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ANTÔNIO R. SIQUEIRA Edição do Autor 2013 © 2013 Antônio Rodrigues Siqueira Editor Vânio Alves Limiro Projeto Gráfico | Capa Vânio Alves Limiro 1º edição – Abril 2013 Proibida a reprodução deste livro por qualquer meio sem a devida permissão, podendo ser usado apenas para citações Impressão Gráfica Renascer – Anápolis GO Acabamento Editora Visão – Goiãnia GO Siqueira, Antônio Rodrigues Plantando Igrejas Saudáveis / Antônio Rodrigues Siqueira Anápolis, 2013 Dedico este livro à minha esposa Adriana Siqueira, e meus filhos Jonathan e Rebeca, que são meus parceiros no ministério. SUMÁRIO Apresentação ..............................................................................................9 Parte 1 Fundamentação teológica para a plantação de igrejas saudáveis Capítulo 1 O fundamento da missão da Igreja no antigo testamento ....................13 Capítulo 2 Fundamentos da missão da Igreja no novo testamento .......................19 Capítulo 3 A missiologia de Lucas / Atos .............................................................31 Capítulo 4 A missão na perspectiva de Paulo .......................................................49 Capítulo 5 O chamado missionário na perspectiva bíblica ...................................57 Capítulo 6 Diferenças entre a teoria e a prática missionária da igreja ..................63 Parte 2 Aspectos práticos na plantação de igrejas saudáveis Capítulo 7 A nobre missão de plantar igrejas ......................................................71 Capítulo 8 Elementos necessários na plantação de igrejas saudáveis ...................75 Conclusão .................................................................................................97 Bibliografia ...............................................................................................99 APRESENTAÇÃO Porque plantar igrejas? Já não as temos em demasiado? Muitas pessoas questionam a necessidade de continuar plantando igrejas, alegando que já temos muitas igrejas. Convivemos com uma força desproporcional de expansão do evangelho. Há regiões com grande oferta de igrejas e a há outras com poucas. Há, ainda, lugares que não contam com a presença da igreja. Essa injustiça faz com que alguns convivam com o privilégio de ter uma igreja perto de casa, enquanto outros jamais poderão visitar uma comunidade cristã. Plantar igrejas não é uma atividade para aventureiros e nem deve ser realizada como temos visto em nossos dias. Temos presenciado o surgimento de muitas “igrejas”, que aparecem como fruto de divisões eclesiásticas, outras por oportunismo comercial de seus líderes inescrupulosos. A plantação de igrejas saudáveis é a única forma de continuarmos a divulgar a mensagem de Cristo ao mundo de forma saudável e salutar. Como numa lavoura, a escolha do solo, o preparo, a escolha da semente, são determinantes para o sucesso da plantação, na plantação de igrejas também. É preciso que haja planejamento na escolha do local, na melhor estratégia para aquela localidade, a escolha da pessoa certa para aquela realidade. As experiências de plantação de igrejas saudáveis que estão dando certo são aquelas que deixaram o impulso e se planejaram com oração, estudo de campo, análise da sociedade e definição dos objetivos desejados na plantação de uma 10 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS igreja. Cremos que a plantação de uma igreja saudável requer consciência teológica, preparo e planejamento. Plantar igrejas é com certeza um elemento necessário para a continuidade da expansão do evangelho de Jesus Cristo na face da terra. Pretendemos neste trabalho comprovar essa ideia. Primeiro pela demonstração da fundamentação bíblica da missão da igreja, tanto no Velho Testamento quanto no Novo Testamento. Apresentamos também a incoerência existente entre a nossa teoria e prática missionária. Por fim, fazemos uma análise dos elementos que são necessários na plantação de igrejas saudáveis. Anápolis, primavera de 2013. Antônio R. Siqueira Parte 1 FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA PARA A PLANTAÇÃO DE IGREJAS SAUDÁVEIS CAPÍTULO 1 O FUNDAMENTO DA MISSÃO DA IGREJA NO ANTIGO TESTAMENTO No que diz respeito à missão, principalmente se aderimos à compreensão tradicional da missão como envio de pregadores a lugares distantes, o Antigo Testamento não traz indicações de que os crentes da antiga aliança fossem enviados por Deus para cruzar fronteiras geográficas, religiosas e sociais a fim de conquistar pessoas para a fé em Javé. (BOSCH 2002, p.35). O livro de Jonas, de certa maneira, não encaixa no conceito tradicional, até porque o profeta não foi enviado a proclamar boas novas de salvação, mas juízo. Ora, Jonas não estava interessado na tarefa. Ainda assim o Antigo Testamento é fundamental para a compreensão de missão no Novo Testamento (BOSCH, 2002, p.35). Deus é o grande missionário do Antigo Testamento. Nele é revelado o envolvimento de Deus com as nações. O Deus de Israel é o criador e Senhor do mundo inteiro. Deus está tão preocupado com as nações quanto com Israel. As nações esperam pelo Senhor e confiam Nele (Is 51.5). A glória do Senhor é manifesta a todas elas (Is 40.5). Todas as nações da terra são convidadas a olharem para o Senhor e serem salvas (Is 45.22). O servo de Javé é conhecido como luz para os gentios (Is 42.6; 49.6). Uma estrada é construída do Egito e da Assíria até Jerusalém (Is 19.23) e as nações são encorajadas 14 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS a subirem até ao monte do Senhor (Is 2.5) e trazerem consigo presentes ao Senhor (Is 18.7). A finalidade disto é cultuar ao Senhor (Sl 96.9; Is 19.25; 25.6-8) (BOSCH, 2002, P.36). Deus se identificou com Israel com o objetivo de se revelar ao mundo. Assim, podemos concluir que o objetivo da eleição é o serviço. O amor de Deus supera as fronteiras culturais, religiosas, raciais e linguísticas e o seu desejo é que todos tenham a oportunidade de seguir a Cristo. Veremos a seguir um breve resumo do que cada época do Antigo Testamento representa no desenvolvimento da missão. I. O PROTO-EVANGELHO A graça é o aspecto do caráter de Deus que sempre norteou a relação da humanidade com seu criador. Adão existiu, antes da queda, em um estado de relacionamento com Deus baseado na graça. O ato da criação, a doação da vida, a concessão de dons são elementos da graça de Deus presentes na humanidade antes da queda. A graça de Deus é o elemento do caráter de Deus que permite ao homem criado a permanência na presença de Deus e também o relacionamento em profundidade com o seu Criador. A graça de Deus permeia toda a trajetória do plano salvífico de Deus para a humanidade, uma vez que no ato da queda, Adão rejeitou a vida na graça, optando por viver sem a graça. No ato de rebelião à graça o homem passou a existir num estado de desgraça e de separação da presença e glória de Deus. Paulo confirma esse princípio afirmando que “todos pecaram e foram destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23). Por outro lado, Pedro afirma que “o Deus de toda graça nos restituiu à sua glória” (1 Pe 5.10). Em Gn 3.15 encontramos a primeira menção da ação salvadora de Deus pela promessa de um redentor. A promessa deste redentor sustenta cinco fatos: PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 15 1. A salvação é operada por Deus, portanto fruto da graça; 2. A salvação triunfará sobre o pecado. Não existe dualismo: a ação de Deus triunfará sobre o pecado e o diabo; 3. A salvação afetará toda a humanidade. Isso não quer dizer que todos serão salvos, mas que a salvação é eficiente para todos; 4. A salvação só é possível pelo mediador; 5. A salvação está relacionada ao sofrimento do redentor. O inimigo deverá ferir seu calcanhar. II. O PERÍODO PATRIARCAL O chamado de Deus a Abraão revela a intenção de Deus em trabalhar com as nações. Ao estabelecer uma aliança com Abraão, Deus está separando um povo para si, que o representariaentre a humanidade. A base da promessa de Deus a Abraão é “em ti serão benditas todas as nações da terra” (Gn 12.1-3). Essa promessa vai sendo transferida aos descendentes de Abraão, Isaque, Jacó e Judá (Gn 26.4; 28.14; 49.10). O desenvolvimento do plano salvador de Deus no período patriarcal se desenvolve em duas perspectivas, a eleição e a vocação de Abraão. A eleição de Abraão é resultado da graça de Deus. Numa decisão livre de Deus, Ele decide retirar Abraão de sua terra e conduzi-lo rumo a uma terra desconhecida. A causa da eleição é notoriamente suscitar um povo que de forma obediente represente Deus entre as demais nações e assim possam abençoá-las. A vocação de Abraão é resultado imediato de sua eleição. Ninguém que tenha sido escolhido por Deus pode se eximir da responsabilidade que esse chamado implica. Eleição e vocação são dois temas que estão intimamente relacionados. A eleição trata da nossa identidade e de quem somos, enquanto que a vocação trata da nossa missão, da nossa função no reino. A 16 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS estrutura de 1 Pedro 2.9-10 enfatiza essa afinidade, Vós sois... a fim de que. Na primeira parte do versículo ele declara a nossa identidade: vós sois raça eleita, nação santa, sacerdócio real, povo de propriedade exclusiva de Deus. E na segunda metade há uma clara declaração de nossa missão “a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou...”. Ao entrar em aliança com Abraão Deus tinha como objetivo estabelecer um povo exclusivamente seu, zeloso e de boas obras. Por outro lado, Abraão ao aceitar a aliança com Deus sabia que deveria responder positivamente ao Deus que o chamara. A resposta esperada por parte de Abraão implicava, primeiro, em ter de renunciar uma série de aspectos de sua vida. Abraão renunciou pátria, família, seu conforto pessoal para partir em rumo desconhecido. Às vezes renunciar implica em ir para onde não sabemos. Renúncia é um princípio de fé. Só podemos renunciar quando cremos de verdade naquele que nos chamou, quando sabemos que aquele que nos chamou é poderoso para terminar a boa obra que começou em nós. O jovem rico é um exemplo de alguém que não quis renunciar. Segundo, Abraão teria de se submeter inteiramente ao chamado do Senhor. Abraão partiu em submissão ao chamado do Senhor. Submissão é fruto de serviço e obediência. Submissão é uma resposta ao fato de se sentir amado. Sendo amado por Deus então me submeto a Ele. Se você puder negar a bondade e a misericórdia de Deus por você ai então você pode dizer não ao Senhor. III. O PERÍODO MOSAICO Em Êxodo 19.4-6 encontramos um texto central, pois revela a constituição de Israel como servo de Deus. A eleição de Israel é para o serviço, ou seja, ser testemunha de Deus entre as nações. A função da vocação sacerdotal é interpor entre Deus e os homens, tanto para a intercessão, como para a transmissão dos oráculos de Deus. PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 17 No pacto com Abraão Israel se torna povo de Deus; enquanto que no pacto com Moisés, Israel se torna servo de Deus entre as nações. IV. O PERÍODO DAVÍDICO Davi é reconhecidamente aquele que deu forma à nação de Israel. Ele deu contornos finais à geografia da terra santa, organizou o culto, foi o mentor do templo, embora não seja o construtor. Foi a partir dele que Jerusalém passou a ser o centro religioso de Israel e esse fator foi preponderante para que Israel cumprisse sua missão de ser sacerdócio real entre as nações. Quando Salomão fez sua oração de consagração do templo, deixou muito claro o desígnio e o propósito missionário do templo (1 Rs 8.43, 60) Os salmos, em sua maioria escritos por Davi, enfatizam a necessidade de que toda a terra louve, adore e sirva ao Senhor (Sl 67; 86. 9-10). V. O PERÍODO PROFÉTICO A mensagem dos profetas, especialmente Isaías, é muito clara quanto ao seu impulso missionário. Entre os profetas menores podemos citar Sofonias (2.11; 3.20), Habacuque (2.20), Joel (2.28) e Amós (9.7-12). Entre os profetas maiores Isaías é o grande representante. Em quase todo o seu livro encontramos referências à missão de Israel para com o resto do mundo. Em Isaías encontramos alguns dos textos missionários mais notáveis do Antigo Testamento. Numa perspectiva geral, a palavra dos profetas deixa claro que Israel tem uma mensagem destinada ao mundo e era essa a responsabilidade da nação-servo. O profeta Isaías resume isso com três ideias sobre a missão de Israel: 1. Designação divina: Jeová é a fonte e a origem da missão (Is 43.21); 18 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS 2. Centralidade divina: Deus é o centro e a essência da missão (Is 44.6); 3. Universalidade: Essa missão era destinada a todas as nações: (Is 40.5; 42.1,6-7,10; 45.22-23; 49.6,26; 51.4- 5; 52.10,15). CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS DA MISSÃO DA IGREJA NO NOVO TESTAMENTO A missão no Novo Testamento traz consigo notas do Antigo. Ela não é dissociada da missão veterotestamentária, o que temos no Novo Testamento é o prosseguimento da ação missionária do Deus do Antigo Testamento. I. A VISÃO MISSIONÁRIA DE JESUS NA PERSPECTIVA DOS EVANGELISTAS. Os evangelhos são documentos missionários para a igreja. Eles foram escritos para ajudar as comunidades a recuperar a visão da missão que Jesus havia dado à igreja. Todos os quatro evangelhos foram escritos tardiamente. Marcos, por exemplo, o primeiro dos escritos entre os evangelhos, é datado de 60 a.C. (WALLACE, 1998. p 1). O Evangelho de João é o que mais deixa em evidência o compromisso missionário de Deus. Por mais de 60 vezes é usado o verbo ou substantivo correspondente a enviar, envio ou enviado. Um texto chave para esta compreensão é o da delegação que Jesus faz aos discípulos quando afirma: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Lucas relata o ministério de Jesus focalizando a preocupação do Mestre por aqueles que estão perdidos. Ele é o único evangelista a descrever as parábolas em que Jesus ensina a necessidade de encontrar aqueles que estão perdidos. 20 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS Mateus é escrito para uma comunidade de cristãos judeus que estavam perdendo a visão do comprometimento com Jesus, o Messias. O evangelho de Mateus, como afirma Bosch, é tanto um documento pastoral como missionário, pois, se por um lado procura confortar os cristãos, por outro redefine as convicções missionárias deixadas pelo Messias (BOSCH, 2002. p. 85). II. AS CARACTERÍSTICAS DA MISSÃO DE JESUS Para compreendermos essas convicções missionárias de Jesus, iremos abordar o texto de Mateus 9.35-38 como um referencial daquilo que Jesus nos deixou como modelo a seguir. 1. A MISSÃO DE JESUS É INCLUSIVA. Pelo modelo de Jesus aprendemos que a missão é inclusiva. O Divino Mestre percorria todos os povoados, vilas e cidades. No contexto de Mateus, as cidades e povoados percorridos por Jesus são na Galiléia. Este fato é profundamente significativo, pois Galiléia era marginalizada pelos judeus do sul (Judéia), devido à miscigenação que ocorrera com o povo galileu. A Galiléia era chamada de “Galiléia dos gentios” e de lá era corrente dizer não havia nenhum profeta. Para uma ala do judaísmo Jonas não era considerado profeta, pela natureza do seu ministério. Era uma forma de ofensa discriminatória chamar alguém de Galileu. Ao embrenhar por estes lugares, Jesus está dando um modelo de ação para a igreja. Esse modelo exige que tenhamos em mente um evangelho inclusivo, o que nos leva a entender um evangelho que chega de forma compreensível e acessível a qualquer nível da sociedade. A igreja não tem o direito de eleger aqueles que devem receber o evangelho. Não podemos fechar os olhos, fingir que não vemos aqueles que a sociedade insiste em fazer de conta que não existe. PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 21 O evangelho não é para uma elite ou para um grupo especial, mas deve ser anunciado em todos os lugares. O homem, não importando sua condição social,moral ou intelectual, é alvo do evangelho. Portanto, onde existe humanidade ali está um campo missionário. Temos então de ir onde o ser humano está. 2. A MISSÃO DE JESUS É PERCEPTIVA. O modelo missionário aplicado por Jesus é também perceptivo. Sempre encontramos relatos da capacidade de Jesus para conhecer e compreender a realidade das pessoas. No texto de Mateus 9 o evangelista fala que Jesus viu a multidão e se compadeceu dela. Esta ideia de compaixão é muito forte e denota a capacidade de compreender a extensão da dor e do sofrimento de alguém. Compaixão tem a ver com algo que sentimos no mais profundo do nosso íntimo. É muito importante essa habilidade de “ver” para o desenvolvimento de um ministério efetivo. O “ver” revela como devemos agir. O “ver” gera atitude. No caso de Jesus ele viu e se compadeceu. A insensibilidade é resultado de vermos e não sentirmos compaixão. Se não somos sensíveis, nossas atitudes serão de desprezo, rejeição, inação e repelência. Como igreja nós somos ensinados nesse modelo de Jesus: envolvermos movidos pela percepção da realidade humana. O que Jesus viu naquela multidão foi descrito por Mateus em três estágios: Primeiro eram os aflitos. Note que a palavra sugere alguém muito machucado e que, devido aos ferimentos, está agonizando de dor. O que Jesus vê é uma multidão que agoniza diante de tanto sofrimento e pecado. Os traumas causados pela queda estão ardendo e a dor é tão grande que essas pessoas expressam em seus semblantes a dor. Estão com a alma doída. Segundo, eram os exaustos. As pessoas que Jesus vê estão machucadas e à beira da morte. O melhor exemplo de exaustão que encontramos na Bíblia, talvez seja o do homem que foi assaltado e deixado semimorto na margem do caminho, na parábola do bom samaritano. 22 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS Terceiro, eles eram como ovelhas que não tem pastor. Essa é uma expressão de cunho político (Nm 27.15-17; I Rs 22.17). Deus levantou líderes para guiar Israel, para que as ovelhas do seu rebanho não ficassem sem pastor. Jesus está denunciando o descaso das autoridades, que abandonaram o povo à própria sorte. A percepção de Jesus é ampla, ou seja, não é restrita a algumas áreas da vida do homem. Como igreja do Senhor Jesus nós precisamos aprender a perceber a realidade do homem e da sociedade que nos cerca. Sem essa percepção não teremos condições de amar e ajudar essas pessoas porque nos faltará o princípio básico que é o de compreender a verdadeira realidade do ser humano. 3. A MISSÃO DE JESUS É ENVOLVENTE. No texto de Mateus 9, após perceber a realidade do homem, Jesus convida seus discípulos para que vejam a mesma realidade. O convite é para que se veja a seara. A seara é toda a realidade do homem. O convite de Jesus é para que vejamos o homem em sua miséria e desconforto, situações produzidas pelo pecado que o escraviza. A fórmula como Jesus determina para que possamos nos inteirar desta realidade é orar. Ninguém pode orar por uma causa a não ser que esteja envolvido com ela. E ninguém pode estar envolvido com uma causa sem orar por ela. Aqueles que oram são os mesmos que são enviados. Comumente oramos para que Deus levante e envie pessoas, mas nem sempre estamos conscientes de que para orar é preciso estar envolvido. Quem ora já está comprometido. 4. O CONCEITO DE SEMEADOR NA VISÃO DE JESUS O conceito de Jesus sobre a semente é profundo. Ele a vê como algo dinâmico e vivo. O semeador, de forma decidida e convicta, saiu a semear. Isso nos sugere um processo dinâmico de produção de vida. Todo semeador quando sai para semear tem um processo a seguir, desde a escolha e preparo do solo onde plantar até o PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 23 lançar da semente, pois ele sabe que da semente virá algo vivo. A semente, embora inerte, está carregando em si, incubado, algo vivo. 5. AS CARACTERÍSTICAS DO SEMEADOR NA VISÃO DE JESUS. O semeador é alguém de ação. O verbo “saiu” indica que este homem decidiu por os pés para fora de casa, para fora do lugar tranquilo em que estava e partiu para a ação. a) Não se semeia onde quer. Apesar da impressão que se trata de uma ação fortuita e casual, o semeador não saiu a esmo, por aí, semeando ao acaso. Talvez não fosse necessário mencionar que ele sai preparado e pronto para jogar a semente, numa ação contínua e processual e incessante. A ação deste semeador é contínua, gradativa e planejada, ou seja, tem rumo certo, ainda que não necessariamente de forma sistematizada. A verdade que salta aos olhos é que a mensagem do evangelho, assim, como a semente, deve ser espalhada, mas nem sempre ela será frutífera, pois nem sempre cairá em solo preparado, fértil e bem cuidado. b) A semeadura é marcada pela obediência. Uma característica marcante no semeador é a obediência. O lavrador que não obedece às regras do tempo está fadado a ter uma colheita pífia. Ele tem que obedecer a época de arar, adubar e plantar, pois caso contrário corre o risco de perder a época certa em que a sua plantação desfrutará das chuvas e do sol na medida certa. c) Paciência. No processo da semeadura, a paciência é uma virtude indispensável. Neste processo existem tarefas que são dependentes do semeador, mas o surgimento da nova planta não depende da sua capacidade, vontade ou ação. Ele terá que esperar pelo processo natural definido pelo Criador. 24 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS Não depende do semeador a aceleração do processo de colheita, pois ela tem o tempo certo e, por mais esforço que o semeador empreenda, não fará adiantar esse processo. Da mesma forma, no reino do Senhor, nós os semeadores não podemos interferir no processo de nascimento da semente. Por mais ansiosos que estejamos pelo novo nascimento das pessoas, nosso trabalho consiste em “semear” e não o de fazer brotar e produzir frutos. Cada planta tem seu ciclo de nascimento, crescimento e produção e isso não depende do agricultor. Assim é também na tarefa de semear o evangelho, cada coração tem seu ciclo de nascimento crescimento e produção, e isso independe da nossa vontade, por isso a paciência é virtude indispensável ao semeador. d) Persistência. Continuando essa comparação entre o semeador e o pregador, podemos verificar que a persistência é outro elemento indispensável em ambos os casos. Às vezes se planta e a chuva não vem e então há a necessidade de replantar; ou, quando uma praga atinge a plantação, isso vai exigir do agricultor um novo esforço. Da mesma forma, na semeadura do evangelho temos que plantar e replantar quantas vezes se fizer necessário, até que tenhamos êxito em nossa pregação. 6. O ENVIO NO MODELO DE JESUS a) O movimento de Deus em direção à humanidade. O envio de Cristo para a humanidade demonstra um movimento de Deus em direção à humanidade, no desejo de vê-la restaurada. Deus toma a iniciativa da salvação do homem e isso se dá pela encarnação de Cristo e pela missão dada à igreja. O destino do Filho de Deus foi o mundo de Deus: “Assim como o Pai me enviou”. “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu vos enviei ao mundo”. O Cristo- PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 25 homem veio ao mundo dos homens. Não a um mundo ideal, mas ao mundo tal e qual ele é. Ele se reduziu a uma cultura particular – ou, dito de outra maneira, a um espaço-tempo-recado. Por que toda cultura está limitada pela geografia, pela história e pela situação de pecado. Jesus enviou sua igreja “como ele foi enviado” ao mundo da história, da geografia e do pecado, o qual, no entanto, é o mundo de Deus, o mundo das Escrituras. (ARANA, 1992, p.83) III. OS EVANGELHOS E A PREOCUPAÇÃO COM OS PERDIDOS Compreendemos, pelo estudo da Teologia Sistemática, que toda a criação foi afetada pelo pecado. Toda criação foi amaldiçoada por causa da queda, e assim podemos afirmar que o homem causou um prejuízo universal. Jesus intervém em nossa história para trazer de volta o homem que caiu no pecado.Jesus não veio apenas para restaurar a nossa alma, mas para reconstruir tudo aquilo que foi afetado pelo poder do pecado. O texto de Lucas 15 é composto de três parábolas. Em todas elas temos semelhanças: Todas falam de algo de valor que se perdeu, falam do esforço daquele que sofreu a perda em reencontrar o bem perdido e todas falam da alegria e júbilo quando o bem perdido é encontrado. Fica muito evidente que a intenção de Jesus ao contar essas histórias, que há goza no coração de Deus quando o perdido é encontrado. Podemos definir o perdido como todo aquele que não está numa íntima relação com Deus, e sempre que alguém restabelece o vínculo com Deus, há júbilo no céu. IV. A VISÃO DA GRANDE COMISSÃO O texto de Mateus 28.18-20, comumente conhecido como “a grande comissão” é o clímax, e ao mesmo tempo uma síntese de vários temas abordados no decorrer de todo o 26 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS evangelho. Um exemplo desta abordagem é o da participação dos gentios na genealogia de Jesus. A visita dos magos no nascimento de Cristo e a sua estadia no Egito por conta da perseguição estabelecida por Herodes, exemplificam a proclamação universal da mensagem de Cristo. Vejamos a grande comissão na perspectiva estrutural do texto de Mateus 28.18-20 1. A AFIRMAÇÃO DA AUTORIDADE DE JESUS. A autoridade de Cristo é a afirmação que domina toda a passagem de Mateus 28.18-20. As expressões, portanto e eis que sinalizam que toda a passagem, tanto a ordem (vão e façam), quanto a promessa (estarei convosco), estão diretamente ligadas a afirmação da autoridade de Jesus. 2. A ORDEM DO DISCIPULADO. Dois aspectos básicos do discipulado são revelados por Jesus. O batismo como iniciação e a instrução como processo de desenvolvimento dos novos convertidos na fé que abraçaram. 3. A PROMESSA DA PRESENÇA DE JESUS. Como resultado de sua autoridade, e também como garantia, Jesus promete sua presença constante com os discípulos. Mateus não registra nada nos últimos capítulos sobre o retorno de Jesus, provavelmente por que do seu ponto, O Mestre não teria que voltar, porque nunca se ausentou de seus discípulos. 4. A BASE DA GRANDE COMISSÃO ESTÁ NO SENHORIO, PODER E AUTORIDADE DE CRISTO. Jesus ressuscita e recebe de Deus-Pai a posição de soberania absoluta. Nas palavras de Estevan Kirschener (KIRSCHENER, 1996, p.38) este ato expressa a concessão divina de seu poder e autoridade para agir. A autoridade de Jesus não é um assunto novo e inédito em Mateus. No decorrer do evangelho encontramos este tema PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 27 sendo amplamente explorado pelo evangelista. Mateus aborda a autoridade de Jesus em dois momentos bem específicos: no período pré-ressurreição e no período pós-ressurreição. A autoridade do período pré-ressurreição é encontrada em fatos e ocasiões como no ensino de Jesus (7.29), na sua capacidade de perdoar pecados (9.6-8). A autoridade no período pós– ressurreição é “autoridade conferida a partir da ressurreição e é expandida tanto no céu como na terra; é autoridade cósmica, universal em seu alcance e abrangência” (KIRSCHENER, 1996. p.36). Depois da ressurreição Jesus assume a autoridade cósmica (no céu e na terra) e universal que lhe é de direito. É esta autoridade que se torna a base para a missão universal que está prestes a ser anunciada. Ir e fazer discípulos preconiza o Senhorio de Cristo entre as nações para que, posteriormente, este senhorio seja sobre as nações. O senhorio universal de Cristo exige uma missão que seja universal. 5. O PROCESSO DO DISCIPULADO É A METODOLOGIA USADA NA GRANDE COMISSÃO. A comissão de Jesus se baseia em sua autoridade absoluta e sua funcionalidade se dá pelo discipulado. No Evangelho de Mateus, fazer discípulos significa levar alguém a experimentar um novo relacionamento com Cristo, na mesma proporção que os discípulos já possuíam. Isto implica em chamar homens e mulheres para seguirem a Jesus. Fazer discípulos não é apenas confrontar ou desafiar o ouvinte, mas se responsabilizar pelo que acontece ao receptor da mensagem. Fazer discípulo não é uma ação destinada a um único povo ou região. Embora Mateus 10.5 demonstre uma visão limitada, existem outras referências no mesmo Evangelho que antecipam o anúncio de Mt 28.18-20. Entre elas estão: Mt 8.11; 21.43; 22.8-10; 26.13. Batizando e ensinando são adjetivos que dependem do verbo principal, sem, contudo, levar a mesma força imperativa 28 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS do verbo. São dois particípios modais que expressam modo ou maneira pela qual a ação do verbo principal se desenvolve. Assim, batizando e ensinando, especificam o que está envolvido no fazer discípulos. Os dois particípios não expressam um fim em si mesmo. São características daquilo que a missão implica. O batismo que Jesus estabelece com o discipulado deriva seu significado e relevância da obra redentora de Cristo. É o rito de iniciação, que representa a identificação e compromisso com o Cristo morto e ressurreto. Este batismo tem a ver com o relacionamento desses que foram feitos discípulos com a Trindade. O particípio ensinando impõe aos discípulos um papel até então dos mestres. Não se trata de ensinar ideias abstratas, mas de ética. Já na expressão todas as coisas que vos ordenei; não se trata de ensinar tudo que Jesus falou, mas de ensinar a obediência. Ensinado a obedecer. Essa obediência é confirmação da autoridade de Cristo. Fazer discípulo só é ato completo quando se leva uma vida em que os mandamentos de Jesus são observados. 6. A GRANDE COMISSÃO TEM A GARANTIA DA PRESENÇA DE CRISTO ATÉ O FIM DOS TEMPOS. Esta é uma promessa com ares de certeza. O clímax do evangelho termina como o livro começou, com a menção da presença permanente de Jesus com os discípulos. Em Mateus 1.23 encontramos o Emanuel – Deus conosco. Algumas implicações são importantes aqui: • A presença permanente de Cristo é garantida por sua autoridade absoluta; • Sua presença é o equipamento necessário para o desempenho da missão; • Não há qualquer possibilidade de que presença de Jesus esteja condicionada ao sucesso da missão; • A presença de Jesus é a motivação para o desempenho da missão proposta PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 29 V. MISSIO ECCLESIAE As missões no passado carregavam na linguagem centralizada nas igrejas da Europa e Estados Unidos. Era a nossa missão, a nossa igreja, os nossos missionários. A partir de Willingen (Alemanha 1952) passa a pensar no missio Dei. A missão é de Deus e não nossa. “O movimento missionário do qual fazemos parte tem com fonte o Deus Trino”. A ideia desenvolvida era a de que Deus era ao mesmo em Jesus o que envia e o enviado. Deus enviou o Filho, que enviou o Espírito, que envia a igreja ao mundo. Posteriormente, veio também a ênfase no missio ecclesiae, ou seja: Não existe participação em Cristo sem a participação na sua missão. (BARRO, 1999. p 1) Fora da igreja não existe missão. É dentro do contexto do corpo de Cristo que se manifesta o poder para a proclamação do evangelho. No livro de Atos somos informados da capacitação do Espírito Santo (At 1.8). Neste texto a ênfase de Jesus é sobre o grupo de discípulos. Quando ele diz: Recebereis poder, está se referindo ao grupo, ou seja, fora do âmbito do corpo não há poder do Espírito. CAPÍTULO 3 A MISSIOLOGIA DE LUCAS / ATOS Destacar a teologia de missão de Atos parece uma tarefa razoavelmente simples, uma vez que ler os atos dos apóstolos somos remetidos a um período de expansão da igreja. No entanto a tarefa não é tão simples. No desejo de abranger essa dimensão do livro é que propomos, em primeiro lugar, entender a cosmovisão de seu autor. Queremos neste estudo compreender um pouco mais de Lucas, que é mais do que médico e historiador, é na verdade um grande teólogo. Em seguida faremos um resumo do que seriam alguns princípios missionários do livro de Atos. I. A IMPORTÂNCIA DOS ESCRITOS DELUCAS PARA A COMPREENSÃO DE SUA VISÃO MISSIONÁRIA. Lucas tem uma compreensão de missão diferente de Mateus e Paulo. No entanto é inegável a importância que desempenha o texto da “grande comissão” de Mateus, especialmente no sentido de dar à igreja ocidental uma fundamentação bíblica da missão da igreja. Outra passagem do Novo Testamento tem tomado lugar no debate sobre o fundamento da missão da igreja. Estamos falando da versão dada por Lucas do episodio ocorrido em Nazaré, terra natal de Jesus, quando este na sinagoga aplica a si mesmo e ao seu ministério a profecia de Isaias 61.1s. De 32 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS acordo com (BOSCH, 2002, p. 113) para efeitos práticos, Lc 4.16-21 substituiu a “grande comissão” de Mateus como texto chave não só para entender a missão do próprio Cristo, mas também a da igreja. 1. OS FATORES QUE OCASIONARAM OS ESCRITOS DE LUCAS. Lucas talvez seja o único autor gentílico entre os escritos do Novo Testamento e as razões e as circunstâncias que motivaram a escrita de dois e não apenas um documento, não pode ser ignorado e nem desprezado neste momento em que nos propomos entender a sua percepção da missão de Cristo legada à igreja. Assim como Mateus, os escritos de Lucas foram anotados provavelmente na década de 60 D.C, (podendo ser até a década de 80 D.C) muito provavelmente usando as mesmas fontes, sendo uma delas o evangelho de marcos. Nos anos que se passaram muitas coisas aconteceram. Fatos marcantes ocorreram, dentre eles, como destaca (BOSCH, 2002, p.114): “a igreja cristã, que iniciara como um movimento de renovação do judaísmo (...) já não estava atraindo um número significativo de judeus para a fé em Jesus Cristo”. Para todos os efeitos práticos, havia se tornado uma igreja gentílica. Outro elemento importante é que a igreja havia experimentado um grande impulso missionário com Paulo. Esse foi um momento de transição, havia agora uma igreja que já contemplava a segunda geração de convertidos, e que em muitos casos sofriam com alguns dilemas em relação à fé. Um desses dilemas dizia respeito à volta de Cristo, prometida e aguardada com muito fervor pela primeira geração de crentes. O surgimento de movimentos heréticos também criou abalos nessa igreja, que, mesmo tendo se expandido, parecia sofrer um momento de estagnação. (BOSCH, 2002) diz que: A fé da igreja era posta a prova em pelo menos duas frentes: a partir de dentro, houve um esmorecimento do PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 33 entusiasmo; a partir de fora, havia hostilidade e oposição tanto da parte de judeus quanto de pagãos. Talvez o principal dilema enfrentado pela igreja nessa nova fase seja o da identidade: Quem somos nós? Qual a nossa relação com o judaísmo? Somos uma nova religião ou uma renovação do judaísmo? A tentativa de ajudar esses novos crentes talvez tenha sido a motivação de todos os evangelistas. A história precisava ser compreendida, a fé revigorada, e é nesse sentido que, segundo (BOSCH, 2002), Lucas ofereceu essa reinterpretação de um modo singular. Ele sustentou que os cristãos do seu tempo não estavam em situação menos vantajosa do que os primeiros discípulos de Jesus; que o Senhor ressurreto ainda estava com eles, particularmente através de seu Espírito, o qual os orientava continuamente para assumirem novas aventuras. 2. A ÊNFASE DOS ESCRITOS DE LUCAS. Não compreendemos Atos como um texto tardio, resultado de uma reflexão posterior de Lucas, mas como um texto intencionalmente escrito, ou seja, desde o princípio Lucas desejava escrever dois volumes. Isso fica claro na maneira como ele estrutura seus escritos. No evangelho, Lucas faz uma única menção à missão aos gentios (Lc. 24.47). Essa missão foi deixada para ser mencionada no segundo livro, porque essa tarefa é da igreja e não do Jesus terreno. Conforme (BOSCH, 2002) o Evangelho nos leva até o limiar dessa missão. O livro de atos contará essa história em detalhes. Lucas apresenta Jesus como o filho do homem, rejeitado pelos judeus e oferecido aos gentios. Nesta apresentação Jesus é visto como o salvador universal. Esta visão encaixa- se perfeitamente com o tema e propósito de Atos, porque, nos relatos do livro, Lucas está intensamente envolvido com Paulo na missão aos gentios. Neste desenvolvimento certos temas são presentes nos escritos lucanos, como fala (BOSCH, 2002): O ministério do Espírito Santo, a centralidade do arrependimento e do perdão, da oração, do 34 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS amor e da aceitação dos inimigos, da justiça, da equidade nos relacionamentos interpessoais. A ênfase de Lucas em seus escritos não recai somente sobre temas relevantes, mas também sobre classes de pessoas. Ainda de acordo com (BOSCH, 2002), no topo da lista, ao menos no que diz respeito ao Evangelho, estão os pobres. Também deve ser observada a ênfase na associação de Jesus com as mulheres, os coletores de impostos e os samaritanos, uma assombrosa ultrapassagem da barreira social e religiosa existente na sociedade patriarcal de sua época. Todo o ministério de Jesus e seus relacionamentos com grupos e pessoas marginalizadas testemunham, nos escritos de Lucas, que a compaixão de Jesus ultrapassa fronteiras, atitude que a igreja é chamada a imitar. II. ELEMENTOS DE COMPOSIÇÃO DA VISÃO MISSIONÁRIA DE LUCAS 1. O RELACIONAMENTO ENTRE A MISSÃO AOS JUDEUS E A MISSÃO AOS GENTIOS. O relacionamento entre a missão aos judeus e aos gentios é presente em todo o pensamento lucano. Lucas certamente tem uma compreensão teológica geral de uma missão aos judeus e gentios, mesmo que a forma como ele desenvolve isso nem sempre satisfaça as exigências ocidentais modernas de coerência lógica. (BOSCH, 2002.p 117). Essa forma sutil de Lucas abordar um tema tão importante é possível de ser percebido em quatro movimentos: a) O desenvolvimento geográfico que ele dá aos dois livros. Uma das maneiras que temos de compreender a unidade entre as duas obras de Lucas é observarmos como ele faz uso da geografia. No Evangelho, Lucas relata o ministério de Jesus PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 35 em três estágios diferentes, todos eles divididos pela geografia. A primeira parte do livro mostra o ministério de Jesus na Galiléia (4.14-9.50); a segunda parte do evangelho narra a descida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (9.51-19.40) e a última parte descreve as atividades de Jesus em Jerusalém (19.41, até o fim). A partir daí Jerusalém se torna o centro das narrativas de Lucas. Em Atos encontramos a mesma configuração, com a igreja se desenvolvendo em três fases. Tomando como base o texto de Atos 1.8, vemos que a ordem de Jesus estabelece essas fases de avanço simultâneo para a igreja. Uma das maneiras que temos de esboçar o livro de Atos é através da geografia. Os capítulos iniciais de Atos se preocupam em relatar o nascimento da igreja em Jerusalém; a segunda parte do livro relata a expansão da igreja em Samaria e região, enquanto que a terceira parte expõe o avanço da igreja para todas as regiões, chegando até na capital do império. Dessa forma podemos montar um esboço de Lucas e Atos a partir da geografia. b) A interpretação que Jesus dá ao texto de Isaias 61. No texto de Lucas 4 a reação dos ouvintes é muito forte. Por um lado eles estão com muita expectativa, por outro lado há uma reação muito forte ao discurso de Jesus. Segundo (BOSCH, 2002) isso se dá pelo fato de “Jesus apropriar-se, de maneira confiante e enfática, de uma profecia do Antigo Testamento e a aplicar à sua pessoa e seu ministério”. O Espírito do Senhor está sobre ele e o ungiu. Mas o que chocou tanto aqueles que ouviram a Jesus? (BOSCH, 2002) sugere que ele lhes comunicou, entre outras coisas, que Deus era não apenas o Deus de Israel, mas também, de igual modo, dos gentios. Deus não está vinculado a uma nação, e isto é uma tônica de Atos, em que o evangelho é pregado sem distinção. O fato de os judeus rejeitarema Jesus em Nazaré também tem um significado especial em Atos, uma vez que, repetidamente, no livro de Atos o evangelho é oferecido aos judeus, que o recusam e, como resultado, os apóstolos se voltam aos gentios. 36 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS c) Os encontros de Jesus com os samaritanos. Com relação aos samaritanos, a postura de Lucas também é relevante. De acordo com (BOSCH, 2002), Marcos não faz qualquer referência a samaritanos, ao passo que Mateus só registra a proibição de Jesus de entrar em qualquer cidade samaritana (Mt 10.5). Lucas, por outro lado, faz diversas referências dessas, das quais pelo menos algumas são altamente significativas para o propósito de Lucas – Atos, ou seja, mostrar que a missão aos samaritanos foi o início da missão aos gentios e fazia parte do plano divino. Lucas menciona pelo menos três encontros de Jesus com os samaritanos na parte central do seu evangelho. A primeira menção em 9.51-56. Nesse episódio Jesus envia mensageiros para preparar hospedagem numa cidade samaritana, mas seus habitantes recusam hospedar o Mestre. Isto provoca a ira de Tiago e João, que pedem a Jesus que mande fogo do céu para consumir os samaritanos, mas são repreendidos pelo Filho de Deus. Essa atitude de João e Tiago pode ser compreendida à luz da história desses dois grupos de Israel: Os samaritanos são considerados impuros por profanarem o templo e pela matança de um grupo de judeus. O que é incompreensível é a atitude de Jesus, o que reflete, segundo (BOSCH, 2002), uma negação explícita e ativa por parte de Jesus na lei da retaliação, apontando assim para uma missão que ultrapassaria as fronteiras israelitas. A segunda menção de Lucas aos samaritanos é na parábola do bom samaritano. (10.25-37). Precisamos ter em mente que para o judeu do tempo de Jesus o samaritano era um representante da não humanidade. Ele é um inimigo de Deus. É este sujeito que Jesus enaltece como aquele que oferece amparo ao que está à margem do caminho. Este evento sugere que fora do circulo religioso judaico, existe ação graciosa, que aqueles considerados profanos podem se tornar portadores de bondade e misericórdia. A terceira menção que Lucas faz aos samaritanos em seu evangelho é na cura dos dez leprosos (17.11-19). Neste PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 37 episódio dez homens se aproximam de Jesus e pedem que sejam curados. Os doentes eram nove judeus e um samaritano. Todos são enviados ao sacerdote e apenas um retorna para agradecer a Jesus pelo benefício recebido, justamente o samaritano. A palavra de Jesus ao homem grato é que ele fora salvo por causa da manifestação de sua fé. Isso “aponta claramente para o fato de que a salvação também veio a esse povo desprezado” (BOSCH, 2002.p, 121). d) A atitude positiva de Lucas para com os judeus Lucas não é tão duro com os judeus como foi, por exemplo, Mateus. Ele tenta manter um clima de cortesia e simpatia. Em Lucas os fariseus nunca são chamados de hipócritas ou de guias de cegos. Lucas relata que Jesus, por três ocasiões diferentes, esteve na casa de fariseus e faz essas narrativas para “exaltar a atitude de Jesus, não com a intenção de censurá-lo. Só em Lucas o crucificado ora dizendo: Perdoa- lhes porque não sabem o que fazem” (BOSCH, 2002.p, 122). O desejo de Deus sempre foi, a partir de Israel, revelar sua glória ao mundo, e, com a aceitação do evangelho, esses judeus crentes cumprem a vontade de Deus: Eles são o renovo. Com isso podemos afirmar que a missão aos gentios não foi uma mudança de rota, os gentios não foram procurados porque os judeus rejeitaram o evangelho. Lucas não descreve a igreja cristã como uma espécie de terceira raça, que se somaria aos judeus e gentios. Para ele, antes, a comunidade cristã consiste dos judeus convertidos, aos quais se acrescentaram gentios convertidos. A igreja cristã não começou como uma entidade nova no dia do pentecostes. Naquele dia muitos judeus tornaram-se o que verdadeiramente eram: Israel. Subsequentemente os gentios foram incorporados a Israel. Os cristãos gentílicos são parte de Israel, não um novo Israel. Não há ruptura na história da salvação. Não se converter significa ser expurgado de Israel. A conversão significa participação na aliança com Abraão. A igreja nasce no seio do Israel antigo, não como um intruso reivindicando 38 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS prerrogativas. (BOSCH, 2002.p, 127). 2. O INTERESSE PELOS POBRES E MARGINALIZADOS Uma leitura simples do evangelho de Lucas revela a grande preocupação do evangelista com os grupos marginalizados da sociedade de sua época. (1.53; 6.20,24; 12.16-21; 16.19-31; 19.1-10). Todos esses eventos são encontrados somente em Lucas. Na versão lucana do Pai Nosso ele diz “perdoa nossas dívidas”, dando uma conotação monetária, enquanto Mateus usa “perdoa nossas ofensas” termo que sugere mais uma questão relacional. Lucas, ao contrario de Mateus e Marcos, faz uso constante da palavra “ptochos” (Dez vezes em Lucas e cinco vezes em Mateus e Marcos). Se não tivéssemos Lucas provavelmente teríamos perdido uma parte importante, se não a mais importante, da tradição protocristã e sua imensa preocupação com a figura e mensagem de Jesus como a esperança dos pobres. (SCHOTTROFF & STEGEMANN apud BOSCH, 2002.p, 130). a) Quem é o pobre? A etimologia da palavra pobre tem conexão com “fardo”, “peso”. No grego antigo eram usadas duas palavras para definir o pobre. A primeira (penēs) se refere ao homem que não tem condições de viver com sua renda, mas tem que trabalhar com as próprias mãos. A segunda é (ptochos) que é a palavra usada para aquele que é pobre o suficiente para mendigar, e que precisa de socorro. Essa concepção grega migra para as páginas do Antigo Testamento. Na concepção hebraica (penēs) se emprega para aqueles que são oprimidos jurídica e economicamente, enquanto (ptochos) é aquele que precisa de esmolas. Existe uma clara concepção no Antigo Testamento que Deus faz prosperar aqueles que são justos, que guardam os seus mandamentos, mas apesar dessa convicção a pobreza sempre existiu entre o povo judeu. Segundo o Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, o PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 39 empobrecimento da população era entendido não só com um problema social, mas também religioso, pois era compreendida como resultado da quebra da lei divina (BROWN, 1989). O Novo Dicionário da Bíblia amplia essa discussão, esclarecendo outras causas para a pobreza existente entre o povo israelita. A pobreza dos mesmos pode ter sido causada por meio de desastres naturais que conduzira a más colheitas, por meio de invasões de inimigos, por meio de opressão por parte de vizinhos poderosos, ou por meio de usura extorsiva. (DOUGLAS, 1995) A relação para com o pobre sempre teve uma atenção especial por parte de Javé. Foram criadas leis claras em relação ao pobre, que deveriam ser observadas pelos ricos, para que se estabelecesse a justiça social. A lei estipulava que: • Se alguém, por motivo de dívidas, tivesse que ser vendido como escravo, no ano do jubileu deveria ser liberto; • O produto da colheita no ano do descanso era do pobre; • Era expressamente proibido explorar ou oprimir o pobre; • O próprio Javé se proclama como o protetor dos pobres. A visão teológica revela que o pobre é aquele que sofre a injustiça, a opressão. Como a pobreza era concebida como fruto indireto da desobediência a lei de Javé, a pessoa que se tornou pobre porque outros desobedeceram a lei, era então considerada injustiçada e podia buscar em Javé o alívio de suas necessidades. Diante dessa volta constante a Javé, passou-se a considerar também a ideia de que pobre é todo aquele que se volta a Deus buscando socorro. Não podemos simplesmente espiritualizar essa definição, como fazem alguns estudiosos. A palavra ptochos é um termo geral, abrangente que traduz a ideia de todos os que se encontram em uma situaçãode desvantagem, engloba a todos os que por algum motivo vivenciam a miséria e se tornam necessitados. 40 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS b) Qual a mensagem aos pobres? Lucas reúne todos os marginalizados sob a figura do pobre e o faz com a intenção de mostrar que eles são necessitados de boas novas. A construção do texto de Lucas 4 é muito rica e precisa de nossa atenção: Primeiro, para a citação de Isaias 61.1. Este texto é uma profecia aos judeus que retornam do exílio, com o objetivo de encorajá-los “assegurando que Deus não se esquecera deles, mas virá em seu socorro introduzindo o ano aceitável do Senhor”. (BOSCH, 2002.p.132). Em segundo lugar temos que considerar a inserção feita por Lucas, de parte do texto de Isaias 58.6 “colocar em liberdade os cativos”. Esse texto encontra-se num perfil social, uma critica social que Isaias faz do seu povo. Ele encontra-se no contexto da crítica profética de discrepâncias sociais existentes em Judá, da exploração dos pobres pelos ricos. Mesmo num dia de jejum os ricos perseguem seus próprios interesses, fazem seus empregados trabalharem mais duramente (v.3) e altercam com aqueles lhes devem dinheiro (BOSCH 2002). A realidade dos judeus que voltam do exílio é terrível, muitos perderam todos os seus bens e em alguns casos, se venderam ou venderam seus filhos para pagar o tributo cobrado pelo rei persa. Os oprimidos de Isaias 58.6: Devem ser entendidos como as pessoas que estão economicamente arruinadas, que haviam se tornado escravos e não tinham esperança de escapar das garras sufocantes da pobreza. (BOSCH, 2002.p.133). Somente a boa nova do ano aceitável do Senhor poderia alentar algum tipo de alivio a tais corações. c) Zaqueu e Barnabé: Paradigmas para os cristãos ricos. Ao contrário da mensagem de alguns teólogos da libertação, que pregam um evangelho para os pobres, nem Jesus, nem o evangelho é preferencialmente para os pobres ou PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 41 qualquer outro grupo isolado. Lucas deixa em evidência que Jesus se relaciona com pessoas ricas. O livro de Atos registra que pessoas de posse se juntaram a igreja. O evangelho traz a manifestação da justiça em todos os seus sentidos, o que inclui o aspecto social, sendo assim o evangelho de Jesus deve promover a boa convivência entre pobres e ricos. A clara intenção de Lucas é: Que as pessoas ricas e respeitáveis se reconciliem com a mensagem e o modo de vida de Jesus e de seus discípulos; quer motivá-los para uma conversão que esteja de acordo com a mensagem social de Jesus. (SCHOTTROFF & STEGEMANN apud BOSCH, 2002). O teor dessa mensagem pode ser observado no contraste que Lucas faz entre dois personagens do evangelho, Zaqueu e o jovem rico; e outros dois Atos, Barnabé e Ananias. Ananias e o jovem são homens ricos que, em confronto com a mensagem de Jesus, reagem negativamente; enquanto que Zaqueu e Barnabé, que também são homens ricos, em confronto com a mesma mensagem, reagem positivamente. Analisando esses personagens fica ainda mais evidente o contraste, se tomarmos como paradigma Zaqueu e o jovem rico. De um lado temos um homem zeloso e cumpridor da lei, moralmente aceito e reconhecido em seu meio social, um homem exemplar, do qual todos tinham plena convicção de que seria aceito no reino de Deus. Do outro lado temos um homem que é cobrador de impostos, que socialmente tinha um estilo de vida desonroso e que todos tinham certeza seria um dos habitantes do Sheol. Lucas não condena o fato de ser rico. A questão levantada por ele é que o cristão deve ser rico seguindo a conduta social de Jesus, como fizeram Barnabé e Zaqueu. Tanto Isaias 58.5, quanto o evangelho de Lucas dirigem-se aos ricos. Ambos desejam inspirá- los a realizar feitos extraordinários e de amplas conseqüências, a renunciar a grande parte de suas posses e desistir de cobrar dividas, e 42 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS a dar esmolas de modo geral, aliviando dessa maneira, a difícil situação dos membros pobres da comunidade. Isaias 58.5-9 falou ao estrato superior da comunidade imediatamente depois do exílio, em meio a uma grave crise social; Lucas dirige sua obra de dois volumes ao estrato superior da comunidade helenística. (ALBERTZ apud BOSCH, 2002.p, 135). 3. A COMPREENSÃO DE ARREPENDIMENTO, PERDÃO E SALVAÇÃO. É muito frágil a argumentação de que o evangelho seja para este ou aquele grupo. O evangelho é para o ser humano caído e excluído da presença de Deus. Sendo assim pobres e ricos carecem da graça de Cristo para a obtenção de livramento de seus pecados e o cancelamento de sua dívida com a justiça de Deus. Os pobres são pecadores como todas as outras pessoas, porque, em última análise, a pecaminosidade está enraizada no coração humano. Assim como os materialmente ricos podem ser espiritualmente pobres, os materialmente pobres podem ser espiritualmente pobres. (BOSCH, 2002.p.136). Lucas faz uso intenso de soteria e soterion nos dois volumes de sua obra, seis vezes no Evangelho e duas vezes em Atos. Dos outros evangelistas, João só as utiliza uma vez, enquanto Mateus e Marcos não fazem uso delas nos seus escrotos. Do ponto de vista de Lucas, a salvação tem Cristo como o sujeito principal. Entre os sinóticos, Lucas é o único a chamar Jesus de salvador (Lc 2.11; At 5.31; 13.23). A salvação em Lucas “inclui a transformação total da vida humana, o perdão do pecado, a cura das enfermidades e a libertação de qualquer tipo de escravidão.” (BOSCH, 2002. p, 139). Que tipo de libertação ou transformação os judeus e gentios precisam experimentar em sua vida para alcançar a salvação? A mensagem dos apóstolos, especialmente Pedro, indica que é necessário se arrepender de seus pecados. Para PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 43 Bosch “judeus e gentios têm pecados diferentes” (BOSCH, 2002. p, 138). Os judeus por terem participado na morte de Jesus (At 2.36-40), enquanto os gentios devem se arrepender da adoração aos ídolos (Rm 1.18-32). O pecado na teologia lucana é está relacionado á conduta moral, em particular no que diz respeito ao meu semelhante. Isso já se torna evidente no relato Lucano acerca do ministério de João Batista (3.10-14). De igual maneira o rico da parábola (16.19-31) é considerado pecador porque não mostra compaixão para com Lázaro. O sacerdote e o levita são, por implicação, retratados como pecadores na medida em que ignoraram os apuros em que se encontra o a pessoa que caiu nas mãos de salteadores (10.30-37). O filho pródigo (15.11-32) pecou contra o céu e contra seu pai, por sua conduta, porém, mais ainda pela maneira como tratou o pai. (BOSCH, 2002. p, 138). A ampliação do conceito de salvação nos mostra que o ato de redenção “implica a reversão de todas as más conseqüências do pecado, tanto contra Deus, quanto contra o próximo. Ela não tem só uma dimensão vertical.” (BOSCH, 2002.p, 140). A salvação não pode ser compreendida como um ato isolado no coração da pessoa, isso torna a salvação subjetiva demais, enquanto Lucas nos demonstra que a salvação deve ser um elemento de objetividade, relembrando os princípios de retribuição presentes na lei de Moises. “A libertação de também é libertação para; do contrário não é expressão da salvação. E a libertação para sempre implica em amor a Deus e ao próximo.” (BOSCH, 2002. p, 140). Isso significa que não podemos reduzir os efeitos da salvação na conduta de uma pessoa. A salvação deve ser tratada como algo maior do que tem sido pregado em nossos dias. Qualquer pessoa que reduza o seguimento de Jesus a um empreendimento do coração, da cabeça e de relações interpessoais privadas restringe o seguimento de Jesus e trivializa o próprio Jesus. (SCHOTTROFF & STEGEMANN apud BOSCH, 2002.p, 140). 44 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS Em Lucas, Jesus é apresentado como aquele que se volta para o necessitado, marginalizado, e lhe dá um lugar no reino de Deus. Assim, a missão da igreja nolivro de Atos é uma missão salvadora, como foi a obra do Senhor. 4. O MINISTÉRIO DE JESUS QUE VISA SUPLANTAR A VINGANÇA A mensagem inaugural do ministério público de Jesus, numa sinagoga na Galiléia, era uma mensagem de libertação, do anúncio do “ano aceitável do Senhor”. O messias anunciado pelos profetas e esperado por Israel era um libertador. “as pessoas criam que o messias restabeleceria a dinastia de Davi e libertaria o povo de toda opressão estrangeira” (TROCMÉ, 2004. p.13). A quebra de expectativa gerada por Jesus se deu quando ele para seu discurso sem enunciar a frase seguinte, que anunciaria ao dia da vingança. Quando Jesus leu o livro de Isaías (61) na sinagoga, a congregação provavelmente esperava que ele anunciasse vingança contra os inimigos, especialmente contra os romanos. Uma vingança que seria o passo preliminar rumo à época de libertação. Eles estavam esperando ardentemente um sermão com impulso revolucionário e talvez as palavras iniciais de Jesus: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir”, atiçou ainda mais essa expectativa. (BOSCH, 2002. p,143). Ford chama a nossa atenção para o fato de que a missão de Jesus, a partir do ponto de vista de Lucas, tem um aspecto que vem sendo negligenciado ao longo do tempo, que é o aspecto da pacificação, da retribuição não violenta ao mal; da futilidade e natureza autodestrutiva da vingança e do ódio. Ao longo do seu evangelho, Lucas detalha como essa atitude pacificadora de Jesus foi vivenciada. O apóstolo deixa claro que a missão de Jesus é de compaixão para com os pobres e marginalizados, até mesmo para o inimigo. “Ele é o ungido PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 45 de Deus que anunciará um ano de favor, tanto para os judeus, quanto para os seus oponentes” (BOSCH, 2002. p, 144). A mensagem do messias suplanta a vingança e em episódios como a atitude de Jesus para com os samaritanos, em que Tiago e João pedem para descer fogo do céu, diante da recusa em dar hospedagem a Jesus é uma evidência de que Jesus não quer adotar sentimentos vingativos. Outro episódio relatado por Lucas que destaca essa atitude pacificadora de Jesus é encontrado no capítulo 13.1-5. Os ouvintes de Jesus esperam que ele exprima sua reprovação aos romanos, mas ao invés disso Jesus usa essa situação para chamá-los ao arrependimento no lugar do sentimento de vingança. A própria atitude de Jesus diante de seus algozes ressalta o seu compromisso com a não violência. Seu comportamento nos eventos que ocorreram durante sua crucificação e morte ressalta a completa ausência do sentimento de vingança. Sua oração, juntamente com a palavra de perdão dirigida aos criminosos da cruz, ambos relatados somente por Lucas, mostra que, mesmo ao sofrer a morte de um escravo e criminoso, Jesus voltou-se em amor e perdão para os marginalizados e inimigos, vivenciando assim, uma ética que era completamente contrária à ideologia militante, tanto dos opressores quanto dos oprimidos. (FORD apud BOSCH 2002. p, 145-146). Lucas está convencido de que o evangelho de Jesus é pacificador, que estimula o perdão e o amor aos inimigos. No reino de Cristo não há espaço para a vingança e o ódio. III. OS PRINCÍPIOS MISSIONÁRIOS DE ATOS Atos é uma continuação de Lucas. A motivação de Lucas ao escrever Atos é continuar mostrando os atos de Jesus através do seu Espírito na vida dos crentes. Lucas mostra o surgimento da igreja, a descida do Espírito e ampliação do reino de Deus, ainda que debaixo de perseguição. O livro mostra ainda, a transição da igreja de Jerusalém, Antioquia para Roma. Atos é um livro de movimento, começa com a igreja judaica e termina com a igreja gentílica. 46 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS Da compreensão da mente de Lucas como teólogo e do objetivo do autor em escrever esse livro, podemos extrair os seguintes princípios missionários do livro de Atos. 1. A SIMULTANEIDADE DA MISSÃO Uma grande confusão que se estabelece em nossa mente, com relação ao desenvolvimento da missão: Ela é simultânea? Ou progressiva? A missão da igreja deve ser local e global ao mesmo tempo. (Atos 1.8). A manifestação de Atos 2, revela que o enchimento do Espírito é para capacitar a igreja ao cumprimento da missão. A igreja por mais santa e consagrada, continua imperfeita e incapaz de conduzir a obra de Deus, por essa razão ela é capacitada por Deus com a plenitude do Espírito. Deus capacitou a igreja com poder e autoridade. Poder é a capacitação que necessitamos para realizarmos a tarefa que nos foi designada. Sem este poder não temos como levar adiante uma tarefa que é maior que a nossa capacidade de ação. O mecanismo que Deus nos deu é a simultaneidade: “tanto em”, “como em”. A igreja, portanto, só pode agir na dinâmica do Espírito. A igreja que não cumpre a missão de ir a todos os lugares ao mesmo tempo não tem em si a habitação do Espírito. 2. A MISSÃO TEM COMO BASE A IGREJA LOCAL. Missões é basicamente uma responsabilidade da igreja local. Ela é o celeiro de missionários, é dela que saem os recursos para missões e por ela devem ser administrados. Ela é quem deve se preocupar com grupos não alcançados em sua cidade, região e mundo. (DEL PINO, 1993.p.55). Essa tarefa de fazer discípulos em todas as partes é trabalho da igreja, enquanto corpo de Cristo. A missão da igreja, e por tanto das igrejas, é proclamar o evangelho de Cristo e reunir os crentes em igrejas locais onde podem ser edificados na fé e tornados eficazes no serviço, e assim implantar novas congregações no mundo inteiro. (HESSELGRAVE, 1995. p.13). PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 47 A igreja local é a base de toda o operação de Deus, porque nela encontramos o material humano necessário para o serviço. O livro de Atos nos relata que na igreja em Antioquia haviam pastores e mestres. Os primeiros enviados da igreja não vieram de organizações paraeclesiásticas, mas sim da igreja. Além do mais sabemos que é na igreja que o poder de Deus age. A capacitação do Espírito é para o cristão. Os crentes da igreja de Antioquia serviam ao Senhor quando receberam a incumbência de enviar a Barnabé e a Saulo. 3. A PRIORIDADE MISSIONÁRIA DA IGREJA É FAZER DISCÍPULOS. A prioridade da igreja é fazer discípulos. Essa foi a tarefa que Jesus nos incumbiu. Como já citamos acima fazer discípulos implica em conduzir todo homem a obedecer a Cristo. A missão da igreja consiste em levar a humanidade a estado de obediência ao Criador. O que encontramos no livro de Atos é exatamente essa preocupação. Por todos os lugares por onde Paulo passou anunciando o Evangelho fica evidente que ele priorizou o ensino dos fundamentos da fé. Isso é mais claro e evidente nos casos de Corinto, em que ele passou dezoito meses, provavelmente na consolidação da fé dos novos convertidos. Em Éfeso, ele ficou por mais de três anos ensinando o evangelho. CAPÍTULO 4 A MISSÃO NA PERSPECTIVA DE PAULO I. A MOTIVAÇÃO MISSIONÁRIA DE PAULO Ninguém jamais conseguiria sofrer tantas privações e provações como Paulo sofreu sem que sua motivação fosse realmente verdadeira. O que motivou Paulo a sair por toda a bacia do mediterrâneo anunciando uma mensagem que parecia loucura para os gregos e era desprezada pelos judeus? Paulo estava motivado por suas convicções teológicas. Essas convicções foram tão fortes que o impulsionou a ir pelo mundo pregando o evangelho e plantando igrejas. Davi Bosch sugere que três motivos missionários agiam em Paulo, o senso de preocupação, o senso de responsabilidade e o senso de gratidão. Augustus Nicodemos em seu artigo intitulado “Paulo um plantador de igrejas – Repensando os fundamentos bíblicos da obra missionária”, afirma que a motivação do Apóstolo dos Gentios para sair por pelo império anunciando o evangelho e plantando novas igrejas era a sua convicção teológica. Ainda de acordo com Nicodemos são três as convicções teológicas de Paulo que o movia na expansão do evangelho. Primeiroera a convicção de que os últimos dias haviam chegado, a segunda convicção era a de que a igreja encarna a plenitude das promessas de Deus e, terceiro, era a convicção de que Deus o havia chamado para edificar essa igreja. 50 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS II. A POLÍTICA MISSIONÁRIA DE PAULO Segundo John Stott “a maior diferença entre Paulo e nós é que ele fundava igreja enquanto nós fundamos organizações” (STOTT, 1990. p, 234). Podemos dizer que a política missionária de Paulo girava em torno de três eixos centrais: o ensino apostólico, o cuidado pastoral e confiança em Deus. III. A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA DE PAULO – O EXEMPLO DE CORINTO A cidade de Corinto localizava-se num istmo estreito de apenas seis quilômetros de largura, que faz a interligação do sul da Grécia com o restante do país. Esta posição geográfica privilegiada fez com que a cidade de Corinto se transformasse num dos principais centros comercias do mundo antigo. Como diz Prior (1985, p. 11) por terra todos passavam por ela, pelo mar os marinheiros preferiam usar os portos de Lequeu e Cencréia, que flanqueavam a cidade nos dois extremos do istmo, isto para não circundar as perigosas águas do cabo de Maleia, um percurso de mais de 320 quilômetros. Nero, imperador romano (40-66 D. C), tentou de forma frustrada construir um canal neste istmo, para facilitar a navegação naquela região. O canal de Corinto só foi terminado em 1893. 1. CORINTO ERA UM CENTRO RELIGIOSO Corinto tornou-se uma cidade próspera, e também licenciosa. Viver em Corinto era sinônimo de licenciosidade, a evidência disso é que os gregos tinham uma palavra para designar uma vida de libertinagem: korinthiazein, isto é viver como um Corinto. (PRIOR, 1985, p.11) A licenciosidade de Corinto era evidenciada em sua prática religiosa. A religiosidade dos corintos era caracterizada por alguns aspectos: PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 51 a) Culto dedicado à glorificação do sexo. A cidade estava ao pé do Acrocorinto, uma montanha com mais de 560 metros de altura, sobre a qual se encontrava o grande templo de Afrodite, a deusa grega do amor. O templo contava com mil sacerdotisas do templo, que eram prostitutas cultuais, que sempre ao cair da tarde desciam à cidade para oferecer seus serviços sexuais. b) Culto dedicado à glorificação do corpo. Além do templo de Afrodite, no centro da cidade estava o Templo de Apolo. Ele era o deus da música, do canto e da poesia; o deus Apolo representava o ideal da beleza masculina. Em Corinto havia estátuas e frisos de Apolo nu. Essas esculturas “exibiam virilidade e inflamavam seus adoradores masculinos a prestarem devoção através de demonstrações físicas com os belos rapazes a serviço da divindade. Corinto era, portanto, um centro de prática homossexual.” (PRIOR, 1985, p.12) c) Culto sincretista Ao pé do Acrocorinto realizava-se também o culto a Melicertes, que era o deus patrono da navegação. Esse deus era o mesmo adorado na cidade de Tiro, também conhecido como “Baal”, essa divindade que foi inserida em Israel por Acabe quando se casou com Jezabel, filha do rei de Tiro e Sidom. (1 Reis 17). Tanto o culto a Afrofite e a Melicertes eram cultos que receberam a influência das religiões orientais. Em Corinto a religião havia se misturado de tal forma, que não havia mais uma identidade cultual. 2. CORINTO ERA UM CENTRO COSMOPOLITA Corinto era um ponto de parada natural da rota de Roma para o Oriente e o lugar onde se encontravam várias rotas de comércio. A antiga Corinto foi totalmente destruída pelo romano Mummius Achaicus em 146 a.C. Quando um século mais tarde a cidade foi reerguida como colônia romana, reconquistou rapidamente muito da sua grandeza anterior. A 52 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS colônia era uma pequena Roma plantada em terras habitadas por outros povos e fora escolhida para ser um centro de vida romana e manter a paz. Como a nova cidade era colônia romana, naturalmente seus habitantes eram romanos. No começo os gregos pareciam relutantes com esta nova cidadania, mas aos pouco retornaram em grande número. A cidade atraiu também homens de muitas raças orientais, incluindo uma população judia tão grande que poderia ter uma sinagoga. Farrar descreve a cidade da seguinte maneira: Essa população híbrida e heterogênea de gregos aventureiros e romanos burgueses, com uma mistura marcante de fenícios; essa massa de judeus, ex-soldados, filósofos, mercadores, marinheiros, escravos, libertos, comerciantes, vendedores ambulantes e promotores de todas as formas de vícios. (FARRAR, apud, PRIOR, 1985, p.12) Corinto foi caracterizada como uma colônia “sem aristocracia, sem tradição e sem cidadãos bem estabelecidos”. (PRIOR, 1985, p.13). Corinto experimentava no primeiro século os mesmos desafios que enfrentamos em nossa sociedade moderna. Já no primeiro século a cidade de Corinto era agitada e cheia de violência. Paulo enfrentou em Corinto os mesmos dilemas e desafios que temos em nossas cidades modernas como Rio de Janeiro, São Paulo ou Nova Iorque. II. O TRABALHO MISSIONÁRIO DE PAULO EM CORINTO Em vista destes fatores, não nos surpreende descobrir que Paulo foi ter entre eles com temor e tremor. (PRIOR, 1985, p. 13). O fato de ele destacar o seu “temor e tremor” deveria indicar que ele considerava Corinto uma cidade assustadora. Paulo ficou por dezoito meses em Corinto (Atos 18:1-18), essa foi uma das maiores estadias de Paulo em um único lugar, com exceção de Éfeso. A partir daí podemos destacar alguns fatos sobre seu ministério. PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 53 1. AS ESTRATÉGIAS DE PAULO PARA PENETRAR NA SOCIEDADE CORINTIANA a) Estabelecer contato com gente comum (At 18: 2,3) Paulo precisava ser introduzido na sociedade. Chegar alugar uma casa e apresentar-se ao prefeito como missionário, parece não ser a melhor pedida. Seu contato com Áquila e Priscila foi sobremodo estratégico. (At 18:2-3). Primeiro porque seria muito comum um novo comerciante se estabelecer na cidade, buscando dias melhores. Segundo, porque ele precisava garantir sua subsistência e terceiro, porque sendo comerciante Paulo poderia penetrar com mais facilidade no dia-a-dia da sociedade de Corinto. Ele somente se dedicou ao ministério de tempo integral depois da chegada de Timóteo e Silas, depois que ele já havia penetrado o suficiente na estrutura da sociedade. Paulo nos ensina com isso, que quanto maior a identificação entre o mensageiro e o ouvinte, maior a possibilidade de êxito na comunicação, daí a sua preocupação em estabelecer pontes com o seu público, associando-se a cidadãos comuns. b) Semear em solo já preparado (At 18:4) Verifique que Paulo faz a mesma coisa em todas as cidades por onde passou, com exceção de Filipos, onde não foi à sinagoga, mas ao “lugar de oração” (At 16.12-13; 17.1; 17.10; 17.16-17; 18.4). Porque Paulo ia à sinagoga? Peter Wagner lança uma luz quando caracteriza três tipos de pessoas que frequentavam a sinagoga: judeus, como sempre atrelados ao cerimonialismo e ao legalismo, frutos de sua má interpretação da lei; prosélitos, aqueles que se tornaram judeus por opção, algo como se naturalizar em outro país; e os tementes a Deus, como Tito Justo, que morava ao lado da sinagoga. Este grupo é caracterizado pela expectativa do algo mais, estavam saturados com o estilo de vida de Corinto, mas achavam o preço do judaísmo alto demais. Eles queriam o Deus dos judeus, a ética dos judeus, mas rejeitavam o fanatismo e a intolerância dos judeus. 54 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS c) Apresentar um evangelho puro (At 18: 5,8) O judaísmo, mal interpretado, com seus aparatos legalistas não conseguiu fisgar os tementes a Deus. Paulo apresentou Cristo como Senhor. Paulo apresentou uma mensagem enxuta, nem mias nem menos do que deus exigiu e exige. O cristianismo é uma proposta muito mais radical, mas também muito mais simples. A justificaçãopela fé em contrapartida ao emaranhado sacrificial; a motivação interna da obediência, em contrapartida ao legalismo hipócrita; a igualdade entre todos, nivelados pela cruz, em contrapartida ao sectarismo arrogante dos judeus. Estes eram alguns pontos que tornavam o cristianismo uma possibilidade mais honesta penetrante àqueles que esperavam bases sólidas para suas vidas. De fato, as pessoas têm sido afastadas do evangelho não pelo evangelho em si, mas por sua embalagem. Há cristãos que confundem sua cultura com o evangelho, isto é, valorizam mais a embalagem do que o conteúdo. d) Depender absolutamente de Deus (At 18: 9-10) Os primeiros resultados foram desfavoráveis (At 18:6). A possibilidade do desânimo do apóstolo Paulo é eminente. Deus se apressa em estimulá-lo e o faz de duas maneiras: Providenciando resultados positivos (At 18:8) e falando com ele pessoalmente (At 18:9-10). A certeza da presença de Deus é inegociável em qualquer empreendimento do reino de Deus. Jesus sabia disso e nos deixou a promessa: “Estarei com vocês todos os dias” (Mt 28:20). Deus se apressa em tirar o medo do apóstolo: “Não temas”. Receio que o oposto da fé não seja a dúvida, mas o medo. O medo nos impede de avançar, nos faz mais cautelosos conosco mesmo do que com a obra de Deus, nos convida aos patamares onde nos sentiremos seguros e deixamos de depender dos livramentos do Senhor. Pessoas medrosas são péssimas empreendedoras, não arriscam, não lançam suas sementes. PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 55 Deus também faz com que Paulo anteveja o sucesso do seu ministério: “Tenho muito povo nesta cidade” (At 18.10). e) Consolidar o trabalho mediante o ensino sistemático da Palavra de Deus (At 18.11). O texto de Atos 18.11 afirma que Paulo ficou em Corinto ensinando a Palavra de Deus. O discipulado, portanto, faz parte do processo missionário. Precisamos aqui fazer duas considerações: A primeira, a Bíblia ensina que o alvo do discipulado é o não cristão; na segunda, temos de considerar as fases do discipulado: A fase do TESTEMUNHO visa conduzir pessoas à conversão. Em seguida vem a fase da INTEGRAÇÃO, que pretende fazer o convertido comprometer-se com o corpo de Cristo. A terceira fase é a MATURIDADE, que implica em estabelecer, à luz da Palavra de Deus, um alicerce sólido para o novo convertido. Finalmente a fase da REPRODUÇÃO, quando o discípulo passa a fazer discípulos. Provavelmente Paulo ficou em Corinto o tempo necessário para cobrir as quatro fases. CAPÍTULO 5 O CHAMADO MISSIONÁRIO NA PERSPECTIVA BÍBLICA De certa forma todos nós como cristãos somos chamados para cumprir a missão. Somos chamados para executar a tarefa da evangelização, uma vez que a grande comissão é dada a todos os discípulos de Jesus. Quanto a isso não há nenhuma dúvida. Timóteo Carriker faz a seguinte afirmação: Quando se fala em ‘missões’ um dos problemas mais complexos, um verdadeiro quebra-cabeças para os jovens que estão considerando um ministério transcultural é a questão de um chamamento missionário. (CARRIKER, 1993). Nossa intenção neste momento não é esgotar o assunto, mas servir de facilitador, deste assunto que é tão complexo e, ao mesmo tempo, desafiador. Buscaremos uma compreensão bíblica do que seria um chamado missionário, e também nos preocuparemos em analisar alguns aspectos práticos deste chamado em nossos dias. Vejamos algumas considerações bíblicas sobre o chamado: I. O CHAMADO NO VELHO TESTAMENTO. O verbo kaleo - chamar é usado no Velho Testamento com vários sentidos. É usado para dar nomes a coisas, como em Gn 1:5, para nomear pessoas (Gn 25:26), cidades (2 Sm 5:9) e até mesmo para qualificar coisas ( Is 35:8). 58 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS É também o verbo usado para descrever o chamamento da parte de pessoas de posição superior aos seus subordinados. Neste caso o chamado assume a forma de ordem, e não um mero convite (Jó 13.22). Nesta modalidade de chamada, espera-se que os homens a ouçam e obedeçam. O chamado no Velho Testamento em geral responde a quatro princípios gerais. 1. COMPREENDER QUE O CHAMADO RECEBIDO VEM DA PARTE DE DEUS. Nem sempre a pessoa está preparada para receber um chamado. A experiência de Samuel (1 Sm 3.1-10), nos revela que nem sempre se tem a compreensão do que está acontecendo. Mesmo estando vivendo dentro do santuário, aprendendo aos pés de Eli, Samuel teve dificuldades de saber quem na verdade falava com ele. O que demonstra que nem sempre estamos preparados para entender o chamado de Deus. 2. O CHAMADO PODE SER INICIALMENTE RECUSADO. Temos dois casos que exemplificam este princípio. Um deles é o de Abraão. Segundo o texto de Atos 7.2-3, O patriarca foi chamado em Ur dos Caldeus, mas resistiu a este chamamento até a morte de seu pai em Harã, quando não se opôs mais ao chamado de Deus (Gn 12.1-4). Jonas é o outro exemplo. Quando foi chamado por Deus para ir a Nínive, recusou veementemente, partindo para o lugar mais longínquo do mundo antigo, tentando assim resistir ao chamamento de Deus. 3. AQUELES QUE SÃO CHAMADOS QUASE SEMPRE SE SENTEM INCAPAZES PARA TAL TAREFA. Moisés e Jeremias exemplificam este princípio. Quando Moisés foi chamado por Deus para voltar ao Egito, libertar seus irmãos da escravidão e conduzí-los à terra prometida, sua resposta foi alegar que se considerava inapto para a tarefa. PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS | 59 Jeremias, diante da Palavra do Senhor de que havia sido designado profeta antes mesmo do seu nascimento, reage com o mesmo argumento de Moisés. Este sentimento de incapacidade é relevante, pois revela que as pessoas envolvidas no chamamento têm consciência do que significa ser chamado por Deus. É nesse sentido que temos a afirmação de Guilherme Kerr: “Deus é que declara alguém profeta, e a igreja reconhece, concorda e usufrui deste ministério. Quem a si mesmo se declara profeta, em geral não o é”. (KERR, 2000). 4. O CHAMADO É DEFINIDO POR SEU CONTEÚDO E FORMA. Este grupo de palavras - Kaleo e seus derivados - não ocorre em todas as narrativas de chamado (Jz 6.13; Is 6:1-8), talvez porque o chamamento não se caracteriza por uma forma gráfica. Deus fala ao homem, a quem, por seu conhecimento prévio, deseja incumbir de uma tarefa, que pode ser política ou profética (Is 48.14-15) e pode ser definida imediatamente ou mais tarde. (BROWN, 1981). O chamado é o meio pelo qual Deus transforma homens sem nenhuma capacidade em instrumentos de sua vontade. De acordo com Oswaldo Prado, nunca podemos esquecer que a vocação nada mais é que um momento histórico em que se concretiza algo que já aconteceu no coração de Deus antes da fundação do mundo. (PRADO, 2000). II. O CHAMADO NO NOVO TESTAMENTO. O Novo Testamento corrobora aquilo que o velho define sobre o chamado, ou seja, Deus continua chamando as pessoas que Ele quer chamar para a realização de seus propósitos salvíficos. O Novo Testamento talvez amplie alguns princípios já elaborados no Velho Testamento. O chamado de Jesus aos seus discípulos é no sentido de “fazer uma chamada imperiosa a um indivíduo, ou a um grupo existente e mais ou menos definido como discípulos”. (BROWN, 1981). 60 | PLANTANDO IGREJAS SAUDÁVEIS Isto nos ajuda a compreender a ideia do chamado específico. O chamado não é entendido por Jesus como um fim em si mesmo, mas como o meio de realizar os propósitos de Deus entre os homens. Outro aspecto interessante e que precisa ser analisado é que o chamado está sempre vinculado à Igreja. O Novo Testamento não abre possibilidade para o autochamamento. A igreja é que concede o aval do chamado. Em At 13:1-3 ocorre exatamente isto, onde se lê que o Espírito Santo separa a Barnabé e a Saulo e a igreja avaliza este chamado, impondo as mãos, abençoando e enviando estes irmãos. III. O CHAMADO NA VISÃO DE PAULO. Eleição e vocação são dois aspectos inseparáveis na visão de Paulo. Ele entende a vocação: Como sendo o processo através
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