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Direito Constitucional - Daniel Sarmento - Aula 15 - 2014

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DIREITO CONSTITUCIONAL 
 
 Professor: Daniel Sarmento 
2014/Aula 15 
MATERIAL DE GRUPO DE ESTUDOS SEM FINS LUCRATIVOS 
PROIBIDA A VENDA E COMERCIALIZAÇÃO 
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DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 
1. DIREITOS SOCIAIS 
1.1. DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
Vamos falar um pouco sobre o direito a moradia. 
1.1.1. MORADIA 
A moradia está consagrada no art. 6º da Constituição Federal. 
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, 
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos 
desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 
64, de 2010) 
A moradia não figurava no texto originário da constituição, foi incluída por EC. Mas 
praticamente toda a doutrina, antes da inserção expressa no texto da constituição, já dizia que a moradia era 
um direito implícito, que derivava da dignidade humana, do sistema dos Direitos Fundamentais. 
Não vamos encontrar, para a moradia, o que temos para a saúde e a educação, ou seja, um titulo 
da Constituição Federal disciplinando o assunto. Não obstante, existe na Constituição outros institutos e 
direitos que têm relação próxima com a moradia. Por exemplo, a função social da propriedade, que está no 
art. 5º e também no art. 170. Também a parte que trata da política urbana – arts. 182 e 183, especialmente a 
modalidade de usucapião especial do art. 1831, que é um instituto voltado a proteção da moradia. depois, nos 
 
 
1 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, 
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja 
proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 
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arts. 184 a 191, a parte da constituição que trata da política agrícola, fundiária e reforma agrária, também tem 
relação com moradia, especialmente a reforma agrária e o instituto da usucapião especial rural do art. 1912. 
Então, são vários institutos abrigados na constituição que têm relação com a moradia. 
Quem é o titular do direito fundamental a moradia? Todas as pessoas. Naturalmente todas as 
pessoas naturais. Quem é o destinatário? Quem está vinculado pelo direito a moradia? Primariamente o 
Estado. Mas há também eficácia horizontal do direito a moradia. Muitos dos casos em que discutimos o 
direito a moradia, especialmente na sua dimensão negativa, têm, do outro lado, particulares. Por exemplo, 
conflito entre proprietários e ocupantes do imóvel. O proprietário, em geral, não é o Estado. E de alguma 
maneira, o particular proprietário, ele pode sofrer efeitos da tutela do direito a moradia. O STJ tem um caso 
sobre impenhorabilidade do bem de família, em que estendeu essa impenhorabilidade para o devedor solteiro. 
Um dos fundamentos dados para isso foi o direito a moradia. O credor no caso em questão não era o Estado, 
era um banco. Então, temos aqui eficácia horizontal do direito a moradia. 
Qual o conteúdo do direito a moradia? A constituição não define, mas temos que buscar esse 
conteúdo em uma interpretação sistêmica da constituição, que nesse caso vai se beneficiar muito também de 
um diálogo com o Direito internacional. A ONU tem um conselho de Direitos Humanos, que tem uma 
recomendação geral sobre o conteúdo do direito a moradia (assim como tem sobre diversos outros direitos), 
no qual define o que seria uma moradia adequada, abrangendo, além da questão do espaço, uma serie de 
outros elementos. Uma moradia adequada é uma moradia em condições sanitárias adequadas, é uma moradia 
com acesso a serviços públicos, uma moradia que tem a proximidade com o trabalho (de forma que a pessoa 
possa morar e trabalhar), tem que ter condições de segurança (não apenas do ponto de vista físico, por 
exemplo, não pode ser em área de risco, mas também sob o ponto de vista jurídico), tem que considerar as 
condições do sujeito (a pessoa com deficiência precisa de adaptações), tem que ser uma moradia adequada 
culturalmente (no caso dos índios da aldeia Maracanã se queria dar como moradia um apartamento e um dos 
argumentos contrários era da falta de adaptação cultural daquela moradia às especificidades do titular do 
direito). Então, esse é o direito a moradia adequada. Não é qualquer moradia. 
 
 
2 Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos 
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho 
ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. 
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O direito a moradia não requer a propriedade sobre a moradia. Claro que ter a propriedade, 
não é apenas algo desejável, por que é a situação que confere mais segurança jurídica à moradia, mas também 
por que na cultura brasileira, é algo super valorizado (há o sonho da casa própria). Mas não quer políticas que 
visem propiciar acesso das pessoas à casa própria, não sejam políticas de garantia do direito a moradia, 
todavia, a garantia da moradia não necessariamente pressupõe a propriedade da moradia. Essa garantia pode 
se dar de outras maneiras. Por exemplo, pagamento de aluguel social é um mecanismo de que tem se valido o 
Estado. é menos do que dar a casa, mas é algo que de alguma maneira viabiliza o acesso a moradia. 
A moradia envolve tanto uma dimensão negativa, defensiva, quanto uma dimensão 
prestacional e positiva. Na dimensão negativa, em geral, o direito a moradia surge em situações de conflito 
com outros direitos (mais comumente, a propriedade privada, não apenas no sentido da propriedade e 
autonomia contratual). Dificilmente a dimensão negativa da moradia surge sozinha. Vamos a alguns exemplos 
de discussões em que esse tema vem a baila: invasão de imóvel desocupado, que não cumpre a função social, 
por pessoas que não têm moradia. O proprietário ajuíza reintegração de posse ou se vale do juízo petitório 
para retirar aquelas pessoas e essas pessoas se defendem, dizendo que não têm para onde ir, que não têm 
moradia. A postura tradicional do Poder Judiciário, e que me parece uma postura equivocada, é proteger a 
propriedade, proteger a propriedade que muitas vezes não cumpre a função social, e não proteger a moradia. 
Acho que isso tem relação com certo senso comum jurídico que é alimentado até pelas faculdades de Direito 
(o sujeito fica 01 ano estudando o direito a propriedade e meia aula estudando o direito a moradia, com isso 
ele aprende a pensar na lógica da moradia). 
Não acho que a moradia prevaleça sempre sobre a propriedade, é preciso se fazer uma 
ponderação e atribuir peso aos dois. Em determinadas hipóteses a propriedade não deve prevalecer ou o 
Poder Judiciário deve buscar alguma solução do tipo: eu amparo a propriedade no momento em que o 
Estado proporcionar outra moradia alternativa para essas pessoas. Não é essa, no entanto, a posição 
hegemônica. Notem que não estou defendendo uma posição com a qual eu até tenho simpatia ideológica, que 
é no sentido de que a propriedade que não cumpre a função social não tem proteção nenhuma (posição que o 
Faquin e o Tepedino defendem). Por essa posição não haveria ponderação. Se a propriedade não cumpre a 
função social e se as pessoas não têm moradia, não há propriedade a ser tutelada.Não é isso que estou 
defendendo, por que entendo que em alguma medida a propriedade tem que ser protegida. Mas eu acho que 
não dá para não levar em consideração a moradia, que é o que infelizmente na prática brasileira em muitos 
casos. Um caso polêmico em que a dimensão negativa do direito a moradia veio a baila envolveu a discussão 
sobre a extensão da impenhorabilidade do bem de família do imóvel do fiador no contrato de locação. A Lei 
de locação residencial, na sua redação atual, excepciona a impenhorabilidade do bem de família do fiador. A 
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essa exceção foi questionada no Supremo. O primeiro julgamento do Supremo sobre isso em um caso 
concreto era de que haveria sim uma inconstitucionalidade. Mas logo depois, em um segundo julgamento, o 
Supremo, por maioria, reverteu essa orientação. O que o Supremo disse? 
Segundo o Supremo, aquela era uma medida adotada pelo legislador, que, pensando na 
perspectiva do mais pobre, que não tem propriedade, pode ser superior, melhor, do que a extensão da 
impenhorabilidade para o fiador. A extensão da impenhorabilidade para o fiador protege mais a moradia do 
fiador, mas quais seriam as conseqüências dessa extensão? Se o imóvel do fiador fica impenhorável, a maior 
parte dos locadores não vai aceitar fiador com um imóvel só, para que consiga executar a dívida. Então, o 
locador vai exigir fiador com mais de um imóvel (e poucas pessoas têm mais de um imóvel) ou vai exigir 
fiança bancaria (o que vai encarecer o custo da locação) ou o risco da locação vai aumentar (e isso vai ser 
embutido no valor do aluguel) ou isso vai desestimular a oferta de imóveis no mercado da locação (e vai faltar 
casa para quem não tem imóvel próprio). Então, na perspectiva geral esse mais poderia acabar sendo menos. 
(eu concordo com essa argumentação). Esse argumento do Supremo (da maioria) foi objeto de muitas críticas 
doutrinarias. O Eros Grau disse que estava acabando com a proteção dos direitos fundamentais por causa do 
mercado, que os Direitos Fundamentais não podem se curvar aos imperativos do mercado, etc. Mas eu não 
acho que seja isso, acho que é pensar nas conseqüências da regulação sobre o universo regulado. É possível 
adotar uma decisão dizendo que não quer saber sobre quais serão as conseqüências, mas para proteger um 
direito, muitas vezes, se você não pensar nas conseqüências, você não vai proteger, a emenda pode acabar 
saindo pior do que o soneto. 
Esse mesmo debate pode ser travado em torno, por exemplo, na previsão de denuncia vazia nas 
locações residenciais, findo o prazo da locação. A denúncia vazia foi considerada inconstitucional em 
Portugal por não proteger adequadamente o direito a moradia. Mas a denúncia vazia foi instituída pelo 
legislador por que havia um déficit habitacional. Como os locadores não conseguiam reaver os imóveis (era 
muito difícil reaver o imóvel, ninguém queria mais alugar o imóvel e o preço do aluguel subiu demais). O 
legislador tem que ter uma margem para avaliar essas variáveis e nem sempre o Judiciário está em uma boa 
posição para fazê-lo. 
Uma coletânea que eu organizei dos 20 anos da Constituição Federal de 1988 tem um artigo do 
Gustavo Binenbojm e do André Cirino, que defendem exatamente o que estou falando. É a orientação do 
Supremo, mas isso gerou muita polemica, não apenas no Supremo, mas também na doutrina. 
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Dimensão positiva e prestacional da moradia – será que é exigível em alguma dimensão? É 
sim, com toda aquela racionalidade que mencionamos (reserva do possível, mínimo existencial, etc.). Talvez o 
conteúdo integral da moradia, no Brasil de hoje, não seja universalizável em juízo. Entrar com uma ação para 
obter uma moradia adequada nos termos da definição da ONU talvez não dê, mas algum tipo de prestação já 
é possível. O Judiciário brasileiro vem, por exemplo, em contextos de desastres (como o que aconteceu em 
Petrópolis, Friburgo, etc.), concedendo para quem não tem acesso a casa, o pagamento de aluguel social. 
Concordo com isso e não me parece que isso deva se restringir a hipóteses de desastres naturais. Por 
exemplo, no caso da população de rua, caso de pessoas que as vezes estão morando em condições 
absolutamente desumanas, em locais com risco de desabamento, etc. Talvez o precedente mais conhecido no 
Direito constitucional comparado sobre proteção judicial dos direitos sociais seja um caso da África do sul 
exatamente sobre moradia – Caso Grootboom. 
Resposta a pergunta de aluno: não temos na constituição uma definição dessa competência. Não 
há uma partilha no texto constitucional com esse propósito. Temos que pensar dentro de uma lógica de 
subsidiariedade. Eu diria que o responsável primário seria o município. 
Mas eu acho que sem prejuízo disso, é possível verificar ações em que se busque acesso a uma 
política habitacional da União. A União tem, por exemplo, o “Minha casa, minha vida”, que é hoje a política 
habitacional mais importante, ao menos no plano federal. Há políticas habitacionais no Estado. Tudo isso 
está inserido no contexto do direito a moradia. 
Vamos ao caso Grootboom rapidamente. Começou com um despejo de pessoas em uma 
comunidade, uma espécie de uma favela. Essas pessoas acabaram indo morar em residências muito precárias, 
que eram barracas de plástico. Começou a discussão e o caso foi parar na corte constitucional sul-africana. Se 
debateu no caso se cada pessoa tinha um direito fundamental a moradia adequada. A corte constitucional da 
África do Sul entendeu que não. a constituição da África do Sul fala do direito a moradia tal como a nossa. 
Mas se entendeu que existiria o dever do Estado de adotar políticas públicas que buscassem universalizar o 
acesso a moradia, sobretudo com foco nas pessoas muito pobres. Chegou-se a conclusão de que o que se 
fazia nessa área na África do Sul não era suficiente. O que tem de interessante nesse caso é que ao invés de a 
Corte constitucional da África do Sul decidir uma coisa e encerrar o julgamento, ela instaurou um diálogo 
com o Estado do cumprimento da decisão. Ela disse que o Estado sul africano não estava fazendo aquilo e 
disse ao Estado que mudasse as suas políticas para contemplar o acesso a moradia para pessoas em condições 
desesperadamente pobres. Ela passou a monitorar esse cumprimento da decisão. E como ela disse que não 
teria expertise para avaliar aquilo, ela designou um órgão do próprio Estado sul africano, uma comissão 
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independente de Direitos Humanos, para auxiliar nesse controle. Passou a existir então uma espécie de 
supervisão jurisdicional das políticas públicas de acesso a moradia para as populações muito carentes. É o que 
eu acho que deveria ser feito no Brasil em relação ao sistema prisional. Temos uma visão de processo e 
jurisdição no sentido de que se profere a decisão e se invalida a Lei e acabou. E não pode, tem que continuar. 
Na Colômbia há algo que eles chamam de Estado de inconstitucionalidade, Estado de coisas inconstitucionais 
– até que o Estado de coisas inconstitucionais seja solucionado. Na África do sul não deram esse nome, mas 
foi o que aconteceu. As políticas para a moradia eram inconstitucionais por que não estavam chegando em 
quem deveria chegar. Esse caso da África do sul é interessante por causa da dimensão dialógica da jurisdição, 
mas em certo aspecto eles foram aquémde onde é possível chegar no Direito brasileiro, por que lá não se 
reconheceu o direito individual a moradia nem prima facie. Podemos pensar nos direitos sociais de varias 
maneiras. Claro que cada direito tem as suas singularidades, vai depender da maneira como está regulado na 
constituição, e uma serie de outras coisas. Mas pensando genericamente, há aquela visão antiga do Direito 
como norma programática. Praticamente ninguém mais defende isso. outra posição, no extremo oposto, seria 
ver o Direito como direito público subjetivo definitivo, como em um modelo que para o Alexy seria o 
modelo das regras. Se a moradia exige x, o Estado tem que dar x para todos e pronto. A corte constitucional 
da África do Sul não foi para o modelo das normas programáticas, mas para o modelo da proteção objetiva, 
no sentido de que o Estado teria o dever de proporcionar a todos, mas cada pessoa não teria direito subjetivo, 
nem prima facie. 
A posição que eu defendo é que nesses casos há um direito subjetivo prima facie, não é um 
direito subjetivo definitivo, por que ele pode ceder em uma ponderação, levando em consideração todos 
aqueles elementos que já estudamos. É possível ir além, inclusive, no que concerne a moradia. Temos visto 
no Brasil uma explosão de litigiosidade na tutela dos direitos sociais prestacionais para a saúde. Em alguma 
medida também, para a previdência e a assistência. Mas na previdência e na assistência, o assunto é menos 
problematizado, por que a própria constituição traz regras. Então, tem pouca coisa em relação a educação e 
menos ainda em relação a moradia. E o Brasil é um país que tem um déficit habitacional enorme. 
Vamos agora falar de direitos políticos. 
2. DIREITOS POLÍTICOS 
Há uma premissa sobre direitos políticos, sobre a qual vamos falar muito pouco, que é a 
democracia. Os direitos políticos existem para viabilizar a democracia. Mas isso não quer dizer que a 
democracia seja só direitos políticos. Ideário democrático envolve muita coisa, inclusive a proteção de direitos 
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individuais e sociais. Mas podemos dizer que só com direitos políticos não tem democracia, mas sem direitos 
políticos universalizados não tem democracia. A universalização e a garantia efetiva de direitos políticos 
é uma condição necessária, embora não suficiente da democracia. 
O debate teórico sobre o conceito de democracia é enorme e infindável. Não há condições de 
enveredarmos nesse debate aqui. Vamos falar apenas algumas notas muito rápidas. 
2.1. DEMOCRACIA 
2.1.1. EVOLUÇÃO DA IDÉIA DE DEMOCRACIA 
A origem etimológica é grega: cracia = governo, demo = povo. Remete ao modelo de 
organização política, chamado período axial grego, que vai do século VI ao IV a.c, em que as cidades-estado 
gregas, especialmente Atenas, deliberavam em praça pública sobre os assuntos de interesse público e cada 
cidadão tinha o mesmo peso, o mesmo direito de voz e de voto. O modelo grego era um modelo de 
democracia direta. Não havia representantes do povo. Havia agentes públicos, mas eles eram vistos como 
mandatários do que o povo decidia em praça público. Tanto isso não era importante, que o principal 
mecanismo de escolha desses mandatários era o sorteio. Mas era uma democracia muito limitada. Estavam 
excluídas as mulheres, escravos, estrangeiros. E muito do que hoje é considerado pressuposto da democracia, 
por exemplo, a proteção das liberdades públicas, não existia. Essa idéia ficou meio esquecida, apareceu 
alguma coisa em cidades-Estado italianas no renascimento. Mas foi retomada mesmo no Iluminismo e a 
referencia muito importante foi o pensamento do Jean Jacques Rousseau, que inclusive defendia a democracia 
direta, era contra a idéia de representação. O Rousseau era um autor contratualista, mas o modelo de contrato 
social dele é diferente. Nos outros contratos sociais havia um governante. No contrato social do Hobbes, por 
exemplo, os governantes se tornavam absolutos, os cidadãos abriam mão das suas liberdades para os 
governantes. O modelo de contrato social liberal (Locke, Kant, etc.), por outro lado, o individuo não abria 
mão de todas as suas liberdades, ele retinha algumas que eram consideradas direito natural e que se fossem 
violadas pelo governante, até davam espaço para o exercício de resistência. O modelo do Rousseau foi outro. 
Ele começou o contrato social, dizendo que ele queria um modelo em que as pessoas, antes do contrato e 
depois do contrato, tivessem a mesma liberdade. Depois do contrato deveriam ter a mesma liberdade que 
tinham antes. De qual expediente ele se valeu? Era uma espécie de contrato em que o individuo, como 
pessoa, cedia as suas liberdades para um corpo coletivo, mas passava a integrar um corpo político que recebia 
todas essas liberdades. Ele tinha uma fração daquele corpo coletivo. 
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A crítica que se faz a esse modelo do Rousseau é de que ele não levava a serio a separação entre 
os indivíduos e o corpo coletivo. Nesse modelo o individuo não tinha como ter a mesma liberdade depois, 
por que a coletividade (chamada de vontade geral por Rousseau) poderia atropelar as liberdades individuais, 
direitos que na verdade deveriam ser postos a salvo da vontade coletiva. É uma falha da teoria rousseauniana 
que não era necessariamente constitucionalista. 
De todo modo, o Rousseau exerceu uma influencia muito grande no cenário de revolução 
francesa, especialmente em relação aos jacobinos, que estavam a esquerda na revolução francesa. Mas essa 
idéia de democracia foi a que demorou mais tempo para sair do discurso e virar realidade. A universalização 
do direito ao voto é basicamente um fenômeno do século XX. Nos séculos XVIII e XIX, basicamente, quem 
podia participar da política era o homem branco com dinheiro. Os países que tinham escravos, estes eram 
excluídos, os povos das colônias eram dominados pela metrópole, então, o sujeito não participava 
politicamente, as mulheres também eram excluídas, etc. 
Hoje temos um momento em que na maior parte dos estados há uma espécie de sufrágio quase 
universal. Será que então realizamos o ideário democrático? Não. Como mencionado, a universalização dos 
direitos políticos é uma condição necessária, mas não suficiente. Por mais restrita que seja a nossa visão de 
democracia, certamente a democracia envolve algumas coisas. Por exemplo, a possibilidade real de alternância 
no poder. Na época em que o Saddam Hussein estava no poder, havia eleição e ele sempre ganhava. Tinha 
democracia ali? Não, por que a democracia pressupõe direito de fazer oposição, a possibilidade real de 
alternância no poder, que as pessoas eleitas de fato possam exercer funções, pressupõe que haja pelo menos 
as liberdades públicas que são funcionais para o processo político (liberdade de expressão sobre assuntos 
políticos, acesso a fontes diversificadas de informação, etc.). A democracia pressupõe que de alguma maneira 
haja uma responsividade de quem exerce poder político, perante o povo. E isso se estivermos pensando em 
um conceito minimalista de democracia. Será que existe democracia plena em um sistema em que uma ampla 
parcela da população passa fome? Ou é tão economicamente dependente, que tem o seu poder político 
esvaziado, neutralizado? Me parece que a democracia tem projeções em questões atinentes a justiça social, à 
economia, sem falar, evidentemente, na garantia de liberdades públicas. 
Há, naturalmente, compreensões mais ou menos ambiciosas da democracia. Uma muito pouco 
ambiciosa é a do Schumpeter, um economista que é uma espéciede principal representante da chamada teoria 
elitista da democracia. Ele disse basicamente que não existe governo do povo e nunca vai existir. O máximo 
que se pode aspirar são procedimentos periódicos, pelos quais o povo possa escolher qual o grupo da elite vai 
governá-lo. Talvez isso até seja uma descrição mais próxima do mundo real, mas tomar isso como prescrição 
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do que é democracia é pouquíssimo. Dizer que o ideário democrático é esse é muito pouco. Dentro das 
teorias democráticas, há, por exemplo, compreensões agregativas. Em geral, colocamos as agregativas e do 
outro lado as deliberativas. O que é uma compreensão agregativa de democracia? Você tende a pensar o 
cidadão como se fosse um agente maximizador dos seus interesses no mercado. Como se cada um fosse para 
o espaço político para defender seu próprio interesse. E a democracia seria um mecanismo para aglutinar 
esses interesses. Nos modelos agregativos se vê como algo natural que as pessoas participem da política, não 
buscando o bem comum. E o principal mecanismo de relação política é a barganha. A teoria deliberativa da 
democracia é muitíssimo mais ambiciosa. O Bobbio é um autor que se filia a teoria agregativa da democracia. 
Na linha da democracia deliberativa, o maior expoente é o filosofo alemão Habermas. Mas há vários outros 
autores e essa teoria hoje tem muita penetração no debate constitucional. Na argentina o Carlos Santiago 
escreveu muito nessa linha, no Brasil o Claudio Pereira de Souza Neto. 
A idéia da democracia deliberativa é de que na vida política (não significa que as pessoas façam 
isso, mas é o ideal regulatório), as pessoas devem ter a capacidade de dialogar e aprender com o outro. As 
pessoas entram na política e não devem buscar a promoção do seu auto-interesse. A política não se pauta pela 
lógica do mercado de consumidores, em que se busca maximizar o seu interesse, mas de cidadãos dispostos a 
discutir e a conversar, buscando um acordo sobre o que seja o bem comum. A teoria da democracia 
deliberativa, em geral, parte de uma premissa mais otimista em relação a capacidade humana. 
Esse é um assunto importante na discussão de jurisdição constitucional. voltaremos a falar disso 
mais a frente. 
Outra corrente que as vezes é citada é a agonística ou agonista. Essa corrente é identificada 
com a Chantal Mouffe e o Ernesto Laclau. A teoria da democracia deliberativa visa a busca do consenso. A 
teoria agonística, por outro lado, diz que a democracia pressupõe o dissenso. Não se busca o consenso, por 
que o dissenso, na verdade, é inerente a política. O problema é quando a relação de dissenso, em que há um 
adversário, se converte em uma relação entre amigo e inimigo, em que se quer eliminar o inimigo, mas não na 
existência do dissenso. 
Hoje, independentemente da teoria a qual se filie, se fala em crise na democracia. Eu não acho 
que a expressão seja adequada. Crise denota um Estado crônico. Eu acho que há um quadro que talvez revele 
as incompletudes do que tem sido a democracia historicamente. Não acho que o Brasil seja hoje menos 
democrático do que era há 30 anos ou há 50, 100 anos. provavelmente estamos em um momento em que 
temos uma vida mais democrática da nossa historia, e ainda assim estamos bem longe de sermos um Estado 
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democrático em Estado pleno. Então, falar em crise dá a impressão de que estamos lidando com um 
problema novo. E não é isso. As múltiplas questões que temos hoje relativas a democracia poderiam ensejar 
um tratado. 
Quais seriam as múltiplas questões relativas a democracia? Vamos pontuar rapidamente algumas 
delas. 
Primeiro – há um déficit de representatividade dessas instituições que deveriam representar o 
povo. No caso brasileiro isso é muito mais pronunciado em relação ao Legislativo do que em relação ao 
Executivo. Qualquer pesquisa de opinião mostra que as pessoas não se sentem representadas. Toda a 
democracia contemporânea foi erigida a partir dessa idéia, do governo pelo consentimento. Se não dá para 
fazer democracia direta, as pessoas elegem representantes para atuar em seu nome e em seu interesse. 
Quando esse vínculo fica muito corroído, como ocorre hoje, naturalmente gera um déficit na democracia. 
Segundo – (essa é uma questão mais contemporânea) surgimento de espaços de decisão não 
democráticos no âmbito do Estado, por que pautados por uma compreensão tecnocrática. 
O Estado contemporâneo tem que decidir varias questões as vezes muito técnicas, muito 
especificas (por exemplo, adoção de essa ou aquela tecnologia para captação de ondas de radio, essa ou aquela 
política relativa a taxa de juros). Há uma idéia básica da democracia de que as pessoas que vão ser afetadas 
por uma decisão pública devem ter a possibilidade de participar da tomada daquela decisão. Mas hoje muitas 
das decisões são muito técnicas e as pessoas não participam. Por exemplo, temos o Banco central, a agência 
reguladora, é a tecnocracia decidindo. Esse não é um problema apenas brasileiro, é um problema discutido no 
mundo inteiro. 
Esse tema dos espaços não democráticos se confunde um pouco com o crescimento do papel do 
Judiciário. Uma das criticas que se faz a judicialização da política das relações sociais é essa. Mas não vamos 
entrar nesse tópico, por que falaremos disso quando tratarmos de jurisdição constitucional. 
Terceiro – outro ponto importante é que ao longo do tempo buscou-se a democratização do 
Estado, a universalização do voto, etc. Mas hoje temos, cada vez mais, poder que é exercido fora do Estado. 
Então, podemos pensar, por exemplo, em corporações multinacionais que atuam no mundo todo. As vezes 
uma decisão de investimento de uma empresa dessas pode afetar muito mais a vida de uma população no 
Estado do que uma decisão do Estado propriamente. E as pessoas que são afetadas não participam daquela 
decisão, daquela escolha. Órgãos supra-estatais – na Europa esse é um assunto muito debatido. A União 
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européia tem evoluído no sentido de democratização, mas ainda é menos democrática do que os estados. E 
cada vez mais há decisões que não são tomadas por estados, mas por órgãos da União européia. Então, fala-
se em “déficit democrático”. 
Outro dia eu li um livro muito interessante da Nancy Fraser, que fala sobre o que ela chama de 
“desajuste” entre o modelo da democracia como construímos a partir do iluminismo e a realidade do mundo 
de hoje. Pegando um caso atual: quem mais sofre com as decisões do governo de Israel? Os palestinos, que 
não votam para o governo de Israel. Todos nós somos diretamente abalados pelo que faz os EUA e não 
elegemos o Obama. Então, quando se construiu o modelo em que os nacionais de um Estado escolhem os 
seus governantes era por que se pensava que o poder daquele Estado seria exercido dentro das fronteiras em 
que estão aquelas pessoas. E isso hoje não funciona mais. Há um desajuste nesse ponto. 
Uma questão que também existe desde sempre, mas que recebe maior atenção hoje e aqui vou 
usar uma metáfora do livro do Boaventura de Souza Santos, chamado “Pelas mãos de Alice”, em que ele diz 
que se tem algo de importante que aconteceu ao longo do século XX foi a universalização do voto nos 
estados. Isso de fato é uma conquista civilizatória. Dar a todos o mesmopeso no voto tem um ideário 
igualitário bacana. Mas se pensarmos na economia, nas relações econômicas, tivemos quase o negativo disso. 
e não apenas as relações econômicas, mas as relações privadas de um modo geral. Se o ideário democrático é 
o de que cada pessoa deve ter a possibilidade de influenciar nas decisões que a atingem (por exemplo, se você 
é empregado em uma empresa, você não influencia nas decisões da empresa e aquilo vai te atingir 
diretamente). As instituições não estatais, que também exercem uma influencia direta na vida das pessoas não 
passaram pelo mesmo processo histórico de democratização ao qual o Estado se submeteu. Até temos um 
fenômeno sociológico interessante em uma dessas instituições, que é positivo, é a chamada democratização 
da família. No século XIX era o homem que mandava em tudo. Hoje não temos plena democracia na família, 
ainda há certa hegemonia do homem na realidade social, mas a mulher está em uma posição de muito mais 
igualdade. E hoje se pensa nos filhos como sujeitos e não como meros objetos do poder familiar. 
Então, a família se democratizou, mas vários outros espaços permanecem ainda distantes da 
democracia. E não dá para simplesmente projetarmos a lógica da democracia tal como ela existe para o 
Estado, por que ela foi pensada para o Estado. Temos que pensar em outros tipos de arranjos. E esse é um 
dever de casa que a teoria política nunca fez. É um enorme buraco na teoria política, que é pensar na 
democratização fora do Estado, por que afinal de contas não vivemos só dentro do Estado. 
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Resposta a pergunta de aluno: a discussão de soberania dual é um debate que foi travado nos 
EUA no século XIX, no contexto da guerra de secessão. Estamos falando aqui de outra coisa, que são as 
relações “privadas”, por que essas relações privadas não são tão privadas assim, são relações em que o Poder 
está presente. E esse poder é um poder que não se democratizou. Então, esse é um buraco da democracia. 
E para finalizarmos, há um problema relacionado a democracia, que é a influencia enorme do 
dinheiro na democracia política. No Brasil, o ponto central disso são as campanhas. Como sabido, o conselho 
federal da OAB propôs uma ação buscando a invalidação das regras sobre financiamento de campanha (eu fiz 
a representação que gerou essa ação, juntamente com o Pereira Neto). A ação está sendo julgada, há 06 
ministros dizendo que é inconstitucional, mas o julgamento ainda não se encerrou. E qual é o ponto? O 
ponto é que hoje ninguém consegue se eleger ou praticamente ninguém, se não fizer uma campanha muito 
cara. Custa muito se eleger. E esse custo vem subindo em uma curva exponencial. O político tem, 
naturalmente, que agradar a quem doa, senão o sujeito não faz doação. Então, a doação, quem tem dinheiro, 
acaba tendo muito mais peso político do que o cidadão comum. E aí tanto faz se é pessoa natural ou 
empresa. O poder econômico acaba sendo decisivo. Isso afeta não apenas a igualdade de chance entre 
candidatos e partidos (naturalmente aqueles que, ou que ocupam o poder ou que são mais simpáticos por 
capital, ganham mais do que os que não ganham), mas, sobretudo isso afeta a igualdade política do cidadão. 
O individuo que é pobre tem muito menos poder político do que o rico. Sem contar que isso gera corrupção 
(não no sentido penal, mas no sentido filosófico, por que se está corrompendo o sistema político, que passa a 
atuar a partir de outra lógica, já que o representante busca o tempo todo satisfazer aquele que deu dinheiro, 
por que ele precisa pagar aquilo, então, mesmo que ele não cometa o tipo penal, isso é uma corrupção do 
sistema político, que passa a atuar de acordo com outras variáveis. Isso é discutido no mundo todo. A 
campanha política nos EUA é caríssima, esse debate é travado lá também. E aqui temos regras que fomentam 
essas patologias, quando, na verdade, a constituição diz que tinha que ser o contrario. 
Estabelecida essa moldura muito geral, muito impressionista, vamos para o art. 14, que fala dos 
direitos políticos. 
2.2. SUFRÁGIO UNIVERSAL, VOTO DIRETO E SECRETO 
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e 
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: 
(...) 
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Soberania popular é a idéia de que o poder emana do povo. Está no art. 1º, parágrafo único, 
também no preâmbulo da Constituição Federal. É exercida pelo sufrágio universal, ou seja, o direito de 
voto é tendencialmente de todos que têm condições de votar. Nenhuma Lei pode criar restrições ao 
direito de voto. As limitações são as contidas na Constituição Federal, que, nesse ponto, embora não seja 
perfeita, estende a praticamente todos o direito de voto. É uma falha da constituição, dizer que o preso (não o 
provisório, que tem direito de voto, ao menos no papel) não tem direito de voto. Eu acho isso injustificado. 
Resposta a pergunta de aluno: o que o legislador pode é eventualmente exteriorizar situações em 
que, pela própria constituição, já poderíamos extrair. Mas vamos falar em seguida do voto obrigatório. 
Então, o sufrágio é universal. 
O voto é direto. E voto direto é aquele em que as pessoas escolhem os seus representantes e não 
escolhem quem elegerá os representantes. Essa foi uma discussão forte antes da Constituição Federal de 
1988, a assembléia constituinte foi precedida pela campanha das diretas já, então, este é um tema de grande 
importância na historia constitucional brasileira. 
Temos eleição indireta na constituição hoje, no caso de presidente e vice, que se não exercem 
mais a função na segunda metade do mandato, é convocada uma eleição indireta no congresso para mandato 
tampão para ir até o final. Se os dois se afastam na primeira metade, a eleição é direta. Houve um debate 
muito interessante, que foi o seguinte: o Supremo aplica o princípio da simetria, que significa que o que vale 
para a União em alguns assuntos deve valer para os estados. A Constituição Federal previu a eleição indireta 
para presidente e vice-presidente da republica e não para governador. Aí, uma constituição estadual tinha 
previsto eleição direta no caso de vacância na segunda metade do mandato. E o Supremo disse que nesse 
ponto não se aplicava o princípio da simetria, em razão da importância do voto direto no Brasil, etc. 
Um tema que o Brasil ainda não equacionou, mas que já foi decidido pela justiça eleitoral é o que 
fazer quando não há previsão. Em um município do RJ, a Lei orgânica do município não falava do assunto. 
Uma tese que foi desenvolvida foi que no silencio da Lei orgânica valeria o modelo da União, então, se o 
prefeito e vice se afastam na primeira metade do mandato, a eleição é direta e na segunda metade a eleição é 
indireta. O TRE, em decisão que foi mantida pelo TSE, disse que não, que a regra é a eleição direta, mesmo 
na segunda metade do mandato. 
Voto direto e secreto – por que o voto é secreto? Para proteger a liberdade do eleitor de votar. 
Na historia do Brasil temos as eleições na republica velha em que o voto não era secreto e que não havia 
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liberdade de votar. Falava-se do voto a bico de pena. Na época o Legislativo é que apurava e controlava as 
eleições, nãotinha justiça eleitoral. Havia os caciques do Legislativo. O coronel colocava os seus capangas na 
eleição, na mesa apuradora e chegava o sujeito nas terras do coronel e votava em quem o coronel tinha 
mandado por que tinha gente olhando. 
De quem a constituição está falando quando estabelece que o voto deve ser secreto? Do eleitor. 
Esse voto secreto não tem nada a ver com o voto do representante. A regra geral é que o voto do 
representante seja público. Isso decorre do princípio republicano que envolve a responsividade dos agentes 
públicos em face de quem os escolheu. Até um tempo atrás, as cassações e extinções de mandato parlamentar 
eram por voto secreto. Houve uma emenda que acabou com isso. Mas ainda temos hipóteses de voto secreto. 
Eu acho que em nenhuma delas se justifica. 
O Supremo julgou inconstitucional a Lei que previa a impressão da cédula eleitoral depois da 
votação, por que entendeu que isso violava esse dispositivo da constituição. Não é que viole na sua face, mas 
a impressão do voto criava um mecanismo possibilitando o controle do voto, e impedir o controle do voto 
foi a razão pela qual se criou o voto secreto. Então, eu concordo com a decisão do Supremo. 
Voto com valor igual para todos – a jurisprudência americana cunhou a expressão “one man, 
one vote” (mas nas ultimas decisões já não se usa mais essa expressão, mas “one person, one vote” para 
evitar a critica do machismo). Significa que deve haver uma igualdade no espaço político. Essa é uma idéia, 
que em minha opinião, a legislação eleitoral, quando cuida do financiamento das campanhas, trai. Não é que 
ela instaure um modelo em que as pessoas votam mais de uma vez, mas esse dispositivo quis assegurar o 
mesmo poder político para o cidadão, que as regras sobre financiamento, na verdade, fulminam. 
Temos outro problema hoje no modelo brasileiro. Nos EUA ainda é mais grave do que no Brasil. 
Na prática, o voto das pessoas acaba não valendo a mesma coisa. Por quê? Vamos ao primeiro caso da 
câmara dos deputados. Há um número mínimo e máximo de deputados por Estado (mínimo de 08 e máximo 
de 70). Então, pensando no Estado mais populoso, São Paulo, e no menos populoso, que é Roraima, que tem 
muito menos do que 1/9 do número de eleitores de São Paulo. Então, o voto do sujeito de SP vale, as vezes, 
10 vezes menos, na eleição para deputado federal, do que o voto do sujeito de Tocantins ou de Roraima. Isso 
não nasceu inocentemente. São regras que herdamos do governo militar, foram criadas em uma reforma 
política (o chamado “pacote de abril”) com o objetivo de fortalecer a Arena, que era mais forte nesses estados 
menores e prejudicar o MDB, que era mais forte nos estados mais populosos. Herdamos isso e fica difícil de 
mexer. 
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Eu acho que o mesmo problema ocorre no senado, em que todos os estados têm 3 senadores, 
independentemente da população. No senado dá-se uma desculpa de que a representação no senado tem que 
ser igual, por que isso é a igualdade política dos estados. Mas fato é que hoje na prática o senado não é 
representação dos estados, mas uma casa legislativa simplesmente. Então, há uma situação muito grave do 
ponto de vista da democracia. Uma casa legislativa que tem o mesmo poder da câmara (em algumas questões 
tem mais poder) e um voto muitas vezes vale 500 vezes mais do que outro voto. 
Copiamos essa questão do senado do modelo americano, mas o modelo americano não foi 
erigido a partir de uma construção teórica de filosofia política de representação dos estados. Foi na verdade 
um acordo para resolver um impasse. Quando teve a convenção de Filadélfia nos EUA para fazer a 
constituição americana, os estados do sul, que eram menos povoados, queriam representação igual no 
Legislativo e os estados do norte, que eram mais povoados, queriam representação proporcional. E isso era 
um impasse. Na verdade eram dois impasses pesados. Um deles era esse e o outro era o tema da escravidão. 
Como eles resolveram esses impasses? Quanto a escravidão, editaram uma regra vedando a abolição do 
comercio de escravos, inclusive colocaram como cláusula pétrea temporária e nisso eles criaram o “great 
compromisse”, que é um bicameralismo esquisito. 
Tem um livro interessante de Direito constitucional americano, que se chama “Constitutional Law, 
great stupidities and great tragics, em que no inicio do livro, os caras tops do direito constitucional americano 
foram perguntados sobre as piores coisas da constituição americana, as coisas mais injustificadas. E o que 
mais foi mencionado foi essa questão do modelo do senado. E aqui no Brasil, na teoria constitucional 
brasileira (lato senso, abrangendo cientistas políticos que tratam disso), há uma dificuldade imensa de pensar 
fora da caixa. O cara herda o dogma de que o senado representa o Estado e pronto, vai repetindo isso. E é 
praticamente impossível mudar isso, por que a mudança passaria por quem se beneficia das regras do jogo. 
Esse é outro problema do voto com valor igual para todos. Estamos falando de legi ferenda. A constituição é 
absolutamente clara. Há quem sustente que isso é um requisito sinequanon da constituição e que nem por 
emenda poderia ser alterado. Eu não acho que seja assim. A Alemanha, por exemplo, é uma federação e o 
número de representantes de cada Estado varia de acordo com a população do Estado. 
Resposta a pergunta de aluno: se você olhar o comportamento do Legislativo, na prática esse 
peso maior desses estados não serviu para promover o desenvolvimento desses estados, mas para enriquecer 
a elite desses estados e para tornar a política brasileira, em geral, mais conservadora do que ela seria. Se 
observarmos o comportamento das bancadas vemos que não funciona assim e há mecanismos substantivos 
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para isso. É deturpar a representação, por exemplo, falar em política de ação afirmativa na representação, tirar 
o peso político de uns é algo ilegítimo. 
Depois a constituição lista alguns institutos de democracia semidireta ou participativa. É 
importante aqui chamarmos a atenção para características da Constituição Federal de 1988 e para escolhas 
feitas pela Constituição Federal de 1988. Esse assunto veio a baila recentemente quando o governo federal fez 
um decreto institucionalizando mecanismos de participação dentro do Executivo. Muitas vozes se levantaram 
dizendo que isso era antidemocrático. Dizer que participação é antidemocrático para mim é algo 
incompreensivo. A constituição de 1988 não adotou um modelo puro de democracia representativa. E isso 
foi muito discutido durante a assembléia constituinte e nesse cenário de déficit de representatividade dessas 
instituições, com accountability eleitoral, especialmente no congresso, é um ponto praticamente consensual 
dos teóricos sérios. Não há como substituir a representação pela participação, não temos como implementar 
o modelo da Grécia, mas que é fundamental estimular a participação direta do cidadão para oxigenar a 
democracia e torná-la mais democrática. Esses mecanismos que a Constituição Federal prevê não são 
exaustivos, tanto que a própria constituição, em outras partes, fala de outros mecanismos, como os conselhos 
sociais (que existem na área da saúde, da educação, etc.). Há certo medo do povo. É um discurso elitista que 
tem medo do povo. Aproximar o povo do poder é democrático e não antidemocrático. Querer que as 
pessoas participem não é alijar o congresso. No caso do decretodo governo federal, o argumento beirava o 
non sense, por que nenhum dos órgãos com participação exercia funções normativas, eram órgãos do 
Executivo. Então, ao invés de ter o burocrata fazendo, é o burocrata sob fiscalização de pessoas da população 
– como dizer que isso é antidemocrático? 
Resposta a pergunta de aluno: ele falou do risco de captura. São dois modelos diferentes: o 
modelo da agência reguladora e o modelo dos conselhos de participação social. E o que dá certo no Brasil 
não é o modelo das agências reguladoras. De outro lado, eu conheci um pouco dos conselhos de saúde. Eles 
eram muito bons. Os caras estavam interessados. Havia representante dos enfermeiros, dos médicos, dos 
pacientes renais crônicos, dos pacientes com doenças tais e tais, ou seja, pessoas que conhecem aquele 
mundo, que são engajadas, fiscalizam e controlam. Há um medo por que certos setores da elite estão 
acostumados a conviver com o congresso. O congresso eles sabem como funciona (campanha, 
financiamento, etc.). E quando se começa a colocar a eleição do cara que vai representar os doentes mentais 
crônicos, a lógica é outra, não sabem como lidar. 
Há um artigo muito interessante do Ricardo Lodi sobre isso, que saiu no CONJUR e está no site 
da clinica de Direitos Fundamentais da UERJ com essa mesma linha que estamos defendendo. 
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A constituição cita alguns institutos de democracia participativa: plebiscito, referendo e iniciativa 
popular. Como mencionado, esses institutos não são exaustivos. 
2.3. INSTITUTOS DE DEMOCRACIA DIRETA PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
2.3.1. PLEBISCITO E REFERENDO 
O plebiscito é uma forma de deliberação direta, pela qual o próprio eleitor faz uma determinada 
escolha. Há certo medo no constitucionalismo, quanto ao plebiscito, que tem algumas razões históricas. Há 
varias historias de líderes carismáticos que se valeram do plebiscito para aniquilar a própria democracia. Por 
exemplo, o Napoleão virou imperador com plebiscito, depois foi a vez do sobrinho dele. lá em Roma, o 
Cesar se valia de plebiscito. 
Como a constituição de 1988 lidou com isso? O que aqui veremos serve para o plebiscito e para 
o referendo (a diferença do plebiscito para o referendo no direito brasileiro é que no plebiscito o povo decide 
e no referendo o povo se manifesta para concordar ou não com uma decisão já tomada pelos seus 
representantes. O plebiscito é a decisão e o referendo é a manifestação do povo sobre uma decisão já 
previamente tomada, mas em ambos os casos temos o povo se manifestando, a participação direta do eleitor). 
A Constituição Federal de 1988 atribuiu competência exclusiva ao congresso para convocar plebiscito e 
autorizar o referendo – art. 49, inciso XV. 
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (decreto Legislativo) 
XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; 
 
Se quis excluir o Executivo, justamente para não correr o risco de existir um presidente 
carismático, que, sem apoio do congresso, poderia jogar as decisões para a população. 
E ficou faltando uma coisa muito importante (um erro do constituinte), que seria a possibilidade 
de o próprio povo poder provocar a sua oitiva. No Direito americano há um instituto que é isso – “iniciative”. 
A “iniciative” é uma mistura de iniciativa popular com plebiscito ou referendo. Determinado número de 
pessoas assina e o Estado é obrigado a ouvir o povo sobre determinado tópico. Eu acho que conseguimos 
extrair essa possibilidade da constituição. Por quê? 1. O poder emana do povo, a idéia de democracia; 2. O 
texto comporta isso. A constituição fala que “compete ao congresso convocar o plebiscito e autorizar o 
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referendo”. Acho que dá para construir que no verbo “convocar” é só o congresso, mas no verbo “autorizar” 
podemos ter a autorização do que foi postulado pelo outro. É uma interpretação ousada, mas isso pode ser 
um instrumento muito importante de mobilização social. Temos hoje instancias do Estado tomando decisões 
em completa contrariedade ao que pensa a população. É um risco presente nessa crise de legitimidade que ora 
vivenciamos. 
Plebiscito ou referendo pode ser facultativo ou obrigatório. A constituição não prevê referendo 
obrigatório e prevê como plebiscito obrigatório aquele que é para a criação, extinção e fusão de municípios e 
de estados. Previu também um plebiscito sobre forma e sistema de governo, que já aconteceu. O referendo e 
o plebiscito podem ser vinculantes ou não vinculantes. Quando ele é vinculante a decisão vincula, mas 
quando ele não é vinculante, o Legislativo vai levar em consideração, pode até uma espécie de vinculação 
política, mas não jurídica. 
Temos naqueles plebiscitos federativos uma situação intermediária, que é o plebiscito que é 
vinculante para um lado, mas não para o outro lado. Por exemplo, o município, para criar novo município. Se 
o povo diz não é não, mas se o povo diz sim, a assembléia legislativa pode dizer não depois. Mas usamos 
muito pouco da possibilidade de plebiscito e referendo. 
2.3.2. INICIATIVA POPULAR DE LEIS 
É mecanismo de deflagração do processo Legislativo, regulado no art. 61, p. 2º. 
§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de 
projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído 
pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores 
de cada um deles. 
 
No Brasil temos poucas iniciativas populares de leis. Há duas criticas a esse dispositivo. 
Primeira – ele dificultou, por que 1% do eleitorado nacional é muita gente. A assembléia 
constituinte admitia a iniciativa popular com 30 mil assinaturas. Hoje é preciso mais de 01 milhão de 
assinaturas. 
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Segunda – não se criou um mecanismo jurídico de tramitação diferenciada desses projetos. 
Então, um projeto desse, em tese, vai ser submetido ao mesmo processo Legislativo dos outros, que podem 
ficar por anos na gaveta de uma comissão. A visão convencional é que a iniciativa popular é para Lei ordinária 
e complementar. Eu defendo que também é possível quanto a emenda constitucional. 
Esses instrumentos não são exaustivos. O Brasil já bolou outros instrumentos. O orçamento 
participativo é uma invenção brasileira. O Executivo consultava as comunidades sobre onde seria preferível 
gastar. Por exemplo, pedir que a população se manifeste para saber se constrói uma escola ou restaura uma 
praça publica. Não há nenhum problema em os municípios fazerem esses plebiscitos. 
2.4. VOTO 
Vamos agora falar do voto. 
O art. 14, parágrafo 1º fala que: 
§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são: 
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; 
II - facultativos para: 
a) os analfabetos; 
b) os maiores de setenta anos; 
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. 
 
O alistamento é o registro do eleitor perante a justiça eleitoral. É pressuposto para o exercício 
de direitos políticos. Todos são obrigados, nessas condições,a se alista e a votar. Isso gera uma discussão no 
plano filosófico. Na maior parte dos estados, o voto é um direito e não um dever. Mas o Brasil não está 
sozinho nisso, por que vários outros estados preveem o voto como dever. Eu pessoalmente sou favorável ao 
modelo atual. Não acho que seja um ônus muito grande, ainda mais que o dever do voto não é absoluto. É 
possível justificar se estiver viajando, por exemplo. Não há o dever de votar em alguém, já que é possível o 
voto em branco ou nulo. Eu acho razoável que em uma democracia o cidadão se submeta também a deveres 
cívicos. 
Há uma situação de voto facultativo, que não está na Constituição Federal, mas que a 
jurisprudência do TSE construiu e que eu acho correta, que é da pessoa com deficiência. Não por que ela seja 
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diferente das demais, politicamente, mas por que para ela a obrigatoriedade de voto pode envolver um ônus 
maior em razão das dificuldades de locomoção. Então, tem resolução do TSE dizendo isso. Para mim, o 
mesmo raciocínio tem que valer para os povos indígenas. E aqui não por dificuldade de locomoção, mas por 
especificidades culturais, e eventualmente, também por dificuldade de locomoção. Não há duvida de que o 
índio tem direito de votar. Aquela lógica antiga, de tratar o índio, no Código Civil de 1916 como silvícola (ser 
da selva), como incapaz, é um absurdo. Não se pode negar um direito fundamental básico a alguém por causa 
de etnia. Mas como é uma racionalidade diferente, impor que ele vote é excessivo. Não se pensou nisso, mas 
a luz de toda a constituição, quando ela trata do índio, que respeita a cultura, eu acho que essa é uma 
acomodação que podemos extrair até de uma interpretação sistemática da Constituição Federal. 
Depois a constituição fala que: 
§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço 
militar obrigatório, os conscritos. 
O conscrito é o cara que está prestando serviço militar obrigatório. A constituição de 1988 
evoluiu nesse ponto. O direito brasileiro tinha uma tradição de, no inicio, negar o voto dos militares e depois, 
de negar o voto aos militares de baixa patente. Um dos estopins do golpe militar de 1964 foi que havia um 
movimento dos militares para ganhar direito de voto e o João Goulart ficou do lado dos militares. Eu acho 
que é uma discriminação odiosa dizer que uma pessoa não pode votar. Para o conscrito, o argumento que se 
dá é que ele não tem liberdade de voto. Como não tem liberdade se o voto é secreto? Para mim isso é um 
resíduo de uma coisa do passado que ainda não foi eliminado. E acho também que o estrangeiro residente no 
país tem que poder votar (mas essa é uma discussão mais complexa, por que tem a ver com a idéia de nação), 
por que em minha compreensão o eleitor tem que ser aquele que sofre os efeitos da decisão do sistema 
político. Quem vive no Estado sofre com as decisões que aquele Estado toma. A idéia da democracia é que 
cada um deve ter a capacidade de influir nas decisões políticas que afetem a sua vida. Mas essa é uma reflexão 
de legi ferenda, por que de lege lata o estrangeiro não tem. A única possibilidade de o estrangeiro ter o direito 
de voto é, de acordo com a Constituição Federal de 1988, os portugueses têm os mesmos direitos dos 
brasileiros, quando Portugal reconhecer isso para o brasileiro. Hoje Portugal não dá direito de voto para o 
brasileiro, então, o português residente no Brasil não tem direito de voto, mas se Portugal vier a dá-lo, o 
português passa a tê-lo aqui. E eventualmente, mais do que o direito de voto, há a elegilibidade. 
Resposta a pergunta de aluno: ele perguntou como fica a questão do militar? Por um lado, pela 
constituição, não pode se filiar a partido político, e por outro, a própria constituição preserva a sua 
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elegibilidade. No Brasil a pessoa só pode concorrer se estiver filiada a partido político. A constituição falou 
que o militar em atividade não pode se filiar a partido político. Então, ele tira uma licença, durante a licença 
ele se filia e pode concorrer. Mas o problema não terminava aí, por que o prazo da licença do militar é 
inferior ao prazo da legislação eleitoral de anterioridade da filiação, que, salvo engano, diz que o cara tem que 
estar filiado há pelo menos 01 ano para concorrer e a licença do militar é de alguns meses. O TSE disse que 
aquele prazo não seria aplicável ao militar. Fez-se uma interpretação sistemática para dar conta da situação. 
Seguindo... O parágrafo 3º fala de condições de elegibilidade na forma da Lei. temos duas esferas 
diferentes. A esfera maior é da alistabilidade e diz respeito ao direito de votar. E a esfera menor diz respeito a 
elegibilidade, que é o direito de ser votado. Os nomes as vezes geram confusão, por que votar é capacidade 
eleitoral ativa e ser votado é capacidade eleitoral passiva. Todos que são elegíveis têm que ser alistáveis, mas 
nem todos que são alistáveis são elegíveis. Quando falamos da elegibilidade, a Constituição Federal estabelece 
condições de elegibilidade. E esse é um assunto que a Lei pode regular, mas não instituir outras condições de 
elegibilidade, além das elencadas pela Constituição Federal. Mas há certa confusão, por que além das 
condições de elegibilidade, há as hipóteses de inelegibilidade. Para que uma pessoa possa se eleger, tem que 
satisfazer as condições de elegibilidade e não incidir em hipótese de inelegibilidade. Inelegibilidade não é 
assunto sob reserva de constituição. Inelegibilidade não é assunto sob reserva de constituição, mas a 
elegibilidade é. E inelegibilidade não é o contrario de elegibilidade. Para a pessoa poder se eleger tem que ter 
as condições de elegibilidade e não incidir em uma das hipóteses de inelegibilidade. Os casos de 
elegibilidade estão na constituição e a Lei só pode regular o que está na constituição. A 
inelegibilidade, a própria constituição diz que LC pode prever outros casos. 
Vamos então as condições de elegibilidade – parágrafo 3º do art. 14. 
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei: 
I - a nacionalidade brasileira; 
II - o pleno exercício dos direitos políticos; 
III - o alistamento eleitoral; 
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição; 
V - a filiação partidária; Regulamento 
VI - a idade mínima de: 
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; 
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e juiz de paz; 
d) dezoito anos para Vereador. 
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A Lei pode dispor sobre cada uma dessas condições, mas não pode criar outras. Por exemplo, a 
Lei pode dizer como se dá o alistamento eleitoral, prazos, etc. Quanto ao domicílio eleitoral na circunscrição, 
a legislação eleitoral vai tratar do que é o domicílio eleitoral. Quanto a filiação partidária, a Lei pode 
estabelecer uma anterioridade da filiação partidária. Mas os requisitos, portanto, são apenas esses, não podem 
ser aumentados. 
Depois, o parágrafo 4º vem falando de inelegibilidade. 
§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. 
O analfabeto, portanto, é alistável, mas inelegível. Como devemos interpretar o “analfabeto” da 
constituição?Houve uma polemica envolvendo o deputado Tiririca. Foi uma polemica muito feia, por que 
antidemocrática e anti-estética. O tiririca tinha toda razão. Se queria quase que humilhá-lo. Para começar, eu 
acho um grande erro o analfabeto ser inelegível. Alguém pode dizer que ele precisa ler para poder governar. 
Eu conheço lideranças quilombolas e indígenas que não sabem ler e que têm uma capacidade de articulação 
política impressionante. Claro que o ideal é que leia, mas não poderia ser uma vedação. Sendo essa uma 
restrição a direitos políticos, que é capacitária, o que é algo muito serio em uma democracia, tem que ser 
interpretado de maneira restritiva. O cara não precisa se expressar bem em português. O TSE tem 
julgamentos dizendo que por força do princípio da dignidade da pessoa humana, o teste de alfabetização tem 
que ser feito de maneira resguardada, para não humilhar, etc. (tudo o que não aconteceu no caso do Tiririca). 
Não há um conceito legal de analfabeto, mas normalmente o candidato é submetido a uma prova 
de leitura, de escrita, bem elementar. O código eleitoral diz que se apresentar qualquer diploma isso já é 
suficiente. Mas se não apresentar o diploma, tem que se submeter a essa prova. eu já vi pessoas defenderem 
que o conceito de analfabetismo seria aquele do analfabetismo funcional. O analfabetismo funcional é super 
exigente. No Brasil seria cerca da metade da população. É o cara que lê um texto de duas páginas, mas depois 
não consegue dizer exatamente do que se tratava, por exemplo. 
De vez em quando, diante desse problema do déficit de representatividade das instituições, vêm 
umas propostas elitistas e autoritárias, como se o problema fosse o nível de instrução. Por exemplo, as 
pessoas falam que deveria existir concurso para deputado. 
Depois vem o parágrafo 5º, que ficou esquisito, gerou algumas complicações sistêmicas na 
constituição. O parágrafo 5º foi o que permitiu a reeleição de chefe do Executivo para um mandato 
subsequente. 
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§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os 
Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser 
reeleitos para um único período subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 
16, de 1997) 
Esse dispositivo foi introduzido pela EC 16. Até a emenda 16 não havia a reeleição sucessiva para 
o Executivo no Brasil. Essa era a tradição brasileira. Foi introduzido no primeiro governo do FHC, permitiu 
que ele concorresse para a reeleição, depois o Lula e agora a Dilma. Vejam que aqui não há uma vedação de 
mais de uma reeleição, mas uma vedação de mais de uma reeleição consecutiva, diferente, por exemplo, do 
direito norte americano. O Clinton nunca mais poderá concorrer a eleição nos EUA (não apenas para 
presidente). O Brasil não tem essa vedação. Em tese, o lula poderia concorrer agora, inobstante tenha 
exercido dois mandatos. 
Outro ponto a ser destacado quanto a esse artigo é que o TSE fez uma espécie de interpretação 
ablativa da própria constituição. Então, ele fala de quem “os houver sucedido ou substituído”. O Pesão foi 
duas vezes vice. Pelo dispositivo constitucional, se ele fosse tomado ao pé da letra, não poderia concorrer a 
governador. O TSE entendeu que isso não se aplica para vice. Ou seja, ele fez uma ablação dessa parte que 
fala do sucedido ou substituído. Ele retirou a substituição da jogada. 
Resposta a pergunta de aluno: ele não pode por que o Sergio Cabral renunciou. Se não fosse a 
renuncia do Cabral e ele tivesse apenas substituído, ele poderia. O TSE retirou a substituição da jogada. Eu 
não acho que seja desarrazoada do ponto de vista material, a decisão do TSE, mas ela está em descompasso 
com o texto claro da constituição, que não fala apenas de sucedido, mas de sucedido ou substituído. Em 
minha opinião foi uma interpretação ablativa do texto. E não poderia o TSE ter feito isso. Mas fato é que isso 
é jurisprudência que foi firmada lá atrás, no primeiro mandato do Alckmin, quando ele tinha sido vice do 
Mario Covas. 
Resposta a pergunta de aluno: no Brasil isso hoje esta no plano de especulação, mas em vários 
outros países isso foi real. Uma emenda que permitisse uma segunda reeleição (se especulou que o Lula ia 
querer isso na época), como aconteceu com o Chaves na Venezuela, aconteceu em Equador, violaria o 
princípio republicano? Um bom argumento de que não viola é que o princípio republicano não postula a 
alternância de poder, mas a possibilidade real de alternância no poder. Por este raciocínio, desde que as 
eleições depois fossem limpas não haveria problema. Mas eu acho que a luz da realidade empírica latino-
americana, seria uma interpretação mais restritiva quanto a isso (como fez a corte constitucional colombiana). 
Mas não dá para ignorar que em vários países civilizados haja chefes do Executivo que fica décadas no poder. 
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Voltando ao texto da constituição. Outra polemica que surgiu quanto ao parágrafo 5º diz respeito 
a figura do prefeito itinerante. Eu acho que essa também foi uma construção errada. O que é o prefeito 
errada? Se o sujeito foi prefeito por dois mandatos em uma cidade, ele não pode concorrer a prefeitura de 
outra cidade. A inelegibilidade abarcaria outras cidades. Por que isso? Essa regra de inelegibilidade tem como 
foco, não a criação de obstáculo para que alguém viva a vida na política, no Executivo, etc. Essas limitações 
para a reeleição têm dois objetivos: um deles é impedir que uma pessoa se acastele em uma posição de poder 
no Executivo, com máquina e de lá não saia. Se o cara é prefeito de um município e vai para outro, isso não 
está posto. Eu só cogitaria disso se estivéssemos pensando, por exemplo, em um município satélite do outro. 
Mas geralmente o cara vai do pequeno para o grande e não o contrario. A outra razão é o uso da maquina. 
Mas na verdade, a máquina de um município tende a não exercer muita influencia no outro município. Então, 
eu discordo dessa teoria que veda a eleição do prefeito itinerante, mas que foi adotada pelo TSE e mantida 
pelo Supremo. 
O parágrafo 6º fala que: 
§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de 
Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até 
seis meses antes do pleito. 
Aqui há um problema sistêmico, delicado. Esse dispositivo veio do texto originário da 
constituição. No texto originário, todavia, não havia reeleição para a chefia do Executivo. Vejam como ficou 
estranho. Você é presidente, quer concorrer a presidente, não precisa se licenciar, mas se você quer concorrer 
a outro cargo, você tem que se licenciar. Quando é para o mesmo cargo, o risco de utilizar a máquina, de se 
ter uma competição desleal, é muito maior. Todos os problemas que justificariam, em tese, o parágrafo 
anterior, são mais intensos quando é para o mesmo cargo. E a constituição não diz que tem que ter para o 
mesmo cargo, mas apenas para outro cargo. Então, eu defendo uma interpretação a fortiori – se para outro 
cargo tem, por mais razões para o mesmo cargo. Quando o texto foi feito não era possível para o mesmo 
cargo, apenas por isso não consta a restrição para o mesmo cargo. Então, nessa minha interpretação, a Dilma 
teria que ter se licenciado. E isso ainda gera o efeito colateral positivo de promover a paridade de disputa no 
contexto eleitoral, por que obviamente quem está ocupando o cargo tem vantagens, mesmo que não use do 
poder. Tem muito mais visibilidade midiática, etc.Mas o TSE disse que não. Naquela primeira reeleição do 
mandato do FHC foi feita uma consulta e o TSE disse que o parágrafo 6º não abarcaria o mesmo cargo. Mas 
o TSE foi premido naquela época. Se ele dissesse que sim, o FHC ficaria inelegível e ele estava na frente nas 
pesquisas. A consulta foi feita pelo PT, que foi pouco esperto. Ao invés de fazer a consulta lá atrás para que 
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desse tempo de o TSE dizer que não e exigir o licenciamento, ele quis esperar o cara ficar inelegível para fazer 
a consulta. 
Na “Opera do malandro” tem uma frase que diz que “o malandro que é malandro sabe que o 
mais malandro é ser honesto”, querer ser esperto demais não dá certo. O Supremo depois manteve a 
orientação do TSE. Mas o Supremo evoluiu em varias questões eleitorais (por exemplo, que o mandato 
pertence ao partido e não ao candidato) e eu acho que esse é um ponto que também merecia evolução. 
Depois tem o parágrafo 7º, que diz que: 
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes 
consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de 
Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja 
substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e 
candidato à reeleição. 
Aqui, de novo, temos problema em ajustar isso ao instituto da reeleição. Esse artigo foi editado 
quando não havia a reeleição. Ficou a seguinte situação paradoxal: o próprio pode, mas o parente dele não 
pode. Então, vamos a algumas questões que não dizem respeito a esse desajuste que depois foi objeto de uma 
interpretação constitucional harmonizadora. 
A constituição fala em cônjuge, mas a jurisprudência é tranquila em estender isso à união estável, 
inclusive à união homoafetiva (mesmo antes da decisão do Supremo já era assim). 
Discuti-se na jurisprudência, também, o seguinte caso: o sujeito não era divorciado (antigamente 
só havia o divorcio depois da separação de fato há um tempo ou depois da separação judicial, que era então 
convertida em divorcio), mas estava separado. Foi o caso da Roseana Sarney. Ela estava separada do marido, 
mas não divorciada. Todavia, eles estavam brigados na época e ele estava concorrendo contra o candidato da 
família Sarney. Pois bem. Por que se previu a inelegibilidade do cônjuge? Para não usar a maquina. Se a 
pessoa está indo por outro partido, pela oposição, a lógica não se aplicaria. Então, para mim o caso não era de 
inelegibilidade. Mas se entendeu que era sim e ele foi considerado inelegível. 
Resposta a pergunta de aluno: foi um caso de morte e aí eles disseram que não se aplica. Eles 
entenderam que a inelegibilidade no caso de separação era diferente, por que a separação poderia ser 
fraudulenta para afastar a inelegibilidade. E não há morte fraudulenta. 
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Qual foi a interpretação harmonizadora que a jurisprudência fez? Exatamente diante dessa 
compreensão de que não faz sentido o titular poder concorrer de novo e o parente não poder, se afirmou que 
quando o titular tivesse exercido só um mandato o parente poderia disputar o mandato subsequente. E aí se 
computaria o número de reeleições, não mais por pessoa, mas por unidade familiar. Por exemplo, a Rosinha 
foi governadora, sucedendo o Garotinho, mas a Rosinha não poderia concorrer a uma reeleição, por que se 
contaria dois mandatos do casal. Os dois contavam como se fossem uma pessoa só. 
Quanto ao militar, já comentamos. No parágrafo 9º há a discussão sobre a Lei da Ficha limpa. 
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua 
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de 
mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das 
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo 
ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional 
de Revisão nº 4, de 1994) 
Então, o elenco de inelegibilidades não é taxativo. É matéria sob reserva de Lei complementar, já 
que é a Lei complementar que deve disciplinar essas inelegibilidades. Há inúmeros outros casos de pessoas 
com contas não aprovadas no Tribunal de Contas, etc. O que gerou polemica foi a Lei da ficha limpa prever 
que a inelegibilidade não dependeria do transito em julgado da decisão condenatória. Alias, tivemos três 
grandes polemicas na Lei da Ficha limpa. A primeira foi a acima mencionada: pela Lei da ficha limpa, as 
condenações por órgãos colegiados já geram inelegibilidade. E aí há a questão do princípio da presunção de 
inocência. A segunda questão foi que a Lei da Ficha limpa também prevê efeitos decorrentes de fatos que 
aconteceram antes, de condenações que já tinham acontecido, de renuncias que já tinham acontecido (que 
também gerariam inelegibilidade). O terceiro ponto que gerou polemica foi o fato de que essa Lei teve a 
pretensão de incidir em eleições que ocorreram menos de 01 ano depois da data da sua edição. 
Antes da Lei da Ficha Limpa, esse desconforto com pessoas eleitas, condenadas em varias 
instancias, fez com que alguns tribunais regionais eleitorais, pela via jurisprudencial, negassem o registro de 
candidatura de candidatos com a ficha suja. A associação dos magistrados brasileiros comprou essa causa e 
propôs uma ADPF para que o Supremo reconhecesse que sem a Lei já haveria essa inelegibilidade. O 
Supremo, em minha opinião, de maneira correta, disse que não, que não se poderia inventar uma 
inelegibilidade que não estava em Lei. O argumento que era usado era que a constituição, no parágrafo 9º, diz 
que a Lei deve proteger a probidade, a moralidade, considerada a vida pregressa do candidato. Então, 
argumentava-se que tinha que ser assim e a constituição impunha. Mas a própria constituição diz que é a Lei 
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complementar que deve dispor. Eu tenho um colega, professor de constitucional, que foi procurador 
eleitoral, que defendeu a visão mais sofisticada dessa tese. Ele usava a idéia da violação a proporcionalidade 
como vedação da proteção deficiente, dizendo que o legislador não tinha protegido adequadamente a 
moralidade pública ao não estabelecer essa hipótese de inelegibilidade. De todo modo, o Supremo não 
acolheu a tese por maioria. (vencidos o Joaquim e o Carlos Ayres Brito), mas houve intensa mobilização 
popular e se aprovou a Lei da ficha limpa. 
A Lei da ficha limpa foi aprovada há menos de 01 ano da data da eleição. Então, surgiu a primeira 
discussão sobre a aplicabilidade da Lei da ficha limpa naquele ano da eleição. Houve uma confusão enorme, 
por que a decisão ficou empatada no Supremo. A decisão não era em ADIN, era em recurso de decisão de 
tribunal superior eleitoral. E aí se debateu sobre o que seria esse empate. Se o empate seria a manutenção do 
ato. Se considerássemos isso como controle de constitucionalidade, precisaríamos de maioria absoluta para 
afastar, mas alguns diziam que não se tratava de controle de constitucionalidade. Em minha opinião era sim 
controle de constitucionalidade, já que se estava dizendo que a Lei não poderia incidir naquele período. De 
todo modo, o Fux entrou no Supremo e desempatou da maneira certa, em minha opinião. Aquela era uma 
Lei que mudava as regras do jogo

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