de capítulos 1-11 História primeva 11 Torre de Babel 12-26 Abraão e Isaque 14 Abraão e Melquisedeque 27-36 Jacó e Esaú 19 Sodoma e Gomorra 37-50 José 22 Sacrifício de Isaque 28 Sonho de Jacó 49 Bênção de Jacó 4 O termo aparece em 2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10, 27; 25.12, 19; 36.1; 37.2. | 39O Pentateuco – Gênesis C. Criação Gênesis é um livro dos começos. Neles se encontram o começo de: (1) o mundo, (2) a humanidade, (3) o pecado, (4) a promessa, e (5) as relações de aliança. Há breves alusões a começos sociológicos e tecnológicos, de forma que alguns críticos liberais gostam de descrever Gênesis como uma coleção de “mitos etiológicos”, ou seja, histórias que explicam a origem dos costumes e hábitos humanos. Entretanto, estes são apenas aspectos periféricos que ocorrem ao se descrever a relação de um Deus pessoal com os cinco aspectos acima mencionados. Assim, por exemplo, a origem da música, metalurgia, vestimenta, etc., passa quase despercebida. O autor de Gênesis não estava interessado em descrever uma história sociológica ou econômica dos inícios da civilização. Estava interessado sim em que o círculo da graça e da promessa iniciado com a humanidade se estendesse de maneira concêntrica a Noé, Abraão, Jacó, Isaque e aos filhos de Jacó. Outro aspecto de Gênesis muitas vezes aludido por alguns círculos acadêmicos é que Gênesis contenha versões adaptadas da mitologia babilônica. Sabemos, pela arqueologia, que há na literatura do Antigo Oriente Próximo, especialmente na Babilônia, textos análogos sobre a criação e o dilúvio. Tais conceitos foram encontrados em tabletes de argila, entre os quais um popular chamado Enuma elish (“Quando dos altos céus”), que relata a ascensão do deus babilônico Marduque ao topo do panteão. Enuma elish é o relato mesopotâmico mais completo da criação e possui várias semelhanças com o relato bíblico. A história descreve um conflito cósmico entre as principais divindades. Marduque, o deus da ordem, mata a monstruosa Tiamate, deusa da desordem, que personifica os primórdios dos oceanos. Convocando os ventos, Marduque entra em diálogo com Tiamate e, quando ela abre a boca para contrapor, os ventos a incham e Marduque a aniquila com a sua lança. Tiamate é dividida ao meio, sendo que metade dela forma a terra e a outra metade forma o céu. Do sangue do conspirador auxiliar de Tiamate misturado com a terra, Marduque cria o ser humano para fazer todo o trabalho pesado do universo, liberando as divindades de todas as tarefas braçais. Como gesto de agradecimento a Marduque por salvá-los da perversaTiamate, os deuses constroem para ele a grande cidade e capital – Babilônia. 40 O Pentateuco – Gênesis Visto a literatura babilônica ser mais antiga do que Gênesis, presume-se que as semelhanças provam a dependência bíblica do relato babilônico. Conforme essa teoria, Israel teria emprestado esses conceitos mitológicos dos babilônios e feito uma adaptação à sua perspectiva monoteísta. O grande problema dessa hipótese é a implicação que a história dos princípios em Gênesis acaba tornando- se simplesmente mitologia. Se Gênesis for mitologia, então a consequência é que não se precisa crer que personagens como Adão, Eva, Caim, Abel ou o próprio jardim do Éden realmente existiram. Embora haja semelhanças entre Gênesis e tais narrativas mitológicas, as diferenças as superam. Estudiosos que fizeram ampla análise linguística e literária concluíram que tal suposta dependência literária não pode ser sustentada. Aqui, como na maioria dos relatos paralelos com Gênesis, acredita-se ser mais provável que tradições mesopotâmicas e bíblicas tenham tido uma mesma fonte. A épica de Atrahasis, por exemplo (início do segundo milênio), é muito similar, de novo, à narrativa bíblica da criação. Na verdade, a épica só vem confirmar que a história básica apresentada em Gênesis 1-11 era bem conhecida em todo o Antigo Oriente Próximo. Não é fácil determinar datas para a narrativa dos primeiros capítulos de Gênesis. Várias tentativas foram feitas, mas que resultaram em hipóteses. Usando as genealogias de Gênesis 5 e 11 para calcular o tempo, o bispo Ussher, da Inglaterra (1654), por exemplo, datou a criação do ser humano em 4004 a.C. Essa data é insustentável visto que as genealogias não apresentam uma cronologia completa.5 Após a criação do ser humano, o episódio mais marcante é a sua queda. O pecado e suas consequências se expandem numa rapidez impressionante. As primeiras páginas da história já contam um caso deprimente de ciúme (Gn 4.5), assassinato (4.8), medo (4.14), imoralidade (6.4-6) e orgulho (11.4). O impacto dos capítulos 3 a 11 só é amenizado pelo heroísmo e devoção de uns poucos como Abel (4.4; Hb 11.4), Enoque (5.21-14, Hb 11.5) e Noé (6.8; Hb 11.4). De resto, há uma frase recorrente que grifa a história da queda do ser humano: “e morreu” (5.5, 8, 11, 14, 17, 20, 27, 31). Cumpre-se o que Deus havia dito que aconteceria caso o homem desobedecesse (2.17). Note como o pecado se espraia 5 SCHULTZ, Samuel J. | A história de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1977, p.13. 41O Pentateuco – Gênesis rapidamente de um indivíduo (3.1) a um casal (3.12), depois a uma família (4.1-15) e, finalmente, ao mundo todo (11.1-9). D. O Dilúvio A história do dilúvio é por vezes relacionada a algumas das grandes inundações das cidades-estado do vale do Tigre-Eufrates por volta do terceiro milênio a.C. Na verdade, a Bíblia não é a única a falar sobre um dilúvio de abrangência universal. A narrativa babilônica do dilúvio representada na Épica de Gilgamesh, por exemplo, de novo possui vários elementos paralelos com Gênesis. A épica está relatada em 12 tabletes de argila e apresenta similaridade com a história de Noé. Gilgamesh, provavelmente a figura histórica do rei de Uruk por volta de 2600 a. C., rebelou-se contra a morte depois de ter perdido seu amigo. Gilgamesh encontra-se com Utnapishtim, o “Noé babilônico”, que relata como ele alcançou a imortalidade quando prenunciou o plano dos deuses de destruir o mundo por meio de uma inundação. Utnapishtim havia sobrevivido ao dilúvio em um grande barco de junco, juntamente à sua família e a pares de todos os animais.6 Infelizmente, porém, aquele era um acontecimento que não voltaria a se repetir – o que dava a Gilgamesh poucas esperanças de encontrar a imortalidade. Depois de falhar em três testes pelos quais ele poderia ter recebido a imortalidade, derrotado, Gilgamesh conforma-se com o fato que a morte é inevitável e consola-se com aquilo que conseguira alcançar. Entretanto, as diferenças entre as narrativas são maiores e impactantes; elas superam as semelhanças. Destacam-se o tipo de embarcação, a duração do dilúvio, as pessoas que sobreviveram, o local de pouso da arca, o resultado para o herói e, especialmente, o papel dos deuses. Estes detalhes e acima de tudo uma análise linguística e literária mostram que a dependência literária não pode ser sustentada. O dilúvio faz parte do imaginário de inúmeros povos. Tal acontece devido à tradição oral partilhada por vários segmentos da raça humana, todos remontando aos três filhos de Noé. O relato genuíno está preservado apenas em 6 HEIDEL, Alexander. | The Gilgamesh Epic and the Old Testament Parallels. Chicago: University of Chicago Press, 1949, p.85ss. 42 O Pentateuco – Gênesis Gênesis; com o passar do tempo, inadequações e falsa teologia corromperam os demais relatos. E. Os patriarcas A história patriarcal (Gn 12-50) nos fornece algumas possibilidades de cronologia. Grande parte dos estudiosos entende que o chamado de Deus a Abraão em Ur da Caldeia, na Mesopotâmia, acontece num contexto geográfico e histórico significativo. O mundo de Abraão é um mundo ativo, econômica e tecnologicamente avançado para a sua época. Nesse período, por volta do ano 2000 a.C., além dos antigos sumérios e acadianos dispersos pela Mesopotâmia, encontramos outros grupos importantes como os amorreus, os hurrianos e os hititas, que começaram a se destacar nessas terras.7 Devido ao progresso no conhecimento do Antigo Oriente Próximo no segundo milênio, muitos estudiosos, que antes colocavam dúvidas sobre a historicidade dos patriarcas, passaram a atribuir maior valor histórico a essas narrativas. O maior expoente dessa perspectiva foi o teólogo e arqueólogo William F. Albright. A posição de Albright reflete posição dominante. “Como um todo”, diz ele, “o quadro de Gênesis é histórico, e não há motivos para duvidar da exatidão geral dos detalhes biográficos e dos traços de personalidade que fazem com que os patriarcas surjam com uma intensidade inexistente em nenhum personagem extrabíblico em toda a vasta literatura do Antigo Oriente Próximo.”8 Abraão Para Adão Deus havia dado uma palavra necessária de precaução: “Não comerás”; para Abraão, Ele dá uma palavra empolgante sobre uma oportunidade 7 THOMPSON, John A. | A Bíblia e a arqueologia: quando a ciência descobre a fé. São Paulo: Vida Cristã, 2007, p.35-57. 8 ALBRIGHT, William Foxwell. | The biblical period from Abraham do Ezra. New York and Evanston: Harper and Row, Publishers, 1963, p.5. Para análise e conclusão mais recentes, cf. KITCHEN, Kenneth A. “The Patriarchal Age: Myth or History?” Biblical Archaeology Review, Mar/Apr 1995: 48-57, 88, 90, 92, 94-95. 43O Pentateuco – Gênesis de aventura: “Sai da tua terra” (12.1). Adão respondeu em desobediência (Rm 5.12), mas Abrão respondeu em obediência imediata e fé dependente. A história de Abraão não é isenta de manchas (12.10-20; 20.1-18), mas ele era um adorador (12.8), bondoso (13.8-11), corajoso (14.1-16), confiante em Deus (15.6), compassivo (17.18) e homem de oração (18.16-33). A história de Abraão começa com um chamado à obediência e termina no mesmo tema, mas com uma ordem de tirar o fôlego. No primeiro capítulo de sua história (12), Deus pede que saia do meio de sua parentela, mas no teste final é pedido que ofereça seu único filho em sacrifício (22). Em Gênesis 16.1-4, Sara entrega sua serva Hagar a Abraão para que através desta Abraão pudesse ter um filho.9 Em Nuzi, o contrato de casamento obrigava a esposa estéril a providenciar uma substituta para seu marido. O Senhor, porém, mostra que o herdeiro seria o filho nascido da relação matrimonial entre Abraão e Sara: Isaque é o filho da promessa. Isaque A história de Isaque fica comprimida entre a de Abraão e ade Jacó. Mas as poucas linhas nos contam como Deus providenciou uma esposa para ele (24.1- 67), fê-lo pai em resposta a uma oração sincera (25.20-21), deu-lhe alimento em tempo de carestia (26.1-14) e ajudou-o a fazer provisão para o futuro, induzindo-o a abrir alguns poços em terrenos desusados e negligenciados (26.18- 22). Os acontecimentos do capítulo 22 parecem colocar em risco a vida de Isaque e a promessa dada a Deus ao patriarca Abraão. Críticos liberais insinuam que este evento tem por objetivo polemizar o sacrifício de crianças que, segundo eles, era prática comum entre os israelitas até bem mais tarde. Mas não há nada no texto que justifique essa análise. A ênfase da história não é outra senão o teste pelo qual passa “o pai de todos os crentes”. 9 O mesmo aconteceria mais tarde com Lia e Raquel ao entregarem servas para o seu esposo | Jacó. 44 O Pentateuco – Gênesis Jacó Logo os episódios envolvendo Jacó passam a ter dominância na narrativa bíblica. Rebeca, esposa de Isaque, dera à luz gêmeos (25.21-26). Esaú nasce primeiro; mas em seguida vem Jacó. Os dois irmãos são bem diferentes tanto na aparência quanto na personalidade. Esaú é arredio, irresponsável e irreligioso; é caçador e polígamo. Casa-se com duas mulheres hititas, que passam a ser causa de amargura para Rebeca. Esaú vivia para o presente. Jacó é calmo, religioso, doméstico e barganhista. Por ser mais velho tecnicamente, Esaú deve receber a bênção, mas Deus não segue o plano dos homens. A Escritura não esconde a fragilidade do povo de Deus. Tanto Jacó quanto Rebeca erram na tentativa de lutar por interesses próprios. A venda da primogenitura é possibilitada segundo os padrões legais do Antigo Oriente Próximo. Há exemplo em Mari de que o filho mais velho vendeu a sua primogenitura ao irmão mais moço por três ovelhas.10 Fato é que Jacó e Rebeca conseguiram seu intento, mas essa vitória particular de cada um teve consequências: Jacó tem de fugir e por 20 anos não pode retornar para sua casa; nunca mais vê sua mãe; por todo esse tempo Jacó fica sem o perdão do seu irmão. Jacó era um homem esquisito; foge aos padrões que talvez esperaríamos de um filho de Deus e filho da promessa. Mas a história de Jacó ilustra o amor e a bondade de Deus, que nos abençoa não porque mereçamos, mas porque Ele é gracioso. Deus se encontra com Jacó (28.11-22), providencia-lhe uma esposa (29.1-30) e filhos (30.1-26). Jacó passa por várias dificuldades familiares (31.1- 55) e muitas das tragédias que se seguiram foram ocasionadas por sua própria falta de bom senso e amor. Mas Deus tira dele sua autoconfiança, transforma seu caráter e muda o seu nome: “Israel”. E a partir de então o cumprimento da promessa de Deus começa a mostrar os seus contornos. 10 | GORDON, Cyrus Herzl. “Biblical customs and the Nuzu tablets”. Biblical Archaeologist 3 (1) (February 1940): 1-12. 45O Pentateuco – Gênesis José O ciclo de José inicia no capítulo 37, sendo interrompido apenas pelo episódio de Judá e Tamar (cap. 38) – obviamente, umas das razões do autor é chamar a atenção para a tribo de Judá de onde virá Davi e, a partir da dinastia davídica, o Messias. Da mesma forma, o capítulo 49, chamado de “Bênção de Jacó”, é importante linguisticamente devido a vários aspectos poéticos arcaicos, e ainda mais importante teologicamente em razão da referência davídico-messiânica em conexão com a bênção dada a Judá. Como filho predileto do pai, José era desprezado pelos irmãos. O ódio era tão grande que José foi vendido pelos seus irmãos, acabando na terra do Egito (37.1-35). Por causa de sua retidão e virtudes – e, por que não dizer, por causa da sua fé –, foi perseguido e perdeu sua liberdade. No seu aprisionamento injusto José se revela como intérprete de sonhos. Ao interpretar os sonhos de Faraó, ele é nomeado o mais alto oficial, superado em poder apenas pelo próprio Faraó (40.1-41.57). Episódios como os de José mostram como é Deus quem tem o governo da história. Uma grande fome fez com que seus irmãos viessem de Canaã ao Egito à procura de alimento e isso resultou no encontro da família (42.1-46.34). José pôde cuidar de seu pai e irmãos durante todo um período difícil (47.1-28). Quando Jacó morre, os irmãos de José temem por suas próprias vidas. Pensaram, como o mundo pensa, que haveria uma vingança da parte de José (50.15). Relembrando a amargura e as tribulações que se seguiram, José faz uma confissão de fé e confiança magníficas. Virando-se para seus irmãos ele diz: “Vós intentastes o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem” (50.20). É fácil falar assim quando você esteve na prisão por dois anos e os causadores dessa injustiça estão à sua frente? É possível perdoar? José sabia que Deus tinha usado essa tragédia para Seus propósitos. No dia em que o lançaram naquele poço seco em Dotã (37.24), eles deram início a uma série de acontecimentos ordenados por Deus destinados a tornar seu irmão desprezado num líder e conselheiro cuja habilidade, discernimento e fé trariam esperança e salvação a muitos. As palavras finais de Gênesis “no Egito” são um trampolim para o livro de Êxodo. Historicamente, entretanto, introduz um longo intervalo de tempo, mais precisamente a “Idade das Trevas” do nosso conhecimento sobre os israelitas. 46 O Pentateuco – Gênesis Patriarcas e a arqueologia Achados arqueológicos demonstram que os costumes descritos em Gênesis 12-50 são autenticados por hábitos semelhantes no Antigo Oriente Próximo contemporâneos aos patriarcas. Um exemplo de achado importante são os textos descobertos em Nuzi. Em Gênesis 15.1-4 Abraão estava adotando seu servo Eliezer e fazendo dele seu herdeiro. A adoção de servos era prática comum em Nuzi. Um casal sem filhos podia adotar um filho que cuidaria deles enquanto vivessem e, em contrapartida, receberia sua propriedade quando o casal morresse. Mas havia uma provisão de que, se o casal viesse a ter filho depois da assinatura do documento de adoção, o filho natural se tornaria então o herdeiro e ficaria com os “deuses” (teraphim) do pai, que eram geralmente figuras de barro usadas na adoração familiar mas que parecem ter-se tornado, com o passar do tempo, um documento como nossas modernas escrituras de terreno. O dono da propriedade possuía os “deuses” e os transferia quando a propriedade passava às mãos de outro. 47O Pentateuco – Gênesis Atividades 1. Vários estudiosos do Antigo Testamento afirmam que Gênesis é dependente da literatura babilônica. Disserte sobre essa questão chamando a atenção para as consequências dessa suposta dependência. 2. Relacione a segunda coluna com a primeira. 1) Gênesis 3 ( ) “Sê tu uma bênção.” 2) Gênesis 12 ( ) “Vigie o Senhor entre mim e ti.” 3) Gênesis 15 ( ) “O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; a ele obedecerão os povos.” 4) Gênesis 31 ( ) “Porei inimizade entre ti e a mulher; entre a tua descendência e o seu descendente; esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.” 5) Gênesis 49 ( ) “Ele creu no Senhor e isso lhe foi imputado para justiça.” 3. Ele era rico, tinha descendência e a terra onde habitava podia ser sua, pois tinha um documento que lhe assegurava esse direito. Assinale a reposta correta. a) Abraão b) Ismael c) Isaque d) Jacó e) José 4. Os patriarcas nem sempre são padrões de moral e de comportamento que se espera de um filho de Deus. I. Apesar de tudo, eram capazes de superar suas fraquezas diante de Deus porque eram homens de fé inabalável. II. Voltavam a ser aceitos por Deus porque os atos de obediência deles compensavam seus atos de desobediência. III. A fragilidade humana diante de Deus só pode ser superada pelo próprio Deus. Marque a resposta correta: a) Apenas I b) Apenas II c) Apenas III d) Apenas I e II e) Apenas II
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