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Direito Constitucional - Daniel Sarmento - Aula 10 - 2014

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DIREITO CONSTITUCIONAL 
 
 Professor: Daniel Sarmento 
Agosto de 2014/Aula 10 
 
MATERIAL DE GRUPO DE ESTUDOS SEM FINS LUCRATIVOS 
PROIBIDA A VENDA E COMERCIALIZAÇÃO 
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 DIREITOS FUNDAMENTAIS 
1. TEORIA GERAL 
1.1. RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
Claro que como qualquer tema complicado no direito, há varias doutrinas e posições 
intermediárias e ecléticas, mas há duas principais concepções sobre restrições dos Direitos Fundamentais. 
Uma é a chamada teoria interna e a outra é a chamada teoria externa dos direitos fundamentais. 
1.1.1. PRINCIPAIS TEORIAS 
! Teoria interna 
A teoria interna nega a própria existência de colisão entre os direitos. Nega a possibilidade de o 
legislador restringir Direitos Fundamentais, a não ser quando tenha sido expressamente autorizado pela 
Constituição Federal. Por exemplo, a constituição permite expressamente a restrição da liberdade profissional. 
Ela diz que é livre o exercício de qualquer profissão ou oficio, atendidas as qualificações profissionais que a 
Lei estabelecer. Então, é um caso claro em que o legislador permitiu a restrição. Ali temos um caso claro em 
que o legislador permitiu a restrição. Fora esses casos, os adeptos da teoria interna dizem que o que o 
legislador pode fazer, no máximo, é explicitar limites imanentes aos direitos, limites que os direitos teriam por 
concorrerem com outros direitos. 
Por exemplo, o caso do “hate speech”, discurso do ódio. O Supremo julgou essa questão no caso 
Ellwanguer, que foi uma ação penal contra o Siegfried Ellwanguer, que era um editor de livros que tinha se 
especializado em publicações de caráter anti-semita. O Supremo fez uma ponderação. Os adeptos da teoria 
interna criticam o uso da ponderação e dizem que o discurso do ódio está fora da liberdade de expressão, por 
que a definição do âmbito da liberdade de expressão já considera outros bens jurídicos, outros direitos com 
os quais a liberdade de expressão concorre. O que o legislador pode fazer é restringir direitos quando há 
autorização para que ele o faça. E mesmo quando há autorização, deve observar limites que veremos depois. 
Quando não há autorização, o que o legislador pode fazer é explicitar limites que já seriam inferidos do 
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 DIREITO CONSTITUCIONAL 
 
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Agosto de 2014/Aula 10 
 
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PROIBIDA A VENDA E COMERCIALIZAÇÃO 
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sistema constitucional, mas não existiria uma restrição legítima a direitos fundamentais sem autorização 
expressa do texto constitucional. 
Resposta a pergunta de aluno: saber se direitos são ou não cláusulas pétreas é outra discussão. No 
direito brasileiro eles são cláusulas pétreas, mas tem o termo “tendentes a abolir”. Na teoria interna, os 
adeptos acham que o legislador não pode restringir um direito a não ser em um caso em que a própria 
constituição permita isso. Se a constituição não permite expressamente, o legislador pode, no máximo, 
explicitar um limite que seja inferível da constituição. As vezes, o limite não decorre do preceito que consagra 
determinado direito, mas da convivência entre ele com outros direitos e outros bens jurídicos também 
protegidos em sede constitucional. Essa é uma teoria minoritária. 
Então, a teoria interna é avessa a ponderação. 
E o que diz a teoria externa, que é a teoria amplamente dominante? 
! Teoria externa 
O legislador pode restringir Direitos Fundamentais, mesmo quando não haja autorização 
expressa para isso. Existe uma autorização implícita que resulta da colidência entre Direitos Fundamentais ou 
entre Direitos Fundamentais e outros bens jurídicos. Mas há limites para essa restrição. Esse assunto muitas 
vezes é estudado sob o rótulo de “limites dos limites” – é possível limitar os direitos, mas a limitação, por 
sua vez, está sujeita a limites. 
Quais são esses limites? O que veremos no inicio vale para a teoria interna e para a teoria 
externa. Depois veremos algumas questões que valem apenas para a teoria externa. 
Primeiro limite - O ato normativo que pode restringir um direito fundamental é a Lei em 
sentido formal. Se a Lei pode, por mais razões a emenda pode. Mas não pode um ato administrativo, não 
pode um decreto. A secretaria de segurança pública ou a secretaria municipal de transportes, por exemplo, 
não poderiam editar regras para disciplinar as manifestações. Ainda que admitamos a restrição, ela tem que vir 
sob a forma legal. Considera-se que isso é tão importante que depende de autorização do legislador. Então, 
aqui vale não apenas o princípio da legalidade genérico, mas o princípio da reserva legal. Assim como temos 
reserva legal no Direito penal, no direito tributário, a restrição de Direitos Fundamentais também se submete 
ao princípio da reserva legal. 
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 DIREITO CONSTITUCIONAL 
 
 Professor: Daniel Sarmento 
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PROIBIDA A VENDA E COMERCIALIZAÇÃO 
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Resposta a pergunta de aluno: para restrição de Direitos Fundamentais não. Há um debate sobre 
a reserva do regulamento, que é outra discussão. Mas não estamos falando aqui de restringir Direitos 
Fundamentais. 
Segundo limite - Essa norma restritiva de Direitos Fundamentais, além de ser uma Lei formal, 
deve ser geral, abstrata. Não pode ser uma restrição casuística, em dado contexto especifico. Não pode ser 
retroativa. Não pode conceder poder discricionário, sem limites, para o administrador que vai operacionalizar, 
colocar em execução. Se tivéssemos, por exemplo, uma Lei dizendo que o Estado pode restringir a liberdade 
de manifestação quando for necessário para o interesse público, essa Lei seria inconstitucional, por que é um 
cheque em branco, sem balizas. As vezes a restrição vai implicar em atribuição de juízo de valor por parte de 
quem aplica. Mas esse juízo de valor tem que ser balizado. Não pode ser mera atribuição de um poder 
discricionário, sem balizas para quem operacionaliza a restrição. 
Resposta a pergunta de aluno: pode ser para promover outro direito ou pode ser para promover 
algum interesse público, que não necessariamente é um direito. é possível que haja colisão de direito com 
direito e de direito com interesses que não são direitos. Há um debate teórico sobre o qual tenho meu 
posicionamento (tenho um texto a respeito que está na internet). Para mim não dá para dizer que o interesse 
público prevalece sobre direitos. Há uma visão tradicional da supremacia do interesse público, que diz que os 
interesses públicos prevalecem sobre os direitos individuais. Eu acho que isso não é compatível com a 
constituição. E não é compatível com a idéia de direitos. Se há um direito que qualquer interesse público o 
supera, ele não é um direito, não é um trunfo contra deliberações coletivas. 
As vezes, a constituição autoriza a restrição sem dizer para quê, as vezes ela autoriza a restrição e 
define para que se dará a restrição. A doutrina chama isso de direito fundamental sob reserva de Lei e direito 
fundamental sob reserva de Lei qualificada. O que está sob reserva de Lei é a restrição, não é o direito. Então, 
sob reserva de Lei simples ou sob reserva de Lei, autoriza-se que a Lei restrinja. Sob reserva de Lei 
qualificada, a Lei tem que visar determinado objetivo, tem que almejar determinada finalidade. Há outra 
restrição adicional ao que essa Lei pode fazer. por exemplo, quando a constituição fala da liberdade 
profissional, ela fala que é livre o exercício de qualquer profissão e oficio, atendidas as qualificações 
profissionais que a Lei estabelecer. Então, a restrição que a constituição autorizou expressamente é para o 
estabelecimento de qualificações profissionais. 
Vamos complicar um poucoisso. há quem pare aqui na discussão. Mas se adotarmos a teoria 
externa de restrição de Direitos Fundamentais, em que se pode restringir um direito mesmo sem autorização, 
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por que quando tem autorização para restringir para uma finalidade, não se pode restringir para outra 
finalidade ali não contemplada? Vamos a um exemplo. Idade é qualificação profissional? Não. Será que é 
constitucional um artigo de Lei que diga que para ser piloto de aviação comercial tem que ter menos de 65 
anos de idade? Eu entendo que sim. É razoável supor que a partir de certa idade as pessoas têm menos 
reflexos e esses reflexos são importantes para a segurança de quem está sendo transportado. E isso não é 
qualificação profissional. Então, dá no mesmo restringir para a qualificação profissional e restringir para outra 
finalidade? Se desse no mesmo, não faria sentido a constituição falar só em qualificação profissional. 
 Para os adeptos da teoria interna, é só a qualificação profissional que foi autorizada pela 
constituição. No máximo se poderia explicitar outros limites. Essa situação da idade provavelmente ficaria de 
fora, por que não dá para dizer que esse limite está implícito. 
Para os adeptos da teoria externa, o fato de se falar em qualificação profissional, não exclui, em 
circunstâncias especiais, a imposição de outros limites. Mas aí (posição minha e do Virgilio Afonso) eu acho 
que há uma diferença de ônus argumentativo por parte daquele que edita o ato restritivo de direito. se o ato 
restritivo se liga a qualificações profissionais, o meu ônus é menor do que se ele for outra coisa qualquer. É 
como se houvesse uma presunção relativa de inconstitucionalidade de que restrições que não sejam atinentes 
a qualificações profissionais são invalidas, muito embora haja casos em que elas são válidas (como me parece 
que é o caso da idade para piloto de aviação comercial). 
Resposta a pergunta de aluno: para a teoria externo, é possível haver restrição, mesmo que ela 
não esteja expressamente autorizada. Então, no caso da qualificação profissional, a constituição 
expressamente autorizou para isso, mas ela não exclui para outras coisas. Mas o texto constitucional tem que 
ser tratado a serio. Não pode tratar da mesma maneira a qualificação profissional e outra coisa, senão o texto 
seria inútil. Então, o ônus argumentativo é maior para justificar a restrição no caso de direito fundamental 
sujeito a reserva de Lei qualificada em que a restrição não se ligue aquela questão, aquela autorização 
constante do texto constitucional. 
Terceira limitação – Além da questão da legalidade, outro limite, que talvez seja o mais 
debatido, é o limite material, ou seja, o princípio da proporcionalidade. A proporcionalidade veio para o 
Direito Constitucional para isso, embora ela não seja usada apenas para isso. Essa é a principal finalidade do 
princípio da proporcionalidade (controle de leis restritivas de Direitos Fundamentais). Já estudamos a 
proporcionalidade. Vale recordar que a proporcionalidade se desdobra em vários subprincípios ou máximas. 
O fim buscado tem que ser legítimo, o meio tem que contribuir para o atingimento daquele fim (fim legítimo 
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e o meio idôneo fazem parte do subprincípio da adequação). A medida tem que ser a menos gravosa que 
atinja com a mesma intensidade aquele objetivo. Esse é o subprincípio da necessidade. E os benefícios para o 
bem jurídico tutelado, advindos da medida, devem sobrepujar o gravame, o ônus que a medida impõe ao 
direito fundamental restringido. Vimos que esse é um juízo complexo, multidimensional, que envolve varias 
coisas (importância dos bens jurídicos em jogo e também a gravidade da restrição ou a intensidade da 
promoção do bem jurídico contraposto). Ainda se fala de outras categorias, tais como a margem de ação 
epistêmica, margem de ação estrutural, etc. 
Então, temos aqui o princípio da proporcionalidade como um limite dos limites. A restrição a 
Direitos Fundamentais que não seja proporcional não é valida. 
Essa idéia também se aplica para os defensores da teoria interna, que não admitem restrições não 
autorizadas. Mas para as restrições autorizadas, a proporcionalidade também há que ser observada. Não é que 
a proporcionalidade seja relevante apenas para a teoria externa. Para a teoria externa ela se aplica para um 
universo muito maior de situações. Eu sou mais adepto da teoria externa, mas uma teoria externa mitigada, 
por que a teoria externa padrão defende que cada direito fundamental deve ser interpretado da maneira mais 
ampla possível. a teoria interna padrão diz que o direito fundamental deve ser interpretado de maneira que se 
evite de antemão um conflito. Eu acho que não é possível evitar todo conflito, mas também não podemos 
interpretar da maneira mais ampla, mas da maneira sistemática. Alguns conflitos vão ser evitados, mas nem 
todos. 
Quarto limite - Outro candidato a limites dos limites é o respeito ao núcleo essencial do 
direito fundamental. O problema é que essa concepção é meio misteriosa. A constituição não fala de núcleo 
essencial, mas há constituições que aludem a esse limite (constituição alemã, constituição espanhola, etc.). E 
especialmente nesses países em que o próprio texto constitucional fala do núcleo essencial, há o debate sobre 
o significado do núcleo essencial. Há varias teorias sobre o núcleo essencial. 
Podemos falar em teoria do núcleo essencial absoluta e relativa e teoria objetiva e subjetiva. E 
podemos fazer uma analise combinatória dessas teorias. Pode ser teoria absoluta subjetiva, teoria absoluta 
objetiva, teoria relativa subjetiva e teoria relativa objetiva. 
O que é a teoria do núcleo essencial absoluta? Ela diz que o núcleo essencial não pode, em 
nenhum caso, ser restringido. Identifica-se o núcleo essencial, que é a zona de proteção mais intensa do 
direito e nenhuma restrição que toque o núcleo essencial é válida. Vamos pensar na liberdade de expressão. se 
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identificarmos o núcleo essencial da liberdade de expressão como sendo a expressão da atividade artística, 
política e ideológica, por exemplo, em nenhum caso se poderia ter restrição desse núcleo essencial. 
A teoria relativa diz que não dá para irmos tão longe, por que vamos ter situações em que o 
âmbito mais importante de proteção de um direito vai entrar em colisão com o âmbito de proteção mais 
importante de outro direito. Vamos imaginar o seguinte contexto: descobre-se que determinado candidato 
evangélico, com discurso moral muito forte, é homossexual e que esconde isso. a orientação sexual de uma 
pessoa quando ela não quer revelá-la, está no núcleo da intimidade, da privacidade. No contexto de uma 
eleição, uma pessoa que faz um discurso de defesa de valores familiares, contra o casamento gay, não seria da 
essência da liberdade de expressão, do direito a informação, que os eleitores saibam que aquele sujeito é gay? 
Aqui temos núcleo essencial com núcleo essencial. O que fazer? O problema da teoria absoluta, segundo a 
teoria relativa, é que há situações em que ela não resolve. É possível que haja colisão de núcleo essencial com 
núcleo essencial nessesentido de zona mais protegida, coração de um direito com o coração do outro direito. 
E o que diz a teoria relativa? Que núcleo essencial é o que fica no direito depois do exame de 
proporcionalidade. Ou seja, o núcleo essencial deixa de ser pensado como uma esfera intangível. Para a teoria 
absoluta, um direito é como se fosse um grande circulo com outro circulo menor dentro. Esse círculo menor 
é o núcleo essencial. E há dois exames diferentes. Há o exame de proporcionalidade. Se não passar no exame 
de proporcionalidade, é inválida a restrição. E há o exame do núcleo essencial. Se tocar no núcleo essencial a 
restrição é invalida. Pode tocar no núcleo essencial depois de ter passado no teste de proporcionalidade. 
Então, são duas questões distintas. Já para a teoria relativa, como o núcleo essencial é o que sobra depois do 
exame da proporcionalidade, a rigor há uma confusão entre o limite da proporcionalidade e o limite do 
núcleo essencial. 
Então, para a teoria relativa a categoria do núcleo essencial acaba se reconduzindo a própria 
análise da proporcionalidade. É uma categoria, portanto, dispensável. 
Resposta a pergunta de aluno: eu acho que é insustentável dizer que o núcleo essencial da 
dignidade humana é o mínimo existencial. Vai colocar do lado de fora, por exemplo, a liberdade existencial? 
O núcleo essencial da dignidade humana é só o acesso a bens materiais? Eu acho que não é de maneira 
alguma. Eu acho essa discussão completamente divorciada de toda a decantação histórica da idéia da 
dignidade humana, que é muito voltada, por exemplo, à autonomia, à idéia da instrumentalização. O mínimo 
existencial é um elemento, não é o núcleo essencial. Ele não é mais importante do que nenhum desses outros 
elementos mencionados acima (autonomia, não instrumentalização, etc.). 
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A teoria objetiva vai dizer que devemos pensar no núcleo essencial a partir do direito em 
abstrato, o direito tal como plasmado pelo ordenamento. 
A teoria subjetiva, por outro lado, afirma que o núcleo essencial tem que ser visto em relação a 
cada titular do direito. Por exemplo, a pornografia é do núcleo essencial da liberdade de expressão, pensando 
no Direito em abstrato? Dificilmente alguém vai dizer isso. Há um debate se pornografia é ou não tutelada 
pela liberdade de expressão. E eu entendo que é, mas quase ninguém diz que esse é o núcleo. Pois bem. O 
foco aqui foi objetivo. A suprema corte norte-americana julgou um caso envolvendo o editor de uma revista 
que teve problema com censura. Será que para ele aquilo não seria núcleo essencial, já que a atividade 
profissional e até existencial para ele era aquele. Então, a teoria subjetiva tem o foco em cada titular e a teoria 
objetiva tem o foco no direito tal como abstratamente desenhado pelo ordenamento. 
Eu defendo uma versão da teoria relativa subjetiva. Se é relativo, faz alguma diferença ser 
subjetivo ou objetivo? Eu entendo que faz. Por exemplo, eu posso chegar a conclusão de que Lei restritiva de 
Direitos Fundamentais é válida em abstrato, mas é inválida em concreto, para determinado sujeito específico. 
Vamos imaginar uma Lei que, por exemplo, que obrigue o militar a fazer a barba. É uma Lei que envolve uma 
restrição a autonomia. Aquilo pode ser válido em geral para os militares. Mas vamos imaginar um militar que 
por razões religiosas seja impedido de cortar a barba. Para esse militar a restrição não seria legítima, por que o 
direito de usar barba atinge diretamente a autonomia e a liberdade de religião, é parte do núcleo desses 
direitos. 
Vamos esclarecer outro ponto. A relação entre leis e direitos é uma relação complexa. Há varias 
configurações possíveis. Há casos em que a Lei regulamenta o direito, a Lei é essencial para que o direito seja 
fluido na sua plenitude. Para o Supremo seria o caso do direito de greve do servidor público, por exemplo. 
Há uma segunda situação, que lembra a primeira, mas com ela não se confunde, em que a Lei 
configura o direito. Não é que seja o direito, na classificação de José Afonso da Silva, de eficácia limitada. Ele 
já pode ser aplicado, mas ele é muito dependente de certa configuração que se dá no plano legal. Por 
exemplo, o devido processo legal. É preciso leis processuais. Qual é o processo devido? Claro que há limites 
para o legislador. O preceito constitucional é eficaz, independentemente de Lei. Mas a Lei é necessária para 
dar uma feição aquele direito. A Lei pode ser essencial, também, mesmo nos casos em que o direito não 
careça de regulamentação para gerar seus efeitos, como mecanismo de viabilização prática, real do direito. 
podemos dizer, por exemplo, que a Lei que trata das rádios comunitárias busca viabilizar a fruição da 
liberdade de expressão em certo segmento social que não tem acesso aos meios de comunicação. Podemos 
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entender que Lei que define isenção de custas judiciais para pobre faz isso em relação ao direito de acesso a 
justiça. Então, podemos direitos que são imediatamente aplicáveis, mas a Lei muitas vezes entra para 
estabelecer condições materiais para o direito, para criar procedimentos que permitam que o direito saia do 
papel. E além disso, há as leis que restringem direitos. Pode acontecer de uma mesma Lei desempenhar mais 
de um desses papéis simultaneamente. Sempre que houver uma duvida sobre se determinada Lei está ou não 
restringindo, devemos partir da premissa de que ela está em alguma medida restringindo e aferir a sua 
validade através desse exame do respeito dos limites dos limites. 
Vimos aqui as restrições em abstrato, mas as restrições também podem ser operadas no caso 
concreto. E aqui vamos nos reportar ao que foi falado sobre ponderação. As vezes o legislador faz e o 
aplicador apenas aplica o que decidiu o legislador, as vezes o legislador remete para o caso concreto o exame 
da restrição de direitos. Por exemplo, a Lei que autoriza a interceptação telefônica não descreve uma operação 
silogística e mecânica para o juiz fazer. Ela estabelece balizas e em cada caso concreto, o juiz, atendidas 
aquelas condições, verifica se é o caso ou não de decretar a interceptação telefônica, ponderando a intimidade 
com os interesses públicos servidos pela investigação em questão. E há vezes em que não há solução pronta 
no ordenamento. O legislador não tratou disso. Nesse caso a restrição é feita no caso concreto sem norma 
pré-definida. Temos o exemplo da Gloria Trevi. Isso as vezes é feito pelo judiciário, mas não 
necessariamente. No caso francês de arremesso de anão, por exemplo, a interdição do espetáculo foi feito por 
um administrador. Sem adentrarmos ao mérito da decisão, ele teve que ponderar a dignidade ou o que ele 
compreendeu como dignidade e de outro lado a liberdade econômica da empresa e a liberdade de trabalho do 
anão. Não temos hoje uma Lei definindo onde pode e onde não pode ter manifestação, mas se marcarem 
uma manifestação em frente a um hospital ou uma manifestação que feche a ponte Rio-Niterói em um 
momento que as pessoas não tenham como se locomover, o administrador eventualmente tem que fazer a 
ponderação. Então, mesmo a ponderação no caso concreto não é monopólio jurisdicional. Ela vai ser 
monopólio jurisdicional apenas nos casos de reserva de jurisdição. O caso da Gloria Trevi tinha reserva de 
jurisdição não escrita. Eu acho que uma intervenção corporal a revelia do sujeitonão pode ser decretada por 
autoridade administrativa. De fato tinha que passar pelo juiz. 
Vamos tratar agora do princípio da dignidade da pessoa humana, que é o princípio que unifica o 
sistema dos direitos fundamentais. 
1.2. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 
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Esse princípio está consagrado no art. 1º, inciso III e ela aparece também em outros trechos. O 
art. 170 quando fala dos princípios da ordem econômica, fala em dignidade da criança, também a convenção 
dos direitos das pessoas com deficiência também fala em dignidade, etc. Mas o fundamento principal é o art. 
1º, inciso III, que ao elencar os princípios da republica, menciona a dignidade da pessoa humana. 
1.2.1. HISTORIA 
As primeiras alusões à dignidade são antigas. Os filósofos estóicos, especialmente Cícero, falavam 
em dignitas. Normalmente, a expressão “dignidade” era usada em um sentido diferente, que era um sentido 
hierárquico. Algumas pessoas tinham dignidade. A dignidade não era um denominador comum dos seres 
humanos. O termo era usado, ora para falar de pessoas que ocupavam postos elevados, funções mais nobres, 
ora para descrever o modelo ideal de conduta de quem se porta de maneira apropriada. E é curioso que até 
hoje, se vamos ao dicionário, essas ideias estão presentes - “ele suportou a dor com dignidade”. Falamos as 
vezes em posturas compatíveis com a dignidade do cargo. O Cícero foi o primeiro na historia da filosofia a 
usar a “dignidade” no sentido universal. Houve um texto em que ele usou para falar das pessoas que davam 
vazão aos seus impulsos sexuais. Ele dizia que isso era compatível com animais, não de pessoas. Mas 
prevaleceu na antiguidade essa compreensão estamental de dignidade. Mas isso não quer dizer que ela não 
tenha sido desafiada por algumas construções. Uma delas é a construção cristã do ser humano feito a imagem 
e semelhança de Deus. Era uma construção de valorização da pessoa. A tradição judaica tem outra expressão 
que as vezes é usada. O Mencius, que era um dos filósofos do confucionismo, valorizava a pessoa humana. 
Podemos encontrar na dramaturgia grega textos exaltando a pessoa humana. Um dos textos da Antígona 
também exaltava a pessoa humana. 
Havia varias formas de exaltação. Do ponto de vista político, institucional, de outro lado, 
estávamos em um mundo estamental em que as pessoas não tinham direitos por serem pessoas. Os direitos 
decorriam de inserção em algum estamento. 
Vamos pular muitos séculos, para fazermos menção a um autor da renascença. Havia um autor 
italiano chamado Pico della Mirandola. Ele tem uma obra muito conhecida chamada oração da dignidade 
humana, em que ele associa a dignidade humana à autonomia. Ele escreveu no século XV, virada para o 
século XVI. Ele falava que cada ser tem o seu espaço definido na criação (o cachorro, a planta, a pedra), mas 
o ser humano é diferente, por que o ser humano tem a capacidade de construir o seu próprio caminho, o seu 
destino. Daí viria a sua dignidade. 
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Na filosofia não há uma pessoa que, ao tratar da dignidade, não abra um capitulo para falar do 
Kant, que é um autor muito complicado. Em geral quem fala sobre o que o Kant entende sobre dignidade 
não fala exatamente o que ele dizia. Eu demorei alguns meses para entender o que ele falava. Não vamos falar 
de tudo, mas vamos falar um pouco do senso comum e dar mais uma pitadinha nesse senso comum. 
O Kant tratou desse assunto, sobretudo, na obra que se chama “Fundamentação da metafísica 
dos costumes”. O Kant foi um autor que buscou construir uma teoria moral a partir de imperativos 
categóricos, que são máximas de ação universalizáveis, que devem ser seguidas sempre, sem exceções. E a 
chamada segunda versão do imperativo categórico do Kant é a dignidade – “trate a cada pessoa e a si mesmo 
nunca como um mero meio e sempre como um fim em si.” O Kant dizia que as coisas têm preço e o que não 
tem preço tem dignidade. O que tem dignidade para ele? As pessoas têm dignidade. Mas por que as pessoas 
têm dignidade para o Kant? O fundamento da dignidade para o Kant era a autonomia, mas a autonomia 
compreendida em um sentido muito particular. A autonomia para o Kant não era a possibilidade de cada um 
fazer o que quer, mas a capacidade que cada pessoa tem de ser um legislador moral para si mesmo, de 
escolher o que é certo e errado e agir de acordo com a escolha do que é certo e errado. Ele dizia que se uma 
pessoa age por uma paixão, por um impulso, por um desejo, ela não age de uma maneira autônoma. Por isso, 
autonomia para ele é agir de acordo com a razão, uma razão que seria uma legisladora universal. 
Um dos paradoxos da visão Kantiana é que ele diz que a pessoa não pode, jamais, 
instrumentalizar ao outro e nem a si mesmo. Então, embora ele fundasse a sua teoria na autonomia, ele 
justificava, em nome da dignidade, a heteronomia. Ele dizia, por exemplo, que a pessoa que faz sexo apenas 
buscando prazer não se trata como um fim, mas como um objeto. E ela estaria atuando contra a sua 
dignidade, por que o princípio da dignidade pressupõe que cada pessoa trate a ela mesma e ao outro como 
um fim. Por isso ele se opôs, por exemplo, a eutanásia. Ele criticava, inclusive, a masturbação com base na 
dignidade. Esse lado mais obscuro do Kant não é o lado do qual se apropriou a filosofia política liberal e a 
teoria constitucional contemporânea. O Kant projetava certa compreensão de pessoa muito irreal, 
fundamentada em uma razão abstrata. Ele dizia que uma pessoa vive em dois universos diferentes: o universo 
fenomênico, em que você está sujeito as regras da causalidade e o universo noumênico, em que você é uma 
razão em que as regras da causalidade não valem mais. Então, é uma idealização de pessoa como sendo o 
sujeito abstrato, racional, que age de acordo com leis morais. Não tem qualquer correspondência com as 
pessoas reais. E o que ele chamava de autonomia não era autonomia. Para mim autonomia envolve, as vezes, 
fazer, não o que a minha razão me diz, mas o que a minha vontade, o meu desejo físico me diz para fazer. 
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O que ficou do Kant para a teoria da dignidade é mais a outra construção, que é a construção da 
não instrumentalização da pessoa. Os livros nem exploram esses aspectos mais obscuros do Kant. 
Vários outros pensadores falaram depois de dignidade, inclusive em linhas teóricas diferentes. O 
tema na filosofia era discutido a ponto do Schopenhauer falar em um texto que se deveria parar de falar em 
dignidade. Mas esse não era um discurso jurídico. A expressão “dignidade” aparecia em um ou outro texto 
jurídico. eu descobri que um texto jurídico em que a dignidade foi usada no sentido moderno foi a Lei que 
aboliu a escravidão na França pouco depois de 1840. Geralmente se diz que as primeiras constituições a 
falarem de dignidade foi a constituição de Weimer, México, etc. 
O marco jurídico da dignidade, o momento em que a dignidade entra forte, tanto na esfera 
internacional (tratados, documentos), quanto nas constituições, foi depois da segunda guerra mundial, como 
reação as atrocidades do holocausto. Então, na carta de fundação da ONU, depois na declaração universal 
dos direitos do homem, em vários pactos internacionais e muitas das constituições que forameditadas no 
segundo pós guerra, a começar pela constituição alemã, que no seu artigo 1º, não falava como a constituição 
brasileira como sendo a dignidade um dos fundamentos da republica, mas fala que a dignidade é o 
fundamento da republica. A dignidade humana é citada em 147 constituições do mundo. Então, ela é citada 
em muitas constituições. Isso não quer dizer que nesses países ela seja levada a serio e nem que seja invocada 
em processos judiciais. Mas ela está presente, formalmente, em quase 150 constituições. Além disso, há países 
em que a dignidade não está expressamente prevista, mas ela é reconhecida. É o caso dos EUA e da França. 
Vamos desdobrar a análise da dignidade da pessoa humana em três questões: 1ª) para que ela 
serve; 2ª) qual é o conteúdo da dignidade humana; 3ª) e, metodologicamente, como a dignidade humana deve 
ser aplicada? 
Vamos começar trazendo uma observação muito rápida sobre o terceiro aspecto. 
1.2.2. CRÍTICA A APLICAÇÃO DA DIGNIDADE NOS DIAS ATUAIS 
Hoje, muita gente, critica o uso da dignidade da pessoa humana, dizendo que ela não serve para 
nada, que ela gera anarquia metodológica, que as vezes se converte em um princípio autoritário. Temos as 
vezes a banalização do discurso da dignidade, que as vezes gera resultados metodologicamente 
descontrolados. É um princípio vago, não há, de antemão, um âmbito de incidência demarcado e as pessoas 
acabam usando para situações esdrúxulas. E isso é um problema. 
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Por exemplo, o caso que os jornais divulgaram há um tempo em que o juiz processou o sujeito 
que não o chamava de excelência. Ele conseguiu uma decisão favorável que se baseava na dignidade humana 
do juiz. 
Outro dia eu vi uma ação judicial de reparação de danos, em que o sujeito achou um rabo de 
lagartixa na garrafa de coca cola. E o fundamento para a pretensão era a dignidade humana. Houve um outro 
caso em que o sujeito queria fechar uma varanda e não era possível por causa da fachada do prédio. A decisão 
dizia que ele poderia fechar e fundamentou na dignidade humana. Então, é verdadeira inflação de discursos 
baseados na dignidade humana. 
Mas além desse risco, há outros riscos. Um deles é que a dignidade humana pode se deixar 
apropriar por discursos autoritários, pode se converter em um instrumento para impor às pessoas um modelo 
de vida que elas não querem. Por exemplo, houve o caso do lançamento de anão na França, que tinha a boate 
que tinha o espetáculo em que ganhava a pessoa que jogasse o anão mais longe. O prefeito interditou o 
espetáculo com base na ordem pública. A dignidade humana seria questão de ordem pública. A boate e o 
anão contestaram na justiça administrativa francesa, perderam. Depois levaram o tema para a corte européia 
de Direitos Humanos e também perderam. Depois levaram o tema para a ONU e também perderam. Muita 
gente critica essa decisão por que o anão dizia que para ele era bom. Ele alegava que tinha trabalho, que 
estava fazendo amigos, etc. 
Vejamos outro caso em que a dignidade foi usada de maneira heterônoma. Foi o caso de um 
clube de sadomasoquismo na Inglaterra que foi interditado. As pessoas que usavam o clube o faziam de 
espontânea vontade. A decisão dizia que isso era contra a dignidade humana. O caso foi levado para a corte 
européia de Direitos Humanos, que manteve a interdição. 
Na Alemanha houve uma decisão administrativa nos anos 80, que proibiu os shows de 
streaptease, o sujeito não pode encostar na mulher, mas pede o que quer que a mulher faça. Esses shows 
foram proibidos, por que seriam uma forma de coisificação da mulher. e isso seria contrario a dignidade 
humana. 
Há uma encíclica do papa João Paulo II, sobre a dignidade humana, em que ele falava que o uso 
do preservativo iria contra a dignidade humana. 
Então, a dignidade humana as vezes comporta apropriações bastante autoritárias. Hoje vemos, 
por exemplo, no Supremo, no debate do aborto do feto anencefálico para tentar proibir o aborto. E aí há 
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autores que preferem ficar sem a dignidade humana. Já que ela é tão fluida, não precisaria ficar sendo 
invocada. 
Na bioética há uma corrente hoje importante que prefere descartar a idéia da dignidade humana, 
dizendo que ela veio para bagunçar tudo. Eles preferem continuar com os princípios da autonomia, 
consentimento livre informado, etc. 
Mas essa é uma alternativa que não temos, por que a dignidade da pessoa humana está na 
constituição. E em minha opinião, mesmo que ela não estivesse prevista, abandonar a dignidade não seria 
uma boa, por que a dignidade comporta construções muito interessantes, que podem tornar o direito mais 
justo, mais emancipatório. E por outro lado, é muito importante que o Direito Constitucional tenha a 
capacidade de capturar a imaginação moral das pessoas. A dignidade tem esse potencial. Eu entendo que não 
devemos pensar em direito só a partir da perspectiva da metodologia a ser seguida pelo juiz. O direito, 
especialmente, o constitucional, é mais do que isso. E a dignidade é um princípio que como poucos tem essa 
capacidade. Por isso eu sou um dos adeptos da dignidade. Eu acho que temos que ter uma serie de cuidados 
para não incorrermos na invocação descontrolada na via judicial, na banalização e nem na apropriação da 
dignidade por discursos que as vezes são autoritários e as vezes são hierárquicos. 
1.2.3. PARA QUE SERVE A DIGNIDADE HUMANA? 
O princípio da dignidade humana tem um conteúdo próprio. Mas para além desse conteúdo 
próprio, ela desempenha certas funções. Por exemplo, uma função interpretativa extremamente importante - 
diz-se que a dignidade é o que costura o sistema de Direitos Fundamentais. Então, a dignidade tem uma 
função interpretativa extremamente importante. 
A dignidade humana também é importante na revelação dos direitos não expressamente 
previstos. De acordo com algumas teorias, como a que eu defendo, inclusive, para verificar se direitos que 
estão no catalogo são ou não fundamentais, merecem ou não a proteção reforçada dos Direitos 
Fundamentais. 
A dignidade humana é um critério importante nas ponderações. A maior ou menor 
proximidade de um direito à idéia da dignidade implica em atribuir mais ou menos peso aquele direito. 
Então, são alguns usos da dignidade, que não são estritamente de aplicação da dignidade na 
situação concreta. A dignidade é um princípio geral do direito brasileiro. E como princípio, tem um campo de 
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incidência muito amplo. Por exemplo, a relação entre dignidade humana e Direito penal é total. A relação 
entre dignidade humana e os direitos da personalidade é enorme. A luz da dignidade não temos como, por 
exemplo, sustentar uma cisão muito rígida entre o direito público e o direito privado. A dignidade incide no 
direito administrativo, da mesma forma que incide no direito administrativo, no direito penal, etc. Então, é 
um princípio que tem um potencial de irradiação, talvez como nenhum outro tenha. 
A dignidade também é relevante na análise de limites dos limites. Quando a restrição toca a 
dignidade ascende uma luz. 
Fala-se também que a dignidade é um princípio de legitimação do Direito e do Estado. Aí 
não é propriamente uma idéia para a metodologia jurídica. Mas o Estadonão é legítimo se ele atenta contra a 
dignidade humana. Um ordenamento que não se propõe a respeitar e a proteger a dignidade humana não é 
um ordenamento legítimo. 
1.2.4. QUAL É O CONTEÚDO DA DIGNIDADE HUMANA? 
Talvez essa seja a discussão mais complexa. Vamos agora abordar, o que na minha compreensão, 
são os componentes do princípio da dignidade humana. Não há nenhum consenso em relação a isso. Há 
compreensões muito distintas. Vamos tentar, de alguma maneira, incorporar o máximo possível, de 
construções de outros autores. 
O primeiro componente importante é a não instrumentalização da pessoa. O Luiz Roberto 
Barroso tem um livro sobre dignidade da pessoa humana, em que ele fala em “valor intrínseco da pessoa”, 
que não é outra coisa senão a formula do Kant (tratar a pessoa como um fim em si e nunca como apenas um 
meio). Quando se trata uma pessoa como um meio? 
Vamos imaginar o seguinte cenário: uma ação penal super tormentosa em que há percepção de 
que se houver uma absolvição vai haver uma crise de legitimidade do Estado e do Pode judiciário, por que as 
pessoas que já não acreditam, vão acreditar menos ainda. Há duvidas sobre se o réu é culpado ou inocente. Aí 
diante do cenário o juiz pensa que se houver absolvição, a opinião pública ficaria muito abalada e por outro 
lado, condenar nesse caso, seria violar o valor intrínseco da pessoa. Se estaria tratando uma pessoa como 
meio para promover um fim, que é legítimo, que é aumentar a credibilidade das instituições, é diminuir a idéia 
de que a justiça não é para todos. Mas esse fim não justifica que se sacrifique o direito de um réu. 
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Outro caso, que foi julgado pelo Tribunal constitucional alemão: depois do 11 de setembro, no 
contexto de reações contra o terrorismo, foi aprovado na Alemanha uma Lei que permitia o abate de 
aeronaves que tivessem sendo usadas para atos de terrorismo. E a justificativa era de que morreriam todos 
mesmo no terrorismo, então, se deveria abater antes, evitando que o sujeito jogasse o avião sobre um prédio, 
uma cidade, etc. O tribunal constitucional alemão disse quem estava cometendo o atentado teria assumido o 
risco. Então, seria legítimo em uma espécie de legítima defesa, se abater aquele avião. Mas se estaria tratando 
como meio os passageiros inocentes. Com isso a Lei foi invalidada. 
Na filosofia moral, há um debate clássico que ilustra isso. Há livros e livros em torno dessa 
historia, que é o exemplo do bonde desgovernado. Na sua frente tem cinco pessoas amarradas no leito do 
trilho. Não dá tempo de desamarrar todas as pessoas. Você olha para o lado e vê que tem um gordinho. Você 
percebe que se você empurrar o gordinho, jogando-o na frente do bonde, ele vai fazer o bonde frear e as 
pessoas não vão ser atropeladas. Deve-se atropelar o gordinho ou não? Um utilitarista que mede tudo em 
termos de calculo de utilidade social diria que o gordinho deve ser empurrado, por que morreria um e salvaria 
05. Mas a idéia do valor intrínseco é que não se pode usar o gordinho como meio. O valor intrínseco da 
pessoa é incompatível com o utilitarismo, com a compreensão ética que diz que o certo a fazer é o que 
maximize os interesses do maior número de pessoas, independentemente de lesões a direitos que possam 
ocorrer. Há um filosofo político americano, que é o Rawls, que tem uma frase na primeira pagina do seu livro 
“teoria da justiça”, que é o seguinte: “cada pessoa tem uma inviolabilidade fundada na justiça, que nem o bem 
estar da sociedade inteira pode sobrepujar”. Ele não estava falando da dignidade, mas essa é a idéia da 
dignidade como valor intrínseco. 
E essa idéia é que foi violada em uma decisão do STJ. Foi o caso de um preso que havia ficado 
vários anos em condições completamente degradantes da prisão e que entrou com ação de danos morais 
contra o Estado. o STJ disse que de fato as condições dos presídios são absurdas, mas não se poderia dar esse 
dinheiro para eles por que senão, por exemplo, faltaria dinheiro para o orçamento, para, inclusive, melhorar 
os presídios. É difícil para mim compreender como se aceita danos morais por cheque sem fundos devolvido 
indevidamente e o sujeito ficar 20 anos em uma masmorra medieval não gerar dano moral. Não é dano moral 
você ser preso em uma prisão, quando você foi condenado com observância do devido processo legal, e em 
uma prisão que cumpra a Lei de execução penal, mas a pessoa ficar presa em uma cela amontoado com mais 
40, sem banheiro, sujeito a violência, não tem dano moral maior do que isso. E dizer que não vai dar a 
indenização para um por que faltaria dinheiro para outras coisas é tratar a pessoa como meio e não como fim. 
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Portanto, um componente é o valor intrínseco da pessoa. As pessoas podem divergir quanto a 
hipóteses em que esse componente é ou não violado, mas dificilmente alguém vai falar em dignidade da 
pessoa humana sem citar essa idéia, que inclusive é a idéia mais citada do Kant. 
O segundo componente é a autonomia. É a compreensão de que cada pessoa tem o direito de 
fazer suas escolhas básicas de vida e de viver de acordo com essas escolhas. Essa autonomia é garantida por 
alguns direitos específicos, positivados pela Constituição Federal, mas esses direitos não a esgotam. Então, 
essa autonomia, por exemplo, tem a ver com liberdade de religião, profissional, de expressão, mas não acaba 
aí. Há uma autonomia de fundo que indica que as escolhas básicas de vida é o sujeito quem deve fazer. Não é 
o Estado, nem a coletividade atuando paternalisticamente ou a partir de alguma pauta moral. 
Vamos a um exemplo que me parece uma violação dessa autonomia na legislação vigente. A Lei 
que trata da ligadura de trompas da mulher diz que só pode fazer essa operação quem tiver mais de 25 anos 
de idade ou mais de 03 filhos. Vamos imaginar uma mulher de 19 anos de idade que tenha certeza que não 
quer ter filhos. Não é ela quem tem que decidir? É a vida dela, é o corpo dela, etc. é como se o Estado não 
admitisse a mulher não querer ter filho. Para mim isso é uma violação a autonomia. 
Da mesma forma, era uma violação a outros direitos e a autonomia existencial impedir que um 
homossexual se unisse ou se casasse com outro. 
A dignidade humana pressupõe que as pessoas tenham o direito de fazer as escolhas mais 
importantes da sua vida. Pressupõe que isso seja respeitado. Isso não quer dizer que todo e qualquer tipo de 
legislação paternalista seja inconstitucional. Algumas se justificam. Por exemplo, imposição do uso de 
capacete ou do cinto de segurança. Usar ou não cinto de segurança não é uma decisão existencial da pessoa. 
não estamos aqui, em nome da dignidade, adotando o princípio do Stuart Mill, que era um filósofo liberal, 
que dizia que o Estado só pode intervir em comportamentos em que uma pessoa possa causar danos em 
outra pessoa, ele nunca poderia intervir em atos auto referentes. Eu acho que isso é extremo. Mas eu acho 
que há um ônus de justificação maior para o Estado quando ele interfere em comportamentos auto-
referentes. Eu acho constitucional a imposição do uso de cinto de segurança. Há uma restrição a autonomia 
que não é básica, existencial e o que está do outro lado é um interesse muito importante. 
De outro lado, eu acho bastante discutível a constitucionalidade da proibição do uso da maconha 
para fins recreativos (para fins medicinais é obvio). Não estou negando que a maconha faça mal. Mas eu acho 
que assim como uma Lei que proíba pessoas adultas de beberem álcool ou fumar cigarrotambém seria 
inconstitucional. Isso não quer dizer que o Estado não deva fazer campanha para que as pessoas não façam 
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uso dessas substancias. Mas há certas interferências nas escolhas de vida que as vezes são até humilhantes 
para as pessoas. É incompatível com essa idéia de autonomia compreender o Estado como um grande pai, 
como uma mãe, uma babá. 
Resposta a pergunta de aluno: tem um dado novo, que é a Lei que criou cotas raciais de 20% no 
serviço público federal. Eu sou favorável a cota, mas essa Lei como veio é inconstitucional. Em SC, por 
exemplo, temos 11% de negros, e não levar em consideração que há situações que não precisam, e outras que 
precisam mais, enfim, tratar de maneira tão nivelada um assunto tão delicado, é complicado. 
Nessa idéia de autonomia temos que pensar em autonomia real e não em uma autonomia só 
formal. Eu concordo que autonomia não é apenas não impedir que alguém faça alguma coisa, mas também 
dar poder para fazer. 
Resposta a pergunta de aluno: não acho que a autonomia só valha para adulto, mas isso tem que 
ser levado em consideração. Hoje, por exemplo, se deve conceber a criança como um sujeito e não apenas 
como objeto das decisões dos pais. Ela tem algum direito de participar, de ser ouvida. Mas ao mesmo tempo 
não podemos pensar na autonomia da criança como se pensa na autonomia de um adulto, ou de uma pessoa 
com deficiência mental severa com a autonomia de uma pessoa que não tenha. Há variações, mas a premissa 
é a autonomia. A autonomia não deve ser pensada apenas em sentido formal, ela não é apenas a ausência de 
constrangimento a ação do agente, ela tem que ser a possibilidade de esse sujeito agir. 
E muitas vezes, promover a autonomia depende de condições materiais, de se superar obstáculos 
que são culturais. 
Outro componente, que considero muito importante de ser enfatizado no Brasil é que a 
dignidade de que fala a constituição e as declarações é a igual dignidade das pessoas. Não podemos 
permitir que no discurso da dignidade, a desigualdade volte pela porta dos fundos. Uma vez eu estava 
atuando em um processo de indenização por devolução indevida de cheque de um desembargador federal 
aposentado, em que eles aumentaram o valor da indenização falando da dignidade humana. Tem um acórdão 
do Supremo, relatado pelo Fux, em que ele usa a dignidade da pessoa humana para justificar que os processos 
administrativos disciplinares do CNJ tramitem em sigilo. Os processos em geral são públicos, por que para o 
magistrado é sigiloso? Não podemos entrar em uma lógica estamental da dignidade. Não dá para falar que em 
nome da dignidade o advogado tem que ter prisão na sala de Estado maior. Isso não é dignidade, é privilegio 
corporativo. Dignidade é algo que não se perde, é um atributo ontológico das pessoas. Ele não depende de 
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nenhuma qualificação, não depende de nacionalidade, de comportamento, etc. O pior criminoso que está 
condenado pelos crimes mais bárbaros continua titular de dignidade humana. 
Resposta a pergunta de aluno: quando falamos em igual dignidade não estou negando que possa 
haver diferenças em relação a certos direitos. Por exemplo, o preso tem a mesma dignidade que o não preso. 
Isso não é incompatível com a existência de diferença de tratamento. Mas o importante é que ninguém perde 
a dignidade, ninguém pode ser tratado como se não fosse merecedor de respeito e consideração pelo Estado. 
Por exemplo, se há uma rebelião em uma cadeia não se pode impor um castigo coletivo, nem um castigo 
individual degradante. Não é por que ele matou na rebelião que se pode mandar ele fazer qualquer coisa sem 
se atentar para a sua dignidade. Isso é um problema grave no Brasil. o nosso direito tem alguns quistos 
estamentais, mas em geral, o direito brasileiro é razoavelmente igualitário. Mas nas nossas práticas sociais não 
incorporamos a idéia da igual dignidade. Outro dia vi a mocinha do balcão discutir com a madame e o PM foi 
obrigar a moça a pedir desculpas a madame. O Brasil é um país que ainda tem muito a coisa do “sabe com 
quem você está falando?”. Eu até, por conta disso, me insurjo contra o uso da palavra “dignidade” para não 
pessoas. Por exemplo, “dignidade do cargo”. A advocacia não tem dignidade, o MP não tem dignidade, quem 
tem dignidade é a pessoa. Quando se começa a atrelar a dignidade a funções, se está abrindo espaço para um 
uso estamental, pré-moderno da dignidade. 
Outro componente da dignidade são as condições materiais básicas de vida, que alguns 
chamam de mínimo existencial. Há quem associe o mínimo existencial à autonomia, por que sem o mínimo 
não haveria autonomia. Há quem associe o mínimo existencial à democracia. Eu concordo que a garantia de 
condições básicas de vida seja essencial a autonomia e a democracia, por exemplo. Mas ainda que não fosse, 
continuaria sendo um imperativo de justiça. A garantia das condições materiais básicas de vida não é apenas 
instrumento para outra coisa, ela é necessária em si. Vamos imaginar uma pessoa que padeça de uma doença 
mental severa, que a incapacite para a participação na vida política ou para uma vida autônoma. Por conta 
disso, se essa pessoa passar necessidades materiais, não tiver cuidados de saúde, claro que há problema de 
dignidade. E talvez fiquemos ainda mais incomodados com isso. Achamos a violação ainda mais grave por 
que essa pessoa é mais vulnerável. Isso mostra que não protegemos as condições básicas de vida só por que 
vemos isso como meio ligado a promoção de outro fim. Isso é algo que é necessário em si. As condições 
materiais básicas de vida abrange alguns direitos que a constituição consagra (talvez não em toda a sua 
extensão), mas não se esgota neles. Por exemplo, o texto constitucional não fala em direito ao vestuário. Na 
rua, quando passamos por um mendigo coberto com os piores trapos, percebemos isso como um atentado a 
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dignidade. Achamos isso indigno. Então, esse é um mínimo existencial atípico, que extraímos da dignidade 
humana. 
Essa é uma categoria usada pelo Supremo, é muito usada na Colômbia, etc. Na Alemanha há um 
uso muito interessante. O direito constitucional alemão não consagra direitos sociais positivos, aí a 
jurisprudência alemã juntou a dignidade humana com Estado social para construir a idéia do direito ao 
mínimo existencial. Houve um caso importante recentemente em que o tribunal constitucional alemão 
mandou incorporar variáveis para aumentar o valor de um beneficio assistencial (um beneficio que não tem 
previsão na constituição) com base na idéia do mínimo existencial. 
Aqui no Brasil, além de casos envolvendo saúde, em que esse assunto sempre vem a baila, vale 
destacarmos a decisão do Supremo sobre a LOAS. A Lei dizia que pessoas com deficiência e idosos que 
tenham renda per capta inferior a ¼ do salário mínimo fariam jus a esse beneficio de um salário mínimo. Em 
um primeiro momento o Supremo disse ser constitucional. Depois ele passou a dizer, seguindo a 
jurisprudência de instâncias inferiores, que outros elementos, além da renda, podiam caracterizar a 
miserabilidade. Então, ele usou a idéia do mínimo existencial. As vezes a família tem três pessoas que ganham 
um salário mínimo, mas há um contexto especifico que permita caracterizar aquela família como 
absolutamentemiserável (por exemplo, por que há gastos altos em razão de doença). 
Um último componente que devemos citar é o reconhecimento. Esse tema que hoje é objeto de 
muita discussão no campo da filosofia política. Os autores de ponta nisso são a Nancy Fraser (americana), o 
Charles Taylor (canadense) e um alemão. Há teorias diferentes, disputas sobre o que isso seria exatamente. 
Vamos aqui tentar simplificar a idéia. Sabemos hoje que o olhar que o outro projeta sobre nós, a maneira 
como a sociedade nos trata tem uma influencia enorme, não apenas sobre a nossa auto-estima, mas sobre a 
nossa capacidade de eleger nossos planos de vida e de viver de acordo com esses planos de vida. Quando 
somos tratados como inferiores, quando práticas culturais ou institucionais nos diminuem, além de sofrermos 
muito com isso, ainda acabamos nos percebendo como de fato sendo piores. A idéia do reconhecimento 
pressupõe a construção intersubjetiva da identidade, pressupõe esse dado que é obvio no campo da psicologia 
e da sociologia, de que precisamos do respeito do outro, do reconhecimento do outro. 
Essa idéia do reconhecimento com freqüência é invocada nos casos em que há normas ou 
práticas institucionais que têm um impacto simbólico muito negativo sobre pessoas pertencentes a grupos 
não hegemônicos. O Supremo invocou isso muito no caso da união homoafetiva. No caso da união 
homoafetiva havia uma serie de benefícios materiais associados a união, mas o que o Supremo destacou com 
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toda razão, é que aquela não era só uma questão de acesso a benefícios materiais, mas também uma questão 
de se expressar que a identidade do homossexual merece o mesmo respeito e consideração que a identidade 
do heterossexual. 
Nessa discussão sobre reconhecimento temos a seguinte dificuldade: o Direito tem limites para 
interferir na maneira como as pessoas se relacionam, se tratam, sob pena de ele se converter em algo muito 
opressivo e autoritário. Então, eu imagino que um casal gay andando pela praia de mãos dadas possa se sentir 
extremamente infeliz se pessoas olham de maneira torta ou viram o rosto se eles se beijam. Mas se o Direito 
quisesse interferir na maneira como as pessoas olham para o outro, em nome de uma utopia poderíamos 
construir uma distopia autoritária. Então, há um limite de intervenção jurídica aqui. Mas o direito pode 
interferir, por exemplo, nas instituições, no recado que as instituições mandam através das suas normas, das 
suas políticas públicas, das suas práticas, etc. O Direito pode cobrar que, por exemplo, na seara da educação, 
essa preocupação se faça presente. Nem todas as demandas por reconhecimento vão ter como fronte mais 
apropriado a esfera judicial. Mas a idéia de incorporar o reconhecimento como um direito ou como uma 
dimensão do direito a dignidade humana é levar a serio a opressão cultural, levar a serio que a formação da 
identidade depende de práticas que valorizem o individuo e valorizem os grupos aos quais os indivíduos 
pertencem. Com freqüência a idéia de reconhecimento envolve a valorização de grupos a que o individuo 
pertença. Algumas dessas lutas não vão ser travadas no Direito, mas o Direito tem algo a dizer sobre elas. Um 
dos papeis das lutas por reconhecimento é desnaturalizar a opressão e a simetria, é chamar a atenção para o 
que as vezes é corriqueiro, tradicional e mostrar que ali se está oprimindo uma pessoa. 
O Barroso falou em valor comunitário como um elemento da dignidade humana. Ele tem um 
livro recente sobre dignidade da pessoa humana em que ele sustenta isso. Eu não gosto da idéia de valor 
comunitário, até por que o valor comunitário, no texto, é usado para justificar heteronomias. Então, 
restrições a liberdade que vêm sob a forma de promoção dos valores de uma coletividade. Que a liberdade 
possa ser restringida em nome de valores coletivos majoritários, sabemos que pode, mas querer chamar isso 
de dignidade humana não me parece ideal. Então, vai contra o valor comunitário o sadomasoquismo e por 
isso o sadomasoquismo viola a dignidade humana. Eu entendo que não, por que a dignidade humana é, antes 
de tudo, autonomia. Mas notem que não é autonomia do individuo isolado. Se reconhece que o individuo 
vive em sociedade, que ele tem deveres em relação ao outro, que ele precisa do outro. Então, insistir na 
autonomia não é apostar em um modelo radicalmente individualista de direito ou de relações sociais. Mas não 
é patrocinar a possibilidade de que o princípio da dignidade da pessoa humana se converta em um 
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instrumento para a asfixia da liberdade, que é uma das razões que tem levado muitos autores a criticarem a 
invocação da dignidade que é feita pela jurisprudência. 
Vejam um caso do Supremo em que se usou a dignidade humana contra a briga de galo.. Eu 
entendo que a Lei era inconstitucional por que ela violava o interesse do galo, o expunha a sofrimento. Mas o 
voto do Peluso dizia que quem entra nessa atividade se diminui. Então, ele usou a dignidade como argumento 
para proibir por que a prática da briga do galo é feia. E dignidade não é para dizer as práticas que você pode 
ou não entrar voluntariamente. O argumento aqui não é que as pessoas não possam participar dessa prática 
por que elas se diminuem, mas sim por que o galo precisa ser protegido. 
Um assunto em que isso vem a baila hoje nos debates é a prostituição. No direito brasileiro a 
prostituição é uma atividade legal, mas a exploração comercial da prostituição é crime. E as vezes se diz que a 
legalização da prostituição viola a dignidade da pessoa humana, etc. Eu acho que viola a dignidade da pessoa 
humana a prostituição forçada (não apenas fisicamente, mas também por condições materiais em que ou a 
pessoa se prostitui ou passa por necessidades), também viola a dignidade a prostituição infantil ou de 
incapazes, também as condições degradantes no trabalho da prostituta. Mas eu não considero degradante e 
nem incompatível com a dignidade da pessoa humana que uma pessoa use o corpo para proporcionar prazer 
a outra pessoa e obter remuneração com isso. Da mesma forma não vejo nada de errado em alguém usar o 
corpo para jogar futebol e levar prazer ao telespectador que assiste ao futebol. Não tem problema usar o 
corpo em uma atividade profissional. Não tem problema proporcionar prazer físico para as pessoas. para 
mim, essa recriminação vem de um background de uma moralidade que vê o sexo como um negocio de outro 
mundo. 
 E aqui podemos juntar autonomia com reconhecimento. Claro que existe discriminação social 
contra as prostitutas e o Direito contribui muito para que essa discriminação se aprofunde quando ele trata a 
prostituição como ele trata. O recado que o Direito passa é que se trata de fato de uma atividade indigna. 
Resposta a pergunta de aluno: a idéia é que o ser humano não é uma razão abstrata que faz 
escolhas e que vive plenamente as suas escolhas. Realisticamente, vivemos em uma sociedade em que se 
todos falam a você que você é um lixo e te tratando com tal, você vai se sentir como tal. Se as práticas sociais 
desvalorizam o grupo a que você pertence, isso tem um impacto enorme na sua capacidade de exercer os seus 
direitos, de ter uma vida frutífera, uma vida que para você seja recompensadora. Trazemos para dentro do 
Direito, as vezes, certas opressões, que envolve aspectos materiais e outras que não envolvem aspectos 
estritamente materiais. A Nancy Fraser diz que durante muito tempo nas discussões de justiça houve uma 
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obsessão com o problema da distribuição de bens escassos. A injustiça era tida como a má distribuição de 
riqueza, mas a injustiça se dá também em uma serie de outros planos. Há, por exemplo, injustiça em uma 
sociedade que começa a conceber que a mulher tem um papel pré-definido de cuidar dos filhos, ficar em casa 
ou até pode trabalhar, mas tem que ter a dupla jornada de trabalho, etc. E isso constrange a vida de muitas 
mulheres que vão acabar deixando de explorar outras potencialidades. E o Direito pode, de alguma maneira, 
interferir sobre isso. O potencial de interferência do Direito nesse assunto não é infinito, sob pena de se 
tornar muito autoritário, mas habitamos um mundo em que as normas não são apenas um retrato da 
realidade, elas ajudam a produzir essa realidade, não apenas no sentido dos seus efeitos materiais, mas 
também no sentido dos seus efeitos simbólicos. E nisso o Direito Constitucional pode intervir. 
Alguns estados americanos fizeram o seguinte: criaram uma figura que daria todos os direitos do 
casamento ao gay, mas o nome não era casamento. E aí teve decisão judicial, por exemplo, de Massaxussets 
falando que a palavra “casamento” importa, por que vale igual para todos, tem que ter o mesmo nome. 
Vamos pensar em outro caso de autonomia e reconhecimento ao mesmo tempo. O Código Civil diz que 
depois de certa idade a pessoa é obrigada a casar com separação de bens. Há uma questão de autonomia, se 
está presumindo que a pessoa não tem condições de tomar decisões e uma questão de reconhecimento por 
que está dizendo que essa situação provavelmente é um golpe do baú. Então o Estado está passando um 
recado com isso. 
1.2.5. COMO A DIGNIDADE DEVE SER APLICADA (METODOLOGICAMENTE)? 
De fato temos um princípio super vago, super aberto, que pode gerar abusos (tem gerado). E 
esse não é um problema apenas brasileiro, esse é um assunto discutido no mundo todo. Como lidar com isso? 
O primeiro ponto que temos que destacar é que o Direito Constitucional não é apenas direito 
para juiz, para processo judicial. Então, que a dignidade seja usada de maneira emotiva por movimentos 
sociais, nas suas reivindicações, é muito bom. A dignidade se tornar um ponto focal nos debates é muito 
bom. Mesmo que o católico divirja da comunista, por exemplo, se está partindo de uma gramática comum 
para dizer que as pessoas são muito importantes e devem ser tratadas com muito respeito. Então, a 
banalização e a ampliação do uso da dignidade não é um problema fora do cenário da adjudicação. 
Mas no cenário da adjudicação, dos processos, há um problema. Há juízes que não são eleitos, 
que podem invocar da maneira mais maluca, isso gera efeitos na vida do jurisdicionado. Se o juiz invoca no 
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controle de constitucionalidade, ele vai estar sobrepondo a sua valoração sobre dignidade àquela do legislador 
e por isso aqui temos um problema. Como lidar com isso? 
Primeiro – deve haver certa prioridade da invocação dogmática do princípio mais especifico, do 
direito mais especifico. Se é um litígio envolvendo privacidade e liberdade de expressão, é preciso usar a 
dogmática desses dois princípios. Pode-se até falar na dignidade, mas não se pode, por salto, ir direto à 
dignidade. Tem que usar o que é mais específico. 
Segundo - Os recursos metodológicos à dignidade precisam ser justificados. Quanto mais se 
invoca princípio muito abstrato, maior é o ônus de se mostrar por que o princípio é pertinente àquela 
hipótese. 
Terceiro - Ao lado disso, parece importante esse esforço de atribuição de um conteúdo à 
dignidade para que na medida em que esse conteúdo vá se tornando minimamente consensual, se possa 
reduzir as possibilidades de invocação equivocada. 
No cenário brasileiro eu diria que nessa questão de precisar o conteúdo, há três pontos: 
I. Não banalizar no discurso jurídico; 
II. Evitar o uso da dignidade como heteronomia; 
III. Evitar o uso da dignidade como assimetria, no sentido de dignidade estamental, dignidade 
mais de um do que de outros. 
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 
2.1. SOBRE O CATALOGO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 
Antes de começarmos a falar do artigo 5º, vale repetirmos uma obviedade. A Constituição 
Federal tem um catalogo bem extenso de Direitos Fundamentais e colocou esse catalogo no começo, não de 
maneira alheatória, isso tem um certo sentido, que foi de revelar a importância dos Direitos Fundamentais no 
nosso sistema constitucional. e isso difere da tradição brasileira. As constituições anteriores primeiro tratavam 
da organização do Estado (federação, processo Legislativo, partilha de competência, etc.) e apenas ao final 
vinha o catalogo dos direitos. A constituição de 1988 tem um catalogo super rico, que engloba direitos de 
todas as dimensões (políticos, sociais, individuais, transindividuais). Ao lado dos direitos universais, protege 
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direitos de grupos vulneráveis, direitos que não deixam de ser dotados de fundamentalidade por conta disso 
(criança e adolescente, índios, idosos, deficientes, etc.) 
O art. 5º lista os principais bens jurídicos sobre os quais o catalogo dos Direitos Fundamentais 
depois se debruça. E a constituição se preocupou em enfatizar a centralidade desses direitos. Isso se deu tanto 
pela topologia desses direitos, quanto pelo estabelecimento dos Direitos Fundamentais como cláusula pétrea. 
 Além disso, a constituição se preocupou em criar mecanismos para que os direitos saíssem do 
papel. Como ela fez isso? ela se preocupou com a tutela processual dos direitos, reforçou, por exemplo, o 
Poder judiciário, instituições ligadas ao sistema de justiça e que tenha alguma vocação para a proteção e 
promoção de direitos (MP e DP), fortaleceu a jurisdição constitucional, criou mecanismos para combater a 
inércia do legislador diante dos direitos (ADIN por omissão e MI). Tudo isso veio da preocupação de tirar os 
direitos do papel. 
E o constituinte não se esqueceu que as reivindicações por direitos se dão também em outros 
frontes. A nossa constituição tem muita abertura para a participação social, à reivindicações nas praças, 
articulação dos movimentos sociais. A constituição previu conselhos sociais. Daí o equívoco dessa reação 
contra a esse decreto que está aumentando a participação de movimentos sociais em políticas públicas. 
Vamos ao artigo 5º. 
2.2. ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
O nome do titulo é “Dos direitos e garantias fundamentais” e capitulo I “Dos direitos e deveres 
individuais e coletivos”. A constituição fala de direitos e deveres, mas ela deu uma ênfase quase que exclusiva 
aos direitos. Até encontramos alguns deveres, mas temos muito mais direitos do que deveres. Os direitos 
coletivos a que a constituição se refere são os direitos individuais, mas que são coletivamente exercidos. Por 
exemplo, a liberdade de reunião, de associação, etc. A constituição consagra outros direitos coletivos, mas não 
o faz nessa parte. Ela elenca mais ao final, quando fala de cultura, meio ambiente, patrimônio histórico, etc. 
Vamos ao caput do art. 5º. 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à 
liberdade,à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
(...) 
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O que salta aos olhos no art. 5º? A igualdade. Junto com dignidade humana, a igualdade é o 
centro do sistema de Direitos Fundamentais. 
2.2.1. IGUALDADE 
Vamos começar a tratar da igualdade com uma introdução histórica. 
! Introdução histórica 
A idéia de igualdade é bem antiga. O que é novo no Direito é a idéia de igualdade entre as 
pessoas. Aristóteles, 05 séculos antes de cristo, já discutia com alguma profundidade, a igualdade, a justiça 
comutativa, distributiva, o conceito que até hoje se repete (igualdade é tratar os iguais com igualdade e aos 
desiguais com desigualdade). O que não tinha naquele momento? A compreensão de que as pessoas eram 
iguais. O Aristóteles, ao contrario, justificava a escravidão com base no direito natural. Até há algumas 
afirmações de igualdade na bíblia, na filosofia dos estóicos, mas no Direito, na organização política, o mundo 
era estamental. Não se afirmava uma igualdade entre as pessoas. 
A idéia de igualdade entre as pessoas, no Direito, vem com o iluminismo, com as primeiras 
constituições, na era das codificações. A primeira igualdade era uma igualdade formal apenas e mesmo no seu 
formalismo era totalmente furada. As declarações de direitos falavam na igualdade, mas se convivia com a 
escravidão. Na Europa falava-se em igualdade, mas os países europeus exploravam as colônias e não davam 
direitos aos povos das colônias. A mulher era completamente subordinada ao marido. Era uma igualdade 
formal e mesmo formalmente era muito falha. 
Mas qual era a compreensão da igualdade formal? A igualdade formal se insurgiu contra 
privilégios de nascença, contra diferenças estamentais, contra discriminações jurídicas injustificadas. Mas não 
vai incorporar como um objetivo, transformar as relações sociais no sentido de fazê-las mais igualitárias. Não 
vai incorporar como missão do Estado, a redução da pobreza, da assimetria, a proteção do fraco em relação 
ao forte. Era uma igualdade formal que caminhava junto com uma crença de que o Estado não discriminando 
partes formalmente iguais, se conseguiria equacionar de maneira livre e conveniente para todos, os seus 
próprios interesses. 
Essa igualdade, no discurso, correspondia a laissez faire, laissez passer. Isso era apenas no 
discurso, por que o Estado intervinha muito e não era a favor do fraco, mas sim a favor do forte para manter 
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o status quo, para coibir a organização dos trabalhadores em sindicatos, punir os que se desviassem da moral 
tradicional. 
 Além de a igualdade ser só formal, era também uma igualdade perante a Lei e não igualdade na 
Lei. A igualdade na Lei estava no discurso filosófico, mas não nas inscrições jurídicas. A igualdade perante a 
Lei se destina ao aplicador da Lei (administrador ou juiz), que têm que aplicar a Lei de maneira imparcial, 
levando em consideração apenas os elementos presentes no ordenamento. Não pode favorecer ninguém por 
que é amigo, inimigo, por que simpatiza, etc. A igualdade na Lei, por outro lado, se endereça a quem formula 
as normas jurídicas, a quem faz o Direito. E só é possível haver igualdade na Lei como um princípio 
juridicamente vinculante, quando há controle de constitucionalidade. Sem o controle é possível ter igualdade 
na Lei como um princípio político, que deve inspirar o legislador. Não há mecanismos para fazer este 
princípio valer na prática quando ele é inobservado pelo legislador. E como mencionamos anteriormente, o 
controle de constitucionalidade é uma instituição que se popularizou na segunda metade do século XX. 
Mesmo onde existia controle, na época não tinha igualdade ou a ela não se dava importância. Por exemplo, os 
EUA tinham controle. A 14ª emenda que consagra a igualdade no direito americano veio na segunda metade 
do século XIX e durante muito tempo ela não foi aplicada para nada. Começou-se a existir jurisprudência de 
igualdade nos EUA, também na segunda metade do século XX. Então, era uma igualdade formal, cheia de 
furos no seu formalismo e perante a Lei. 
Com o surgimento do Estado do Bem estar social, com as criticas do socialismo, do marxismo, 
da doutrina social da igreja, mobilização dos trabalhadores, reivindicações, o perfil do Estado foi mudando e a 
compreensão da igualdade também. 
Então, ao lado da igualdade formal se incorporou a idéia da igualdade material, que passou a 
enfatizar que o Estado teria que agir para reduzir a desigualdade, para diminuir a assimetria. O Estado muitas 
vezes tem que regular as relações sociais para proteger o mais fraco do mais forte, ele tem que prestar serviços 
públicos para assegurar condições básicas de vida para os mais pobres, ele pode (e em alguns casos deve) 
regular a economia. Isso tudo envolveu uma compreensão nova de igualdade. 
Essa nova compreensão passou a se projetar nos três campos principais em que o Estado pode 
interferir na realidade (do ponto de vista mais econômico, mais material), que é: 
Primeiro: no campo da receita (ele vai tributar mais a capacidade contributiva, ou ao menos diz 
que vai fazer, vai buscar arrecadar recursos de maneira que recaia mais sobre quem tem). 
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Segundo: no campo da despesa incorpora as suas tarefas de serviços públicos voltados para os 
mais pobres (saúde, educação pública, etc.). 
Terceiro: no campo da regulação, disciplina relações sociais com o foco em igualdade. Foi a 
época em que, por exemplo, o Direito do trabalho surgiu, partindo da premissa de assimetria. O número de 
normas de ordem pública aumentou nesse momento. 
Claro que no Brasil tínhamos o discurso do Estado social, mas se continuava muitas vezes a 
disciplinar as relações sociais para favorecer ao amigo do governante. Dizia que tinha capacidade contributiva, 
mas continuava a tributar de maneira benévola o rico. Mas do ponto de vista ideal se incorporou a igualdade 
em todas essas facetas da ação do Estado. A idéia é de que a igualdade não se limita a um não fazer, a um não 
discriminar, ela envolve muitas vezes o agir. As vezes, discriminar para favorecer. A idéia da ação afirmativa 
está ligada a isso. 
E tem a ver com o que estávamos falando, com reconhecimento, a incorporação com outra 
faceta da igualdade material, que é um fenômeno das décadas finais do século XX, é a percepção que 
desigualdade material não é apenas econômica. Aquela que se produz no campo da cultura, das práticas 
simbólicas também importa e precisa ser enfrentada. E isso teve ligação com a emergência de vários novos 
movimentos sociais, como o feminismo, movimentos de reivindicação de negros, etc. Se olharmos a trajetória 
das reivindicações do movimento negro, vemos que no inicio tínhamos mais a igualdade formal (abolir a 
escravidão, por exemplo), depois houve a incorporação de uma importante dimensão simbólica (Black is 
beautiful – dimensão estética, valorização da cultura, das tradições, etc.). Aqui no Brasil, quando eu era 
criança, o feriado associado aos negros, a figura simbólica era da princesa Isabel (que era branca), eu já era 
mais velha