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Direito Constitucional - Daniel Sarmento - Aula 12 - 2014

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DIREITO CONSTITUCIONAL 
 
 Professor: Daniel Sarmento 
Agosto de 2014/Aula 12 
 
MATERIAL DE GRUPO DE ESTUDOS SEM FINS LUCRATIVOS 
PROIBIDA A VENDA E COMERCIALIZAÇÃO 
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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 
1.1. ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
1.1.1. DIREITO A VIDA 
Vamos continuar a discussão sobre o direito a vida. Vimos sobre debates que existem mais ao 
começo da vida, envolvendo pesquisa de células-tronco e aborto, mas sabemos que há debates relacionados 
ao final da vida. 
! Eutanásia 
Primeiramente vamos a um esclarecimento terminológico. 
Fala-se, as vezes, em eutanásia ativa, passiva (que as vezes é chamada de ortotanásia), direta e 
indireta, voluntaria, não voluntaria e involuntária. Há também uma distinção entre eutanásia e auxilio ao 
suicídio. 
A palavra eutanásia tem o seu etmo grego: “tanásia” vem de tanatus, que é morte e “eu” vem de 
boa, ou seja, seria, boa morte. Mas a origem não esclarece muito. A eutanásia ocorre quando alguém pode fim 
a vida de outra pessoa por motivos considerados altruísticos, ligados a condição de saúde dessa pessoa, do 
paciente da eutanásia, do individuo que vai perder a vida. Em geral, vê-se como pressuposto para a eutanásia 
que esse paciente padeça de doença seria e incurável que venha a causar um sofrimento muito grande. A 
diferença entre eutanásia e o auxilio ao suicídio é que na eutanásia quem coloca fim a vida é, não aquele que 
vai morrer. Há uma pessoa doente e um terceiro que atua para abreviar o sofrimento desse doente. No auxilio 
ao suicídio (que pode se dar em contextos que não tem nenhuma relação com a eutanásia) há uma situação 
que é próxima da eutanásia, em que quem coloca fim a própria vida é o doente, mas ele, para fazê-lo, se vale 
da ajuda de um terceiro. Há um caso muito conhecido nos EUA, em que o Jack Kevorkian ajudava as 
pessoas a se matarem. Ele montava um aparelho em que o sujeito apertava um botão e recebia a injeção de 
uma substancia letal. A própria pessoa quem apertava o botão. 
Eutanásia ativa e passiva – algumas pessoas chamam a eutanásia passiva de ortotanásia. Na 
eutanásia ativa a pessoa tem um comportamento que coloca fim a vida do paciente, ao passo que na eutanásia 
passiva a pessoa deixa de praticar um comportamento que prolongaria a vida do paciente. Então, um exemplo 
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de eutanásia ativa seria um sujeito dar uma injeção letal ao doente terminal, ao passo que a ortotanásia seria 
deixar de manipular um tratamento em uma pessoa sabendo que ela morrerá. 
Há uma zona cinzenta entre eutanásia ativa e a passiva, que é o desligamento do suporte vital. 
Quando ocorre o desligamento do suporte vital ocasionando a morte, o que de fato gera a morte é a condição 
de saúde. Mas há um ato ativo de desligamento aparelho. Por isso é uma situação no meio do caminho. E há 
pessoas que tratam como eutanásia passiva, outros como ativa e outros como um terceiro caminho. 
Eutanásia direta e eutanásia indireta – a eutanásia direta ocorre quando o objetivo buscado é a 
morte. O objetivo buscado através do comportamento do agente é a morte. A eutanásia indireta ocorre 
quando o objetivo buscado não é a morte, mas o alivio, a minoração do sofrimento do paciente, mesmo 
sabendo que o resultado bastante provável daquela conduta vai ser a morte. Caiu em um concurso de juiz 
federal uma vez o princípio do duplo efeito, que está ligado a eutanásia indireta, que muitos não tratam como 
eutanásia, inclusive, por que é uma prática médica muito comum. As vezes a pessoa está doente, com uma 
dor muito intensa e o médico percebe que a única forma de aliviar a dor é com o aumento da dose de 
morfina, por exemplo. E o médico sabe que há um risco muito alto nesse procedimento, mas o que ele almeja 
não é a morte do paciente, mas o alivio da dor extrema de que o paciente padece. Então, associa-se a 
eutanásia indireta essa idéia do duplo efeito. O princípio do duplo efeito é hoje tolerado e amplamente 
praticado no âmbito da medicina. 
Resposta a pergunta de aluno: as vezes não é meramente paliativo. As vezes a pessoa não quer se 
submeter, aquilo vai causar a morte e a pessoa está muito doente. 
Há outra expressão, que é a distanásia, que as vezes é chamada de obstinação terapêutica, que é a 
situação em que o paciente não tem nenhuma chance de cura, mas o médico insiste em extrair alguns minutos 
de vida. isso, inclusive, é visto como um erro, como uma infração à deontologia médica. 
Eutanásia voluntaria, não voluntaria e involuntária – a voluntaria é quando o paciente 
decide, postula, pede que a sua vida seja abreviada. Não voluntaria é quando isso não acontece por que não 
há condições de ouvir o paciente. É o caso, por exemplo, do sujeito que sofre um acidente de carro e fica 
inconsciente, precisa ser ligado a um aparelho para continuar naquele Estado e a família resolve não ligar. O 
involuntário se dá quando o paciente não quer ou é possível ouvir o paciente e ele não é ouvido. Eu entendo 
que não devemos tratar o involuntário como eutanásia, mas como homicídio. A palavra “eutanásia” não deve 
ser usada para um caso como este. Os adversários da legitimidade da eutanásia as vezes inflacionam 
semanticamente a idéia da eutanásia para colocar dentro essas hipóteses que são evidentemente ilegítimas e 
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provocar uma reação contrária a eutanásia. Por exemplo, na Alemanha nazista se praticava o assassinato de 
pessoas deficientes ou doentes. As vezes as famílias pediam. Isso era chamado na Alemanha nazista de 
eutanásia. Mas isso não é eutanásia, mas sim um homicídio de pessoas vulneráveis. Era involuntário, por que 
aquelas pessoas não queriam morrer. 
O que está em jogo no debate da eutanásia, assim como no auxilio ao suicídio nesse 
contexto de doença incurável, sofrimento, etc.? De um lado o direito a vida e a compreensão 
tradicional de que os direitos fundamentais são indisponíveis ou de que ao menos o direito a vida é 
indisponível. Se a vida é indisponível, mesmo que a pessoa queira morrer nas situações mais dramáticas, não é 
possível abreviá-la. De outro lado, invoca-se a dignidade humana no sentido da autodeterminação, no 
sentido de ser possível fazer escolhas graves, serias. Naturalmente uma delas é aquela de, em um 
contexto dramático, insistir em um tratamento ou não. 
Já vimos que a dignidade humana é um conceito muito plástico, que se deixa apropriar por 
discursos variados. Não é incomum que a dignidade seja empregada pelos não adeptos da eutanásia para 
justificar as proibições. A dignidade que invocamos acima é a dignidade associada a autonomia. 
Eu acho muito importante, na discussão da eutanásia, que o foco do outro lado da balança seja a 
autonomia e não a qualidade de vida. Qualidade de vida pode ser submetido a apreciações perigosas, era o 
discurso da Alemanha nazista – da vida que não merece ser vivida. Para algumas pessoas vale mais a pena não 
se submeter a um sofrimento intenso em um quadro sem perspectiva de cura, mas para outras pessoas vale a 
pena, seja por razões existenciais, religiosas, etc. Então, o foco principal, em minha opinião, tem que ser a 
autonomia e não a qualidade de vida. O que não significa que a qualidade de vida não seja um elemento a ser 
considerado. Se fosse indiferente, o regime da eutanásia deveria ser igual ao regime de qualquer tipo de morte 
em que a pessoaquer morrer. E na verdade a eutanásia tem um campo mais restrito, ela pressupõe a doença 
grave, de caráter incurável, o sofrimento atual ou em perspectiva. Por que é diferente da situação da pessoa 
que simplesmente quer morrer e pede para que outra pessoa lhe dê um tiro? É uma situação igual à de uma 
pessoa que está em Estado de saúde grave, sofrendo e sem perspectiva? Não. Poucas pessoas defendem que 
essas situações são iguais. Então, na eutanásia o que se agrega, juntamente à autonomia, a preocupação com o 
sofrimento, com a dor, com o tipo de vida que se tem. Não dá para fazer com que todo debate repouse na 
qualidade de vida, sob pena de se legitimar práticas muito perigosas. 
Obviamente, a luz do que estamos dizendo, é possível perceber que sou favorável a legalização da 
eutanásia. Mais do que ser favorável, eu entendo que a proibição, tal como hoje se encontra na nossa 
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constituição, é inconstitucional. Essa não é a posição majoritária. É uma posição defendida por outras 
pessoas, por exemplo, o Luiz Roberto Barroso defende essa posição em um trabalho que ele tem sobre a 
dignidade humana. Mas essa não é a posição majoritária, ao menos nos tribunais. 
O que diz a legislação brasileira? O CP trata a eutanásia como um homicídio com uma pena 
menor, mas trata como crime. Há um debate, no entanto, se a prescrição do código penal se aplica ou não a 
ortotanásia, ou seja, àquelas hipóteses em que não há um ato colocando fim a vida, mas sim uma omissão, 
uma ausência de comportamento. Esse debate hoje tem um componente importante, que é o seguinte: o 
conselho federal de medicina editou duas resoluções que tangenciam essa questão. Uma resolução diz que o 
médico não deve submeter pacientes a tratamentos que não queira e que em cenários em que há possibilidade 
de perda de vida quem deve decidir é o próprio paciente, ou, na sua ausência, os seus familiares. Então, o 
conselho federal de medicina não previu na resolução a eutanásia ativa, mas ele está, com isso, permitindo a 
ortotanásia. Tenta-se delimitar à hipótese de doença grave, com sofrimento incurável, sem perspectiva de 
cura, etc., mas fato é que parece estar legitimando a ortotanásia. 
Outra resolução do conselho federal de medicina fala de testamentos vitais, que são declarações 
de vontade que as pessoas fazem exatamente para essa situação, ou seja, para quando estiverem impedidas de 
manifestar a sua vontade (por exemplo, por inconsciência). 
Claro que o Conselho federal de medicina não tem o poder de derrogar a legislação penal. Ele 
trata da questão no campo deontológico, mas me parece que ele está exprimindo uma compreensão adequada 
da função de médico. Hoje em dia se discute no campo da medicina a superação dos paradigmas paternalistas 
e autoritários, em que o médico concebia como sendo sua função salvar a vida do paciente a qualquer custo 
(muitas vezes não envolvendo o paciente nas suas decisões) para outro paradigma que tem como eixo a idéia 
do consentimento livre informado, em que, inclusive, o paciente deixa de ser objeto da atuação do médico e 
passa a ser um sujeito na relação. Essa resolução do conselho federal de medicina exprime bem isso e eu 
entendo que ela é constitucional. 
De outro lado, eu divirjo da idéia de que haja uma diferença fundamental entre a eutanásia ativa e 
passiva ou entre a eutanásia e a ortotanásia. Essa é a posição hoje do CFM e é a posição majoritária no 
âmbito da deontologia médica, assim como é a posição que tem prevalecido em vários tribunais 
constitucionais. Nos EUA, a suprema corte norte-americana reconheceu, em um caso chamado Cruzan, que a 
pessoa tem o direito a não se submeter a procedimentos que ela não queira, ainda que isso possa implicar na 
perda da sua vida. Foi um caso de uma moça que sofreu acidente de carro, ficou muito tempo ligada a 
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aparelhos, o hospital disse que seria possível apenas com autorização judicial. O caso foi até a suprema corte, 
que entendeu que se ela tivesse dito que em uma situação como essa ela não queria ser mantida viva, a 
vontade dela tinha que ser respeitada, por que ninguém pode sofrer uma intervenção corporal contra a 
vontade dela. Mas ela não disse, não havia indícios de qual seria a vontade dela e por isso não se permitiu que 
o aparelho fosse desligado. Inclusive foi nesse momento que se criou nos EUA a idéia do testamento vital. 
Mas a suprema corte dos EUA, em casos posteriores, entendeu que o direito a privacidade nessa dimensão 
decisional, que já tinha sido reconhecida para a realização do aborto, não se estendia para a decisão de colocar 
fim a vida através de eutanásia ou de suicídio assistido. Isso não é vedado pela constituição norte-americana, 
mas também não é um direito fundamentado na constituição, depende de decisões do legislador, que no caso 
são os estaduais. Há estados que admite eutanásia, que é a minoria e a grande maioria não admite. 
Também a corte constitucional italiana tem a mesma orientação. Assim como a corte européia de 
Direitos Humanos. Na Inglaterra isso também foi decidido pelos tribunais. Então, essa é a posição dominante 
na jurisprudência comparada. Na Colômbia, por outro lado, a decisão foi diferente. Lá se reconheceu, 
inclusive, o direito a eutanásia ativa, no caso de doença incurável e em situação de sofrimento (sempre a 
eutanásia ativa voluntaria). Então, há alguns países hoje em que a eutanásia é aceita, mas geralmente isso veio 
por força de decisões legislativas. É o caso da Holanda, da Bélgica, etc. 
Resposta a pergunta de aluno: a passiva voluntaria e a passiva não voluntaria, em que a pessoa 
busca indícios, através, sobretudo, da família, de qual seria a vontade da pessoa naquela situação. É o que está, 
por exemplo, na resolução do conselho federal de medicina. Eu concordo que há o direito e acho que vai 
além disso. O que não pode de maneira alguma é o involuntário. E quanto ao não voluntario há que se ter 
muito cuidado. 
Mas eu não nego que a questão é muito delicada, por que ao se reconhecer o direito e regulá-lo, 
começam a ocorrer situações complexas. Por exemplo, na Holanda, em que se reconhece o direito a 
eutanásia, há criticas de que muitas pessoas, sobretudo idosas, se sentem pressionadas pelas famílias, pelos 
cuidadores, etc. Não há qualquer defensor da eutanásia que sustente que uma pessoa deprimida possa fazer 
eutanásia, por que o consentimento tem que ser livre informado. Mas como aferir isso? Dá para inferir, mas 
na prática isso pode gerar zonas cinzentas. É possível, por exemplo, um cenário em que uma pessoa, a rigor, 
não queira, mas que se sinta culpada por onerar a família. Ou pode ser o caso de pressão mesmo, seja por 
razões de ônus de cuidado, razões de herança, etc. Por isso eu sei que é complicado. Tanto que um dos 
argumentos contrários a eutanásia é que se criaria uma espécie de cultura de morte. 
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Sem negar a complexidade do assunto e necessidade de uma regulação muito delicada, o que eu 
acho é que não dá para sustentarmos que em contextos extremos a pessoa tenha obrigação de viver e que a 
decisão de insistir ou não no tratamento deva caber ao Estado e não à própria pessoa.Vamos seguir adiante para falarmos de liberdade de expressão. 
1.1.2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO 
Há vários dispositivos na constituição concernentes a liberdade de expressão. Só no artigo 5º, 
temos o inciso IV, o inciso V, inciso IX. Depois temos direitos que são totalmente ligados a liberdade de 
expressão, como é o caso do direito de acesso a informação. E temos um capítulo da constituição (capitulo 
V) que é todo dedicado a comunicação social. São 04 artigos que disciplinam o exercício da liberdade de 
expressão em um contexto mais institucional, tratando, não da comunicação dos cidadãos comuns, mas da 
atuação da mídia, da televisão, das rádios, da imprensa. 
Por que essa quase redundância do texto constitucional? Por que tanta insistência nesse assunto? 
Há razões históricas e também razões materiais filosóficas. 
Razões históricas: a Constituição Federal de 1988 foi feita como uma coroação da 
redemocratização de um Estado que praticava a censura, que atropelava a liberdade de expressão. É natural 
que se queira proteger tanto a liberdade de expressão. Esse era um dos pontos importantes na agenda do 
constituinte. 
 Além disso, essa insistência no tema da liberdade de expressão resulta do reconhecimento da 
importância central desse direito nas ordens constitucionais democráticas. Em geral, são três principais 
argumentos dados para justificar a centralidade da liberdade de expressão. O primeiro argumento é 
democracia. A liberdade de expressão é um direito essencial para a vida do Estado democrático. Não é a toa 
que a primeira coisa que fazem os estados autoritários não é abolir eleições, mas silenciar dissidentes, 
controlar meios de comunicação e perseguir quem lhes faz oposição. A ditadura militar brasileira preservou 
durante a maior parte de tempo o direito de voto. No Iraque do Sadan Hussein tinha eleição e isso não fazia 
do país uma democracia. Então, a liberdade de expressão é essencial para a democracia. Por quê? Primeiro 
por que para que as pessoas possam deliberar sobre assuntos públicos, não apenas votando, é fundamental 
que elas tenham acesso a informação e a pontos de vista diversificados sobre assuntos de interesse público. e 
a liberdade de expressão e de imprensa possibilitam isso. em segundo lugar, a democracia está muito ligada a 
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responsividade dos representantes (que eu traduzi do inglês – accountability). Um dos principais instrumentos 
de accountability é exatamente a liberdade de expressão e o direito a informação, que está ligado a liberdade 
de expressão. Há uma frase de um juiz da suprema corte norte-americana que diz que não há melhor 
detergente do que a luz solar. Então, dar a possibilidade de expor, de criticar a conduta daqueles que têm 
poder é fundamental para a legitimação dos governos. Além disso, democracia não é apenas a disputa 
eleitoral. A democracia pressupõe que o cidadão tenha em alguma medida a possibilidade de influenciar na 
formação da opinião pública, que hoje desempenha um papel central nas sociedades. Qual é o principal 
mecanismo que as pessoas têm para tentar influenciar a opinião pública? É se manifestar. É claro que a mídia 
institucional tem um papel muito importante na prática, mas não é apenas isso. É também o sujeito levantar 
uma faixa, se manifestar, escrever um artigo no jornal. Por tudo isso a liberdade de expressão é central para a 
democracia. 
 Além de ser central para a democracia, os primeiros argumentos dados em favor da liberdade de 
expressão é de que se trata do melhor instrumento para a busca da verdade. Essa é uma construção que se 
deve muito a um filosofo inglês chamado John Stuart Mill, que dizia mais ou menos o seguinte: qual é a 
melhor maneira de chegarmos a conclusão de ser uma idéia boa ou ruim? Debatendo. A liberdade de 
expressão possibilita que haja o debate, que não haja tabu. Quando se proíbe ou se pune aquele que difunde 
determinada idéia tida como perigosa, pode se estar suprimindo do espaço público uma idéia boa ou que 
tenha algum aspecto positivo e mesmo que essa concepção seja totalmente errada, as pessoas vão confiar no 
governo para arbitrar isso? E ainda que se pudesse ter certeza de que determinada idéia é errada, por exemplo, 
a tortura hoje. Se alguém quisesse defender essa idéia, seria bom suprimir a possibilidade de alguém defender 
a tortura? Dizia o Stuart Mill que quando se reprime uma idéia, ainda que ela seja integralmente errada, as 
ideias certas vão deixando de viver no coração das pessoas e vão se enferrujando. O debate é importante, 
inclusive, por que ele provoca uma melhora dos argumentos contrários, uma nova reflexão. Hoje vivemos em 
um momento em que falar em verdade com “v” maiúsculo é um pouco difícil, por que vivemos em um 
cenário de pluralidade, em que há certa crise da idéia de verdade com “V” maiúsculo. Mas se retirarmos o 
conceito de verdade, que é um conceito meio metafísico, podemos dizer que o debate que a liberdade de 
expressão propicia é a melhor maneira de buscarmos soluções adequadas para os problemas humanos. 
Isso fica bem claro quando analisamos a epistemologia da ciência. Se na ciência tivéssemos uma 
verdade inquestionável, isso paralisaria a ciência. a ciência avança por que a qualquer momento alguém pode 
chegar e questionar, dizer que não é de determinado jeito, tentar refutar. O debate é o que propicia o avanço. 
Essa razão instrumental para a proteção da liberdade de expressão já foi empiricamente comprovada em 
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relação a fome. O Amartya Sen, que é um economista importantíssimo e também filosofo, tem um livro 
importante, chamado “Famine”, que é a fome de massa, em que ele, empiricamente, demonstrou que 
nenhum Estado passou por processo de fome de massa com liberdade de expressão e eleições. Se tivesse 
esses dois elementos poderia haver pobreza, mas não um processo de fome em massa. Por quê? Por que o 
governante tem medo de perder o poder, quando os problemas podem ser revelados, debatidos. 
Por fim, o terceiro argumento, que é muito importante para a liberdade de expressão, é que se 
trata de um direito essencial para a dignidade humana, para a realização existencial, para o livre 
desenvolvimento da personalidade. Por quê? Por que ao fim e ao cabo, uma das características mais essenciais 
do ser humano é que ele é um ser que se comunica e que precisa se comunicar. Dizem que não vivemos, mas 
convivemos. Quando, por exemplo, se censura uma obra, estamos violando o autor daquela obra que está 
impedido de comunicar o pensamento, de contar uma historia, e também de todas as pessoas que eram 
potenciais destinatários daquela obra. Sabemos que a nossa identidade em parte é formada por isso. Todos 
foram influenciados em alguma medida por livros que leu, por filmes que viu, etc. E o reconhecimento de 
que alguma autoridade pode dizer o que uma pessoa pode ou não pode ouvir, pode ou não pode ler, por que 
alguma idéia é perigosa ou por que vai fazer mal é incompatível com a idéia da dignidade humana, a qual é 
avessa a esse tipo de paternalismo (ao menos quando falamos de adultos). 
Então, quem é o beneficiário da tutela da liberdade de expressão? Não é apenas aquele que se 
exprime, mas também todos os potenciais ouvintes e a sociedade de um modo geral. 
Qual é o âmbito de proteção da liberdade de expressão? Toda e qualquer conduta que a 
priori tem o objetivo de exprimiralguma coisa. 
Alguns autores fazem distinção entre ato e discurso, dizendo que a liberdade de expressão 
abrange o discurso e não o ato. Eu acho que essa distinção não se sustenta. E tem um caso da suprema corte 
norte-americana, que é muito interessante e mostra isso. O sujeito queria protestar contra a convocação para 
a guerra do Vietnã e queimou a bandeira americana. É o caso Texas v. Johnson. O argumento do Texas para 
processar esse cidadão era de que aquilo não tinha nada a ver com liberdade de expressão, por que ele não 
tinha falado nada, escrito nada. Mas na verdade aquilo era um ato de natureza expressiva. Isso quer dizer que 
qualquer ato de natureza expressiva está dentro da liberdade de expressão? vamos pensar em um caso recente, 
que é o Black Bloc, que joga pedra pedra nas vidraças. Imaginemos que ele tenha jogado uma pedra em uma 
concessionária de carros estrangeiros para protestar contra o capitalismo. Isso estaria no âmbito da proteção 
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da liberdade de expressão? Não, por que esse âmbito de proteção até abarca atos expressivos, mas não podem 
ser de natureza violenta. 
Imaginemos que eu queira protestar contra o governo e coloque uma bomba no palácio do 
planalto. Isso é um ato expressivo, mas está fora do âmbito de proteção da liberdade de expressão. Eu posso 
exprimir que não gosto de uma pessoa, mas isso não permite que eu dê um soco na cara dessa pessoa. Isso 
não é liberdade de expressão. 
É feita as vezes, dentro da liberdade de expressão lato senso, uma distinção entre a liberdade de 
expressão, de ideias e da difusão ou comunicação de fatos. A distinção que existiria é que no campo das ideias 
não dá para falar a priori que uma idéia não é protegida por que ela é errada. Isso vai contra a própria filosofia 
da liberdade de expressão. Mas no campo da divulgação de fatos, a comunicação de fatos sabida e 
comprovadamente inverídicos estaria fora do âmbito de proteção respectivo. 
Por exemplo, se alguém chega e diz (sabendo que não é verdade) que ontem o professor Daniel 
Sarmento estava em Belo Horizonte e praticou um ato de violência no Estado. Isso não está abrangido pela 
liberdade de expressão. Primeiro por que isso não é verdade, já que eu estava no RJ e não em BH. Há quem 
afirme isso. A doutrina de um modo geral vislumbra a existência de regimes diferentes. Mas eu acho que a 
distinção desses regimes não é tão rígida assim. Por quê? Por que ao comunicar um fato, quem comunica 
agrega algo. A idéia de objetividade absoluta não existe. E se quiséssemos firmar uma compreensão de que 
determinada coisa é a verdade fática, que nada que se fale contra isso estaria protegido, iríamos imunizar 
ortodoxias de qualquer tipo de contestação. E isso vai contra a própria filosofia da liberdade de expressão. 
Então, me parece mais adequado afirmar que a verdade fática que exclui uma manifestação do campo de 
proteção da liberdade de expressão deve ser compreendida em uma perspectiva objetiva, mas subjetiva. Ou 
seja, não é a priori, protegido o direito de alguém contar o que sabe ser uma mentira. 
Resposta a pergunta de aluno: Imaginemos que você esteja contando um fato. Por exemplo, 
ontem eu estava na China. Se não tem idéia, não tem nada, isso não é liberdade de expressão, por que 
liberdade de expressão, no que concerne a comunicação dos fatos, abrange os fatos verídicos ou ao menos os 
fatos em que o narrador, aquele que se exprime, acredita que eles sejam verídicos. 
Mas afirmar que uma hipótese está compreendida no campo de incidência da liberdade de 
expressão não quer dizer que ela vá prevalecer sempre. Há caso em que a colisão com outros direitos pode 
ensejar que o direito a liberdade de expressão prima facie garantido não prevaleça. Estávamos discutindo isso 
quando eu contei, na aula de ponderação, o caso Ellwanger. Quando o editor de livros publicou obras de 
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caráter anti-semita, ele estava no âmbito da liberdade de expressão? Sim. Mas a tutela da dignidade humana 
prevaleceu. Estava dentro do âmbito da liberdade de expressão, mas a tutela de outros direitos prevaleceu no 
caso. Mas se esse editor anti-semita, ao invés de publicar o livro, colocasse uma bomba em uma sinagoga, não 
haveria a ponderação da liberdade de expressão com o direito a vida, a igualdade, por que colocar a bomba já 
está fora do âmbito de proteção da liberdade de expressão. 
O tribunal constitucional alemão teve dois casos julgados em períodos próximos. Um deles 
referia-se a um evento que ia acontecer dos negacionistas, que são as pessoas que negam a ocorrência do 
holocausto. O tribunal constitucional alemão disse que aquilo não estava abrangido pela liberdade de 
expressão, por que o holocausto é um fato, ele ocorreu e ponto. Tempos depois houve um super direitista 
escreveu um livro dizendo que o culpado pelo holocausto não tinha sido Alemanha. O tribunal constitucional 
alemão disse que aquilo estava protegido pela liberdade de expressão. Não se tratava mais de uma afirmação 
de fato, se teve ou não holocausto, mas estava sim discutindo responsabilidades pelo holocausto. 
Como se dá a relação da liberdade de expressão com tempo? Uma visão antiga era de que 
liberdade de expressão impediria censura prévia, restrições a priori, mas a partir do momento em que alguém 
se manifestasse a liberdade de expressão estava exaurida e não entraria mais em jogo. Evidentemente essa não 
é uma boa idéia – fale o que quiser, mas se você falar algo que desagrade o governo, você vai ser punido 
depois. Não é justo punir alguém pelo livre exercício de um direito fundamental. Então, a liberdade de 
expressão incide antes, mas incide também depois. O que não quer dizer que incida da mesma maneira. A 
própria constituição, no inciso V do artigo 5º, dispõe que: 
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano 
material, moral ou à imagem; 
 
O CP tipifica crimes contra a honra que em geral são praticados através da expressão. Será que o 
CP é inconstitucional? Não. Há algum tempo houve um evento sobre liberdade de expressão do Supremo, da 
ONU e da OEA. Eu falei junto com a relatora de liberdade de expressão da OEA. Ela defendeu que para ela 
crimes contra a honra são inconstitucionais. A proteção da liberdade de expressão excluiria a possibilidade de 
se penalizar essas condutas, que poderiam ser, no máximo ilícitos civis. Eu não iria tão longe, mas eu entendo 
que ao interpretar e aplicar a legislação penal que incide sobre o exercício da liberdade de expressão, o direito 
a liberdade de expressão tem que ser levado em consideração. Então, é preciso ser extremamente cauteloso e 
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parcimonioso com esses tipos penais, sob pena de haver um amordaçamento das pessoas. e acho também, de 
outro lado, que o regime estabelecido no CP, em vários aspectos é inconstitucional. 
Vejam. Nos crimes contra a honra quando a vitima é funcionário público a pena é maior. Isso é o 
inverso da lógica da liberdade de expressão. Quando a pessoa faz algo público é preciso que haja mais 
proteção da expressão e menos dos direitos a personalidade.Os bens jurídicos tutelados nos crimes contra a 
honra são os direitos da personalidade. Pena maior e sem exceção da verdade quando o crime é praticado 
tendo como vitima o presidente da republica ou o chefe de Estado. Isso é absurdamente inconstitucional. 
Quer dizer que se alguém falar que o presidente cometeu um crime, não terá a oportunidade de comprovar 
que disse a verdade, caso venha a ser processado por crime contra a honra. O CP nessa parte é do período 
mais negro da ditadura Vargas. O que é curioso é que nenhum penalista fala isso. E todos aplicam e estudam 
isso normalmente. É uma questão elementar de liberdade de expressão. E o projeto do novo CP mantém os 
mesmos vícios. 
Resposta a pergunta de aluno: as pessoas têm que ter direito de criticar o presidente da maneira 
mais veemente possível e o presidente tem que ser capaz de lidar com isso, por que é um ônus da democracia. 
Isso não é para ser direito penal. Não permitir a exceção da verdade nessa hipótese é a típica lógica das razões 
de Estado com um vezo absolutista. Isso me lembra um episodio que envolveu o Lula quando ele expulsou o 
correspondente do New York Times quando ele disse que ele estava bebendo muito. Ele disse que o 
correspondente estava indo contra a honra do país. Falar da pessoa do presidente e achar que isso é ir contra 
a honra do país é compreensão do absolutismo. Não se pode punir uma pessoa por que ela está criticando 
uma autoridade, mesmo que se trate de crítica injusta. 
E isso também vale para regime da responsabilidade civil. tem um caso muito conhecido no 
direito americano sobre liberdade de expressão. É o caso Sullivan versus New York Times, que foi julgado 
em 1964 pela suprema corte e é sobre responsabilidade civil. O Sullivan era um delegado de policia que 
reprimia as manifestações em favor dos direitos civis dos negros. Aí o New York Times publicou uma 
matéria com vários erros fáticos que batia na policia. O Sullivan entrou com uma ação contra o NYT (e nos 
EUA a responsabilidade civil em geral é julgada pelo júri) e foi determinada uma indenização altíssima para o 
NYT. O caso foi para a suprema corte que disse que se se trata de pessoa pública há direito a reparação civil, 
mas não basta comprovar um erro, tem que ser um erro de má fé. Ou tem que haver dolo ou tem que 
demonstrar que a pessoa foi indiferente a veracidade ou não. Um argumento que também se utilizou nesse 
caso foi que imprensa, jornal, tem que circular todos os dia para bem da democracia. Se cada erro de um 
jornal gerasse reparação de danos, os jornais iriam se acovardar e acabariam por não desempenhar bem a sua 
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função de criticar o poder, as autoridades. E aí se criou uma idéia que é muito importante na liberdade de 
expressão que é o efeito resfriador do discurso – “chilling efects”. O regime da responsabilidade civil pode 
exercer esse efeito resfriador do discurso. E vemos isso muito no Brasil. há uma cultura de que nada pode, 
tudo gera dano moral. E é uma cultura que não é igualitária. Mexer com algumas pessoas da elite, da 
autoridade é sempre mais complicado na cultura brasileira. 
Eu não estou dizendo que não há reparação de dano. Claro que tem. A constituição brasileira 
fala. Mas quando deve caber a reparação do dano moral ou material diante do exercício da liberdade de 
expressão? Quando houver abuso no exercício da liberdade de expressão. E para aferir a ocorrência de abuso 
é preciso uma ótica que dê bastante latitude para se criticar especialmente as pessoas públicas. Por exemplo, 
imaginemos que um crítico teatral fale que determinada peça seja péssima, aconselhando as pessoas a não 
assistirem. Isso gera dano moral no Brasil? Provavelmente sim, por que muita gente não vai a peça e os atores 
vão ficar abalados. Mas cabe reparação? Claro que não. O jornalista que noticia ou mesmo o cidadão comum 
que faz uma critica, por exemplo, dizendo que é um absurdo a copa do mundo, com estádios superfaturados, 
etc. Cabe reparação de danos? Isso esfria o discurso. Então, é preciso bastante cautela para aferir a ocorrência 
da responsabilidade e para graduar a reparação. Especialmente no caso do dano moral, que não é 
quantificável de maneira comutativa, não tem como medir. 
É preciso sensibilidade para os valores da liberdade de expressão quando se discute reparação de 
dano a posteriori. A regra geral é que os abusos no exercício da liberdade de expressão geram 
responsabilidade a posteriori. Essa regra é absoluta? Isso foi objeto de debate no Supremo. Como sabido, o 
Supremo reconheceu a não recepção da Lei de imprensa. Já vimos aqui que o Supremo as vezes peca no 
momento de redigir o acórdão, por que o relator coloca apenas o que ele acha e nem sempre isso reflete o 
que pensam os outros ministros. Nesse caso da Lei de imprensa, que teve como relator o Ayres Brito, está 
escrito que não se admite nenhuma restrição prévia a liberdade de imprensa, inclusive judicial. Tempos 
depois, sem adentrarmos no mérito, o TJ de SP proibiu a divulgação de uma matéria que envolvia em um 
crime o filho do Sarney. O jornal então entrou com uma reclamação no Supremo, dizendo que a autoridade 
da ADPF tinha sido descumprida. O que disse o Supremo? que o que estava escrito era só a posição do 
Carlos Ayres Brito, por que na verdade o Supremo não tem uma posição contraria a possibilidade de restrição 
prévia. Eu concordo com o Supremo, mas acho que temos que vislumbrar essa possibilidade com muita 
reserva e muita cautela, para situações apenas excepcionalíssimas. Imaginemos, por exemplo, que uma pessoa 
seja vitima de violência sexual e descobre que o nome e a imagem dela vai ser exposto no relato desse crime. 
Esse seria um caso em que eu entendo que poderia haver restrição prévia. Mas isso não pode ser banalizado. 
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E o judiciário, em minha opinião, com a honrosa exceção do Supremo, não costuma dar muita bola para a 
liberdade de expressão e abundam as restrições prévias. O momento que estamos vivendo agora é o 
momento em que isso se dá com mais intensidade. 
O Supremo julgou uma ADIN contra a Lei das eleições que vedava que veículos de 
telecomunicações se valessem de humor na época das eleições envolvendo candidatos. Por unanimidade o 
dispositivo foi considerado inconstitucional. O Supremo disse ali que período eleitoral não é período de 
expressão. Não justifica mais restrição a liberdade de expressão. se fosse para justificar alguma coisa seria 
mais liberdade em razão da centralidade desse período para a vida democrática. Mas temos no Brasil hoje um 
Direito eleitoral que é ultra restritivo e uma justiça eleitoral que já tem esse cacoete. Por exemplo, impede o 
programa tal, por que esse partido critica um candidato. Ou impede que uma pessoa que não seja do partido 
dê uma declaração a favor. Ora, se ele é a favor, as pessoas têm direito de saber. 
Então, eu acho que cabem restrições prévias, mas sempre pelo judiciário, por que a censura 
previa administrativa foi banida peremptoriamente. O poder de policia não vai a esse ponto. E o judiciário 
deve proceder com enorme cautela, reconhecendo o peso excepcional que a liberdade de expressão tem no 
sistema constitucional e que a regra geral para a solução dos conflitos é que quando prepondera o direito do 
outro lado, há a reparação do dano posterior.Outra questão delicada em matéria de liberdade de expressão (e nesse caso o foco é menos a 
liberdade de expressão exercida no contexto interindividual e mais institucional) é a excessiva concentração 
nos meios de comunicação. A Constituição Federal de 1988 tratou desse assunto no art. 220, em que, ao 
lado de vedar a censura e outras coisas, ela diz, no parágrafo 5º, que: 
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer 
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta 
Constituição. 
(...) 
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de 
monopólio ou oligopólio. 
 
A nossa constituição assegura o pluralismo e o direito de acesso a informação. Em que cenário 
isso é respeitado? Em um cenário em que há pluralismo dos meios de comunicação social. Então, em que 
pese a liberdade de expressão ser um direito predominantemente negativo, há também uma dimensão 
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positiva, no sentido de que é papel do Estado promover esse pluralismo. E por isso eu entendo que é possível 
a atuação reguladora do Estado. Não apenas para isso, mas também para as questões técnicas, por exemplo, 
relacionadas a freqüência, mas sobretudo para isso. Aqui a atuação de regulação do Estado não se dá para 
censurar, mas para pluralizar, para multiplicar as vozes, tendo como principal foco o interesse da sociedade 
em ter acesso a fontes variadas de informação e de opinião. Por outro lado, se partirmos da premissa de que a 
liberdade de expressão é tão importante, não há por que não fomentar, para que quem não tem dinheiro 
possa se exprimir, fazendo com que suas informações e ideias cheguem ao público. 
Esse tema vem sendo tratado como tabu. Há um discurso muito cristalizado, que converge com 
os interesses dos principais detentores dos meios de comunicação social, de que toda e qualquer regulação é 
censura, quando na verdade não é. Tanto não é, que não encontramos um país democrático no mundo em 
que não haja alguma regulação dos meios de comunicação social. A regulação que vise pluralizar não é 
censura, o objetivo é justamente ampliar as fontes, o acesso. 
Resposta a pergunta de aluno: o caso da chamada Lei de meios na Argentina tem uma 
complexidade. A Lei argentina vedava a concentração excessiva dos meios de comunicação e propriedades 
privadas. O sujeito não poderia ter ao mesmo tempo mais do que tantos canais de televisão, mais do que 
tantos jornais. Isso para evitar que alguém seja controlador de tudo. A idéia disso me parece correta e é uma 
prática adotada em diversos estados democráticos. Mas na argentina havia um complicador. O Clarin era o 
principal opositor ao governo. Então, ficou uma zona meio esquisita. E o governo já atinha adotado antes 
outras práticas absolutamente injustificadas. Eram medidas equivalentes a mandar o equivalente a receita 
federal argentina ao Clarin sem motivo aparente. Eu preciso recorrer a outros exemplos, de países que são 
evidentemente democráticos (escandinavos, Alemanha, França), em que há regulação dos meios de 
comunicação. 
Mas é preciso pensar que a regulação não pode ser voltada a proibir. O mais complicado é a 
regulação de conteúdo. Eu não vou dizer que é impossível e a Constituição Federal de 1988 prevê algumas 
restrições a conteúdo. Por exemplo, dispõe que os veículos de telecomunicação têm que dar preferência a 
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (art. 221). Isso envolve, em alguma medida, 
conteúdo. 
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos 
seguintes princípios: 
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; 
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II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que 
objetive sua divulgação; 
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais 
estabelecidos em lei; 
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. 
 
A regulação de conteúdo tem que ascender uma luz amarela (não vermelha), mas a regulação, 
para fomentar o pluralismo não tem problema. Mas, de outro lado, não podemos ser inocentes. Claro que há 
o risco de o regulador querer favorecer ao governo. É preciso muita atenção ao desenho institucional da 
regulação e também nos mecanismos de controle sobre a regulação. E 
Nos EUA, que provavelmente são o país que mais protege a liberdade de expressão, prevaleceu o 
que eles chamam de “Fairness doctrine”. Tem uma agência reguladora para meios de comunicação e essa 
agência impunha pluralismo dos meios de comunicação e inclusive o pluralismo interno. o pluralismo externo 
é a existência de diversos veículos, fontes. O pluralismo interno diz respeito a cada veiculo. Diziam que a 
fairness doctrine não se aplicava a jornal, mas a TV e a radio. E eles tinham que dedicar uma parte da 
programação para tratar de temas de interesse público e nessa parte tinham que mostrar as posições existentes 
no debate. Podiam ter uma linha editorial, mas não podiam mostrar só um lado e ficar silente sobre o outro 
lado. A suprema corte americana não invalidou a fairness doctrine, disse ser inconstitucional, mas depois veio 
o governo Reagan e a doutrina foi abandona. Hoje, a maior parte das pessoas acham que a suprema corte não 
aceitaria essa doutrina, por que ela hoje tem uma visão mais libertaria da liberdade de expressão. 
Mas eu entendo que a regulação voltada para a regulação do pluralismo, mais do que possível, é 
exigida pela Constituição Federal de 1988, em razão de termos um cenário de muita concentração. Quanto 
maior o pluralismo externo, menos razões há para se regular e impor o pluralismo interno. É mais delicado a 
regulação voltada para o pluralismo interno do que externo. A idéia do pluralismo interno é inclusive uma 
idéia aceita no campo da deontologia da comunicação social. Na faculdade de jornalismo se aprende que é 
preciso ouvir os dois lados, esse é um princípio deontológico da comunicação social. Não é vedação de que 
haja linha editorial. Mas as vezes se está no fio da navalha, entre o que é a promoção do pluralismo e o que é 
interferência na liberdade editorial. Por isso é preferível a regulação voltada a regulação do pluralismo externo 
do que para o pluralismo interno. 
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Esse é um assunto que vem sendo um tabu. Não há norma disciplinando isso. começamos a ter 
esse tipo de regulação no Brasil para a TV por assinatura. Na TV por assinatura foram criados mecanismos 
para a promoção do pluralismo, dizendo, por exemplo, que quem produziu o conteúdo não pode distribuir o 
canal, etc. Mas aí, curiosamente, os grandes veículos de comunicação brasileira, que sempre se colocaram 
contra a regulação voltada para a promoção do pluralismo, nesse caso eles ficaram a favor, por que estavam 
competindo com players internacionais. 
Muito rapidamente, vamos a uma lista de decisões do Supremo importantes na matéria de 
liberdade de expressão. 
Já aludimos aqui a dois casos importantes, que são a não recepção da Lei de imprensa e a do 
humor. E há outros casos também bastante relevantes. O Supremo, em interpretaçãoconforme a 
constituição, disse que não poderia ser proibida a marcha da maconha. O Supremo declarou inconstitucional 
uma Lei que vedava manifestações na praça dos três poderes. O Supremo manteve um artigo do estatuto da 
criança e do adolescente que vedava a divulgação de nomes de crianças e adolescentes infratores e invalidou 
um preceito do ECA que impunha como sanção para quem infringisse isso, a não circulação da revista, a 
proibição de transmissão do programa, etc. O Supremo declarou não recepcionado pela constitucional um 
dispositivo que condicionava o exercício da profissão de jornalista a ter diploma de jornalismo (esse é um 
caso que envolve simultaneamente a liberdade de expressão e a liberdade profissional). Uma das razões da 
inconstitucionalidade é que isso iria repercutir gravemente na liberdade de expressão. O Supremo adotou uma 
decisão muito ruim em relação a Copa. A Lei da copa tem um artigo que veda manifestações no estádio. Eu 
acho que havia uma parte da restrição válida, que falava de violência, racismo, etc. Mas a Lei chegava a dizer 
que não era possível sequer roupa com conteúdo de manifestação política. Eu tinha certeza que o Supremo 
invalidaria, mas houve um placar super dilatado pela constitucionalidade da Lei. Só tivemos dois votos 
contrários, que foram do Marco Aurélio e do Joaquim. E isso dava um poder para o guarda do estádio, por 
exemplo, impedir uma pessoa de entrar se uma blusa tivesse um escrito político. 
Outra decisão do STF foi sobre radio comunitária. Havia um artigo na Lei das rádios 
comunitárias que vedava o proselitismo e outro que vedava a propaganda comercial. O que são rádios 
comunitárias? São rádios de baixíssima potência, que têm raios muito pequenos e que são muito importantes, 
sobretudo em comunidades carentes. Vedar o proselitismo é atingir a essência da liberdade de expressão. o 
que é proselitismo? É defender uma idéia, uma posição. Como impedir uma radio de defender uma posição? 
É absurdo. E quanto a propaganda, é razoável que a radio não possa aferir lucros, mas é normal que ela 
precise de receita para manter a própria atividade. A radio comunitária não pode ficar dependendo só da boa 
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vontade das pessoas. Nesse caso o Supremo manteve no juízo cautelar esses preceitos. Eu espero que o 
Supremo reveja isso ao julgar o mérito. Mas em geral o Supremo vem adotando uma posição bastante 
favorável a liberdade de expressão. O Supremo, nesse ponto, está bem mais em harmonia com o discurso 
constitucional da liberdade de expressão do que outras instancias do judiciário brasileiro. 
Há dois casos pendentes de julgamento no Supremo. Um caso refere-se ao Código Civil, art. 19 e 
art. 20, relativa a biografias e o outro é sobre classificação indicativa dos meios de telecomunicações, 
notadamente da televisão. 
Vamos começar pela biografia, que é o caso mais fácil. O Código Civil veda a divulgação de 
imagem, escritos, envolvendo uma pessoa, a não ser em algumas hipóteses muito especificas que ele 
menciona, como interesse da administração da justiça, salvo se a pessoa manifestar o seu consentimento ou, 
em se tratando de pessoa já falecida, se os seus herdeiros manifestarem o seu consentimento. Tudo isso em 
nome do direito a imagem, a honra, etc. esse dispositivo foi impugnado no STF. Para mim ele é 
flagrantemente inconstitucional. Ele deu toda importância aos direitos da personalidade e nenhuma 
importância a liberdade de expressão. Na prática ele inviabilizou um gênero literário, que é a biografia. E hoje, 
tirando a biografia oficial, não é mais possível, e aí, claro há muita manipulação das informações. E as pessoas 
usam isso para obter recurso e não para proteger direito da personalidade. Mata-se um gênero literário, 
dificulta-se a pesquisa histórica no país, etc. Acho muito difícil que o Supremo não afirme a 
inconstitucionalidade desse dispositivo. É tão inconstitucional que não há ninguém defendendo a validade do 
artigo pura e simples. O debate é se não pode ou se o judiciário deve ponderar caso a caso. Não tem ninguém 
que defenda que não pode em nenhum caso publicar, salvo se houver consentimento. Se tem alguém que 
defende isso é realmente uma pequena minoria. Mas era a posição que vinha prevalecendo nos tribunais, 
tanto que varias obras importantes não puderam circular. Foi o caso da biografia do Roberto Carlos, 
Guimarães Rosa, etc. 
Outro debate que é mais complexo do que esse envolve a classificação indicativa nos veículos de 
comunicação social. A Constituição Federal, em dois dispositivos diferentes, prevê essa classificação 
indicativa. Um deles é o art. 21, inciso XVI, que diz que compete a União: 
Art. 21. Compete à União: 
(...) 
XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas 
de rádio e televisão; 
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Depois, no artigo 220, parágrafos 1º e 2º, diz que: 
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer 
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta 
Constituição. 
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de 
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no 
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. 
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. 
 
O que está em discussão no Supremo? O estatuto da criança e do adolescente disse que o 
Ministério da Justiça vai classificar os programas. Há uma portaria do Ministério da Justiça que concretiza 
isso. Essa classificação vincula rádio e televisão. E isso seria indicativo para os pais. Para os meios de 
comunicação é vinculante. Se o Ministério da Justiça entende que o programa é impróprio para menores de 
16 anos, ele só pode ser exibido depois das 11 da noite me parece. 
Qual é a interpretação defendida pelos veículos de comunicação e por diversos juristas? É de que 
indicativo não é isso. A constituição fala em indicativo. E indicativo não é isso. Os veículos de comunicação 
são obrigados a revelar ao público qual foi a classificação. Então, aparece, por exemplo, um programa de TV 
que tenha sido considerado inadequado para menores de 16 anos e o horário recomendado para a 
transmissão. E alguns dizem que a emissora deve apresentar o indicativo e apresentar em horário distinto. 
Outros entendem que a Constituição Federal fala que é indicativo (elemento literal). O principal responsável 
por essa escolha deve ser os pais e não o Estado. é a família que decide se autoriza ou não se os menores 
devem assistir ou não, ouvir ou não determinada programação. Outro argumento é que hoje há mecanismos 
tecnológicos que permitem esse filtro. Os novos aparelhos de TV, obrigatoriamente, precisam conter essa 
possibilidade de programar. De outro lado, argumenta-se que a própria Constituição Federal dá prioridade 
aos direitos da criança e do adolescente. Alega-se que na prática há contextos em que os pais não estão 
presentes, na prática. Por exemplo, passar um programa a tarde, que o Ministério da Justiça tenha 
considerado para menores de 14 anos, as crianças estão em casa e não tem como o pai e a mãe exercer esse 
controle. 
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Eu acho que o uso da palavra “indicativo” foi uma escolha do constituinte. Por isso, entendo que 
o ECA está errado e a ação está certa. Isso, no entanto, não exclui a possibilidade de intervenção judicial 
superveniente. Seja para reparar danos, inclusive coletivos, seja para impor que veículos de comunicação, 
depois de verificada uma patente inadequação, mudem a sua programação. Mas aí não seria a decisão do 
órgão administrativo a gerar aquela obrigação, mas sim eventual decisão judicial, o que também não pode ser 
banalizado em razão de todas as questões já mencionadas. 
Já há casos tem quatro votos favoráveis a ação, ou seja, contrários ao dispositivo do ECA. O 
julgamento do processo foi interrompido por pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa e deve voltar. 
Esse é um caso delicado em que há argumentos para os dois lados. 
O que me parece obvio é que o indicativo para o pai e para a mãe não pode ser vinculante. E eu 
posso compartilhar uma experiência que vive de levar meu filho ao cinema, e havia uma portaria dizendo que 
não poderia entrar ainda que com a presença dos pais. 
Quando a Constituição Federal fala em “indicativo” há duas interpretações. Uma delas é que é 
indicativo para os pais e vinculante para os meios de comunicação e a outra é que é indicativo para todos. O 
que não dá para sustentar é que é vinculante para todos. Qual seria o sentido da palavra “indicativo” se assim 
fosse? Se você leva seu filho para assistir um filme que você entende adequado, não pode ter uma pessoa na 
portaria dizendo que você não pode entrar. A própria Constituição Federal fala que a classificação é 
indicativa. Claro que um pai ou uma mãe que sucessivamente abusam daquilo, por exemplo, levando o filho 
para ver filme pornô, pode se sujeitar a conseqüências em razão do abuso. Mas o que não se pode é, em razão 
desse risco, converter o que é apenas indicativo em vinculante (que é o que tem acontecido), que é o que tem 
acontecido. 
O inciso V fala em direito de resposta, que estava disciplinado na Lei de Imprensa, que foi 
considerada não recepcionada. Mas nem por conta disso o direito de resposta deixou de existir. Ele hoje está 
regulado na legislação eleitoral e em outros casos o juiz o concede com base, diretamente, na constituição. O 
direito de resposta visa tutelar o que? Basicamente dois bens jurídicos. Primeiro são os direitos da 
personalidade daqueles que são atingidos e que devem ter a possibilidade de buscar uma reparação para além 
das perdas e danos, para esclarecer de alguma maneira a opinião pública de que aquilo que foi contado não ;e 
verídico. Outra finalidade importante do direito de resposta está ligado ao acesso a informação. Se propicia ao 
público a possibilidade de estar em contato com os dois lados da moeda, com versões diferentes do mesmo 
fato. 
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Eu defendo a idéia de que o direito de resposta pode ser interpretado ampliativamente como um 
meio de promoção do pluralismo nos meios de comunicação social. E aí ele não estaria atrelado a 
demonstração de alguma falsidade. Vamos imaginar um assunto polemico. Um veículo de comunicação só 
mostra um lado e aquilo te atinge. Você pode usar do direito de resposta para mostrar o outro lado, mesmo 
que você não tenha como comprovar uma falsidade. Seria um mecanismo a serviço, não apenas da tutela dos 
direitos da personalidade, mas também do pluralismo e do acesso a informação diversificada. O inciso V fala 
em indenização por dano moral, material e à imagem. 
Então, há a consagração ampla do dano moral. Quando a Constituição Federal de 1988 isso ainda 
era controvertido. Depois deixou de ser. O que tem de razoavelmente novo nesse dispositivo é o dano a 
imagem. O dano a imagem é o uso que se faz da imagem sem o consentimento da pessoa. Todo uso sem 
consentimento da pessoa é ilícito? Não. Há uma tensão entre a imagem e direito a informação e liberdade de 
expressão. Por exemplo, uma foto do Davi Luiz no campo de futebol desesperado chorando na Copa. Essa é 
uma pessoa pública, em um espaço público e em um contexto público. Não precisa da autorização dele para 
divulgar. É preciso verificar, a partir de alguns Standards se a pessoa é ou não pública, se estava em um 
espaço público, se estava envolvido em uma atividade pública, para verificar se há ou não esse direito a priori 
de não divulgação da imagem. O contexto em que se dá a divulgação deve ser analisado, também se aquilo 
envolve ou não algum escopo de lucro indevido com a imagem de terceiro, etc. 
Esse dano a imagem não depende de que haja alguma comprovação de dor ou sofrimento por 
parte da vítima. Ele não se confunde com o dano moral. Seria uma espécie de terceiro gênero de dano aqui 
consagrado. O leading case em que isso se assentou é do RJ e é muito interessante. Uma revista masculina 
publicou fotos da Maitê Proença nua. Ela já tinha tirado aquelas fotos, autorizado a divulgação e recebeu por 
isso e depois publicaram de novo. Foram fotos tiradas nesse contexto. Diante disso ela entrou com ação e 
ganhou dano material, com fundamento de que aquilo tinha sido indevido, já que para pagar de novo deveria 
ter havido o pagamento, por que aquilo não estava no contrato. Mas ela não teve deferido o pedido de dano a 
imagem, por que ela não comprovou que passou por dano moral. Na visão preconceituosa dos julgadores se 
pensa que muito pudica não deveria ser por que tirou as fotos e não pode ter ficado abalada por que as fotos 
são lindas, etc. É um acórdão engraçado. A Decisão foi reformada pelo STJ, que afirmou que o dano a 
imagem não pressupõe demonstração de sofrimento. Hoje há, inclusive, uma súmula dizendo isso. 
Vale relembrar que tanto no reconhecimento da responsabilidade civil, quanto no arbitramento 
do dano, não se pode ignorar a tutela da liberdade de expressão. É a idéia do “chilling effect”, ou seja, o 
regime de liberdade de reparação de dano muito generoso pode ter um efeito resfriador da esfera pública. 
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Outro debate que foi travado em torno do inciso V é se pessoa jurídica faria jus a dano moral. A 
jurisprudência se consolidou no sentido de que sim. Eu confesso que tenho algumas reservas à jurisprudência, 
notadamente na extensão de direitos da personalidade para a pessoa jurídica. Eu acho que até é cabível, mas 
em hipóteses bem peculiares, de pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa. Em geral, o que é chamado de 
dano moral de pessoa jurídica, em minha opinião é muito mais um dano material ainda não quantificado. É a 
posição que o Gustavo Tepedino sustenta, com a qual eu concordo. Por exemplo, quando determinado fato 
abala a reputação da empresa, que depois terá problema com cliente, em minha opinião é dano material e não 
moral. A jurisprudência e doutrina dominante, todavia, fazem aquela distinção entre honra subjetiva, que só 
as pessoas naturais teriam e a honra objetiva, que tem a ver com reputação, que as pessoas jurídicas também 
teriam e que gera dano moral. 
Eu até acho possível a condenação por danos morais coletivos. Mas eu acho que seria possível o 
município ser destinatário de recursos de danos morais coletivos, por força de violação de direitos de pessoas 
daquela coletividade. Imaginemos que um jornal diga que todas as pessoas do município tal são imbecis. O 
município seria quase que como umintermediário, mas o dano moral seria das pessoas. Mas eu concebo a 
possibilidade de isso ser passado para o município. Em relação ao Estado, ao município e entes públicos 
serem titulares de Direitos Fundamentais, a posição dominante com a qual eu concordo é que em geral eles 
não são a menos que estejam em situação de subordinação. Por exemplo, vamos pensar nos direitos 
processuais. O Estado em juízo tem direito a ampla defesa, ao contraditório, etc. 
Vamos agora falar de liberdade de religião. 
1.1.3. LIBERDADE DE RELIGIÃO 
A Constituição Federal tem vários preceitos que dizem respeito a liberdade de religião. O 
primeiro deles é o inciso VI do art. 5º, depois o inciso VII. 
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício 
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas 
liturgias; 
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e 
militares de internação coletiva; 
 
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Temos também um princípio muito próximo da liberdade de religião, que é da laicidade do 
Estado. Uma espécie de projeção institucional da liberdade de religião, que está no art. 19, inciso I. 
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento 
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na 
forma da lei, a colaboração de interesse público; 
 
E há outros preceitos que têm relação com isso, como, por exemplo, a imunidade dos templos, 
tem o artigo que fala do ensino religioso nas escolas públicas, mas matricula facultativa. Há vários preceitos 
que se relacionam com esse tópico da liberdade religiosa. 
A liberdade religiosa, do ponto de vista histórico, foi praticamente dos Direitos Fundamentais. O 
constitucionalismo teve como um dos elementos deflagradores a necessidade de proteção da liberdade 
naquele contexto de perseguições religiosas, reforma, contrareforma, etc. Essa valorização de tolerância, que 
tem tudo a ver com o discurso iluminista de liberdade, teve como um dos estopins as perseguições religiosas. 
Se olhamos hoje para o mundo em uma perspectiva global e de geopolítica esse é um assunto vital. Todos os 
dias vemos noticias sobre conflitos que têm a religião como pano de fundo. É o caso de Israel, Palestina, da 
tentativa de criação de estados islâmicos em países da áfrica, da Ásia, etc. Ao mesmo tempo, no Brasil temos 
um discurso religioso entrando na esfera pública, representando as vezes ameaça para certas liberdades 
públicas. Também nas eleições esse tema acaba vindo a baila de forma intensa. Então, esse tema é muito 
importante no mundo e no Brasil. 
Vamos a um pouco da historia disso no Brasil. A constituição de 1824 consagrava a liberdade 
religiosa, mas de maneira limitada. Ela consagrava a liberdade religiosa, havia a religião católica como religião 
oficial e eram vedados cultos públicos de outras religiões. Você podia ter outras religiões, mas ele não podia 
ser público. A constituição de 1891 consagra a laicidade do Estado e a liberdade de religião. Mas a ligação 
muito íntima entre o Estado brasileiro e a igreja católica, ao longo do tempo minou esse discurso da liberdade 
religiosa. Veremos, por exemplo, na republica velha, a perseguição muito forte contra cultos afro-brasileiros. 
Há uma tendência sempre ao favorecimento da religião católica. E isso continuou na Era Vargas e de certa 
maneira se estende até os dias de hoje. Embora hoje vivamos em um contexto em que há mais liberdade de 
religião, inclusive para essas religiões minoritárias. 
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O que compõe a idéia da liberdade de religião? 
Primeiro – liberdade de crença. A liberdade de crença envolve a liberdade de professar 
qualquer crença religiosa e de não ter nenhuma. O ateu está protegido, o agnóstico está protegido. 
Isso também envolve a liberdade de mudar de religião. Estados islâmicos não costumam 
reconhecer a liberdade de mudar de religião. No mês passado houve um debate sobre a mulher do Sudão que 
era mulçumana, mudou de religião, virou católica e foi condenada a morte. Essa liberdade de crença é a mais 
ampla. É a liberdade que a pessoa tem de acreditar no que ela quiser. No cenário brasileiro não faz muita 
diferença saber se se trata ou não de uma religião. Esse tema veio a baila agora fortemente em razão de uma 
decisão infeliz da justiça do RJ que dizia que o candomblé e a umbanda não seriam religiões. Isso está 
erradíssimo. Claro que são religiões, mas isso não faz tanta diferença, por que o texto da Constituição Federal 
diz que é inviolável a liberdade de consciência e de crença. Então, se não é o caso de crença, no mínimo é 
liberdade de consciência. Para fazer essas grandes escolhas de princípios de orientação, metafísica, filosófica, 
que dá sentido a vida, etc., se não entrar na liberdade de religião, entra na liberdade de consciência. 
De todo modo, é um equivoco muito grande buscar a definição de religião a imagem e 
semelhança das religiões majoritárias. Uma religião não precisa ter deus para ser considerada religião. Por 
exemplo, o budismo não tem deus e é religião. Uma religião não precisa ter uma estrutura hierárquica 
estabelecida. Uma religião não precisa ter um corpo de preceitos firmados de longa data, uma ortodoxia 
própria. A liberdade de religião envolve inclusive a possibilidade de uma pessoa ter uma própria religião, 
mesclando aspectos de uma e outra religião. Nos EUA, em que isso é muito discutido, tem se evitado a 
definição de qualquer elemento objetivo para caracterizar uma religião. O que prevalece é a dimensão 
subjetiva, o que interessa é se a pessoa toma aquilo como uma religião, como algo que desempenha na sua 
vida um papel semelhante ao que desempenha a religião, com a força similar ao que as religiões costumam ter 
para as pessoas. 
A esquisitice de uma crença também não é algo que descaracteriza uma religião. O que é sagrado 
para um pode ser esquisito para outros. Houve uma decisão do tribunal constitucional italiano, em minha 
opinião, erradíssima, que descaracterizou a cientologia como religião. 
Segundo – liberdade de culto – é a possibilidade de cultuar a religião, de fazer as suas 
cerimônias, de professar a religião não apenas privadamente, mas também publicamente. 
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Se a liberdade de crença tende ao absoluto, é quase absoluta, já que é difícil imaginarmos direitos 
contrapostos a liberdade de crença, de outro lado, a liberdade de culto não é assim. Por exemplo, vamos 
imaginar um culto que demande o sacrifício de pessoas. Claro que não é possível sacrificar pessoas em função 
da liberdade de culto. 
 É preciso que nessas questões que surgem envolvendo liberdade de culto e bens jurídicos 
contrapostos que se atribua uma grande importância ao culto, por que o culto, para quem é religioso, tem 
uma importância central na sua vida. Há um caso que está pendente no Supremo, relacionado a liberdade de 
culto, que envolve sacrifício de animais. O Estado do RS fez uma Lei vedando o sacrifício de animais para 
finalidades que não o consumo humano, mas isentava dessa Lei os sacrifíciosfeitos para fins religiosos de 
religiões afro-brasileiras. A Lei foi impugnada por uma representação de inconstitucionalidade no TJ do 
Estado, alegando-se que ela violava a constituição do RS, que tem um artigo que reproduz a constituição 
brasileira, vedando práticas cruéis com os animais. Teve RE dessa decisão para o STF. 
Eu acho que a decisão do TJ que manteve a Lei, que a considerou válida, está correta. Acho que é 
um bem importantíssimo e digno de tutela, o bem estar dos animais. Mas se aceitamos o sacrifício de animais 
para consumo da carne, não faz sentido vedar o sacrifício do animal para o consumo do espírito para quem 
considera que aquilo é essencial para o seu culto religioso. O que poderíamos conceber talvez seria a vedação 
para formas de sacrifício que fossem especialmente cruéis, ou sacrifício de animais em extinção, etc. Mas não 
é disso que se trata quando estamos falando das religiões afro-brasileiras, não é esse o quadro empírico. 
A liberdade de religião tem uma interface muito grande com a igualdade. A liberdade de religião e 
a igualdade se irmanam na idéia não apenas de liberdade de professar uma religião e um culto, mas que 
também não pode haver discriminação por fazê-lo. Uma pessoa, por exemplo, não pode ser obrigada a fazer 
um juramento com a mão na bíblia sob pena de desacato, desobediência, etc. Seria uma hipótese de 
discriminação em razão da fé pessoal. Não de pode condicionar o exercício da posse em determinado cargo a 
que a pessoa tenha essa ou aquela religião. No RJ há um problema gravíssimo, por que a Lei do Estado do RJ 
sobre educação religiosa diz que quem define os professores são as igrejas. Então, professor de escola pública 
tem ligação com a igreja. As vezes a pessoa perde o emprego (e emprego é meio de subsistência) se ele 
praticar determinada religião. Eu acho que isso viola gravemente, não apenas a laicidade do Estado, mas 
também a liberdade de religião, institucionalizando um mecanismo de discriminação religiosa. 
Há questões interessantes sobre a eficácia horizontal disso. Vamos falar do Sírio de Nazaré, que é 
uma festividade religiosa muito importante que ocorre em Belém do Pará. E o Sirio de Nazaré é patrocinado 
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pelo BB ou pela CEF. E aí, se obrigou os caixas do banco a colocarem uma camisa com Nossa senhora. Uma 
funcionária, que é contra o culto de Nossa senhora, se recusou a colocar a camisa e foi demitida. Ela pode, 
em nome da liberdade religiosa, se recusar a colocar a camisa? A Justiça do trabalho manteve a decisão. Eu 
entendo que está completamente errado, até por que não é necessário para trabalhar como caixa de maneira 
adequada que se utilize uma camisa com o símbolo do Sírio de Nazaré. 
A justiça do trabalho também uma decisão, que em minha opinião é correta, também de uma 
funcionaria evangélica, em um hotel de Salvador, que se recusou a colocar a roupa branca de mãe de santo 
para trabalhar no saguão do hotel. A justiça do trabalho disse que não podia. E eu entendo que está correto. 
Mas vejam que não dá para falarmos em um critério severo para todos os casos. Houve um caso 
em que uma pessoa, por razões religiosas, não queria cortar barba e cabelo. Ele trabalhava em cozinha e a 
justiça do trabalho disse que ele podia ser demitido por conta daquilo. Nesse caso eu entendo que a decisão 
está certa, por que há uma relação de total pertinência. Não era uma exigência superável. 
Será que o dono de uma empresa, de uma grande loja de departamento, pode utilizar o critério 
religioso para fins de seleção de pessoas? Não. Esse é um caso em que a liberdade de religião prevalece. 
Agora imaginemos que uma família queira contratar uma babá de determinada religião. Aqui eu entendo que 
pela dimensão intima do emprego, seria possível a “discriminação”. 
Então, aqui temos toda a lógica da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais. 
Outro tema importante em matéria de liberdade de religião é que há hoje no Brasil um novo 
campo de disputa que se liga a existência ou não de um direito a acomodação razoável. O que é isso? há 
normas jurídicas ou práticas que, conquanto não tenham sido criadas com o propósito discriminatório, 
podem impactar práticas religiosas, pode impedir que as pessoas vivam de acordo com preceitos da sua 
própria religião. Vamos a um exemplo. Imaginemos uma prova de concurso público no sábado. A 
acomodação razoável seria buscar uma alternativa. Eu acho que existe o direito a acomodação razoável em 
matéria religiosa. A suprema corte norte americana em princípio até reconhecia, inclusive reconheceu em um 
caso sobre educação de adolescente. Teve o reconhecimento de que a partir de certa idade o pai poderia 
deixar que o filho fosse educado dentro da comunidade, a partir de certa idade, sem se submeter as regras do 
ensino daquele Estado. o delicado nesse ponto é que se está falando nesse caso se direito de criança e 
adolescente. A suprema corte voltou atrás nessa historia da acomodação razoável em um caso envolvendo o 
uso do peyote, que é uma erva que se fuma (parecido com uma maconha indígena), que é característica de 
religiões indígenas nos EUA. O sujeito havia sido pego fumando peyote e em razão disso teria perdido o 
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seguro desemprego. Ele alegou que aquilo tinha um impacto sobre a religião, que fumava o peyote para fins 
cerimoniais, etc. A suprema corte não reconheceu o direito. Houve uma reação social contrária de todo 
mundo. O partido republicano e o democrata aprovaram por unanimidade uma Lei, que teoricamente estaria 
restaurando a liberdade religiosa, que tinha sido restringida pela decisão da suprema corte, que tinha mudado 
jurisprudência. É um caso interessante que mostra que muitas vezes o judiciário fica aquém do Legislativo na 
proteção dos Direitos Fundamentais. A suprema corte norte-americana invalidou a Lei, dizendo que ela que 
sabia o que era o direito fundamental e que o legislador teria ido além do que seria o seu âmbito de proteção. 
disse que aquela Lei podia vigorar como um beneficio legal para a União, por que era uma Lei da União, mas 
que não podia ser uma Lei concretizando a idéia da liberdade religiosa, por que nesse caso ela estaria se 
impondo aos estados. Diante disso invalidou-se a aplicação da Lei para os estados. 
Mas em países como o Canadá e Alemanha se reconhece o direito a acomodação razoável. A 
acomodação razoável, no entanto, não é o direito de se obter qualquer tipo de acomodação. A acomodação 
razoável pode envolver, eventualmente, uma isenção a submissão a leis ou a práticas. Em outros casos pode 
gerar a busca de alguma solução intermediaria na acomodação. Mas há contextos em que isso não é possível. 
Muito relacionada a liberdade de religião, há o princípio constitucional da laicidade do Estado. 
A laicidade do Estado demanda a neutralidade estatal em matéria religiosa. Laicidade não é o Estado ser 
ateu. O ateísmo, assim como o agnosticismo são posições no que concerne a religião. O Estado laico é o 
Estado que não tem posição, que se mantém neutro nesse assunto. A laicidade do Estado se liga a liberdade 
de religião, ela é uma garantia institucional da liberdade de religião, por que em geral, quando o Estado toma 
partido ou endossa uma religião, isso é um risco para a liberdade de religião dos que não são aderentes, que 
têm outras crenças. Além disso, também é um mecanismo a

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