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Novos Princípios Contratuais

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Novos Princípios Contratuais
“A leitura do código civil sob a ótica constitucional atribui novos fundamentos e, consequentemente, novos contornos à liberdade contratual. Em meio ao processo de despatrimonialização ou funcionalização do direito civil, noção de autonomia da vontade sofre profundas modificações no âmbito do contrato, sintetizadas na afirmação de que a autonomia negocial, diferentemente das liberdades existenciais, não constitui em si mesmo um valor. Ao contrário, a livre determinação do conteúdo do regulamento contratual encontra-se condicionada à observância das regras e dos princípios constitucionais, o que significa conceber o contrato como um instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento. O direito dos contratos não está à parte do projeto social articulado pela ordem jurídica em vigor no país.”
O princípio da autonomia da vontade explicava: a amplitude da liberdade contratual, a intangibilidade do pactuado, e a relatividade dos seus efeitos. 
Antônio Junqueira de Azevedo afirma que se vive hoje um momento de “hipercomplexidade”, já que aos princípios clássicos não se pode simplesmente opor os novos princípios. Verifica-se, antes, uma espécie de amálgama formado por tendências axiológicas que, embora distintas, nem por isso se excluem reciprocamente. Dessa forma,
- Os princípios anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos, mas certamente, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos princípios. Eles são:
 
· Boa-fé objetiva
· Equilíbrio econômico do contrato
· Função social do contrato
Em reação aos excessos provenientes da absolutização da força jurígena da vontade individual, parece equivocado opor uma absolutização às avessas, através da negação pura e simples dos aspectos voluntarísticos que constituem o instituto contratual. Por outro lado, não menos certo é que a autonomia da vontade e os princípios que em torno dela fundaram o modelo clássico de contrato devem hoje ser relidos à luz da Constituição – o que, embora não os anule, certamente os modifica em aspectos essenciais. 
O princípio da boa-fé representa, no modelo atual de contrato, o valor da ética: lealdade, correção e veracidade compõem o seu substrato, o que explica a sua irradiação difusa, o seu sentido e alcance alargados, conformando todo o fenômeno contratual e, assim, repercutindo sobre os demais princípios, da medida em que a todos eles assoma o repúdio ao abuso da liberdade contratual a que tem dado lugar à ênfase excessiva no individualismo e no voluntarismo jurídicos. 
A fundamentação constitucional do princípio da boa-fé assenta na cláusula geral de tutela da pessoa humana. 
A incidência da boa-fé objetiva sobre a disciplina obrigacional determina uma valorização da dignidade da pessoa, em substituição à autonomia do indivíduo, na medida em que se passa a encarar as relações obrigacionais como um espaço de cooperação e solidariedade de entre as partes, e, sobretudo, de desenvolvimento da personalidade humana. 
A boa-fé opera em todos os momentos da relação contratual, constituindo-se como fonte de deveres e limitação de direitos de ambos os contratantes. 
Funções da boa-fé: 
· Cânon interpretativo-integrativo
· Norma de criação de deveres jurídicos
· Norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos
A relação contratual deve ser uma relação de cooperação e de respeito mútuo. 
Existem a boa-fé objetiva e a subjetiva, que é um estado de consciência do agente por avaliação de um dado comportamento, sua caracterização é feita por meio da análise das intenções da pessoa cujo comportamento se queira qualificar.
Já a boa-fé objetiva impõe deveres, é uma norma de conduta. 
Interpretação: se exige que a declaração de vontade contratual deve ser entendida segundo critério de recíproca lealdade de conduta entre as partes, ou confiança. 
- interpretação da declaração de vontade (artigo 113)
- valoração da abusividade de direitos subjetivos (artigo 187)
- regra de conduta imposta aos contratantes (artigo 422)
Ainda, segundo o CDC, são nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que, entre outras coisas, sejam incompatíveis com a boa-fé. 
E isso não vale somente para as relações de consumo. 
A boa-fé procura assegurar um perfeito execução do ordenamento contratual de acordo com o seu sentido e fim tendo como finalidade a plena realização dos interesses coenvolvidos. 
Teoria dos atos próprios: procura reconhecer a existência de um dever por parte dos contratantes de adotar uma linha de conduta uniforme, proibindo a duplicidade de comportamentos, seja na hipótese em que o comportamento posterior se mostra incompatível com atitudes indevidamente tomadas anteriormente (tu quoque), seja na hipótese em que, embora ambos os comportamentos considerados isoladamente não apresentem qualquer irregularidade, consubstanciam quebra de confiança se tomados em conjuto (venire contra factum proprium). 
Tu quoque: atenta contra a boa-fé o comportamento inconsciente, contraditório com comportamento anterior, e especificamente, que resulte em desequilíbrio entre os contratantes, na medida em que permita que contratantes igualmente faltosas sejam, não obstante, tratados de forma desigual. Aqui, a boa-fé objetiva atua como guardiã do sinalagma contratual, impedindo que o contratante que descumpriu norma legal ou contratual venha a exigir do outro que, ao contrário, seja fiel ao programa contratual. Isso impede que o contratante faltoso pretende, em detrimento do outro, obter algum benefício da sua própria falta. 
Teoria do adimplemento substancial: De acordo com ela, ainda que a norma contratual ou legal preveja a rescisão do contrato, o fato de a prestação ter sido substancialmente satisfeita veda ao credor, de acordo com os ditames da boa-fé, o exercício do direito de rescisão. 
Isso porque a substancialidade do adimplemento, apurada conforme as circunstâncias, e em vista da finalidade econômico-social do contrato em exame, garante a manutenção do equilíbrio entre as prestações correspectivas, não chegando o descumprimento parcial a abalar o sinalagma. 
“Será em nome do princípio da boa-fé que o juiz poderá temperar o rigor da lei em certas hipóteses, como quando a prestação devida ao credor for impossível de ser executada apenas em relação a uma pequena parte, ou quando o vício da coisa vendida for insignificante, ou quando for oposta a exceção do contrato por falta de cumprimento da prestação contrária em parcela insignificante.”
Venire contra factum proprium: impede o comportamento contraditório que importe quebra de confiança, revertendo legítimas expectativas criadas na outra parte contratante. Não se exige que o comportamento impugnado se realize na sequência de um ato objetivamente indevido, bastando que se configure um desvio de conduta em relação à linha de atuação que aquele contratante vinha assumindo como padrão. 
Há quebra da boa-fé porque se volta contra as expectativas criadas em relação à manutenção da situação gerada. 
Outra implicação da boa-fé é a exigência de que ambos contratantes atuem em favor da consecução da finalidade. 
A fixação do conteúdo desse princípio se da caso a caso. Os deveres anexos ou instrumentos diferem caso a caso, conforme a função social e econômica do negócio em questão. 
Ocorre, portanto, um alargamento do conteúdo do contrato, que não se reporta a uma vontade tácita das partes, mas resulta de uma direta intervenção heterônoma (legal ou judicial), legitimada pela assunção de que o contrato atende, ou deve atender, a finalidades sociais. 
A existência de deveres decorrentes da boa-fé atenua a distinção entre a responsabilidade 
contratual e a responsabilidade extracontratual. 
O princípio do equilíbrio econômico do contrato, cuja configuração sinaliza o ressurgimento de uma noção de equilíbrio substancial, obscurecida pelo dogma da autonomia da vontade, leva à admissão de duas figuras, a lesão e a excessiva onerosidade, encontrando fundamento na Constituição. Ele importa uma vedaçãoa que as prestações contratuais expressem um desequilíbrio real e injustificável entre as vantagens obtidas por um e por outro contratantes, ou, em outras palavras, a vedação a que se desconsidere o sinalagma contratual em seu perfil funcional, constitui expressão do princípio da igualdade substancial. 
O contrato não deve servir de instrumento para que sob a capa de um equilíbrio meramente formal, as prestações em favor de um contratante lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do outro contratante. 
Serve como parâmetro para a avaliação do conteúdo e do resultado do programa contratual, mediante a comparação das vantagens e encargos atribuídos a cada um dos contratantes. 
Expressa a preocupação da teoria contratual contemporânea com o contratante vulnerável. 
Os efeitos do contrato devem resguardar um patamar mínimo de equilíbrio entre as posições econômicas de ambos os contratantes.
Um contrato livremente pactuado pode ser um contrato injusto e, nesta medida, pode ser revisto, modificado judicialmente ou mesmo integralmente rescindido: à ênfase na liberdade sucede a ênfase na paridade. 
A liberdade contratual, sem limites, implica um sacrifício da justiça, considerada esta como critério paritário de distribuição de bens. 
Justo como um critério paritário de distribuição dos bens. Justo é o contrato cujas prestações de um e de outro contratante, supondo-se interdependentes, guardam entre si um nível razoável de proporcionalidade. Uma vez demonstrada exagerada ou a excessiva discrepância entre as obrigações assumidas por cada contratante, fica configurada a injustiça daquele ajuste, exatamente na medida em que configurada está a inexistência de paridade. 
É o princípio da equivalência entre as prestações contratuais. 
A Constituição estabelece no artigo 170 que a ordem econômica tem como base os ditames da justiça social. 
Embora a lesão estivesse ausente no CC de 16, a ideia de equilíbrio econômico desde há muito não constituía um corpo estranho ao sistema contratual. Na década de 30, a repressão à usura fez ressurgir o ideal de equilíbrio contratual, que havia sido posto de parte pelo antigo CC em vista da forte influência do voluntarismo e da crença de que o equilíbrio contratual decorria inexoravelmente da livre manifestação da vontade das partes.
Ainda que o CDC e o CC divirjam em virtude deste fazer referência a situação de inferioridade da parte prejudicada como sendo um requisito para que se configure a lesão, essa divergência é mais aparente do que real, visto que o CDC traz a vulnerabilidade do consumidor como uma presunção legal. 
A linha dotada pelo novo CC acompanha a tendência em se associar a lesão à disparidade de poder negocial. 
Situação de inferioridade é qualquer circunstância apta a reduzir consideravelmente a efetividade da autonomia negocial do contratante lesado. 
A necessidade é a noção chave da lesão; a proteção ao contratante fraco é o substrato do princípio do equilíbrio econômico. 
Em relação à necessidade de contratar: Um indivíduo pode ser milionário, mas, se um momento dado ele precisa de dinheiro urgentemente, e para isto dispõe de um imóvel a baixo preço, a necessidade que o leva a aliená-lo compõe a figura da lesão. 
Não se costume exigir como requisito para a rescisão lesionária que o contratante lesado não tenha tido culpa na criação daquela situação. 
As desigualdades entre os contratantes tendem a assumir uma dimensão coletiva, traduzindo-se em desigualdades entre categorias econômicas. Porém, não parece constitucionalmente consistente tratar todos os consumidores de forma igual. 
A conclusão perfeita do contrato supõe que as partes possuam força igual, disponham cada uma de toda informação necessária e tenham a mesma possibilidade de discutir o conteúdo do contrato. 
O princípio da função social prega que o contrato não deve ser concebido como uma relação jurídica que só interessa às partes contratantes, impermeável às condicionantes sociais que o cercam e que são por ele próprio afetadas. 
Ele importa redefinir o alcance daqueles outros princípios da teoria clássica, constituindo-se em um condicionamento adicional imposto à liberdade contratual. 
Art 412: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 
 
O contrato é visto como um instrumento de realização do projeto constitucional.

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