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1 MATÉRIA: ESTRUTURA DE MERCADO E CONCORRÊNCIA Estruturas de Mercado I De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “estrutura” seria a “maneira como um edifício ou uma coisa qualquer é construída, organizada e disposta”, ou a “maneira como as partes de um todo estão dispostas entre si”. Porém, numa perspectiva mais econômica, este vocábulo constitui um modelo, ou seja, uma simplificação drástica da realidade, da qual se extraem algumas poucas variáveis, relevantes para a explicação de um dado fenômeno, com o estabelecimento de relações funcionais entre elas. Dentre outros objetivos, os modelos por trás das estruturas de mercado buscam entender o fenômeno do poder econômico ou a sua ausência. Mas o que é o poder econômico? O poder econômico pode ser definido como a disposição favorável para decidir sobre os assuntos que norteiam o fluxo de mercadorias, moedas e valores. No caso do Brasil em particular, o poder econômico está na raiz de nosso processo de subdesenvolvimento, lembrando que o Brasil como colônia balizou-se em um monopólio exportador e importador da metrópole portuguesa que é fator preponderante na acumulação de capital desta. No sistema capitalista, o mercado é o grande "palco" das transações de mercadorias e serviços ensejadas pela dinâmica da oferta / procura. Atualmente, este poder representa-se nos mecanismos de livre mercado e concorrência, na flexibilidade do sistema produtivo e na negociação das relações de trabalho e consumo. Nem sempre o detentor de poder econômico está por trás de formas jurídicas como o trust, uma sociedade anônima ou um grupo empresarial. Pode acontecer que uma dessas formas seja absolutamente inofensiva, destituída por completo de poder econômico, todavia ter a posse dos 2 meios de produção concerne uma enorme fonte de poder em relação aos que não têm. Neste sentido, a Resolução CADE n. 2/12 definiu o que se deve entender por grupo econômico para fins de defesa da concorrência. Diferentemente do que acontece na legislação societária, trabalhista ou tributária, o conceito de grupo econômico é distinto. Veja-se o art. 4º da referida Resolução. Art. 4º Entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos. §1º Considera-se grupo econômico, para fins de cálculo dos faturamentos constantes do art. 88 da Lei 12.529/11 e do preenchimento dos Anexos I e II dessa Resolução, cumulativamente: I – as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e II – as empresas nas quais qualquer das empresas do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social ou votante. §2° No caso dos fundos de investimento, são considerados integrantes do mesmo grupo econômico, cumulativamente: I – os fundos que estejam sob a mesma gestão; II – o gestor; III – os cotistas que detenham direta ou indiretamente mais de 20% das cotas de pelo menos um dos fundos do inciso I; e IV – as empresas integrantes do portfólio dos fundos em que a participação direta ou indiretamente detida pelo fundo seja igual ou superior a 20% (vinte por cento) do capital social ou votante. É possível conceber hipóteses em que há poder econômico sem que estejam, necessariamente, presentes quaisquer das formas jurídicas 3 estudadas normalmente associadas ao poder econômico. Para superar esse impasse, a análise antitruste atenta para a estrutura do mercado relevante e, com base nela, conclui pela existência ou não de poder econômico. Basicamente, cinco são as manifestações do poder econômico significativas para a defesa da concorrência: o monopólio, o oligopólio, o monopsônio, o oligopsônio e o monopólio bilateral. Um monopólio, na sua forma pura, existe se uma empresa domina a totalidade da produção, detendo pleno controle sobre a oferta do bem ou serviço. O monopólio puro é raro, verificando-se o mesmo especialmente em virtude de lei – o exemplo típico são as marcas e patentes. Noutros mercados, cuja escala mínima viável para funcionamento do agente econômico é alta, pode acontecer de existir espaço somente para um atuar, situação essa conhecida como monopólio natural.[1] Às vezes, nos monopólios naturais há uma infra- estrutura dificilmente duplicável (essential facility), cujo acesso é essencial para o desenvolvimento da concorrência. Os efeitos de qualquer ação do monopolista são facilmente percebidos nos preços, razão pela qual o detentor de posição dominante pode agir a despeito das regras de oferta e demanda.[2] Dentre os malefícios do monopólio, quatro podem ser mencionados. O primeiro deles, denominado dead weight loss, corresponde à diminuição do universo dos consumidores do produto que sofre a supervalorização do preço. Em segundo lugar, o lucro extra obtido pelo monopolista redunda em perdas sociais, pois são gastos para manter a posição da empresa e a situação criada no mercado. Haveria, também, o desestímulo à inovação e melhoria da eficiência da empresa, pois a inexistência de outras companhias leva a monopolista à acomodação. Esse comportamento nem sempre ocorre, mas é muito provável. Por fim, a quarta consequência impacta a distribuição da renda social, pois todos os efeitos gerados tendem a concentrar o capital nas mãos dos monopolistas, tirando dos consumidores algo do que deveria ser cobrado pelo bem produzido.[3] http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn1 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn2 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn3 4 Nem todos concordam que, no cômputo geral, os monopólios sejam socialmente nefastos. No que tange à inovação, o agente econômico só estaria disposto a suportar o risco dos investimentos caso houvesse um ambiente que, do ponto de vista institucional, lhe assegurasse os riscos, o que aconteceria sob a égide de um monopólio. Nesse diapasão, argumenta Schumpeter, o incentivo ao desenvolvimento técnico seria mais forte num tal regime e, por desdobramento, os ganhos sociais globais seriam superiores aos produzidos num regime de livre concorrência.[4] Embora sob algumas circunstâncias essa teoria possa ser verdadeira,[5] há dúvidas sobre a possibilidade de generalizar tal afirmação.[6] Por trás deste raciocínio, verifica-se a existência de forte componente utilitarista – esta doutrina filosófica, desenvolvida fortemente a partir do século XIX, influenciou profundamente a economia, na medida em que sua preocupação com a redução da escassez encontra fundamento. Para o utilitarismo, o que legitima uma conduta é o efeito sobre a geração de utilidade e não a conduta em si: se gerar a utilidade, a conduta é legítima; caso contrário, a conduta não é legítima. Retomando o tema das estruturas de mercado, análogo ao monopólio, inclusive no que tange aos seus efeitos, o monopsônio é a versão do primeiro voltada para os consumidores, ou seja, ocorre quando o mercado consumidor é formado por uma única entidade. Em outras palavras, o monopsonista possui controle sobre os produtores, visto que é o único demandante dos seus bens e serviços. Assim, sua atuação pode redundar na manipulação dos preços, na medida em que, ao se negar a adquirir os produtos ou serviços, pode forçar uma baixa. Situação que também pode ser comparada ao monopólio é a do oligopólio, verificada se algumas empresas dominam a produção e possuem poder para manipular o mercado. Os efeitos e consequências são comparáveis aos do monopólio, e o tratamento pela legislação é semelhante. Diversamente do monopólio, o qual raramente produz http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn4 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn5 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn6 5 benefícios, há mercados oligopolizados, caracterizados por competição feroz. Nestes, devido à volatilidade da sua situação do ponto de vistaestrutural, as empresas podem, em um momento, estar de acordo com a ação em face do mercado, mas, no momento seguinte, elas podem discordar e atuar como concorrentes. Esse comportamento oportunista de algum dos oligopolistas (free rider), que vez por outro teria interesse em se aproveitar do concorrente de modo oportunista, oferece vantagens à ruptura do cartel (acordo entre concorrentes) ou da conduta paralela, porque, mesmo nessa hipótese de mercado oligopolizado, “a firma não pode sensatamente ignorar o preço e as decisões de produção dos competidores”[7] – o free-rider é um traidor que só pensa no seu próprio lucro. À semelhança do que se verifica com o monopólio, denomina-se oligopsônio a estrutura de mercado em que um pequeno grupo de compradores possui poder para controlar os preços dos produtos por serem os únicos consumidores dispostos a adquirir os bens ou serviços das empresas ofertantes. Mais rara é a existência do monopólio bilateral, situação em que existem apenas uma unidade vendedora e uma compradora do bem ou serviço. É totalmente oposto à concorrência perfeita. É mais frequente nos casos de um processo tecnológico absolutamente específico ou de uma matéria-prima bastante escassa. Em todas estas estruturas de mercado, em certa medida existem “barreiras à entrada” de novos competidores no mercado, evitando que os mecanismos de auto-regulação, tal como sugerido pela ideia da mão invisível da Adam Smith, funcionem. Existe uma variação: enquanto as barreiras à entrada tendem ao máximo em estruturas monopolizadas ou olipolizadas, elas inexistem quanto maior for a concorrência (por exemplo, na estrutura da concorrência perfeita). Estruturas de Mercado II http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn7 6 No Módulo Um, as formas de maior concentração de poder econômico foram estudadas. Neste Módulo, a análise aprofundará um pouco mais o tema do oligopólio, avançando na direção das estruturas de mercado mais desconcentradas. Ao fim, será retomado o tema da identificação do detentor do poder econômico. Numa abordagem inicial, a simplificação da ideia do que seria um oligopólio é útil: um oligopólio seria uma estrutura de mercado em que poucos agentes econômicos deteriam o poder de mercado e, consequentemente, haveria uma aproximação dos efeitos desta estrutura do mercado com os do monopólio. Todavia, isso corresponde somente a uma parte da realidade sobre os oligopólios. Em realidade, há dois tipos de oligopólios: o oligopólio concentrado e o competitivo. Enquanto no oligopólio concentrado há um pequeno número de empresas no mercado (por exemplo, a indústria automobilística no Brasil nos anos 1980, quando havia apenas 4 marcas – Ford, Chevrolet, Volkswagen e Fiat), no oligopólio competitivo é ligeiramente diferente. Neste, um pequeno número de empresas domina o mercado: veja-se o caso do mercado de supermercados, dominado pelos Grupo Carrefour e Pão de Açúcar/Casino, empresas que sofrem concorrência acirrada de um grande número de estabelecimento médios (Walmart, GBarbosa) e pequeno (Davó, Pastorinho). Embora elas apresentem imperfeições, certamente são em menor grau do que as do monopólio. Fica claro que nem todo oligopólio é necessariamente negativo para o consumidor. Estas formas de oligopólio permitem entender melhor as técnicas empresariais que existem na realidade. Outras duas estruturas de mercado merecem atenção: a concorrência imperfeita (ou concorrência monopolística) e a concorrência perfeita. Antes de adentrar na concorrência perfeita, estude-se o a concorrência imperfeita ou monopolística, situação que, na prática, corresponde à 7 maioria dos mercados. É um tipo de concorrência imperfeita em que são produzidos produtos distintos , todavia, com substitutos próximos passíveis de concorrência., ou seja, não exercem um monopólio e nem uma situação de concorrência perfeita, caracterizando uma situação entre o monopólio e a concorrência perfeita. Caracteriza-se sobretudo pela possibilidade de os vendedores influenciarem a procura e os preços por vários meios (diferenciação de produtos, publicidade, localização, variações no preço). A variedade de vendedores é relativamente elevada, sendo um mercado de acesso fácil, não sendo o produto, contudo, homogêneo. Quanto maior a diferenciação do produto mais a empresa, que o produz, pode controlar o preço. Um bom exemplo deste mercado é o de vestuário: existe uma grande variedade de fabricantes de camisetas e todos tentam se diferenciar um pouco dos demais. Pense na famosa marca Lacoste: com base em investimentos pesados em marketing, a empresa conseguiu cobrar um valor diferenciado pelo seu produto, que confere status ao comprador que a utiliza. Já um fabricante chinês pode até mesmo fabricar uma camiseta de igual qualidade, mas dificilmente conseguirá vender pelo mesmo preço sem que faça substanciais investimentos em marketing na marca própria – não se fala aqui, certamente, de marcas piratas, cujo uso caracteriza um comportamento oportunista Por fim, a última estrutura de mercado é a concorrência perfeita. Caracteriza-se por uma situação em que nenhuma empresa ou consumidor detêm o poder de influenciar os preços de mercado. A base teórica que se apresenta é no tocante a proporcionar o máximo de bem- estar para todos os agentes econômicos que participam das atividades do mercado. Como o próprio nome diz, ela é perfeita e corresponde à situação em que, teoricamente, a geração de riqueza para a sociedade é máxima. Porém, não existe nada perfeito e os cenários a serem estudados se aproximam dele. Logo, a concorrência perfeita é um 8 modelo totalmente livre. As premissas deste modelo dificilmente se encontram na realidade. Veja-se apenas algumas destas hipóteses: a) Muitos vendedores e muitos compradores (atomização do mercado ou ausência de poder econômico); b) Homogeneidade do produto (produto deve ser igual ou muito semelhante); c) Mobilidade das empresas (empresas podem entrar e sair do mercado a qualquer tempo sem custos irrecuperáveis); d) Racionalidade: todos os agentes agem com racionalidade, fazendo uma análise custo benefício antes da tomada das decisões; e) Transparência do mercado: todos os consumidores possuem acesso a todas as informações para tomada de suas decisões; f) Inexistência de externalidades; e g) Plena mobilidade de bens, ou seja, não há custo de transporte. Agora, será analisada com mais atenção a questão da ausência do poder econômico. A identificação do detentor do poder econômico não é tarefa simples. Nelas, há muito ocorreu o desprendimento da propriedade da riqueza de sua posse ou controle. Assim, de um lado, alguém pode ser muito rico, mas não controlar a riqueza; de outro, o desprovido de grande riqueza pode, principalmente através de estruturas de direito societário, controlar grande riqueza. O estudo de Beans e Means a esse respeito é clássico.[1] Essa cisão entre propriedade e posse da riqueza, porém, não se verifica em todas as regiões do mundo. Particularmente no Brasil, não é uma realidade, pois a formação econômica do país teve como mote a concentração do poder econômico. As grandes empresas aqui localizadas ou são de controle familiar de capital fechado ou de controle http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn1 9 a partir do estrangeiro, igualmente fechado. Mesmo assim, Pontes de Miranda, já nos anos 1960, observava que [...] o simples diretor, ou gerente, ou representante, ou agente, que não pode dispor de bens, ou ações, mas pode, com os poderes que tem em mão, atuar na vida econômica, está em posição de abusar deles, para dominar os mercados, ou eliminar a concorrência, e aumentar, arbitrariamente, os lucros, seus, ou da empresa a que serve.[2] No Brasil, poucos são os casos em que o capital social de uma empresa se encontradisperso e mesmo assim o grupo controlador continua hegemônico na direção por meio das já referidas estruturas de direito societário. Dentre as empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) em setembro de 2004, apenas 39 delas obedeciam a regras de governança corporativa que impunham a obrigação de manter em circulação parcela mínima de 25% do capital social. Para o ano de 2017, aproximadamente 50% das empresas negociadas na Bolsa obedecem ao quesito de governança corporativa. A concentração do capital, no regime capitalista, assume variadas formas, dificultando a mera rotulação dos numerus clausus.[3] O caráter eminentemente fático, reconhecível por seus efeitos, do poder econômico faz com que ele apareça de muitos modos, jurídicos ou não. Pouco importa se é uma sociedade limitada ou anônima, uma pessoa física ou jurídica, um ente personalizado ou não personalizado. O que é relevante para a análise antitruste são os efeitos do poder econômico sobre o mercado, pois a sua adaptabilidade prescinde de fórmulas jurídicas. Um episódio ajuda a provar essa versatilidade. No período imediatamente posterior à promulgação do Sherman Act nos Estados Unidos, em 1890, seguiu-se uma grande onda de fusões entre empresas, gerando maior concentração de poder econômico, fato contra o qual o diploma antitruste fora concebido. Diversamente do que se pretendia, http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn2 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn3 10 o Sherman Act estimulara a concentração econômica por meio de outros mecanismos que não os trustes, ao tornar ilegal a celebração de uma série de acordos entre empresas, mas não restringir em absoluto as fusões e aquisições.[4] A brecha legal foi aproveitada para acelerar a concentração econômica e mostrou como não se deve combater o poder econômico. Dessa maneira, uma técnica legislativa com vistas a estabelecer um numerus clausus de sujeitos detentores de poder econômico tende a ser inócua do ponto de vista de sua eficácia e torna, possivelmente em pouco tempo, letra morta qualquer política de defesa da concorrência. Em tese, até mesmo uma única pessoa natural ou família podem ser o núcleo de um grande poder econômico, sem que haja necessidade da intermediação de uma pessoa jurídica. Por isso, a importância em identificar os principais detentores de poder econômico não serve para fundamentar a atuação mais específica da análise antitruste em face de determinados sujeitos. Focando tais institutos jurídicos, o estudo desse aspecto serve, em realidade, de notícia histórica, de ajuda na compreensão da estrutura do poder econômico e de orientação da formulação da legislação pertinente. Emblematicamente, Nusdeo menciona os trustes, as sociedades holdings, os grupos empresariais, os pools e os cartéis. É verdade que a atuação dos trustes nos Estados Unidos de fins do século XIX estigmatizou o instituto do fideicomisso de tal forma que, além de dar origem à denominação inglesa “antitruste”, contribuiu para identificar todo e qualquer truste com o poder econômico, lembrando que ao final do século XIX o sistema capitalista está praticamente consolidado e a visão da "firma" já faz parte do escopo econômico. Essa redução, por óbvia, é simplista, mas pode ser usada para discorrer sobre os modos, jurídicos ou não, pelos quais o poder econômico se revela. A origem histórica do instituto jurídico do trust encontra-se no direito de uso (use) da Inglaterra medieval, o qual consistia na cessão dos direitos de uso a http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn4 11 um terceiro, para que este administrasse propriedades em favor do cedente. Com o aprimoramento desse mecanismo, é-lhe concedida tutela jurídica, a partir do que ele deixa de basear-se exclusivamente na mútua confiança (trust) entre as partes. Dessa maneira, surge verdadeira possibilidade de dividir o direito de propriedade em dois: uma titularidade legal, cabível àquele que administra, e uma titularidade beneficiária, cabível àquele que obtinha o gozo da coisa sem figurar formalmente como proprietário.[5] Não se confunde o trust com a representação, pois, no trust, o administrador, igualmente, age em interesse de outrem, mas também é titular da propriedade. Pressupondo-se a existência de uma intenção, de um objeto (um bem ou mesmo um objetivo) e de beneficiários, o trust é um mecanismo jurídico importante, incorporado inclusive em ordenamentos de origem romanística, possuindo funções, como as já mencionadas na esfera empresarial e de investimentos, bem como a proteção de incapazes e pessoas inexperientes no trato mercantil.[6] Também as sociedades holdings são outra forma bastante acusada de servir de abrigo ao poder econômico. Caracteriza-se por ser uma empresa mãe, uma sociedade que concentra ações ordinárias, ou seja, os detentores possuem direito ao votos nas assembleias. Esse modelo tem como objetivo controlar um grupo de empresas. Os fatores benéficos para a concepção desse modelo é que a própria companhia protege a si própria das perdas. Denomina-se holding aquela pessoa jurídica que destina suas atividades essencialmente à aquisição de ações e, consequentemente, ao gerenciamento de outras empresas. Ocorre geralmente em relação às sociedades anônimas, de capital aberto ou fechado, e facilitam o controle sobre as atividades de determinado setor. Dessa forma, a holding passa a dominar amplas fatias do mercado e tem condições de regular seu funcionamento.[7] Uma vez que ela se dedica à aquisição de ações de outras empresas sobre as quais lhe é interessante manter controle, sua atuação está relacionada com as http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn5 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn6 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn7 12 sociedades anônimas. Dessa maneira, abre-se para a holding a possibilidade de penetrar nos mais diferentes setores da economia. Ao conjunto das empresas controladas normalmente por holdings dá-se o nome de conglomerado econômico, o qual compreende um grupo de empresas geridas pelo mesmo corpo societário (o da holding).[8] Os conglomerados econômicos foram e, em alguma medida, ainda são figuras comuns em todas as economias capitalistas, mas, em virtude de particularidades históricas, destacaram-se mais nos Estados Unidos, onde são denominados trusts; na Alemanha, conhecidos como Konzern, e no Japão, Zaibatsu.[9] Por sua vez, os pools e os cartéis são formas próximas, os primeiros apontados como estágios preliminares dos segundos, embora não necessariamente conduzam a eles. Há pools se “várias empresas decidem manter uma atividade ou serviço comum que atenda a todas elas, como por exemplo, um escritório de compras de matéria-prima ou de assistência técnica ou, ainda, de promoção de exportações”.[10] Estes não se apresentam, em geral, constituídos sob qualquer forma societária, mas isso pode acontecer às vezes. Por seu turno, os cartéis são um negócio jurídico ilícito que, na maioria dos casos, não é reduzido a escrito e objetiva a “adoção de decisões ou políticas comuns quanto a todos ou a determinado aspecto de suas atividades”. Controle de Estruturas II Subjacente aos movimentos empresariais descritos no Módulo Três está implícito o conceito de entrada, o qual deve ser entendido, como o próprio vocábulo indica, como a entrada da atuação do agente econômico no mercado. Um agente econômico não atuante em dado mercado, mas que em certo tempo pode nele entrar, é considerado um entrante potencial. Essa situação, porém, não se confunde com a substitutibilidade pelo lado da oferta. Nesta, o agente econômico pode facilmente passar a atuar no mercado relevante por meio do simples http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn8 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn9 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn10 13 redirecionamento da sua produção[1].Assim, conforme o tamanho, uma financeira não vinculada à instituição financeira alguma é considerada entrante potencial no mercado de intermediação financeira. Por outro lado, um banco atuante no mercado de crédito de curto prazo pode, em tese, deslocar sua “produção” para os mercados de médio e longo prazo (substitutibilidade pelo lado da oferta).[2] Correlata a esse conceito e mais importante para a instrumentalização da defesa da concorrência, é a noção de barreiras à entrada, que são “algum fator no mercado que permite às empresas já atuantes no mercado ter lucros monopolísticos, ao impedir a entrada dos que estão de fora”.[3] Exemplos de barreiras à entrada são exigências legais, longo prazo para construção de uma unidade produtiva e os investimentos necessários. Conceituando barreias à entrada, caracterizamos como um modelo de preservação da atividade comercial, ou seja, uma espécie de proteção alicerçada em quesitos políticos, tecnológicos, logísticos, de custos etc. conduzindo as empresas atuantes no mercado a um nível elevado dificultando a entrada de novos concorrentes. Qualquer fator que iniba a entrada de novos concorrentes em um mercado específico é considerado como barreiras à entrada. Formulada por Bain, um dos representantes da Tradição de Harvard, essa definição é mais ampla e tem sido a mais adotada, inclusive pelos órgãos de defesa da concorrência dos Estados Unidos. Todavia, ela contrasta com uma mais recente, sugerida por Stigler, a qual busca distinguir a entrada desejável da entrada indesejável, considerando como barreira à entrada apenas aquele custo que não é suportado pelos agentes já atuantes no mercado.[4] As economias de escala, portanto, estão excluídas da definição de Stigler, pois todos os agentes econômicos de dado mercado já teriam incorrido nelas em algum momento. Nessa linha de raciocínio, ainda que na presença de lucros monopolísticos, é socialmente indesejável a entrada de empresas incapazes de suportar os investimentos necessários para atingir a escala mínima viável, porque http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn1 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn2 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn3 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn4 14 conduziria, cedo ou tarde, à saída de um dos agentes. Isso ocorreria porque o tamanho do mercado não suportava a manutenção de mais empresas do que as já operantes. No Brasil, o CADE adota explicitamente a definição de Bain, ao afirmar que, “na acepção pioneira de Bain, as barreiras à entrada dizem respeito às condições que permitiriam que as firmas estabelecidas em um determinado mercado relevante pudessem perceber lucros extraordinários sem induzir a entrada de novos concorrentes”.[5] Via de regra, quanto maiores as barreiras à entrada, mais tempo e investimento serão necessários para que a atuação de um concorrente se faça presente, contestando o domínio exercido por outro agente ou grupo de agentes econômicos. Os mercados podem, em tese, ser excessivamente concentrados, desde que sejam facilmente contestáveis, permitindo que agentes econômicos nele entrem com facilidade em busca de lucros monopolísticos maiores. Contudo, detentores ou não de poder econômico tendem a criar barreiras artificiais à entrada, visando a manipular as condições do mercado com maior liberdade de atuação.[6] Bancos, por exemplo, precisam atender a uma série de requisitos legais para serem autorizados a operar como instituições financeiras. Todavia, se os bancos já estabelecidos operam, conjuntamente, algum serviço aos consumidores reconhecido como socialmente relevante e não permitem a entrada de novos bancos nesse pool, ainda que mediante pagamento, está-se diante de uma barreira artificial à entrada. Se a não-inclusão do entrante no pool for injustificada, pode estar caracterizada conduta anticoncorrencial. Ligada à noção de entrada do agente econômico num mercado, encontra-se a de sua saída. Por essa razão, um agente econômico ponderará, também, quando de sua decisão de entrar ou não em dado mercado, sobre a possibilidade de recuperar o dinheiro investido. Nesse contexto, os custos irrecuperáveis (sunk costs), em que incorre o agente econômico, seriam uma barreira à entrada, ligada especialmente à http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn5 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn6 15 saída da empresa do mercado.[7] Enquanto ativos como imóveis e carteira de clientes podem ser vendidos por uma instituição financeira que tenha decidido encerrar suas atividades, o mesmo não se pode afirmar do que foi gasto com publicidade.[8] Ao lado da concentração econômica, as autoridades concorrenciais têm grande interesse na repressão às condutas anticoncorrenciais. A diferenciação entre concentração e condutas é encarada como artificial por muitos. Apesar disso, é fácil diferenciá-las pelo momento da atuação estatal antitruste: enquanto, nas condutas, a atuação estatal será sempre a posteriori por ser impossível punir algo que nem sequer aconteceu, nas concentrações, a atuação estatal será, pelo menos, a priori ou, como ocorre no Brasil, imediatamente posterior. Vistas atualmente como um dos principais problemas do antitruste, especialmente pela Escola de Chicago, que diminuiu consideravelmente a ênfase no controle de estruturas, as condutas anticoncorrenciais são banidas do mercado, porque, presume-se, são sempre nefastas. Consistem, basicamente, em atos ilícitos com vistas à monopolização dos mercados relevantes. De modo geral, é a movimentação das posições dos agentes econômicos que detêm poder econômico que interessa às autoridades de defesa da concorrência. O surgimento de sistemas de controle para tais movimentos é uma tentativa de evitar ou reprimir o abuso do poder econômico. Apêndice – Trecho sobre os procedimentos administrativos da Lei N. 12.529/11 relativos à aprovação de atos de concentração econômica CAPÍTULO II DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NO CONTROLE DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA Seção I - Do Processo Administrativo na Superintendência-Geral http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn7 http://adm.online.unip.br/blank.htm#_ftn8 16 Art. 53. O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica a que se refere o art. 88 desta Lei deverá ser endereçado ao Cade e instruído com as informações e documentos indispensáveis à instauração do processo administrativo, definidos em resolução do Cade, além do comprovante de recolhimento da taxa respectiva. § 1º Ao verificar que a petição não preenche os requisitos exigidos no caput deste artigo ou apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, a Superintendência-Geral determinará, uma única vez, que os requerentes a emendem, sob pena de arquivamento. § 2º Após o protocolo da apresentação do ato de concentração, ou de sua emenda, a Superintendência-Geral fará publicar edital, indicando o nome dos requerentes, a natureza da operação e os setores econômicos envolvidos. Art. 54. Após cumpridas as providências indicadas no art. 53, a Superintendência-Geral: I - Conhecerá diretamente do pedido, proferindo decisão terminativa, quando o processo dispensar novas diligências ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência, assim definidos em resolução do Cade; ou II - Determinará a realização da instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas. Art. 55. Concluída a instrução complementar determinada na forma do inciso II do caput do art. 54 desta Lei, a Superintendência-Geral deverá manifestar-se sobre seu satisfatório cumprimento, recebendo-a como adequada ao exame de mérito ou determinando que seja refeita, por estar incompleta. Art. 56. A Superintendência-Geral poderá, por meio de decisão fundamentada, declarar a operação como complexa e determinar a 17 realização de nova instruçãocomplementar, especificando as diligências a serem produzidas. Parágrafo único. Declarada a operação como complexa, poderá a Superintendência-Geral requerer ao Tribunal a prorrogação do prazo de que trata o § 2o do art. 88 desta Lei. Art. 57. Concluídas as instruções complementares de que tratam o inciso II do art. 54 e o art. 56 desta Lei, a Superintendência-Geral: I - Proferirá decisão aprovando o ato sem restrições; II - Oferecerá impugnação perante o Tribunal, caso entenda que o ato deva ser rejeitado, aprovado com restrições ou que não existam elementos conclusivos quanto aos seus efeitos no mercado. Parágrafo único. Na impugnação do ato perante o Tribunal, deverão ser demonstrados, de forma circunstanciada, o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais não deve ser aprovado integralmente ou rejeitado. Seção II - Do Processo Administrativo no Tribunal Art. 58. O requerente poderá oferecer, no prazo de 30 (trinta) dias da data de impugnação da Superintendência-Geral, em petição escrita, dirigida ao Presidente do Tribunal, manifestação expondo as razões de fato e de direito com que se opõe à impugnação do ato de concentração da Superintendência-Geral e juntando todas as provas, estudos e pareceres que corroboram seu pedido. Parágrafo único. Em até 48 (quarenta e oito) horas da decisão de que trata a impugnação pela Superintendência-Geral, disposta no inciso II do caput do art. 57 desta Lei e na hipótese do inciso I do art. 65 desta Lei, o processo será distribuído, por sorteio, a um Conselheiro-Relator. Art. 59. Após a manifestação do requerente, o Conselheiro-Relator: 18 I - Proferirá decisão determinando a inclusão do processo em pauta para julgamento, caso entenda que se encontre suficientemente instruído; II - Determinará a realização de instrução complementar, se necessário, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas. § 1º O Conselheiro-Relator poderá autorizar, conforme o caso, precária e liminarmente, a realização do ato de concentração econômica, impondo as condições que visem à preservação da reversibilidade da operação, quando assim recomendarem as condições do caso concreto. § 2º O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do caput deste artigo. Art. 60. Após a conclusão da instrução, o Conselheiro-Relator determinará a inclusão do processo em pauta para julgamento. Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato. § 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados. § 2º As restrições mencionadas no § 1o deste artigo incluem: I - a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial; II - a cisão de sociedade; III - a alienação de controle societário; 19 IV - a separação contábil ou jurídica de atividades; V - o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e VI - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. § 3º Julgado o processo no mérito, o ato não poderá ser novamente apresentado nem revisto no âmbito do Poder Executivo. Art. 62. Em caso de recusa, omissão, enganosidade, falsidade ou retardamento injustificado, por parte dos requerentes, de informações ou documentos cuja apresentação for determinada pelo Cade, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, poderá o pedido de aprovação do ato de concentração ser rejeitado por falta de provas, caso em que o requerente somente poderá realizar o ato mediante apresentação de novo pedido, nos termos do art. 53 desta Lei. Art. 63. Os prazos previstos neste Capítulo não se suspendem ou interrompem por qualquer motivo, ressalvado o disposto no § 5o do art. 6o desta Lei, quando for o caso. Art. 64. (VETADO). Seção III - Do Recurso contra Decisão de Aprovação do Ato pela Superintendência-Geral Art. 65. No prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da publicação da decisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração, na forma do inciso I do caput do art. 54 e do inciso I do caput do art. 57 desta Lei: I - caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceiros interessados ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora; 20 II - o Tribunal poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo para julgamento ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação. § 1o Em até 5 (cinco) dias úteis a partir do recebimento do recurso, o Conselheiro-Relator: I - conhecerá do recurso e determinará a sua inclusão em pauta para julgamento; II - conhecerá do recurso e determinará a realização de instrução complementar, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência- Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas; ou III - não conhecerá do recurso, determinando o seu arquivamento. § 2º As requerentes poderão manifestar-se acerca do recurso interposto, em até 5 (cinco) dias úteis do conhecimento do recurso no Tribunal ou da data do recebimento do relatório com a conclusão da instrução complementar elaborada pela Superintendência-Geral, o que ocorrer por último. § 3º O litigante de má-fé arcará com multa, em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, a ser arbitrada pelo Tribunal entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), levando-se em consideração sua condição econômica, sua atuação no processo e o retardamento injustificado causado à aprovação do ato. § 4º A interposição do recurso a que se refere o caput deste artigo ou a decisão de avocar suspende a execução do ato de concentração econômica até decisão final do Tribunal. § 5º O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do § 1o deste artigo. Controle de condutas I 21 Um regime assentado na liberdade, como aqueles em que a concorrência é o norte, tende a se formar com base em direitos e obrigações, enquanto outro, no qual a liberdade e, subsequentemente, a concorrência estão mitigadas, se movimenta na direção de poderes e deveres.[1] Como postula Grau, “enquanto instrumento legítimo de organização social, o direito instrumentará a convivência harmoniosa entre liberdade e poder, realizando, em sua plenitude, a sua função de instrumento de organização social”.[2] Essa relação é particularmente verdadeira quando se verifica que, no campo das relações entre particulares, predominam direitos e obrigações, ao passo que, com o Estado, poderes e deveres. Ora, se o mercado tem por regra a igualdade formal entre os competidores, que, na maioria dos casos, não são pessoas de direito público, quid iuris é saber qual o correto posicionamento do poder econômico: é verdadeiramente um poder sob o ponto de vista da teoria geral do direito ou não? Inicialmente, contudo, deve-se investigar se o poder econômico constitui um fato jurídico ou não. A história humana e a vida cotidiana são uma sucessão incessante de fatos, muitos dos quais não se sujeitam necessariamente a uma fattispecie. Os fatos são classificados em condutas, caso apresentem a participação humana, e em eventos, caso não.[3] Fatos e condutas se diferenciam na medida em que a sociedade humana os valora de forma diversa por interferirem “direta ou indiretamente, no relacionamentointer-humano, afetando, de algum modo, o equilíbrio de posição do homem diante dos outros homens”.[4] Perante o direito, a valoração diferenciada implica a concessão de “conseqüências específicas (efeitos jurídicos) em relação aos homens” por meio da sua adjetivação feita pela norma jurídica.[5] Os fatos que incidem sobre a fattispecie da norma são considerados jurídicos, e aqueles que não incidem, não jurídicos.[6] À primeira vista, o poder econômico poderia ser apenas um fato despido de qualquer relevância jurídica. Em realidade, assim o era até o advento https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn1 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn2 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn3 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn4 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn5 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn6 22 da legislação antitruste. Para alguns, é possível considerar o poder econômico apenas como fora do mundo jurídico, essencialmente restrito ao mundo dos fatos, não merecendo maiores atenções do sistema legal.[7] Sob tal ponto de vista, o poder econômico é um fato irradiador de influência não jurídica sobre terceiros, o que excluiria a atuação do direito sobre ele. Todavia, semelhante posição política não se coaduna com grande parte dos ordenamentos jurídicos vigentes, especialmente em razão da legislação antitruste. A decisão de um banco emprestar ou não a dada companhia deve ser vista de dois ângulos: o do inegável fato jurídico mútuo, no qual todos os indivíduos são, ao menos em tese, formalmente iguais perante a lei, e o do poder “concreto”, revelador das desigualdades materiais entre os indivíduos. Como somente um banco pode emprestar por dispor de quantias destinadas a esse fim, ele age conforme lhe parece melhor ao celebrar o mútuo com a empresa que escolher, controlando, sem necessariamente produzir fatos jurídicos, o comportamento dos interessados em contratar mútuo. Além disso, o empréstimo vultoso a uma empresa é indicativo de sua saúde financeira – contrariamente, a recusa indicaria a existência de “algo errado” na empresa.[8]. Aqui enseja a questão do risco do cliente. A partir da crise Global do subprime em 2008 , a gestão de risco de crédito tornou-se mais transparente. Os novos regulamentos da Basileia III criaram uma maior regulamentação bancária e com isso um maior custo para os tomadores de recursos. Esses desdobramentos, isoladamente não abrangidos por nenhuma fattispecie, constituem elementos que ajudam a caracterizar um tipo de influência que, nesse caso, o banco exerce sobre a empresa. Se o contrato de mútuo for celebrado, é possível que a capacidade de ingerência do banco na empresa aumente, na medida em que este [esta] tem interesse em renovar o crédito e aquele, em recuperar o que foi emprestado. Tais motivações psíquicas não são fatos jurídicos, mas alguns de seus efeitos podem ser. Se o banco nomear um diretor da https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn7 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn8 23 empresa por causa de sua influência, está-se diante de um fato jurídico que desnuda o poder econômico. Contra a conclusão de que o poder econômico se manifesta, simultaneamente, como fato jurídico e fato não jurídico, pode-se objetar que o mesmo acontece com outros fatos jurídicos. Uma propriedade imóvel confere ao seu titular o poder de excluir de seu gozo todos os outros. Um mutuário civil pode-se comportar de acordo com os desejos do mutuante, visando a renovar o contrato. Ora, tais situações isoladas se distanciam do poder econômico, composto por um grande número de relações jurídicas articuladas entre si, porque a quantidade de poder “concreto” detida pelos agentes nesses casos simples é praticamente insignificante. A partir de certo ponto, embora isso não seja sempre verdade, a quantidade de poder detida pode transformar a natureza do próprio poder – trata-se de um caso em que mudanças quantitativas modificam a qualidade do próprio objeto. Em outras palavras, do ponto de vista da defesa da concorrência, o poder “concreto” expresso numa relação jurídica simples nada significa para o direito e, por isso, não é fato jurídico, ao passo que o poder “concreto” expresso num complexo de relações jurídicas, tomadas em seu conjunto formando o poder econômico, tem consequências extensas e, por isso, é fato juridicamente relevante. Por causa disso, a tentativa de aplicar a teoria dos planos jurídicos para explicar as situações reguladas pelo direito antitruste deve ser criteriosa, sob pena de desvirtuá-la. Antes de tudo, a Lei n. 12.529/11, por se tratar de diploma jurídico típico do direito antitruste, não se preocupa com a existência, a validade e a eficácia de um negócio jurídico, mas com o mundo dos fatos, em que o poder se manifesta despido das adjetivações que a concepção liberal do direito lhe atribui. Podem-se conceber situações aplicáveis à Lei n. 12.529/11 que se concretizem sem a existência de um negócio jurídico, tal como ocorre com a gestão de negócios – um acionista majoritário de um agente econômico pode, 24 simplesmente, deixar de exercer o controle, beneficiando um acionista minoritário: estando presentes alguns requisitos, é possível caracterizar essa situação, análoga à da gestão de negócios, como concentração econômica. Para o direito antitruste, essencialmente voltado para a busca dos objetivos inscritos no artigo 170 da Constituição da República, não interessa discutir, in abstracto, a existência, a validade e a eficácia de um contrato. Para fins da Lei n. 12.529/11, o que importa é o efeito produzido sobre o mercado e não se, numa discussão interna corporis entre as partes contratantes, há ou não eficácia jurídica. Mais apropriada à análise do CADE é a distinção entre eficácia e efetividade feita por Barroso. “Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para o qual foi gerado e refere-se à aptidão, à idoneidade para a produção de seus efeitos.”[9] Diversamente, posta no plano da realidade, fora da teoria pontiana dos planos, encontra-se a efetividade ou eficácia social, pois “cuida-se da concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos”.[10] A preocupação do antitruste é com a efetividade ou eficácia social, pois, do contrário, haveria o risco de instituir um controle meramente parnasiano. Percebe-se agora o equívoco cometido no julgado: o foco do CADE é o mercado, não a relação jurídica entre as partes. A aptidão para gerar efeitos não significa necessariamente a sua produção, ainda mais quando a efetividade se encontra represada por condição ou termo. Em outras palavras, o julgado aplicou um conceito jurídico da teoria geral do direito privado a uma situação fática que não corresponde àquela para a qual foi forjado, deixando-se de lado outro viés importante da teoria pontiana dos planos jurídicos, a saber, o mundo dos fatos. Uma mudança sub-reptícia da atitude social em relação ao poder econômico: da sua negação atingiu-se a sua aceitação. Mesmo no Brasil agrário da primeira metade do século XX, Magalhães, em tom crítico, https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn9 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn10 25 identificava o poder econômico como socialmente indesejável, afirmando que [...] o poder econômico é o que resulta da posse dos meios de produção. Quando esses meios de produção, em certos setores da atividade, são dominados por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos, são dominados por uma empresa ou por um grupo de empresas, evitando que outros deles também possam dispor, há abuso do poder econômico.[11] . Tal observação é isolada, pois naquela época o predomínio do modelo liberal de direito era inconteste. Do ponto de vista do direito, o modelo liberal assentava-sena premissa da igualdade formal dos indivíduos perante o mercado, o que não tardou a ser criticado como insuficiente, levando à criação de mecanismos adicionais para lidar com o poder econômico. Tal transformação foi resultado da lenta corrosão dos pressupostos ideológicos do modelo da concorrência perfeita, acelerada pelo surgimento de outras explicações do fenômeno econômico. Afinal, o capitalismo pode existir sem concorrência, sendo esta apenas uma nota ideológica muito enfatizada nos regimes liberais. A grande discussão é que o sistema capitalista ao consolidar-se no século XIX fica impregnado com o florescer de uma gama de variáveis como por exemplo o sistema financeiro, os oligopólios, os monopólios, os sindicatos , a expansão do comércio internacional, ou seja, todos essas variáveis começaram a dificultar o modelo de concorrência perfeita , modelo este balizado nas premissas do economista francês Jean Baptiste Say ao qual o equilibrio dos preços é realizado pelo mercado através da oferta / procura que será contestado por Keynes no século XX. À diferença do que ocorria com os primeiros ideólogos do liberalismo e do antitruste, atualmente o poder econômico é aceito como fato indissociável do capitalismo; em vez de ser destruído, deve ser controlado. A figura do empresário inovador schumpeteriano[12] não https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn11 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn12 26 exclui, a priori, o seu sucesso, que redunda, logicamente, em alguma concentração econômica. Nesse particular, embora Schumpeter continue pessimista sobre as perspectivas do capitalismo,[13] o poder econômico moderadamente elevado é encarado positivamente, na medida em que permite a existência de uma concorrência por meio de diferenciação de produtos e não somente por meio de preços.[14] Em Schumpeter, a concorrência perfeita continua tão central quanto na economia política clássica,[15] mas sua importância é relativizada. Seria central [...] concorrência de novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de suprimento, novo tipo de organização [...] a concorrência que determina uma superioridade decisiva no custo ou na qualidade e que fere não a margem de lucros e a produção de firmas existentes, mas seus alicerces e a própria existência.[16] Entre todos os países, provavelmente foram os Estados Unidos que viveram a experiência mais radical de combate ao poder econômico, especialmente até os anos 70 do século XX.[17] Combinando-se o certo determinismo do paradigma estrutura-função-desempenho da Tradição de Harvard à praticamente inexistente concorrência internacional para produtos americanos e à aplicação da Doutrina da Incipiência (Incipiency Doctrine), esse período foi o mais hostil à concentração do poder econômico. A Doutrina da Incipiência, desenvolvida pelos tribunais americanos com base no dispositivo do Clayton Act que restringe as aquisições de negócios que tenham por conseqüência “poder reduzir substancialmente a concorrência ou tender a criar um monopólio”,[18] surgiu em 1914 como resposta ao movimento de fusões e aquisições de empresas que se seguiu ao Sherman Act. Em 1950, o Celler-Kefauver Anti-Merger Act reforçaria a Doutrina da Incipiência – posteriormente, a concentração entre a Brown Shoe Co. e Kinney Shoe Co. seria rejeitada, embora resultasse no domínio de apenas 5% do mercado relevante.[19] Precedentes judiciais, aplicando https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn13 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn14 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn15 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn16 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn17 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn18 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn19 27 rigidamente essa regra, endureceram o combate ao poder econômico, especialmente durante a era Warren da Suprema Corte, a qual “condenava concentrações, porque elas criavam certas eficiências” – como as concentrações criavam eficiências, deixavam as empresas maiores em posição de vantagem sobre as menores, desequilibrando a concorrência.[20] Com isso, percebe-se que essa doutrina visava, em consonância com os preceitos da Tradição de Harvard, a evitar o aparecimento de estruturas de mercado que tendessem ao abuso do poder econômico. Logo, a concentração econômica, ainda que em estágios iniciais, era severamente combatida, pois, entendia-se, se permitido o desenvolvimento do poder econômico, era “melhor prevenir do que remediar”.[21] O grande desafio posto é que o sistema capitalista pressupõe a livre iniciativa e a livre concorrência. Tal doutrina invadia excessivamente o âmbito da autonomia individual, na medida em que ignorava que “a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito” (Art. 36, § 1o da Lei n. 12.529/11). Essas três características do antitruste nos Estados Unidos revelam a influência que as resistências de cunho político tiveram sobre a condução da política concorrencial. Argumentava-se, ainda com base na concepção de uma sociedade atomizada fundada no indivíduo, que a concentração do poder econômico seria nefasta para a democracia, na medida em que daria aos seus detentores a capacidade de influenciar o processo político decisório muito além do que permitiria a igualdade formal dos votos de seus detentores.[22] Como pondera Vaz, “o poder econômico, nas suas inter-relações com o poder político, pode ser, assim, considerado como um ‘meio’ de influir nas decisões políticas, com vistas à sua própria conservação, ou como um ‘fim’: a obtenção de um cargo eletivo, que configura participação direta no poder https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn20 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn21 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn22 28 político”.[23] Preocupada com esse risco, também a legislação brasileira reprime, em matéria eleitoral, o abuso do poder econômico.[24] Talvez o exemplo mais contundente da procedência dessa crítica provenha da Alemanha, país que chegou a ser conhecido, na primeira metade do século XX, como o “país dos cartéis”, devido à enorme influência destes na condução não só de seus negócios, mas também da própria política[25] – alguns apontam, inclusive, que as guerras mundiais foram causadas pelos interesses do complexo militar-industrial alemão. Com o colapso da Alemanha nazista, uma das primeiras medidas tomadas pelos Aliados foi a desconcentração econômica compulsória de um grande complexo empresarial daquele país, o IG Farben Industrie, considerado umbilicalmente ligado ao nazismo.[26] Por meio das “Leis de Descartelização” (Dekartelisierunggesetze), uma das estratégias de desnazificação implementadas principalmente pelos americanos, buscou-se dar nova feição à sociedade alemã, introduzindo-se preceitos concorrenciais no funcionamento dos mercados. Na maioria das vezes, tais preocupações de caráter político ignoravam qualquer racionalidade econômica. Provavelmente devido a isso, foram aos poucos sendo deixadas de lado. A necessidade de as economias nacionais competirem globalmente tem prevalecido sobre as demais preocupações, especialmente tendo-se em vista o problema do desemprego – a concentração econômica é considerada uma das alternativas viáveis para, por meio da criação de economias de escala em grandes grupos empresariais nacionais, resistir à exportação de empregos para outros países, notadamente os asiáticos. A Escola de Chicago, nesse aspecto, forneceu o embasamento teórico adequado para a superação dos preconceitos contra o poder econômico decorrentes da conjunção dessas características do antitruste norte- americano, ao eleger a maximização do bem-estardo consumidor como o principal e praticamente único objetivo a ser perseguido. https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn23 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn24 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn25 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn26 29 Até mesmo o socialismo científico colaborou sutilmente para a aceitação do poder econômico. Para os marxistas, a concentração econômica não é necessariamente indesejável, pois o poder econômico seria indispensável para a construção do socialismo. Com a maximização da riqueza da sociedade, a exploração seria máxima, e o capitalismo entraria em colapso. Os grandes cartéis e monopólios privados seriam passo importante nesse processo. Durante muitos anos, tal opinião levou alguns dos movimentos socialistas a tolerar o poder econômico. No Brasil, até os anos 1960, havia socialistas que defendiam o apoio à industrialização e, embora vissem com maus olhos a desnacionalização da economia brasileira causada pelas empresas multinacionais, defendiam que todos os esforços para a superação do “feudalismo”, no qual consideravam que o país agrário estava mergulhado, eram positivos.[27] A atual lei de defesa da concorrência, a Lei n. 12.529/11, bane certas condutas, na medida em que os efeitos produzidos são considerados nocivos ao mercado. Assim, o seu art. 36 estabelecer que “constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante.” Basicamente, as infrações à ordem econômica se dividem em dois grupos principais: colusão (ou combinação) e abuso de poder econômico (ou de posição dominante). As práticas colusivas consistem na combinação de preços, níveis de produção e toda e qualquer política comercial entre agentes econômicos que deveriam competir entre si. O resultado desta combinação assemelha-se aos efeitos do monopólio, pois as empresas https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94135#_ftn27 30 que não coordenavam suas ações passam a agir como se fossem um único agente econômico. Há várias modalidades de colusão. A mais conhecida é o cartel, o qual se diferencia entre hard core (combinação de preços e do volume de produção) e non hard core(combinação de outras condições comerciais que não o preço e o volume de produção) – os cartéis do tipo hard core são considerados os mais nefastos pela legislação e os precedentes do CADE têm imposto multas bastante elevadas para sua prática. Tamanha é a gravidade desta conduta que o CADE sequer tem exigido a comprovação da sua existência, presumindo-se os efeitos competitivos em qualquer cartel. Já o abuso de posição dominante apresenta configuração legal distinta. Apenas uma empresa detém poder econômicos suficiente em um dado mercado para agir unilateralmente, de modo independente das reações dos consumidores e dos fornecedores. Uma vez mais, a mão invisível de Adam Smith não funciona direito em virtude de duas falhas de mercado: a ausência de mobilidade dos fatores de produção, que limita a entrada de novos concorrentes neste mercado já dominado, e o poder de mercado em si. Observe-se que o parágrafo 3º do artigo 36 da Lei n.12.529/11 lista de forma não exaustiva as infrações específicas. Em outas palavras, a relação ali constitui exemplo de práticas, mas, em realidade, o que é infração à ordem econômica é o atingimento ou tentativa de atingimento dos efeitos listados no caput do artigo 36. Por fim, leia com atenção o trecho pertinente da Lei n. 12.529/11: CAPÍTULO II - DAS INFRAÇÕES Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 31 I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo. § 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública; 32 II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias- primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; VI - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; IX - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; 33 XII - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; XIII - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los; XIV - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo; XVI - reterbens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; XVII - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca. CAPÍTULO III -DAS PENAS Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas: I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que 34 ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais); III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo. § 1o Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. § 2o No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea. Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: I - a publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas; 35 II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos; III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito; b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos; V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade; VI - a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo prazo de até 5 (cinco) anos; e VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica. Art. 39. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão do Tribunal determinando sua cessação, bem como pelo não cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer impostas, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou termo de compromisso de cessação previstos nesta Lei, o responsável fica sujeito a multa diária fixada em valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 50 (cinquenta) vezes, se assim 36 recomendar a situação econômica do infrator e a gravidade da infração. Art. 40. A recusa, omissão ou retardamento injustificado de informação ou documentos solicitados pelo Cade ou pela Secretaria de Acompanhamento Econômico constitui infração punível com multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, se necessário para garantir sua eficácia, em razão da situação econômica do infrator. § 1º O montante fixado para a multa diária de que trata o caput deste artigo constará do documento que contiver a requisição da autoridade competente. § 2º Compete à autoridade requisitante a aplicação da multa prevista no caput deste artigo. § 3º Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País. Art. 41. A falta injustificada do representado ou de terceiros, quando intimados para prestar esclarecimentos, no curso de inquérito ou processo administrativo, sujeitará o faltante à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para cada falta, aplicada conforme sua situação econômica. Parágrafo único. A multa a que se refere o caput deste artigo será aplicada mediante auto de infração pela autoridade competente. Art. 42. Impedir, obstruir ou de qualquer outra forma dificultar a realização de inspeção autorizada pelo Plenário do Tribunal, pelo Conselheiro-Relator ou pela Superintendência-Geral no curso de procedimento preparatório, inquérito administrativo, processo administrativo ou qualquer outro procedimento sujeitará o inspecionado ao pagamento de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 400.000,00 37 (quatrocentos mil reais), conforme a situação econômica do infrator, mediante a lavratura de auto de infração pelo órgão competente. Art. 43. A enganosidade ou a falsidade de informações, de documentos ou de declarações prestadas por qualquer pessoa ao Cade ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico será punível com multa pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), de acordo com a gravidade dos fatos e a situação econômica do infrator, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis. Art. 44. Aquele que prestar serviços ao Cade ou a Seae, a qualquer título, e que der causa, mesmo que por mera culpa, à disseminação indevida de informação acerca de empresa, coberta por sigilo, será punível com multa pecuniária de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sem prejuízo de abertura de outros procedimentos cabíveis. § 1º Se o autor da disseminação indevida estiver servindo o Cade em virtude de mandato, ou na qualidade de Procurador Federal ou Economista-Chefe, a multa será em dobro. § 2º O Regulamento definirá o procedimento para que uma informação seja tida como sigilosa, no âmbito do Cade e da Seae. Art. 45. Na aplicação das penas estabelecidas nesta Lei, levar-se-á em consideração: I - a gravidade da infração; II - a boa-fé do infrator; III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; IV - a consumação ou não da infração; V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; 38 VII - a situação econômica do infrator; e VIII - a reincidência. Controle de condutas II O movimento de aceitação do podereconômico “controlado” pela sociedade, descrito no Módulo Cinco, não foi irrestrito e encontrou limites. Se o poder econômico continha benesses, também trazia malefícios que precisavam ser controlados. As democracias liberais mantiveram os sistemas de controle antitruste, os quais encontraram larga difusão no mundo a partir dos anos 1990: em 1980, havia cerca de 40 países com legislação antitruste, ao passo que, em fins dos anos 1990, esse número havia atingido mais de 80.[1] A tônica do poder econômico é balizada na busca pela eficiência , no sentido de utilizar ao máximo os fatores de produção, maximizando a rentabilidade e minimizando os custos de produção. Cabe ao direito a regulação da atidade econômica para que a mesma não se torne predatória. Esse campo de estudo denominamos de Direito Econômico caracterizado pela intervenção do Estado no domínio econômico. Entre a aceitação e a negação do poder econômico é o espaço em que se desenvolveram os sistemas de defesa da concorrência. Da já mencionada tensão existente entre a luta e o compromisso, entre a guerra e a paz, entre a sujeição e a concordância, decorreria que o direito se mostraria “restritivo e conservador”, ao passo que o poder, dinâmico”.[2] Numa primeira abordagem do problema do abuso do poder econômico, portanto, deve-se ter em mente que a repressão pode significar uma indesejada estagnação, sobretudo em decorrência das dificuldades de avaliar essas situações-limite. Apesar dos efeitos negativos que o poder econômico possa ter, os benefícios produzidos por ele são também bastante apreciáveis do ponto de vista social, desconsiderando-se as hipóteses de seu abuso. Por isso, dentro da lógica utilitarista prevalente no Ocidente, uma das https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn1 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn2 39 técnicas da análise antitruste é a comparação entre malefícios e benefícios,[3] procedimento baseado na tentativa de quantificar as eficiências produzidas ou geradas pelo exercício do poder econômico.[4] Tal procedimento é bastante útil na análise de atos de concentração econômica, mas apresenta a falha de desconsiderar outras variáveis que não as numéricas na decisão política de permitir ou não a concentração do poder econômico em dados setores. O ponto de partida para a análise das eficiências é o Ótimo de Pareto, situação em que dada alocação de recursos do mercado não pode ser alterada sem que com isso alguém melhore e outrem piore.[5] Na realidade, essa situação é dificilmente encontrada, sendo razoável, numa perspectiva essencialmente econométrica, a persecução do Ótimo de Pareto como objetivo da política antitruste. Desse modo, não deve ser dificultado qualquer movimento dos agentes econômicos em direção ao Ótimo de Pareto, ainda que isso implique a monopolização da atividade. De resto, a análise das eficiências está em consonância com o lado fático do poder econômico: sua licitude ou ilicitude não depende de um julgamento peremptório ex ante, mas dos efeitos produzidos no mercado. Apesar dessas observações, pode-se defender que o detentor do poder econômico está revestido de um direito subjetivo e tem-se tentado explicar o abuso de poder econômico como uma forma de abuso de direito, desvio de finalidade ou desvio de função. Como posicionar o poder econômico nessa perspectiva? A relação entre poder econômico e abuso de direito é uma das explicações apresentadas na tentativa de enquadrar o abuso de poder econômico no âmbito da teoria geral do direito. Via de regra, o exercício de um direito pelo titular de uma posição jurídica subjetiva não pode ser ilícito. Contudo, reconhece-se, na construção teórica do abuso de direito, que o titular de um direito subjetivo pode distorcer seu uso, https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn3 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn4 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn5 40 extrapolando os limites socialmente aceitáveis para o exercício daquele direito, usando-o apenas e exclusivamente para prejudicar outrem.[6] Em síntese, os defensores da tese de que o abuso de poder econômico constitui modalidade de abuso de direito assim se manifestam: [...] se o exercício de posição dominante é lícito, obviamente sua extrapolação lhe confere caráter de iliceidade, pois o direito cessa onde começa o abuso, uma vez que sendo as condições monopolísticas juridicamente aceitas e reconhecidas, jamais poderão ser utilizadas para fins antijurídicos.[7] No caso específico do ordenamento jurídico brasileiro, também se argumenta, a favor da tese do abuso de direito, que a norma constitucional teria usado o termo “abuso”, que significa evidentemente uso irregular, possuindo, dessa forma, natureza jurídica de abuso de direito, necessariamente não compreendendo o exato sentido de uso ilícito, sendo independente de culpa ou dolo”.[8] Apesar de apresentar uma justificativa palpável em termos do problema da desnecessidade de culpa ou dolo para caracterização do abuso de poder econômico, inclusive em consonância com o artigo 187 do Novo Código Civil,[9] essa opinião não é correta, caso se considere o fenômeno em sua totalidade. O detentor de poder econômico, de fato, está revestido de uma série de direitos subjetivos isoladamente considerados, mas não se pode defender que o poder econômico constitua em si mesmo um direito subjetivo. Seu titular pode, inclusive, cometer um abuso de direito do ponto de vista da teoria geral do direito durante o exercício de suas atividades, mas isso não significa necessariamente que esteja abusando de seu poder econômico. Inversamente, pode abusar de seu poder econômico sem que tenha abusado de nenhum de seus direitos subjetivos individualmente considerados. Assim, embora a detenção de poder econômico por parte de um agente se reflita até mesmo patrimonialmente, não se pode https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn6 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn7 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn8 https://online.unip.br/conteudo/detalhes/94136#_ftn9 41 aliená-lo separadamente – ele existe praticamente em simbiose com o fundo de comércio. Aliás, o valor de uma empresa monopolista é superior ao de uma empresa que enfrenta alguma pressão de seus competidores devido a sua capacidade de produzir lucro em maior quantidade. Mais apropriado é reconhecer o poder econômico com base naquilo que realmente é e disso extrair suas consequências. Ele, é fato, irradia efeitos, decorrentes da combinação de uma série de direitos subjetivos. Tanto isso é verdade que se pode imaginar uma situação em que o detentor de poder econômico abuse de um direito subjetivo seu, sem que isso cause reflexo sobre o mercado. Uma empresa monopolista pode, numa de suas unidades industriais, abusar de seu direito de propriedade, emulando seus vizinhos, mas em hipótese nenhuma isso se liga ao seu poder econômico. Relativamente análoga à noção de abuso de direito, é a de desvio de poder, pois ambos os institutos jurídicos teriam origem semelhante.[10] Utilizado principalmente pelo direito administrativo, o desvio de poder ou de finalidade pressupõe a existência de um fim para a lei e o ato administrativo. Por isso, “o desvio de poder consiste no fato de uma autoridade administrativa desviar a direção de seu poder de seu objetivo natural, que é servir ao interesse público, e fazê-lo servir aos móveis de interesse pessoal (inimizade, vingança) ou de caráter público (querela partidária)”.[11] Se praticados com desvio de poder ou de finalidade, os atos são fulminados de nulidade. Os que, como explicação para o abuso do poder econômico, focam o desvio de poder tomam como certa a premissa de que a atuação dos agentes obedece a uma finalidade legal, capaz de publicizá-la, desnaturando o caráter
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