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Geografia Regional Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Eduardo Augusto Wellendorf Sombini Revisão Técnica: Prof.ª Dr.ª Vivian Fiori Revisão Textual: Prof. Esp. Cláudio Pereira do Nascimento A Regionalização do Espaço Mundial • Introdução • Processos de Colonização e Formação dos Estados • Propostas Tradicionais de Regionalização do Espaço Mundial · Abordar os principais marcos da regionalização do espaço mundial e evidenciar formas tradicionais de regionalização do mundo. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Regionalização do Espaço Mundial Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial Introdução Nesta unidade vamos tratar dos principais marcos da regionalização do espaço mundial. A constituição do sistema mundial e a produção de hierarquias entre os diversos territórios que dele participam são processos históricos de longa duração e difícil reversão. Discutiremos, nessa unidade, as abordagens tradicionais que busca- ram oferecer interpretações a respeito das divisões do espaço mundial. Processos de Colonização e Formação dos Estados O processo de formação dos Estados territoriais modernos pode ser considerado o marco inicial de constituição do sistema mundial que, séculos depois, desdobra-se nos processos atuais de globalização. A emergência dos Estados nacionais revolucionou a organização político- -jurídica, social e territorial da Europa Ocidental. No plano interno, as autori- dades nacionais progressivamente se impuseram sobre as antigas formas de regulação existentes. No plano externo, a colonização de extensas áreas do planeta se tornou a estra- tégia a ser adotada pelos Estados territoriais nascentes como forma de apropriação de recursos e fortalecimento geopolítico. Por isso, Haesbaert & Porto-Gonçalves (2005, p. 19) defendem que o “[...] sistema mundo moderno não é compreensível sem a colonialidade”. Na América Latina, os Estados territoriais europeus, em seu projeto colonial, pilharam os recursos minerais existentes e dizimaram as populações indígenas. Para explorar economicamente os territórios conquistados, implantaram culturas agrícolas rentáveis nos mercados europeus e instituíram a escravidão de negros traficados da África. Em resumo, implantaram uma ordem econômica, social e territorial alheia aos meios geográficos existentes nas áreas colonizadas, explorando-as, ao máximo, para garantir a riqueza das metrópoles europeias. O geógrafo Antonio Carlos R. de Moraes (2005, p. 65) comenta este processo: 8 9 A colonização envolve conquista, e esta se objetivava na submissão das populações encontradas, na apropriação dos lugares, e na subordinação dos poderes eventualmente defrontados. A colonização é, antes de tudo, uma afirmação militar, a imposição bélica (mesmo que, num primeiro momento, diplomática) de uma nova dominação política. As estruturas produtivas preexistentes devem ser assimiladas à nova ordem, seja pela sua incorporação, seja pela sua destruição [...]. Em muitos casos, contudo, a colonização envolve a criação de novas estruturas econômicas, das quais a plantation é sem dúvida um dos melhores exemplos: uma forma produtiva criada pela expansão da economia-mundo capitalista, que retoma o escravismo como relação básica de produção. Os territórios coloniais nasceram, portanto, voltados para fora, sem possibili- dades concretas de determinar seus futuros. Foram constituídos, dessa forma, a partir de lógicas extravertidas que os colocaram como plataformas de valorização no interior do sistema econômico internacional. Esses nexos de subordinação externa constituem os “espaços alienados” (ISNARD, 1982), que vão sendo atu- alizados até a atualidade. Isnard (1982) comenta: Será necessário utilizar doravante o conceito dos espaços alienados para designar regiões que devem ao exterior, não só a sua criação e a sua integração no mercado mundial, mas ainda a sobrevivência da sua organização, enfim regiões cuja população [...] jamais controla, e que até os próprios poderes públicos dificilmente controlam (ISNARD, 1982, p. 55). Podemos citar, por exemplo, as redes dendríticas diretamente associadas ao passado colonial dos países periféricos: “[...] seu ponto de partida é a fundação de uma cidade estratégica e excentricamente localizada em face de uma futura hinterlândia. Essa cidade, de localização junto ao mar, é o ponto inicial de penetração no território e sua porta de entrada e saída” (CORRÊA, 1988, p. 62). Isso significa que os colonizadores, via de regra, estabeleceram vilas portuárias que permitiram a ligação entre áreas produtoras de gêneros agrícolas, por exemplo, e o escoamento da produção para a metrópole. No caso brasileiro, a lógica das redes dendríticas fez com que, até o início do século XX, as ligações entre as diversas regiões do país fossem extremamente fracas, já que historicamente cada uma delas se conectou prioritariamente com o mercado externo. 9 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial O Subdesenvolvimento Brasileiro O Brasil participava do processo de acumulação capitalista no nível mundial por meio da sua posição de país primário-exportador através de manchas de integração com o resto do mundo (borracha, açúcar, café, ouro, etc.). Sua marca residia numa economia de base escravocrata que, ainda nessa condição, ascende à posição de uma economia primário- -exportadora. O mercado de trabalho urbano se estruturava em torno do capital comercial e financeiro das cidades exportadoras e da frágil base de prestação de serviços do Estado. A libertação dos escravos jogou nas cidades uma população sem qualquer escolaridade e com poucas possibilidades deinserção em atividades urbanas, constituindo, assim, as bases para um excedente populacional crônico, determinando, consequentemente, uma seg- mentação étnica significativa. Naquela ocasião teria sido necessária a implementação de políticas de inclusão social e distribuição de terras. É quase impossível resistir à tentação de imaginar o que seria o Brasil de hoje se tais medidas houvessem sido implementadas. A migração europeia, incentivada, sobretudo, para o cultivo do café no Estado de São Paulo, também vai contribuir para a criação de uma oferta de trabalhadores diferenciados dos na- cionais, os quais não possuíam experiência operária importante para a indústria nascente. Assim, a formação do mercado de trabalho urbano no Brasil inicia-se já marcada por seg- mentações importantes de naturezas regional, formação profissional, étnica, salarial, etc. O período de desenvolvimento vivenciado pelo País no século vinte é muito importante, porém incapaz de eliminar tais problemas. Sobretudo por não ter tido deliberadamente um caráter integrador, por não ter conseguido implementar uma universalização do ensino básico, eliminando o analfabetismo, por não ter realizado uma reforma agrária ampla e, ainda, por ter submetido o País a uma permanente dependência de recursos externos para o financiamento de seu desenvolvimento. Fonte: Texto literal extraído de CARLEIAL, Liana Maria da Frota. Subdesenvolvimento globalizado: a resultante das escolhas da política econômica brasileira dos anos noventa. Disponível em: https://goo.gl/HgUjMK. Acesso em 30 de jul. de 2017. Ex pl or O mesmo pode ser dito em relação ao subcontinente indiano ou a vários ou- tros países atuais que foram constituídos por meio da colonização europeia. Em outras palavras, a organização pretérita dos países periféricos dirigida por lógicas extravertidas, permanece como formas-conteúdo desses territórios e condicionam o desenvolvimento posterior das sociedades nacionais. Observe o mapa de rede de transportes na África, verifique as ferrovias, todas voltadas aos portos, seguindo a lógica de exportação e não de integração interna do continente. 10 11 Figura 1 – Rede de Transporte Africana Fonte: Wikimedia Commons Portanto, o expansionismo de um conjunto de países da Europa Ocidental fez com que esses fossem tratados como o centro do sistema mundo nascente, comandando uma vasta periferia colonizada. Dessa forma, o colonialismo é uma primeira fonte de criação de hierarquias no sistema mundial, opondo as metrópoles europeias e os territórios colonizados nas Américas, na África, na Ásia e na Oceania. As colônias de exploração foram consideradas anexos da economia metropoli- tana e formas mais autônomas de desenvolvimento das áreas dominadas – como a manufatura ou quaisquer outras atividades que colocassem em risco o controle exercido pelos países europeus – foram expressamente proibidas. Esse processo foi fortemente acelerado com a deflagração da Revolução Industrial, nos séculos XVII e XVIII. O desenvolvimento de novas técnicas de manufatura, inicialmente, na Inglaterra permitiu que o sistema capitalista se transformasse drasticamente. 11 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial Apesar de não ser possível retomar essa discussão em detalhes, é importante lembrar que a Revolução Industrial fez com que as tendências expansionistas do capitalismo se acentuassem, aumentando constantemente, as escalas geográficas de realização do sistema econômico. O desenvolvimento da máquina a vapor e a exploração do carvão como fonte energética permitiram ao lado de outras importantes inovações técnicas, o aumento exponencial da produtividade nos países que se industrializaram. Esse processo aprofundou as divisões técnica, social e territorial do trabalho e permitiu a diminuição dos custos de produção das mercadorias. Figura 2 – Ferro e Carvão, de William Bell Scott Fonte: Wikimedia Commons Ao mesmo tempo, os cercamentos no campo e a instalação das indústrias em áreas urbanas criaram fortes fluxos migratórios em direção às cidades industriais do período, agravando as disparidades regionais no interior dos países e os problemas sociais nas metrópoles nascentes. Com isso, queremos ressaltar que a desigualdade não é visível somente na escala internacional: na escala dos territórios nacionais, houve a concentração de capitais e força de trabalho em algumas regiões que se desenvolveram mais rapidamente; na escala urbana, as condições de vida da classe trabalhadora no início da era industrial eram extremamente precárias, como narrado em Engels (2008), em oposição à opulência da nobreza e da burguesia. 12 13 De forma simplificada, a progressiva industrialização da Europa Ocidental demanda dois conjuntos de fatores para se realizar. Em primeiro lugar, a dispo- nibilidade de matérias-primas cada vez mais específicas e em quantidades nun- ca antes processadas na história. Em segundo lugar, a existência de mercados consumidores suficientemente amplos para absorver as mercadorias produzidas (DOWBOR, 1995). Se as matérias-primas não estivessem disponíveis nas quantidades e qualidades necessárias, as plantas industriais não poderiam operar a plena capacidade. Se não houvesse mercados cativos, as mercadorias produzidas em escala não seriam vendidas e os lucros industriais não se realizariam, desestabilizando a lógica da acumulação capitalista. Há diversos outros elementos imprescindíveis para a industrialização, como a existência de mão de obra abundante e qualificada, por exemplo. Os dois apresentados são importantes para esta unidade porque a periferia do sistema mundial, amarrada aos nexos coloniais, passou a ser vista tanto como fornecedora de matérias-primas essenciais para a produção manufatureira europeia, como consumidora dos produtos industrializados desses países. Trata-se, portanto, do aprofundamento da divisão internacional do trabalho marcada por desigualdades entre o centro e as periferias do sistema mundial. Essa forma de inserção subordinada dos países periféricos dificultou o desenvolvimento industrial dessas nações, já que as atividades industriais se tornaram uma prerrogativa quase exclusiva dos países centrais. Esse tipo específico de divisão territorial do trabalho na escala mundial, da mesma forma que o colonialismo, criou fortes heranças históricas que condicionaram o desenvolvimento econômico do conjunto dos países periféricos. Para Dowbor (1995, p. 19), “[...] o fato de o Centro voltar-se para o Terceiro Mundo para escoar seus produtos em troca de matéria-prima terá efeitos permanentes sobre a Periferia”. A emergência dessa divisão internacional do trabalho esteve diretamente associada ao rápido desenvolvimento dos meios de transporte e comunicações modernos para a época (como os barcos a vapor, as ferrovias e os telégrafos). Essas novas redes técnicas foram, ao mesmo tempo, resultado das inovações tecnológicas do período e condição para a articulação funcional entre o centro e as periferias do sistema mundial. Permitiram, portanto, que áreas pouco integradas do ponto de vista econômico passassem a ter lógicas de funcionamento comuns, comandadas pelos países centrais. Esse processo só se realizou, evidentemente, com a dominação neocolonial ou o alinhamento político das nações independentes. Ao longo do século XIX, dessa forma, o comércio internacional aumentou vertiginosamente, o que indica o aprofundamento da divisão internacional do trabalho. 13 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial Trocas Comerciais As exportações britânicas para a Turquia e o Oriente Médio cresceram de 3,5 milhões de libras em 1848 para um máximo de 16 milhões em 1870; para a Ásia, de 7 milhões para 41milhões em 1875; para as Américas Central e do Sul, de 6 milhões para 28 milhões em 1872; para a Índia, de perto de 5 milhões para 24 milhões em 1875; para a Austrália, de 1,5 milhão para mais de 20 milhões em 1875. Em outras palavras, em 35 anos, o valor das trocas entre a mais industrializada das economias e as regiões mais atrasadas ou remotas do mundo havia se multiplicado por seis. Isso evidentemente não é muito impressivo pelo que temos hoje em dia, mas o volume em números absolutos ultrapassava tudo que podia ter sido previsto anteriormente. Ex pl or A rede que unia várias regiões do mundo, como explica Hobsbawm (1979, p. 69): Para assegurar a continuidade dos fluxos necessários à realização do capitalismo industrial, as potências europeias passaram a se organizar em grandes impérios, como o Império Britânico e o Francês. Além das colônias, efetivamente sob o domínio dos impérios, esses países passaram, também, a exercer forte influência política e econômica em nações formalmente independentes. É o caso, por exemplo, do Brasil e de outros países latino-americanos, sobretudo na segunda metade do século XIX e início do século XX, que estabeleceram vínculos estreitos com os capitais de origem britânica. Três companhias podem ser usadas como exemplo: 1. The São Paulo Railway Company, Limited, responsável pela construção e operação da ferrovia entre o porto de Santos, São Paulo e Jundiaí (inau- gurada em 1867), responsável pelo escoamento da produção cafeeira do interior paulista. 2. São Paulo Tramway, Light and Power Company, fundada em 1899 no Cana- dá, foi autorizada a construir e operar a infraestrutura de geração e distribui- ção de energia elétrica e os serviços de transporte coletivo por bondes elétri- cos em São Paulo e, posteriormente, a retificação dos rios Pinheiros e Tietê. 3. City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, fundada em 1912, foi responsável pelo loteamento dos bairros-jardim de São Paulo e pela urbanização de extensas áreas da várzea do Rio Pinheiros. Desse modo, as metrópoles, ou seja, os países colonizadores criaram infraestru- turas nos países colonizados no intuito de melhor explorarem seus recursos, isso se deu em diferentes momentos na América, Ásia e África, como aborda Milton Santos (2003, p. 28): Seja qual for o período histórico, seja qual for o continente, o resultado é sempre o mesmo: a ruína dos países dominados e a acumulação na metrópole. Sendo a expansão da produção uma função de necessidades crescentes no centro do sistema, o momentum não tem sido o mesmo em cada continente: o século XVI para as Américas, o fim do século 14 15 XIX para a maior parte da África. Na Ásia e na África, a colonização constitui a metodologia política de penetração, assegurada pela presença e a ação militares. Na América Latina, descolonizada politicamente desde o começo do século XIX, foi uma questão de neocolonialismo. O caso do continente africano, por sua vez, é certamente o mais emblemático: depois de séculos de exploração indireta, as potências europeias passaram a ocupar efetivamente o território africano durante o século XIX. As disputas entre as potências europeias pela ocupação colonial da África levaram à realização de uma longa reunião diplomática para consolidar o domínio europeu no continente. Realizada entre 1884 e 1885, a Conferência de Berlim teve como participantes principais Bélgica, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, Holanda, Portugal e Espanha. O encontro foi motivado, sobretudo, pelas aspirações expansionistas da Alemanha: como o país havia se unificado e se industrializado tardiamente, não tinha possessões coloniais no continente africano e reivindicava parte do território do continente para si. Após longas negociações, a conferência teve como resultado a partilha colonial da África: as potências imperialistas dividiram entre si os domínios de cada uma delas, desconsiderando as características históricas do continente. Os países europeus desenharam, dessa forma, um novo mapa de domínio colonial sobre as antigas divisões étnicas e linguísticas existentes, sem considerar as implicações históricas que essa decisão poderia acarretar. Propostas Tradicionais de Regionalização do Espaço Mundial Compreendemos, portanto, que o sistema mundial foi historicamente constituído a partir de uma divisão internacional do trabalho hierárquica, que deu origem ao modelo centro-periferia. Formou-se, dessa maneira, um centro que por meio do colonialismo e do imperialismo subordinou extensas áreas periféricas do mundo. Cabe ressaltar, contudo, que essa subordinação foi realizada em diversas situações concretas, com o apoio de elites nacionais que se viam beneficiadas por esse tipo específico de integração ao sistema mundial, como lembra Dowbor (1995). Esse é o primeiro fundamento que podemos levantar para regionalizar o espaço mundial: a existência e as relações entre duas grandes áreas do planeta, o centro e a periferia. Nessa abordagem, o centro seria constituído pelas nações com economias capitalistas avançadas. Diversos indicadores foram mobilizados para caracterizar esses países: industrialização completa; forte dinamismo tecnológico; autonomia financeira; elevados índices sociais; entre diversos outros. Alguns autores e órgãos internacionais usavam os termos países desenvolvidos x subdesenvolvidos. Como pode se observar no mapa a seguir: 15 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial Outros autores, usavam a expressão países centrais e países periféricos. A periferia, por sua vez, seria constituída por países exportadores de matérias-- -primas ou com industrialização incompleta, dependentes de capitais e tecnologias externas, com graves problemas sociais, entre muitos outros. Os países periféricos são tratados, no geral, não pelas especificidades das suas formações socioespaciais, mas pelo “atraso” em relação ao centro do sistema. Veremos adiante as críticas a essas interpretações. Fig ur a 3 – M un do D es igu al: D es en vo lvi do s X Su bd es en vo lvi do s Fo nt e: Ad ap ta do de Ro be rt La ffo nt , 2 00 6 16 17 Esse entendimento hierárquico das lógicas de funcionamento do sistema mundial foi traduzido nos modelos clássicos de regionalização do espaço mundial: Norte e Sul, ou países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Ao lado dessas duas propostas com corte mais econômico, surgiu a regionalização pautada nos blocos políticos: capitalistas (Oeste); socialistas (Leste). E, como síntese dessas diversas classificações, os países passaram a ser considerados integrantes do Primeiro (capitalistas desenvolvidos), do Segundo (socialistas) ou do Terceiro Mundo (subdesenvolvidos). Percebemos, portanto, que o modelo centro-periferia deu origem a diversas propostas tradicionais de regionalização do espaço mundial que, porém, nunca foram consensuais entre os diversos analistas. Logo, são possibilidades de interpretação da divisão internacional do trabalho e da constituição de relações desiguais entre os países. A divisão do mundo entre países socialistas (Leste) e capitalistas (Oeste) surgiu no contexto da Guerra Fria, como resposta à formação dos dois grandes blocos geopolíticos do período, capitaneados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e pelos Estados Unidos da América (EUA). O Leste, dessa forma, corresponderia à URSS e aos países com regimes socialistas e economias centralmente planificadas, sendo a China e Cuba os principais. O Oeste, por sua vez, seria formado pelo bloco capitalista liderados pelos EUA, englobando Canadá, a Europa Ocidental e os demais países com economias de mercado. GUERRA FRIA... Nos assuntos externos, os Estados Unidos se apresentaram como o principal defensor da liberdade (entendida em termos de livres mercados) e dos direitosà propriedade privada. O país proporcionava proteção econômica e militar às classes proprietárias e às elites políticas/ militares onde quer que elas se encontrassem. Em troca, essas classes e elites se centravam tipicamente numa política pró-americana em todo país em que estivessem. Isso implicava a contenção militar, política e econômica da esfera de infl uência da União Soviética. Os domínios imperiais dos Estados Unidos eram defi nidos em termos negativos: tudo que não estivesse diretamente contido na órbita soviética. Fonte: HARVEY, 2014, p. 50. Ex pl or É importante lembrar que, durante a Guerra Fria, as duas superpotências busca- ram criar áreas de influência, colocando diversas nações sob o seu respaldo e atu- alizando as lógicas imperiais. Em uma política de contenção mútua, EUA e URSS ofereceram, entre outros elementos, proteção militar e financiamento aos Estados alinhados a cada uma das potências. Observe o mapa do período da Guerra Fria (vide mapa), havia os países geopoliticamente alinhados com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e os alinhados ao Pacto de Varsóvia, bem como os países do bloco socialista e outros capitalistas. 17 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial Fig ur a 4 – Pe río do da G ue rra Fr ia Fo nt e: Ad ap ta do de m ind om o.c om 18 19 A América Latina foi, durante esse período, um verdadeiro laboratório da implementação de políticas externas dos EUA, com o objetivo de combater as aspirações de esquerda que estavam presentes na agenda nacional nas décadas de 1950 e início da década de 1960. Nos anos 1960, com o acirramento da luta social nesses países, os EUA apoiaram deliberadamente golpes militares que colocaram boa parte dos países da América Latina sob o governo de ditaduras. A regionalização do espaço mundial entre países desenvolvidos e subdesenvolvi- dos ganha notoriedade após a Segunda Guerra Mundial. É o período, como vimos, de disputa de esferas de influências pelas superpotências mundiais e de encerra- mento dos ciclos de exploração colonial na África. Para Yves Lacoste (1968), o subdesenvolvimento é “descoberto” pelos países centrais por conta de dois proces- sos principais: a fome e o crescimento demográfico dos países subdesenvolvidos. O problema da fome, que acometia enormes contingentes populacionais dos países periféricos e vinha sendo tratado por diversos intelectuais, como o brasileiro Josué de Castro (1908-1973), passou a ser objeto de atenção internacional somente na década de 1950. “Sua denúncia é, de fato, o único meio de levar a opinião pública dos países desenvolvidos a tomar consciência dos problemas do subdesenvolvimento”, defendeu o autor (LACOSTE, 1968, p. 25). A explosão demográfica em curso nos países periféricos, também, colocou em evidência os processos do subdesenvolvimento. Por conta dos processos conhecidos de transição demográfica, em que as taxas de mortalidade diminuem rapidamente e as taxas de natalidade se mantêm elevadas, as projeções indicavam um aumento acelerado da população desses países. Como consequência, as elites nacionais e as potências internacionais temiam que a ordem social da periferia do mundo capitalista pudesse ser desestabilizada. O crescimento demográfico, se não fosse acompanhado por melhorias mínimas das condições de alimentação e acesso aos serviços públicos, poderia gerar revoltas populares. No contexto da Guerra Fria, qualquer reivindicação popular de direitos era associada ao ideário socialista e, portanto, considerada uma ameaça à ordem estabelecida nos países capitalistas. Essas preocupações passaram a ser difundidas por órgãos do governo estaduni- dense e por agências multilaterais, que criaram estratégias de “ajuda externa” que passaram a ser realizadas nos países subdesenvolvidos, em três eixos principais: a Revolução Verde, que promoveu uma modernização conservadora da agropecu- ária, com o intuito de aumentar a produção de gêneros alimentícios e afastar as propostas de reforma agrária; a difusão de novas tecnologias educativas, com o objetivo de qualificar a mão de obra e difundir valores ocidentais em áreas remotas dos países periféricos; e o planejamento familiar, com a intenção de diminuir as taxas de natalidade e estabilizar o crescimento demográfico. Esse autor situa os programas de “ajuda externa” dos EUA de agências multila- terais, no período compreendido entre as décadas de 1950 e 1970, no contexto de modernização conservadora dos países periféricos. A ideia de modernização 19 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial conservadora está associada à promoção do crescimento econômico sem enfrenta- mento das condições estruturais do subdesenvolvimento, como as fortes desigual- dades sociais. Em frente do possível avanço das ideias de matriz socialista prove- nientes do bloco soviético, os EUA formularam estratégias de modernização nos países periféricos para garantir a permanência dos vínculos imperialistas existentes. Para tanto, diversas teorias sobre o desenvolvimento dos países periféricos fo- ram formuladas no pós-Segunda Guerra Mundial, com o traço geral de considerar o subdesenvolvimento como uma etapa histórica que poderia ser superada se os países periféricos adotassem políticas de modernização, superando o que se enten- dia como o “atraso” que o subdesenvolvimento significava. Os modelos conservadores de desenvolvimento econômico tratam a moderni- zação como o caminho único a ser seguido pelos países periféricos. Essas teorias se baseiam na trajetória histórica dos países centrais e as transpõem para a peri- feria do mundo capitalista, defendendo que esses países devem repetir os passos do centro do sistema. Walt Rostow (1916-2003) foi o principal formulador desse pensamento evolu- cionista, que considera que o desenvolvimento econômico se realiza em etapas. Trata-se, dessa forma, de uma interpretação linear da história – os países se desen- volvem independentemente de suas características históricas e dos vínculos hierár- quicos que estabelecem no interior do sistema mundial. Partindo de uma análise histórica do desenvolvimento industrial da Inglaterra, tirava daí seu modelo linear das “etapas do desenvolvimento” que cada país de- veria percorrer. O modelo era universal: toda sociedade desejosa de empreender a transição da “sociedade tradicional” – pré-newtoniana em sua concepção da ciência e da tecnologia – para a sociedade da “era do consumo de massa” de- veria, obrigatoriamente, repetir a experiência da industrialização daqueles que a tinham precedido. Esse tipo de abordagem orientou boa parte das estratégias de modernização e desenvolvimento econômico dos países periféricos, incluindo o Brasil. O planejamento regional, por exemplo, foi intensamente empregado nas décadas de 1960 e 1970 como estratégia de modernização das regiões com baixo dinamismo econômico em cada país. Para Milton Santos (2003), essas políticas permitiram a “penetração dos atuais países pobres pelo capital e pelo capitalismo” internacional, atualizando os vínculos de subordinação e dependência. Essas teorias conservadoras da modernização não permitiram maiores graus de autonomia política e econômica às formações socioespaciais periféricas. Partindo de contextos históricos distintos e desconsiderando as características específicas de cada país, essas experiências ignoraram os obstáculos estruturais que as heranças históricas do subdesenvolvimento haviam criado. 20 21 Várias experiências, contudo, buscaram vias alternativas de desenvolvimento, refutando a ideia de que o subdesenvolvimento era um estágio transitório da histórica dos países periféricos. Buscou-se, dessa forma, formular teorias que considerassemas condições históricas concretas dos países periféricos com o objetivo de criar políticas de desenvolvimento econômico mais operacionais. A experiência mais conhecida é a da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) que, a partir da década de 1950 reuniu intelectuais latino-americanos e formulou uma interpretação original a respeito das causas do subdesenvolvimento desses países. Ao contrário de uma etapa transitória, o subdesenvolvimento foi tratado pelas análises cepalinas como um processo histórico particular que tenderia a se aprofundar se não fossem formuladas medidas de enfrentamento a essa situação. Nas propostas da CEPAL, a industrialização dos países periféricos era tratada como a condição essencial para romper com as amarras do subdesenvolvimento. Na próxima unidade, discutiremos os processos de industrialização e transformação da economia dos países periféricos, que vem se desdobrando em novas formas de regionalização do espaço mundial. 21 UNIDADE A Regionalização do Espaço Mundial Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Filmes Treze Dias que Abalaram o Mundo Treze dias que abalaram o mundo. (2h25min), 2000. Filme que trata do período da Guerra Fria. Leitura Guerra Fria: desafios, controntos e historiografia GOVERNO DO PARANÁ. Guerra Fria: desafios, controntos e historiografia. Maringá, 2008. https://goo.gl/WW7RN7 EFDeportes.com, Revista Digital OLIVEIRA, Daniel Coelho et alii. Desenvolvimento Capitalista: um debate sobre a re- lação centro-periferia. EFDeportes.com, Revista Digital · Año 17 · N° 177 | Buenos Aires, Febrero de 2013. https://goo.gl/JriLgn Livros Revista Crítica de Ciências Sociais HOUNTONDJI, Paulin J. Conhecimento de África, conhecimento de africanos: duas perspectivas sobre os estudos africanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008: 149-160. 22 23 Referências BRANDÃO, Carlos. Território e Desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. DOWBOR, Ladislau. Formação do Terceiro Mundo. São Paulo: Brasiliense, 1995. FURTADO, Celso. O fator político na formação nacional. Estudos Avançados, v.14, n.40, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v14n40/v14n40a02.pdf HARVEY, David. O novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004. HAESBAERT, Rogério & PORTO-GONÇALVES, Carlos W.. A Nova Des-ordem Mundial. São Paulo: Editora UNESP, 2005. HIRST, Paul & THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: a economia in- ternacional e as possibilidades de governabilidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2006 [1996]. SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à con- sciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000. SANTOS, Milton. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método [1977]. In: ______. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2002. SILVEIRA, Maria Laura. Região e globalização: pensando um esquema de análise. Redes, v. 15, n. 1, 2010. Disponível em: http://online.unisc.br/seer/ index.php/ redes/article/view/1360/1466 VAINER, Carlos. Planejamento territorial e projeto nacional: os desafios da fragmentação. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 9, n. 1, 2007. 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