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Estruturas de Mercado e Concorrência

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Estruturas de Mercado I
De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “estrutura” seria a “maneira como um edifício ou uma coisa qualquer é construída, organizada e disposta”, ou a “maneira como as partes de um todo estão dispostas entre si”.
Porém, numa perspectiva mais econômica, este vocábulo constitui um modelo, ou seja, uma simplificação drástica da realidade, da qual se extraem algumas poucas variáveis, relevantes para a explicação de um dado fenômeno, com o estabelecimento de relações funcionais entre elas. Dentre outros objetivos, os modelos por trás das estruturas de mercado buscam entender o fenômeno do poder econômico ou a sua ausência.
***Poder Econômico***
O poder econômico pode ser definido como a disposição favorável para decidir sobre os assuntos que norteiam o fluxo de mercadorias, moedas e valores. No caso do Brasil em particular, o poder econômico está na raiz de nosso processo de subdesenvolvimento, lembrando que o Brasil como colônia balizou-se em um monopólio exportador e importador da metrópole portuguesa que é fator preponderante na acumulação de capital desta. No sistema capitalista, o mercado é o grande "palco" das transações de mercadorias e serviços ensejadas pela dinâmica da oferta / procura. Atualmente, este poder representa-se nos mecanismos de livre mercado e concorrência, na flexibilidade do sistema produtivo e na negociação das relações de trabalho e consumo.
Nem sempre o detentor de poder econômico está por trás de formas jurídicas como o trust, uma sociedade anônima ou um grupo empresarial. Pode acontecer que uma dessas formas seja absolutamente inofensiva, destituída por completo de poder econômico, todavia ter a posse dos meios de produção concerne uma enorme fonte de poder em relação aos que não têm.
Neste sentido, a Resolução CADE n. 2/12 definiu o que se deve entender por grupo econômico para fins de defesa da concorrência. Diferentemente do que acontece na legislação societária, trabalhista ou tributária, o conceito de grupo econômico é distinto. Veja-se o art. 4º da referida Resolução.
Art. 4º Entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos.
§1º Considera-se grupo econômico, para fins de cálculo dos faturamentos constantes do art. 88 da Lei 12.529/11 e do preenchimento dos Anexos I e II dessa Resolução, cumulativamente:
I – as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e
II – as empresas nas quais qualquer das empresas do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.
§2° No caso dos fundos de investimento, são considerados integrantes do mesmo grupo econômico, cumulativamente:
I – os fundos que estejam sob a mesma gestão; II – o gestor; III- os cotistas que detenham direta ou indiretamente mais de 20% das cotas de pelo menos um dos fundos do inciso I; e – as empresas integrantes do portfolio dos fundos em que a participação direta ou indiretamente detida pelo fundo seja igual ou superior a 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.
É possível conceber hipóteses em que há poder econômico sem que estejam, necessariamente, presentes quaisquer das formas jurídicas estudadas normalmente associadas ao poder econômico. Para superar esse impasse, a análise antitruste atenta para a estrutura do mercado relevante e, com base nela, conclui pela existência ou não de poder econômico. Basicamente, cinco são as manifestações do poder econômico significativas para a defesa da concorrência: o monopólio, o oligopólio, o monopsônio, o oligopsônio e o monopólio bilateral.
Monopólio
Um monopólio, na sua forma pura, existe se uma empresa domina a totalidade da produção, detendo pleno controle sobre a oferta do bem ou serviço. O monopólio puro é raro, verificando- se o mesmo especialmente em virtude de lei – o exemplo típico são as marcas e patentes. Noutros mercados, cuja escala mínima viável para funcionamento do agente econômico é alta, pode acontecer de existir espaço somente para um atuar, situação essa conhecida como monopólio natural.[1] Às vezes, nos monopólios naturais há uma infraestrutura dificilmente duplicável (essential facility), cujo acesso é essencial para o desenvolvimento da concorrência. Os efeitos de qualquer ação do monopolista são facilmente percebidos nos preços, razão pela qual o detentor de posição dominante pode agir a despeito das regras de oferta e demanda.[2] Dentre os malefícios do monopólio, quatro podem ser mencionados. O primeiro deles, denominado dead weight loss, corresponde à diminuição do universo dos consumidores do produto que sofre a supervalorização do preço. Em segundo lugar, o lucro extra obtido pelo monopolista redunda em perdas sociais, pois são gastos para manter a posição da empresa e a situação criada no mercado. Haveria, também, o desestímulo à inovação e melhoria da eficiência da empresa, pois a inexistência de outras companhias leva a monopolista à acomodação. Esse comportamento nem sempre ocorre, mas é muito provável. Por fim, a quarta consequência impacta a distribuição da renda social, pois todos os efeitos gerados tendem a concentrar o capital nas mãos dos monopolistas, tirando dos consumidores algo do que deveria ser cobrado pelo bem produzido.[3]
Nem todos concordam que, no cômputo geral, os monopólios sejam socialmente nefastos. No que tange à inovação, o agente econômico só estaria disposto a suportar o risco dos investimentos caso houvesse um ambiente que, do ponto de vista institucional, lhe assegurasse os riscos, o que aconteceria sob a égide de um monopólio. Nesse diapasão, argumenta Schumpeter, o incentivo ao desenvolvimento técnico seria mais forte num tal regime e, por desdobramento, os ganhos sociais globais seriam superiores aos produzidos num regime de livre concorrência.[4] Embora sob algumas circunstâncias essa teoria possa ser verdadeira,[5] há dúvidas sobre a possibilidade de generalizar tal afirmação.[6]
Por trás deste raciocínio, verifica-se a existência de forte componente utilitarista – esta doutrina filosófica, desenvolvida fortemente a partir do século XIX, influenciou profundamente a economia, na medida em que sua preocupação com a redução da escassez encontra fundamento. Para o utilitarismo, o que legitima uma conduta é o efeito sobre a geração de utilidade e não a conduta em si: se gerar a utilidade, a conduta é legítima; caso contrário, a conduta não é legítima.
Monopsônio
Retomando o tema das estruturas de mercado, análogo ao monopólio, inclusive no que tange aos seus efeitos, o monopsônio é a versão do primeiro voltada para os consumidores, ou seja, ocorre quando o mercado consumidor é formado por uma única entidade. Em outras palavras, o monopsonista possui controle sobre os produtores, visto que é o único demandante dos seus bens e serviços. Assim, sua atuação pode redundar na manipulação dos preços, na medida em que, ao se negar a adquirir os produtos ou serviços, pode forçar uma baixa.
Oligopólio
Situação que também pode ser comparada ao monopólio é a do oligopólio, verificada se algumas empresas dominam a produção e possuem poder para manipular o mercado. Os efeitos e consequências são comparáveis aos do monopólio, e o tratamento pela legislação é semelhante. Diversamente do monopólio, o qual raramente produz benefícios, há mercados oligopolizados, caracterizados por competição feroz. Nestes, devido à volatilidade da sua situação do ponto de vista estrutural, as empresas podem, em um momento, estar de acordo com a ação em face do mercado, mas, no momento seguinte, elas podem discordar e atuar como concorrentes. Esse comportamento oportunista de algum dos oligopolistas (free rider), que vez por outro teria interesse em se aproveitar do concorrente de modo oportunista, oferece vantagens à ruptura do cartel (acordo entre concorrentes) ou da conduta paralela, porque, mesmo nessa hipótese de mercado oligopolizado, “a firma não pode sensatamente ignorar o preço e as decisões de produçãodos competidores”[7] – o free-rider é um traidor que só pensa no seu próprio lucro.
Oligopsônio
À semelhança do que se verifica com o monopólio, denomina-se oligopsônio a estrutura de mercado em que um pequeno grupo de compradores possui poder para controlar os preços dos produtos por serem os únicos consumidores dispostos a adquirir os bens ou serviços das empresas ofertantes.
Monopólio bilateral
Mais rara é a existência do monopólio bilateral, situação em que existem apenas uma unidade vendedora e uma compradora do bem ou serviço. É totalmente oposto à concorrência perfeita. É mais frequente nos casos de um processo tecnológico absolutamente específico ou de uma matéria-prima bastante escassa.
Em todas estas estruturas de mercado, em certa medida existem “barreiras à entrada” de novos competidores no mercado, evitando que os mecanismos de auto regulação, tal como sugerido pela ideia da mão invisível da Adam Smith, funcionem. Existe uma variação: enquanto as barreiras à entrada tendem ao máximo em estruturas monopolizadas ou oligopolizadas, elas inexistem quanto maior for a concorrência (por exemplo, na estrutura da concorrência perfeita).
MÓDULO 2 – ESTRUTURAS DE MERCADO II
Estruturas de Mercado II
No Módulo Um, as formas de maior concentração de poder econômico foram estudadas. Neste Módulo, a análise aprofundará um pouco mais o tema do oligopólio, avançando na direção das estruturas de mercado mais desconcentradas. Ao fim, será retomado o tema da identificação do detentor do poder econômico.
Numa abordagem inicial, a simplificação da ideia do que seria um oligopólio é útil: um oligopólio seria uma estrutura de mercado em que poucos agentes econômicos deteriam o poder de mercado e, consequentemente, haveria uma aproximação dos efeitos desta estrutura do mercado com os do monopólio.
Todavia, isso corresponde somente a uma parte da realidade sobre os oligopólios. Em realidade, há dois tipos de oligopólios: o oligopólio concentrado e o competitivo. Enquanto no oligopólio concentrado há um pequeno número de empresas no mercado (por exemplo, a indústria automobilística no Brasil nos anos 1980, quando havia apenas 4 marcas – Ford, Chevrolet, Volkswagen e Fiat), no oligopólio competitivo é ligeiramente diferente. Neste, um pequeno número de empresas domina o mercado: veja-se o caso do mercado de supermercados, dominado pelos Grupo Carrefour e Pão de Açúcar/Casino, empresas que sofrem concorrência acirrada de um grande número de estabelecimento médios (Walmart, GBarbosa) e pequeno (Davó, Pastorinho). Embora elas apresentem imperfeições, certamente são em menor grau do que as do monopólio. Fica claro que nem todo oligopólio é necessariamente negativo para o consumidor.
Estas formas de oligopólio permite entender melhor as técnicas empresariais que existem na realidade. Outras duas estruturas de mercado merecem atenção: a concorrência imperfeita (ou concorrência monopolística) e a concorrência perfeita.
Concorrência monopolística
Antes de adentrar na concorrência perfeita, estude-se o a concorrência imperfeita ou monopolística, situação que, na prática, corresponde à maioria dos mercados. É um tipo de concorrência imperfeita em que são produzidos produtos distintos , todavia, com substitutos próximos passíveis de concorrência., ou seja, não exercem um monopólio e nem uma situação de concorrência perfeita, caracterizando uma situação entre o monopólio e a concorrência perfeita.Caracteriza-se sobretudo pela possibilidade de os vendedores influenciarem a procura e os preços por vários meios (diferenciação de produtos, publicidade, localização, variações no preço). A variedade de vendedores é relativamente elevada, sendo um mercado de acesso fácil, não sendo o produto, contudo, homogêneo. Quanto maior a diferenciação do produto mais a empresa, que o produz, pode controlar o preço. Um bom exemplo deste mercado é o de vestuário: existe uma grande variedade de fabricantes de camisetas e todos tentam se diferenciar um pouco dos demais. Pense na famosa marca Lacoste: com base em investimentos pesados em marketing, a empresa conseguiu cobrar um valor diferenciado pelo seu produto, que confere status ao comprador que a utiliza. Já um fabricante chinês pode até mesmo fabricar uma camiseta de igual qualidade, mas dificilmente conseguirá vender pelo mesmo preço sem que faça substanciais investimentos em marketing na marca própria – não fala-se aqui, certamente, de marcas piratas, cujo uso caracteriza um comportamento oportunista
Concorrência perfeita
Por fim, a última estrutura de mercado é a concorrência perfeita. Caracteriza-se por uma situação em que nenhuma empresa ou consumidor detêm o poder de influenciar os preços de mercado. A base teórica que se apresenta é no tocante a proporcionar o máximo de bem- estar para todos os agentes econômicos que participam das atividades do mercado. Como o próprio nome diz, ela é perfeita e corresponde à situação em que, teoricamente, a geração de riqueza para a sociedade é máxima. Porém, não existe nada perfeito e os cenários a serem estudados se aproximam dele. Logo, a concorrência perfeita é um modelo totalmente livre. As premissas deste modelo dificilmente se encontram na realidade. Veja-se apenas algumas destas hipóteses:
a) Muitos vendedores e muitos compradores (atomização do mercado ou ausência de poder econômico);
b) Homogeneidade do produto (produto deve ser igual ou muito semelhante);
c) Mobilidade das empresas (empresas podem entrar e sair do mercado a qualquer tempo sem custos irrecuperáveis);
d) Racionalidade: todos os agentes agem com racionalidade, fazendo uma análise custo benefício antes da tomada das decisões;
e) Transparência do mercado: todos os consumidores possuem acesso a todas as informações para tomada de suas decisões;
f) Inexistência de externalidades; e
g) Plena mobilidade de bens, ou seja, não há custo de transporte.
Agora, será analisada com mais atenção a questão da ausência do poder econômico.
A identificação do detentor do poder econômico não é tarefa simples. Nelas, há muito ocorreu o desprendimento da propriedade da riqueza de sua posse ou controle. Assim, de um lado, alguém pode ser muito rico, mas não controlar a riqueza; de outro, o desprovido de grande riqueza pode, principalmente através de estruturas de direito societário, controlar grande riqueza. O estudo de Beans e Means a esse respeito é clássico.[1]
Essa cisão entre propriedade e posse da riqueza, porém, não se verifica em todas as regiões do mundo. Particularmente no Brasil, não é uma realidade, pois a formação econômica do país teve como mote a concentração do poder econômico. As grandes empresas aqui localizadas ou são de controle familiar de capital fechado ou de controle a partir do estrangeiro, igualmente fechado.
Mesmo assim, Pontes de Miranda, já nos anos 1960, observava que
[...] o simples diretor, ou gerente, ou representante, ou agente, que não pode dispor de bens, ou ações, mas pode, com os poderes que tem em mão, atuar na vida econômica, está em posição de abusar deles, para dominar os mercados, ou eliminar a concorrência, e aumentar, arbitrariamente, os lucros, seus, ou da empresa a que serve.[2]
No Brasil, poucos são os casos em que o capital social de uma empresa se encontra disperso e mesmo assim o grupo controlador continua hegemônico na direção por meio das já referidas estruturas de direito societário. Dentre as empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) em setembro de 2004, apenas 39 delas obedeciam a regras de governança corporativa que impunham a obrigação de manter em circulação parcela mínima de 25% do capital social. Para o ano de 2017, aproximadamente 50% das empresas negociadas na Bolsa obedecem ao quesito de governança corporativa.
A concentração do capital, no regime capitalista, assume variadas formas, dificultando a mera rotulação dos numerus clausus.[3] O caráter eminentemente fático, reconhecível por seus efeitos, do poder econômico faz com que ele apareça de muitos modos, jurídicos ou não. Poucoimporta se é uma sociedade limitada ou anônima, uma pessoa física ou jurídica, um ente personalizado ou não personalizado. O que é relevante para a análise antitruste são os efeitos do poder econômico sobre o mercado, pois a sua adaptabilidade prescinde de fórmulas jurídicas.
Um episódio ajuda a provar essa versatilidade. No período imediatamente posterior à promulgação do Sherman Act nos Estados Unidos, em 1890, seguiu-se uma grande onda de fusões entre empresas, gerando maior concentração de poder econômico, fato contra o qual o diploma antitruste fora concebido. Diversamente do que se pretendia, o Sherman Act estimulara a concentração econômica por meio de outros mecanismos que não os trustes, ao tornar ilegal a celebração de uma série de acordos entre empresas, mas não restringir em absoluto as fusões e aquisições.[4] A brecha legal foi aproveitada para acelerar a concentração econômica e mostrou como não se deve combater o poder econômico.
Dessa maneira, uma técnica legislativa com vistas a estabelecer um numerus clausus de sujeitos detentores de poder econômico tende a ser inócua do ponto de vista de sua eficácia e torna, possivelmente em pouco tempo, letra morta qualquer política de defesa da concorrência. Em tese, até mesmo uma única pessoa natural ou família podem ser o núcleo de um grande poder econômico, sem que haja necessidade da intermediação de uma pessoa jurídica. Por isso, a importância em identificar os principais detentores de poder econômico não serve para fundamentar a atuação mais específica da análise antitruste em face de determinados sujeitos. Focando tais institutos jurídicos, o estudo desse aspecto serve, em realidade, de notícia histórica, de ajuda na compreensão da estrutura do poder econômico e de orientação da formulação da legislação pertinente. Emblematicamente, Nusdeo menciona os trustes, as sociedades holdings, os grupos empresariais, os pools e os cartéis.
É verdade que a atuação dos trustes nos Estados Unidos de fins do século XIX estigmatizou o instituto do fideicomisso de tal forma que, além de dar origem à denominação inglesa “antitruste”, contribuiu para identificar todo e qualquer truste com o poder econômico, lembrando que ao final do século XIX o sistema capitalista está praticamente consolidado e a visão da "firma" já faz parte do escopo econômico. Essa redução, por óbvia, é simplista, mas pode ser usada para discorrer sobre os modos, jurídicos ou não, pelos quais o poder econômico se revela. A origem histórica do instituto jurídico do trust encontra-se no direito de uso (use) da Inglaterra medieval, o qual consistia na cessão dos direitos de uso a um terceiro, para que este administrasse propriedades em favor do cedente. Com o aprimoramento desse mecanismo, é-lhe concedida tutela jurídica, a partir do que ele deixa de basear-se exclusivamente na mútua confiança (trust) entre as partes. Dessa maneira, surge verdadeira possibilidade de dividir o direito de propriedade em dois: uma titularidade legal, cabível àquele que administra, e uma titularidade beneficiária, cabível àquele que obtinha o gozo da coisa sem figurar formalmente como proprietário.[5] Não se confunde o trust com a representação, pois, no trust, o administrador, igualmente, age em interesse de outrem, mas também é titular da propriedade. Pressupondo-se a existência de uma intenção, de um objeto (um bem ou mesmo um objetivo) e de beneficiários, o trust é um mecanismo jurídico importante, incorporado inclusive em ordenamentos de origem romanística, possuindo funções, como as já mencionadas na esfera empresarial e de investimentos, bem como a proteção de incapazes e pessoas inexperientes no trato mercantil.[6]
Holding
Também as sociedades holdings são outra forma bastante acusada de servir de abrigo ao poder econômico. Caracteriza-se por ser uma empresa mãe , uma sociedade que concentra ações ordinárias , ou seja, os detentores possuem direito ao votos nas assembleias . Esse modelo tem como objetivo controlar um grupo de empresas . Os fatores benéficos para a concepção desse modelo é que a própria companhia protege a si própria das perdas. Denomina-se holding aquela pessoa jurídica que destina suas atividades essencialmente à aquisição de ações e, consequentemente, ao gerenciamento de outras empresas. Ocorre geralmente em relação às sociedades anônimas, de capital aberto ou fechado, e facilitam o controle sobre as atividades de determinado setor. Dessa forma, a holding passa a dominar amplas fatias do mercado e tem condições de regular seu funcionamento.[7] Uma vez que ela se dedica à aquisição de ações de outras empresas sobre as quais lhe é interessante manter controle, sua atuação está relacionada com as sociedades anônimas. Dessa maneira, abre-se para a holding a possibilidade de penetrar nos mais diferentes setores da economia.
Conglomerados
Ao conjunto das empresas controladas normalmente por holdings dá-se o nome de conglomerado econômico, o qual compreende um grupo de empresas geridas pelo mesmo corpo societário (o da holding).[8] Os conglomerados econômicos foram e, em alguma medida, ainda são figuras comuns em todas as economias capitalistas, mas, em virtude de particularidades históricas, destacaram-se mais nos Estados Unidos, onde são denominados trusts; na Alemanha, conhecidos como Konzern, e no Japão, Zaibatsu.[9]
***Pools e Carteis/Trustes***
Por sua vez, os pools e os cartéis são formas próximas, os primeiros apontados como estágios preliminares dos segundos, embora não necessariamente conduzam a eles. Há pools se “várias empresas decidem manter uma atividade ou serviço comum que atenda a todas elas, como por exemplo, um escritório de compras de matéria-prima ou de assistência técnica ou, ainda, de promoção de exportações”.[10] Estes não se apresentam, em geral, constituídos sob qualquer forma societária, mas isso pode acontecer às vezes. Por seu turno, os cartéis são um negócio jurídico ilícito que, na maioria dos casos, não é reduzido a escrito e objetiva a “adoção de decisões ou políticas comuns quanto a todos ou a determinado aspecto de suas atividades”.[11]
MÓDULO 3 – CONTROLE DE ESTRUTURAS I
Controle de Estruturas I
Nos módulos anteriores, foi explicado que certas estruturas de mercado possuem efeitos negativos para a geração da riqueza na economia – como o objetivo é gerar a maior quantidade de riqueza, é do interesse do Estado evitar que tais estruturas de mercado se desenvolvam. Por outro lado, há cenários em que certas estruturas de mercado mais concentradas são necessárias para permitir o desenvolvimento de certos mercados. Além disso, os princípios constitucionais das livre iniciativa e da livre concorrência, associados aos da propriedade privada, permitem que as empresas realizem os movimentos de concentração. Neste contexto, dá-se a intervenção do Estado na economia, de modo a evitar que tais situações negativas surjam – o órgão responsável chama-se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Abarcando o conceito , ou seja, a intervenção do Estado na economia, cabe lembrar a concepção do economista John Maynard Keynes que em 1936 publica a célebre obra Teoria Geral do Emprego , do Juro e da Moeda no sentido de que o Estado intervenha na economia com o objetivo de conduzi-la novamente ao equilíbrio face ao alto grau de complexidade que a economnia capitalista atinge no século XX , isto é, com uma gama de variáveis dificultando o equilíbrio dos preços somente através do mercado pela lei da oferta / procura.
O CADE é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, que exerce, em todo o Território nacional, as atribuições conferidas pela Lei nº 12.529/2011. O CADE tem como dever zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também por fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência. Esta entidade exerce três funções:
a) Preventiva: Analisare posteriormente decidir sobre as fusões, aquisições de controle, incorporações e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência. Alguns dos casos mais famosos decididos se referem à criação da AMBEV (fusão Antartica/Brahma, Nestlé/Garoto e Sadia/Perdigão)
b) Repressiva: Investigar, em todo o território nacional, e posteriormente julgar cartéis e outras condutas nocivas à livre concorrência.
c) Educacional ou pedagógica ou advocacia da concorrência: Instruir o público em geral sobre as diversas condutas que possam prejudicar a livre concorrência; incentivar e estimular estudos e pesquisas acadêmicas sobre o tema, firmando parcerias com universidades, institutos de pesquisa, associações e órgãos do governo; realizar ou apoiar cursos, palestras, seminários e eventos relacionados ao assunto; editar publicações, como a Revista de Direito da Concorrência e cartilhas.
Antes de verificar como o CADE exerce sua função preventiva, vamos entender dois princípios constitucionais que estão por trás de toda a atividade empresarial, a livre iniciativa e a livre concorrência.
***Livre iniciativa e Livre concorrência***
Iniciativa é sinônimo de empreendimento. Desse modo, livre iniciativa é o mesmo que livre empreendimento, ou seja, o empreendimento desembaraçado de quaisquer atuações estatais. Uma vez que a atividade voltada para o mercado tem seus objetivos próprios, a livre iniciativa atua como meio à disposição do empresário para a persecução de tais propósitos (lucro, conquista de clientela, melhorias tecnológicas, entre outros) – “trata-se, portanto, de uma liberdade-meio ou liberdade condicional”.[1]Consequentemente, a legislação que disciplina, por exemplo, preço e qualidade dos produtos e serviços deve limitar-se pelo princípio da livre iniciativa. Grau analisa a questão num parecer que trata da imposição a comerciantes, por meio de atos administrativos, do dever de etiquetar preços.[2]
No passado, em praticamente toda a Europa, a atividade econômica dependia de algum tipo de prévia autorização. Mesmo a Inglaterra, avançando na Revolução Industrial, possuía semelhantes limitações. Os Estados Unidos da América, constituídos em fins do século XVIII, representavam exceção digna de menção, na medida em que são um país estabelecido sobre o paradigma da liberdade, no qual inexistem as corporações de ofício ou um poder político excessivamente centralizador. A França, palco central revolucionário, fornece um quadro bem completo da situação. “Sob o Antigo Regime, a organização econômica era dominada por instituições excessivamente contrárias à liberdade: de um lado, o célebre regime das corporações; de outro, a existência de barreiras aduaneiras não somente nas fronteiras, mas também no interior do país.”[3]
A ruptura desse quadro acontece apenas de modo abrupto. Na França, a primeira manifestação expressa de repúdio ao Antigo Regime é dada pelo Decreto d’Allarde, em 1791;[4] no mesmo ano, a Lei Le Chapelier condenará e proibirá o regime de corporações.[5] Mesmo assim, certas restrições só desaparecerão ao longo dos séculos XIX e XX: é o caso das autorizações para constituição de sociedades anônimas.[6] Data dessa época o início da profusão de termos para significar algo bastante próximo da livre iniciativa. Ao lado desta, a doutrina francesa enumera também a liberdade profissional, a liberdade de comércio e indústria e a livre concorrência, cada termo apresentando uma justificativa específica para sua cunhagem.[7]
A evolução política do liberalismo mitigou o absenteísmo estatal, verificando-se, ao longo da história, uma série de “invasões”, tópicas ou abrangentes conforme o momento, do público sobre o privado.[8] Uma vez que a livre iniciativa e a atuação estatal são vistas como antitéticas (esta, inclusive, como deturpadora por natureza do processo concorrencial), uma das principais preocupações doutrinárias é delimitar o campo do público e do privado.
A concepção de liberalismo toma corpo no Estado de Direito Liberal burguês preconizado por John Locke no século XVII, em que a noção de propriedade é construída. O homem tem direito a liberdasde , a igualdade e a propriedade. No campo econômico, irão surgir no século XVIII os pensadores econômicos liberais , Adam Smith e David Ricardo , que irão conceituar a teoria do valor-trabalho preconizada inicialmente pelo pensador Locke.
A posição favorável à livre iniciativa “privada” fundamenta-se no texto constitucional brasileiro, uma vez que várias de suas passagens corroborariam essa afirmação. O inciso IV do artigo 1o elege “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” como um dos fundamentos da República. O caput e o § 1o do artigo 170 reforçam a noção, reiterando que a livre iniciativa é fundante da ordem econômica brasileira e que o livre exercício de qualquer atividade independe de autorização prévia de órgãos públicos, exceto quando a lei assim determinar. Os artigos 199 e 209 reconhecem, respectivamente, serem a saúde e o ensino livres à iniciativa privada. Tais dispositivos, interpretados em seu conjunto, caracterizariam a livre iniciativa como um princípio constitucional.
Além disso, ela é a “projeção da liberdade individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas”.[9] À semelhança da liberdade, valor tutelado juridicamente, a livre iniciativa seria outro valor tutelado juridicamente, aliás, bastante próximo da liberdade em si. Por isso, alguns se referem à livre iniciativa como liberdade de iniciativa.
De outra perspectiva, Grau critica as posições que pretendem reduzir a livre iniciativa à livre iniciativa empresarial. Aquela seria um desdobramento da liberdade, a qual deve ser entendida como “sensibilidade e acessibilidade a alternativas de conduta e de resultado”.[10] Assim como a liberdade não se restringiria à liberdade de iniciativa econômica, a livre iniciativa não se restringiria à livre iniciativa empresarial. Por conseguinte, haveria iniciativas que não a empresarial que também seriam protegidas constitucionalmente: a pública, a autogestionária, a cooperativista, entre outras.[11].
O atendimento das demandas das sociedades (O que produzir? Como produzir? Para quem produzir?), sendo que o primeiro, será resolvido no âmbito do consumidores pelo cruzamento da oferta / procura. O segundo, é uma questão de eficiência tecnológica , de know-how , de eficiência produtiva e será resolvido no âmbito das empresas, e o último é uma questão de priorização, ou seja, produzir determinando produto em detrimento de outro, podendo ser feito através de modelos econômicos assentados nos critérios de tradição, autoridade e autonomia.[12] Cada um desses critérios psicológico-comportamentais corresponde “a uma atitude mental, uma crença, uma adesão a determinados princípios e atitudes, e crenças essas que enquadram todo um conjunto supostamente coerente de comportamentos regrados pelas instituições próprias a cada sistema”.[13]No caso do sistema baseado na autonomia, também denominado descentralizado, os pressupostos são a “crença na capacidade ordenadora do mercado e o princípio hedonista”.[14] Para operacionalizar esse sistema do ponto de vista ideológico, a concorrência é apresentada como um valor a ser tutelado pelo ordenamento jurídico.
Todavia, é difícil apartar concorrência e liberdade. A concorrência é um processo contínuo em que os agentes econômicos interagem livremente no mercado. A tutela da livre concorrência visaria à proteção dessa liberdade de ação no bojo do processo competitivo, a fim de que não ocorressem limitações ou restrições ilícitas ao longo do tempo. É diferente, portanto, da liberdade de iniciativa, na medida em que esta objetiva a proteção da entrada no processo competitivo. Sob certo aspecto, a livre concorrência engloba a liberdade de iniciativa, na medida em que a primeira ocorre, com grande frequência, nos mercados em que a segunda não enfrenta limitações.
Outra forma de juridicização do processo competitivo é o princípio da livre concorrência,expressamente previsto em duas passagens da Constituição da República: no inciso IV do artigo 170, como um dos princípios da ordem econômica, e no § 3o do artigo 173. Sua inclusão causa perplexidade, pois, em sua forma mais pura, a livre concorrência só poderia existir na ausência de poder econômico, ou seja, num mercado perfeitamente competitivo. Ora, a própria Constituição de 1988 reconhece a licitude do poder econômico, coibindo apenas seu abuso. Logo, é de indagar a função de tal princípio.[15]
Podem-se identificar três elementos principais da concorrência: a ação dos agentes no mercado desligada de qualquer atuação governamental, a livre entrada no mercado e a liberdade de escolha dos destinatários finais dos produtos e serviços.[16] Noutras palavras, é o ambiente em que o sistema econômico descentralizado funciona, livre de restrições decorrentes, quer seja do poder público, quer seja do poder privado. Do ponto de vista da ideologia liberal, a livre concorrência se aproxima de livre mercado: “tudo contrário” ao livre mercado seria “antinatural”, havendo mesmo certa crença de que o livre mercado precede a própria sociedade.[17]
A aceitação do princípio da livre concorrência fez-se a partir da constatação de que a livre iniciativa não era suficiente, por si só, para garantir o perfeito funcionamento do mercado. Na teoria econômica clássica, os benefícios da concorrência poderiam ser auferidos caso a entrada nos mercados não encontrasse barreiras. Em nome dessa ideia, o regime das corporações de ofício e alguns dos impostos foram banidos. Entretanto, o livre funcionamento do mercado demonstrou que, ao invés de conduzir a benefícios, a concorrência se degenerava e o mercado do Estado liberal acabava por resultar nos mesmos caracteres do Antigo Regime. Nesse contexto, a livre concorrência surge como um princípio orientador de manutenção do jogo do mercado em movimento, não estando inclusa, portanto, no seio da livre iniciativa.[18] Assim, coaduna-se com o princípio da livre concorrência o artigo 174 da Constituição, que prescreve ser o planejamento meramente indicativo para o setor privado.[19]
Da livre concorrência e livre iniciativa ao controle das concentrações no mercado relevante
Apesar de se referir em vários trechos a “mercado relevante de bens e serviços”, a Lei n. 12.529/11 é omissa no tratamento do assunto, não fornecendo nenhuma indicação sobre como proceder na delimitação. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sugere que, combinado com o teste do monopolista hipotético, o mercado relevante de produto compreende “todos os produtos ou serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização”.[20] Para tanto, devem ser analisados os seguintes aspectos:
[...] a eficácia, a qualidade e a conveniência relativa dos produtos substitutos; a evolução dos preços relativos e das quantidades vendidas; os custos de consumir produtos substitutos provenientes da mesma ou de outras áreas; o tempo necessário para promover a eventual substituição; e evidências de que os consumidores desviariam sua demanda ou levariam em conta a possibilidade de desviá-la em função de mudança nos preços relativos ou em outras variáveis competitivas.[21]
Mas o que é esse lugar chamado mercado relevante? Em poucas palavras, é exatamente onde as empresas competem entre si.
O empresário é motivado, inicialmente, por um instinto de autopreservação: se permanecer estático, corre o risco de ser, gradualmente, expulso do mercado. Disso decorre seu móvel para a ação concorrencial. O dinamismo do agente econômico não é algo irracional. Pelo contrário, atualmente a maioria dos movimentos é planejada em detalhes, a fim de evitar perdas e maximizar os ganhos. Além da conformação atual do mercado, leva-se em conta também a situação após a entrada e a reação dos demais agentes.[22] Esse tipo de análise pode ser particularmente útil para a defesa da concorrência. O economista Schumpeter , discorre sobre o papel do empresário inovador, o empreendedor , seja na pequena , média ou grande empresa ele é o agente da inovação , da destruição criativa , esta como força propulsora do capitalismo e também do progresso material.
Todavia, nem sempre os agentes econômicos se comportam consoante o esperado, ou seja, às vezes agem irracionalmente, perseguindo algo além do que seria o maximizador de seu lucro. Assim, eles perseguiriam o seu próprio interesse tomado numa acepção mais ampla. Afinal, por trás deles há sempre pessoas naturais, e, como afirmam Ross e Scherer, “nesta época de neuroses e psicoses difundidas, a linha entre a racionalidade e a irracionalidade não é, em absoluto, fácil de traçar”.[23] Mesmo a lógica maximizadora de lucros não reina absoluta, na medida em que “os diretores de uma grande empresa podem não achar que obter grandes lucros para o acionista seja a consideração mais importante que enfrentam: eles podem estar mais interessados em ver crescer o tamanho do seu império empresarial ou entregar-se à vida calma que os monopolistas podem desfrutar”.[24]
O primeiro tipo de movimento do agente econômico em face do mercado é voltado para si mesmo. Direcionando seus recursos com vistas a atender sua clientela, o agente econômico adapta-se às circunstâncias do mercado de forma a conquistar mais clientes e/ou maximizar seus lucros. Sem se relacionar com quaisquer concorrentes diretos, empresas a jusante ou a montante no processo produtivo ou mesmo uma unidade produtiva distante de seu mercado relevante em todos os sentidos,[25] o agente econômico desenvolve-se, conseguindo atingir seus objetivos racionalmente estabelecidos. Para tanto, ele pode adotar outra linha de ação com vistas ao seu sucesso empresarial, agindo de três maneiras distintas consoante as peculiaridades dos mercados envolvidos: expandir-se horizontal, vertical ou conglomeradamente. Isso não contém, em si mesmo, nenhum ilícito antitruste.
Nesse sentido, tal movimento pressupõe que um agente econômico ganhe mercado e outro perca, seja em termos absolutos ou relativos, se o tamanho do mercado se mantiver constante. Semelhante processo, porém, não pode ser chamado de concorrência desleal, apesar de ter um reflexo patrimonial aferível no prejudicado, seja do ponto de vista qualitativo (diminuição do valor do fundo de comércio), seja do ponto de vista quantitativo (perda de receita decorrente de negócios não celebrados).[26] Isto ocorre com o crescimento interno, mas o que é infringido ao concorrente é lícito, esperado num regime de livre concorrência, havendo “excludente de ilicitude” para esse prejuízo.[27] Além disso, a própria ideologia por trás da concorrência admite esse tipo de ganho à custa dos competidores. Para o liberalismo, a seleção natural dos melhores, meritocracia eliminadora dos agentes econômicos menos adaptados, é o melhor mecanismo social para produção e distribuição de riquezas entre os diversos grupos no seio de uma sociedade baseada num sistema econômico descentralizado. Por essa razão, o protecionismo tarifário é criticado pelos liberais, pois afasta essa possibilidade de prejuízo, perfeitamente lícito, que é sofrido por empresas localmente estabelecidas em detrimento de outras localizadas no exterior.
Desse modo, a concorrência desleal e o abuso do poder econômico são hipóteses de ilícito, reprimidas pelo direito. Ambos sofrem repressão civil e criminal, mas somente o segundo, devido aos interesses que tutela, encontra guarida num regime administrativo especial. O agente econômico, atuando sem esbarrar num desses limites da ilicitude, ainda que cause prejuízo ao concorrente, não pode sofrer nenhum constrangimento do ordenamento jurídico, sob pena de se ofender a livre concorrência. Essa permissividade não é ilimitada. Nas palavras de Le Moal,“como todo fenômeno socioeconômico, a concorrência está dividida entre uma dupla regulação: uma permissiva, que determina os direitos subjetivos, e outra proibitiva, que fixa os limites das atividades concorrenciais”.[28] O crescimento interno,assegurado pelo princípio constitucional da livre concorrência, é um desses espaços de liberdade de ação do agente econômico. Já as concentrações, desconcentrações econômicas e as condutas concorrenciais situam-se no viés “proibitivo” dessa regulação. Todas demandam, de algum modo, alguma atuação administrativa.
As desconcentrações econômicas são outra modalidade de movimento do agente econômico. Não representam, a priori, uma preocupação antitruste, pois são o movimento em sentido contrário à concentração, mas deve-se atentar para o fato de que uma desconcentração de agente econômico implica, na maioria das vezes, a concentração econômica de outro.[29] Do mesmo modo, uma concentração econômica redunda, em grande parte das situações, numa desconcentração econômica conforme a perspectiva escolhida.
Tanto o crescimento interno quanto a desconcentração econômica não despertam maiores preocupações concorrenciais nos mercados relevantes. Contudo, o mesmo não se pode dizer da concentração econômica e das condutas anticoncorrenciais, as quais são a verdadeira razão de ser do direito antitruste.
O movimento em direção à concentração econômica é uma das preocupações decorrentes da ênfase dada pela Tradição de Harvard ao paradigma estrutura-desempenho-conduta. Embora não exclusivamente assentado nesse paradigma, o controle das concentrações decorre da necessidade de prevenir o aparecimento de estruturas que aumentem consideravelmente a possibilidade de abuso do poder econômico.[30] Assim, num mercado em que um banco detenha o controle de mais de 50% do mercado de intermediação financeira há grande possibilidade de que o abuso efetivamente ocorra.
Apesar disso, quando ocorre concentração econômica, é possível que não se verifique nenhuma alteração no grau de concentração econômica de um mercado relevante, caso típico das alterações nas relações verticais e conglomeradas. Mesmo do ponto de vista das relações horizontais, esta hipótese não está afastada – é a hipótese conhecida como substituição de agentes.[31] A prática revela que a maioria dos casos submetidos à aprovação concorrencial não produz impacto nenhum sobre a concorrência, constituindo-se a chancela antitruste mero procedimento burocrático.[32]
Nem sempre é necessário impor limites à atuação dos agentes econômicos, mas, quando tal se verifica, as proibições em matéria concorrencial podem ser ou não peremptórias, o que é aferido a partir dos danos ou potencialidades de danos ocasionados ao mercado. Inexistente essa possibilidade, a concentração econômica e a conduta anticoncorrencial são banidas. A concentração econômica sempre se dá a partir do estabelecimento de uma relação entre os agentes econômicos, que, como visto, pode ser horizontal, vertical ou conglomerada.
***Concentração Horizontal***
Há concentração horizontal se os agentes econômicos envolvidos unem seus centros decisórios, constatando-se sobreposição em algum dos mercados relevantes. É o tipo de concentração econômica que mais atrai a atenção das autoridades concorrenciais, porque a mensuração do poder econômico resultante é mais fácil e perceptível, sendo os seus efeitos facilmente sentidos pelos consumidores.
***Integração Vertical***
A integração vertical ocorre “quando uma empresa opera como vendedora no mercado de insumos de outra, mesmo não havendo uma relação comercial entre elas”.[33] Por exemplo, as operações que geram integração vertical possuem potencialmente efeitos anticoncorrenciais, quer pela redução da dispersão da demanda devido à restrição das compras da empresa a jusante a uma única vendedora a montante, quer pela redução da dispersão da oferta devido à restrição das vendas da empresa a montante a uma única compradora a jusante. Basicamente, reconhecem-se três possibilidades para que ocorra integração vertical:[34] (i) uma empresa pode começar a atuar num novo mercado sozinha, v.g., um banco atuante no Brasil decide iniciar operações no Japão; (ii) uma empresa pode adquirir outra que atue no mercado relacionado, v.g., um banco atuante exclusivamente na intermediação financeira ao comprar uma corretora de seguros; e (iii) uma empresa pode celebrar contrato com outra, já atuante no mercado relacionado, para que coordenem suas ações no longo prazo, v.g., uma instituição financeira ao celebrar contrato com o correio para pôr à disposição dos clientes deste os seus serviços bancários.
Independentemente da forma pela qual se opera, a verticalização altera os padrões de concorrência ao fim da cadeia produtiva conforme o mercado relevante. A imposição de preços uniformes pela empresa detentora da marca a seus distribuidores ou franqueados restringe a concorrência ao fim da cadeia produtiva, deslocando-se todas as preocupações para a concorrência em relação às outras marcas (concorrência intermarca). Diversamente, a ausência desses preços uniformes produz acirramento da concorrência entre os distribuidores ou franqueados (concorrência intramarca).[35]
Integração Conglomerada
A integração conglomerada verifica-se quando dois agentes econômicos unem seus centros decisórios, sem que haja sobreposição ou relação vertical entre eles. A principal preocupação antitruste concerne apenas ao tamanho do conglomerado e às ameaças decorrentes desse tamanho.
Apêndice
Leia com atenção o trecho pertinente da Lei n. 12.529/11: TÍTULO VII - DO CONTROLE DE CONCENTRAÇÕES CAPÍTULO I - DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO
Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:
I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e cincoenta milhões de reais); e
II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais).
§ 1o Os valores mencionados nos incisos I e II do caput deste artigo poderão ser adequados, simultânea ou independentemente, por indicação do Plenário do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça.
§ 2o O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.
§ 3o Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.
§ 4o Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3o deste artigo.
§ 5o Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo.
§ 6o Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes objetivos:
I - cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade ou a competitividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II - sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
§ 7o É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contarda respectiva data de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo.
§ 8o As mudanças de controle acionário de companhias abertas e os registros de fusão, sem prejuízo da obrigação das partes envolvidas, devem ser comunicados ao Cade pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, respectivamente, no prazo de 5 (cinco) dias úteis para, se for o caso, ser examinados.
§ 9o O prazo mencionado no § 2o deste artigo somente poderá ser dilatado:
I - por até 60 (sessenta) dias, improrrogáveis, mediante requisição das partes envolvidas na operação; ou
II - por até 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo.
Art. 89. Para fins de análise do ato de concentração apresentado, serão obedecidos os procedimentos estabelecidos no Capítulo II do Título VI desta Lei.
Parágrafo único. O Cade regulamentará, por meio de Resolução, a análise prévia de atos de concentração realizados com o propósito específico de participação em leilões, licitações e operações de aquisição de ações por meio de oferta pública.
Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;
II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas;
III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.
Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.
Art. 91. A aprovação de que trata o art. 88 desta Lei poderá ser revista pelo Tribunal, de ofício ou mediante provocação da Superintendência-Geral, se a decisão for baseada em informações falsas ou enganosas prestadas pelo interessado, se ocorrer o descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas ou não forem alcançados os benefícios visados.
Parágrafo único. Na hipótese referida no caput deste artigo, a falsidade ou enganosidade será punida com multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), a ser aplicada na forma das normas do Cade, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 67 desta Lei, e da adoção das demais medidas cabíveis.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 174: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”
MÓDULO 4 – CONTROLE DE ESTRUTURAS II
Controle de Estruturas II
Subjacente aos movimentos empresariais descritos no Módulo Três está implícito o conceito de entrada, o qual deve ser entendido, como o próprio vocábulo indica, como a entrada da atuação do agente econômico no mercado. Um agente econômico não atuante em dado mercado, mas que em certo tempo pode nele entrar, é considerado um entrante potencial. Essa situação, porém, não se confunde com a substitutibilidade pelo lado da oferta. Nesta, o agente econômico pode facilmente passar a atuar no mercado relevante por meio do simples redirecionamento da sua produção[1]. Assim, conforme o tamanho, uma financeira não vinculada à instituição financeira alguma é considerada entrante potencial no mercado de intermediação financeira. Por outro lado, um banco atuante no mercado de crédito de curto prazo pode, em tese, deslocar sua “produção” para os mercados de médio e longo prazo (substitutibilidade pelo lado da oferta).[2]
Barreiras à entrada
Correlata a esse conceito e mais importante para a instrumentalização da defesa da concorrência, é a noção de barreiras à entrada, que são “algum fator no mercado que permite às empresas já atuantes no mercado ter lucros monopolísticos, ao impedir a entrada dos que estão de fora”.[3] Exemplos de barreiras à entrada são exigências legais, longo prazo para construção de uma unidade produtiva e os investimentos necessários. Conceituando barreiras à entrada, caracterizamos como um modelo de preservação da atividade comercial, ou seja, uma espécie de proteção alicerçada em quesitos políticos, tecnológicos, logísticos, de custos , etc., conduzindo as empresas atuantes no mercado a um nível elevado dificultando a entrada de novos concorrentes. Qualquer fator que iniba a entrada de novos concorrentes em um mercado específico é considerado como barreiras à entrada.
Formulada por Bain, um dos representantes da Tradição de Harvard, essa definição é mais ampla e tem sido a mais adotada, inclusive pelos órgãos de defesa da concorrência dos Estados Unidos. Todavia, ela contrasta com uma mais recente, sugerida por Stigler, a qual busca distinguir a entrada desejável da entrada indesejável, considerando como barreira à entrada apenas aquele custo que não é suportado pelos agentes já atuantes no mercado.[4] As economias de escala, portanto, estão excluídas da definição de Stigler, pois todos os agentes econômicos de dado mercado já teriam incorrido nelas em algum momento. Nessa linha de raciocínio, ainda que na presença de lucros monopolísticos, é socialmente indesejável a entrada de empresas incapazes de suportar os investimentos necessários para atingir a escala mínima viável, porque conduziria, cedo ou tarde, à saída de um dos agentes. Isso ocorreria porque o tamanho do mercado não suportava a manutenção de mais empresas do que as já operantes. No Brasil, o CADE adota explicitamente a definição de Bain, ao afirmar que, “na acepção pioneira de Bain, as barreiras à entrada dizem respeito às condições que permitiriam que as firmas estabelecidas em um determinado mercado relevante pudessem perceber lucros extraordinários sem induzir a entrada de novos concorrentes”.[5]
Barreiras artificiais
Via de regra, quanto maiores as barreiras à entrada, mais tempo e investimento serão necessários para que a atuação de um concorrente se faça presente, contestando o domínio exercido por outro agente ou grupo de agentes econômicos. Os mercados podem, em tese, ser excessivamente concentrados, desde que sejam facilmente contestáveis, permitindo que agentes econômicos nele entrem com facilidade em busca de lucros monopolísticos maiores. Contudo, detentores ou não de poder econômico tendem a criar barreiras artificiais à entrada, visando a manipular as condições do mercado com maior liberdade de atuação.[6] Bancos, por exemplo, precisam atender a uma série de requisitos legais para serem autorizados a operar como instituições financeiras. Todavia, se os bancos já estabelecidos operam, conjuntamente, algum serviço aos consumidores reconhecido como socialmente relevante e não permitem a entrada de novos bancos nesse pool, ainda que mediante pagamento, está-se diante de uma barreira artificial à entrada. Se a não-inclusão do entrante no pool for injustificada, pode estar caracterizada conduta anticoncorrencial.
Altos custos na saída
Ligada à noção de entrada do agente econômico num mercado, encontra-se a de sua saída. Por essa razão, um agente econômico ponderará, também, quando de sua decisão de entrar ou não em dado mercado, sobre a possibilidade de recuperar o dinheiro investido. Nesse contexto, os custos irrecuperáveis (sunk costs), em que incorre o agente econômico,seriam uma barreira à entrada, ligada especialmente à saída da empresa do mercado.[7] Enquanto ativos como imóveis e carteira de clientes podem ser vendidos por uma instituição financeira que tenha decidido encerrar suas atividades, o mesmo não se pode afirmar do que foi gasto com publicidade.[8]
Diferenciação entre concentração e conduta
Ao lado da concentração econômica, as autoridades concorrenciais têm grande interesse na repressão às condutas anticoncorrenciais. A diferenciação entre concentração e condutas é encarada como artificial por muitos. Apesar disso, é fácil diferenciá-las pelo momento da atuação estatal antitruste: enquanto, nas condutas, a atuação estatal será sempre a posteriori por ser impossível punir algo que nem sequer aconteceu, nas concentrações, a atuação estatal será, pelo menos, a priori ou, como ocorre no Brasil, imediatamente posterior. Vistas atualmente como um dos principais problemas do antitruste, especialmente pela Escola de Chicago, que diminuiu consideravelmente a ênfase no controle de estruturas, as condutas anticoncorrenciais são banidas do mercado, porque, presume-se, são sempre nefastas. Consistem, basicamente, em atos ilícitos com vistas à monopolização dos mercados relevantes.
De modo geral, é a movimentação das posições dos agentes econômicos que detêm poder econômico que interessa às autoridades de defesa da concorrência. O surgimento de sistemas de controle para tais movimentos é uma tentativa de evitar ou reprimir o abuso do poder econômico.
Apêndice – Trecho sobre os procedimentos administrativos da Lei N. 12.529/11 relativos à aprovação de atos de concentração econômica
CAPÍTULO II
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NO CONTROLE DE ATOS DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA
Seção I - Do Processo Administrativo na Superintendência-Geral
Art. 53. O pedido de aprovação dos atos de concentração econômica a que se refere o art. 88 desta Lei deverá ser endereçado ao Cade e instruído com as informações e documentos indispensáveis à instauração do processo administrativo, definidos em resolução do Cade, além do comprovante de recolhimento da taxa respectiva.
§ 1o Ao verificar que a petição não preenche os requisitos exigidos no caput deste artigo ou apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, a Superintendência-Geral determinará, uma única vez, que os requerentes a emendem, sob pena de arquivamento.
§ 2o Após o protocolo da apresentação do ato de concentração, ou de sua emenda, a Superintendência-Geral fará publicar edital, indicando o nome dos requerentes, a natureza da operação e os setores econômicos envolvidos.
Art. 54. Após cumpridas as providências indicadas no art. 53, a Superintendência-Geral:
I - conhecerá diretamente do pedido, proferindo decisão terminativa, quando o processo dispensar novas diligências ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência, assim definidos em resolução do Cade; ou
II - determinará a realização da instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas.
Art. 55. Concluída a instrução complementar determinada na forma do inciso II do caput do art.
54 desta Lei, a Superintendência-Geral deverá manifestar-se sobre seu satisfatório cumprimento, recebendo-a como adequada ao exame de mérito ou determinando que seja refeita, por estar incompleta.
Art. 56. A Superintendência-Geral poderá, por meio de decisão fundamentada, declarar a operação como complexa e determinar a realização de nova instrução complementar, especificando as diligências a serem produzidas.
Parágrafo único. Declarada a operação como complexa, poderá a Superintendência-Geral requerer ao Tribunal a prorrogação do prazo de que trata o § 2o do art. 88 desta Lei.
Art. 57. Concluídas as instruções complementares de que tratam o inciso II do art. 54 e o art. 56 desta Lei, a Superintendência-Geral:
I - proferirá decisão aprovando o ato sem restrições;
II - oferecerá impugnação perante o Tribunal, caso entenda que o ato deva ser rejeitado, aprovado com restrições ou que não existam elementos conclusivos quanto aos seus efeitos no mercado.
Parágrafo único. Na impugnação do ato perante o Tribunal, deverão ser demonstrados, de forma circunstanciada, o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais não deve ser aprovado integralmente ou rejeitado.
Seção II - Do Processo Administrativo no Tribunal
Art. 58. O requerente poderá oferecer, no prazo de 30 (trinta) dias da data de impugnação da Superintendência-Geral, em petição escrita, dirigida ao Presidente do Tribunal, manifestação expondo as razões de fato e de direito com que se opõe à impugnação do ato de concentração da Superintendência-Geral e juntando todas as provas, estudos e pareceres que corroboram seu pedido.
Parágrafo único. Em até 48 (quarenta e oito) horas da decisão de que trata a impugnação pela Superintendência-Geral, disposta no inciso II do caput do art. 57 desta Lei e na hipótese do inciso I do art. 65 desta Lei, o processo será distribuído, por sorteio, a um Conselheiro-Relator.
Art. 59. Após a manifestação do requerente, o Conselheiro-Relator:
I - proferirá decisão determinando a inclusão do processo em pauta para julgamento, caso entenda que se encontre suficientemente instruído;
II - determinará a realização de instrução complementar, se necessário, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas.
§ 1o O Conselheiro-Relator poderá autorizar, conforme o caso, precária e liminarmente, a realização do ato de concentração econômica, impondo as condições que visem à preservação da reversibilidade da operação, quando assim recomendarem as condições do caso concreto.
§ 2o O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do caput deste artigo.
Art. 60. Após a conclusão da instrução, o Conselheiro-Relator determinará a inclusão do processo em pauta para julgamento.
Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato.
§ 1o O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados.
§ 2o As restrições mencionadas no § 1o deste artigo incluem:
I - a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial; II - a cisão de sociedade;
III - a alienação de controle societário;
IV - a separação contábil ou jurídica de atividades;
V - o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e
VI - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.
§ 3o Julgado o processo no mérito, o ato não poderá ser novamente apresentado nem revisto no âmbito do Poder Executivo.
Art. 62. Em caso de recusa, omissão, enganosidade, falsidade ou retardamento injustificado, por parte dos requerentes, de informações ou documentos cuja apresentação for determinada pelo Cade, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, poderá o pedido de aprovação do ato de concentração ser rejeitado por falta de provas, caso em que o requerente somente poderá realizar o ato mediante apresentação de novo pedido, nos termos do art. 53 desta Lei.
Art. 63. Os prazos previstos neste Capítulo não se suspendem ou interrompem por qualquer motivo, ressalvado o disposto no § 5o do art. 6o desta Lei, quando for o caso.
Art. 64. (VETADO).
Seção III - Do Recurso contra Decisão de Aprovação do Ato pela Superintendência-Geral
Art. 65. No prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da publicação da decisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração, na forma do inciso I do caput do art. 54 e do inciso I do caput do art. 57 desta Lei:
I - caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceirosinteressados ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora;
II - o Tribunal poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo para julgamento ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação.
§ 1o Em até 5 (cinco) dias úteis a partir do recebimento do recurso, o Conselheiro-Relator: I - conhecerá do recurso e determinará a sua inclusão em pauta para julgamento;
II - conhecerá do recurso e determinará a realização de instrução complementar, podendo, a seu critério, solicitar que a Superintendência-Geral a realize, declarando os pontos controversos e especificando as diligências a serem produzidas; ou
III - não conhecerá do recurso, determinando o seu arquivamento.
§ 2o As requerentes poderão manifestar-se acerca do recurso interposto, em até 5 (cinco) dias úteis do conhecimento do recurso no Tribunal ou da data do recebimento do relatório com a conclusão da instrução complementar elaborada pela Superintendência-Geral, o que ocorrer por último.
§ 3o O litigante de má-fé arcará com multa, em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, a ser arbitrada pelo Tribunal entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), levando-se em consideração sua condição econômica, sua atuação no processo e o retardamento injustificado causado à aprovação do ato.
§ 4o A interposição do recurso a que se refere o caput deste artigo ou a decisão de avocar suspende a execução do ato de concentração econômica até decisão final do Tribunal.
§ 5o O Conselheiro-Relator poderá acompanhar a realização das diligências referidas no inciso II do § 1o deste artigo.
MÓDULO 5 – CONTROLE DE CONDUTAS I
Controle de condutas I
Um regime assentado na liberdade, como aqueles em que a concorrência é o norte, tende a se formar com base em direitos e obrigações, enquanto outro, no qual a liberdade e, subsequentemente, a concorrência estão mitigadas, se movimenta na direção de poderes e deveres.[1] Como postula Grau, “enquanto instrumento legítimo de organização social, o direito instrumentará a convivência harmoniosa entre liberdade e poder, realizando, em sua plenitude, a sua função de instrumento de organização social”.[2] Essa relação é particularmente verdadeira quando se verifica que, no campo das relações entre particulares, predominam direitos e obrigações, ao passo que, com o Estado, poderes e deveres. Ora, se o mercado tem por regra a igualdade formal entre os competidores, que, na maioria dos casos, não são pessoas de direito público, quid iuris é saber qual o correto posicionamento do poder econômico: é verdadeiramente um poder sob o ponto de vista da teoria geral do direito ou não?
Inicialmente, contudo, deve-se investigar se o poder econômico constitui um fato jurídico ou não. A história humana e a vida cotidiana são uma sucessão incessante de fatos, muitos dos quais não se sujeitam necessariamente a uma fattispecie. Os fatos são classificados em condutas, caso apresentem a participação humana, e em eventos, caso não.[3] Fatos e condutas se diferenciam na medida em que a sociedade humana os valora de forma diversa por interferirem “direta ou indiretamente, no relacionamento inter-humano, afetando, de algum modo, o equilíbrio de posição do homem diante dos outros homens”.[4] Perante o direito, a valoração diferenciada implica a concessão de “conseqüências específicas (efeitos jurídicos) em relação aos homens” por meio da sua adjetivação feita pela norma jurídica.[5] Os fatos que incidem sobre a fattispecie da norma são considerados jurídicos, e aqueles que não incidem, não jurídicos.[6]
À primeira vista, o poder econômico poderia ser apenas um fato despido de qualquer relevância jurídica. Em realidade, assim o era até o advento da legislação antitruste. Para alguns, é possível considerar o poder econômico apenas como fora do mundo jurídico, essencialmente restrito ao mundo dos fatos, não merecendo maiores atenções do sistema legal.[7] Sob tal ponto de vista, o poder econômico é um fato irradiador de influência não jurídica sobre terceiros, o que excluiria a atuação do direito sobre ele. Todavia, semelhante posição política não se coaduna com grande parte dos ordenamentos jurídicos vigentes, especialmente em razão da legislação antitruste.
A decisão de um banco emprestar ou não a dada companhia deve ser vista de dois ângulos: o do inegável fato jurídico mútuo, no qual todos os indivíduos são, ao menos em tese, formalmente iguais perante a lei, e o do poder “concreto”, revelador das desigualdades materiais entre os indivíduos. Como somente um banco pode emprestar por dispor de quantias destinadas a esse fim, ele age conforme lhe parece melhor ao celebrar o mútuo com a empresa que escolher, controlando, sem necessariamente produzir fatos jurídicos, o comportamento dos interessados em contratar mútuo. Além disso, o empréstimo vultoso a uma empresa é indicativo de sua saúde financeira – contrariamente, a recusa indicaria a existência de “algo errado” na empresa.[8]. Aqui enseja a questão do risco do cliente. A partir da crise Global do subprime em 2008 , a gestão de risco de crédito tornou-se mais transparente. Os novos regulamentos da Basileia III criaram uma maior regulamentação bancária e com isso um maior custo para os tomadores de recursos.
Esses desdobramentos, isoladamente não abrangidos por nenhuma fattispecie, constituem elementos que ajudam a caracterizar um tipo de influência que, nesse caso, o banco exerce sobre a empresa. Se o contrato de mútuo for celebrado, é possível que a capacidade de ingerência do banco na empresa aumente, na medida em que este [esta] tem interesse em renovar o crédito e aquele, em recuperar o que foi emprestado. Tais motivações psíquicas não são fatos jurídicos, mas alguns de seus efeitos podem ser. Se o banco nomear um diretor da empresa por causa de sua influência, está-se diante de um fato jurídico que desnuda o poder econômico.
Contra a conclusão de que o poder econômico se manifesta, simultaneamente, como fato jurídico e fato não jurídico, pode-se objetar que o mesmo acontece com outros fatos jurídicos. Uma propriedade imóvel confere ao seu titular o poder de excluir de seu gozo todos os outros. Um mutuário civil pode-se comportar de acordo com os desejos do mutuante, visando a renovar o contrato. Ora, tais situações isoladas se distanciam do poder econômico, composto por um grande número de relações jurídicas articuladas entre si, porque a quantidade de poder “concreto” detida pelos agentes nesses casos simples é praticamente insignificante. A partir de certo ponto, embora isso não seja sempre verdade, a quantidade de poder detida pode transformar a natureza do próprio poder – trata-se de um caso em que mudanças quantitativas modificam a qualidade do próprio objeto. Em outras palavras, do ponto de vista da defesa da concorrência, o poder “concreto” expresso numa relação jurídica simples nada significa para o direito e, por isso, não é fato jurídico, ao passo que o poder “concreto” expresso num complexo de relações jurídicas, tomadas em seu conjunto formando o poder econômico, tem consequências extensas e, por isso, é fato juridicamente relevante.
Por causa disso, a tentativa de aplicar a teoria dos planos jurídicos para explicar as situações reguladas pelo direito antitruste deve ser criteriosa, sob pena de desvirtuá-la. Antes de tudo, a Lei n. 12.529/11, por se tratar de diploma jurídico típico do direito antitruste, não se preocupa com a existência, a validade e a eficácia de um negócio jurídico, mas com o mundo dos fatos, em que o poder se manifesta despido das adjetivações que a concepção liberal do direito lhe atribui. Podem-se conceber situações aplicáveis à Lei n. 12.529/11 que se concretizem sem a existência de um negócio jurídico, tal como ocorre com a gestão de negócios – um acionista majoritário de um agente econômico pode, simplesmente, deixar de exercer o controle, beneficiando um acionista minoritário: estando presentes alguns requisitos,é possível caracterizar essa situação, análoga à da gestão de negócios, como concentração econômica.
Para o direito antitruste, essencialmente voltado para a busca dos objetivos inscritos no artigo 170 da Constituição da República, não interessa discutir, in abstracto, a existência, a validade e a eficácia de um contrato. Para fins da Lei n. 12.529/11, o que importa é o efeito produzido sobre o mercado e não se, numa discussão interna corporis entre as partes contratantes, há ou não eficácia jurídica. Mais apropriada à análise do CADE é a distinção entre eficácia e efetividade feita por Barroso. “Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para o qual foi gerado e refere- se à aptidão, à idoneidade para a produção de seus efeitos.”[9] Diversamente, posta no plano da realidade, fora da teoria pontiana dos planos, encontra-se a efetividade ou eficácia social, pois “cuida-se da concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos”.[10] A preocupação do antitruste é com a efetividade ou eficácia social, pois, do contrário, haveria o risco de instituir um controle meramente parnasiano.
Percebe-se agora o equívoco cometido no julgado: o foco do CADE é o mercado, não a relação jurídica entre as partes. A aptidão para gerar efeitos não significa necessariamente a sua produção, ainda mais quando a efetividade se encontra represada por condição ou termo. Em outras palavras, o julgado aplicou um conceito jurídico da teoria geral do direito privado a uma situação fática que não corresponde àquela para a qual foi forjado, deixando-se de lado outro viés importante da teoria pontiana dos planos jurídicos, a saber, o mundo dos fatos.
Uma mudança sub-reptícia da atitude social em relação ao poder econômico: da sua negação atingiu-se a sua aceitação. Mesmo no Brasil agrário da primeira metade do século XX, Magalhães, em tom crítico, identificava o poder econômico como socialmente indesejável, afirmando que
[...] o poder econômico é o que resulta da posse dos meios de produção. Quando esses meios de produção, em certos setores da atividade, são dominados por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos, são dominados por uma empresa ou por um grupo de empresas, evitando que outros deles também possam dispor, há abuso do poder econômico.[11] .
Tal observação é isolada, pois naquela época o predomínio do modelo liberal de direito era inconteste. Do ponto de vista do direito, o modelo liberal assentava-se na premissa da igualdade formal dos indivíduos perante o mercado, o que não tardou a ser criticado como insuficiente, levando à criação de mecanismos adicionais para lidar com o poder econômico. Tal transformação foi resultado da lenta corrosão dos pressupostos ideológicos do modelo da concorrência perfeita, acelerada pelo surgimento de outras explicações do fenômeno econômico. Afinal, o capitalismo pode existir sem concorrência, sendo esta apenas uma nota ideológica muito enfatizada nos regimes liberais. A grande discussão é que o sistema capitalista ao consolidar-se no século XIX fica impregnado com o florescer de uma gama de variáveis como por exemplo o sistema financeiro, os oligopólios, os monopólios, os sindicatos , a expansão do comércio internacional, ou seja, todos essas variáveis começaram a dificultar o modelo de concorrência perfeita , modelo este balizado nas premissas do economista francês Jean Baptiste Say ao qual o equilibrio dos preços é realizado pelo mercado através da oferta / procura que será contestado por Keynes no século XX.
À diferença do que ocorria com os primeiros ideólogos do liberalismo e do antitruste, atualmente o poder econômico é aceito como fato indissociável do capitalismo; em vez de ser destruído, deve ser controlado. A figura do empresário inovador schumpeteriano[12] não exclui, a priori, o seu sucesso, que redunda, logicamente, em alguma concentração econômica. Nesse particular, embora Schumpeter continue pessimista sobre as perspectivas do capitalismo,[13] o poder econômico moderadamente elevado é encarado positivamente, na medida em que permite a existência de uma concorrência por meio de diferenciação de produtos e não somente por meio de preços.[14] Em Schumpeter, a concorrência perfeita continua tão central quanto na economia política clássica,[15] mas sua importância é relativizada. Seria central
[...] concorrência de novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de suprimento, novo tipo de organização [...] a concorrência que determina uma superioridade decisiva no custo ou na qualidade e que fere não a margem de lucros e a produção de firmas existentes, mas seus alicerces e a própria existência.[16]
Entre todos os países, provavelmente foram os Estados Unidos que viveram a experiência mais radical de combate ao poder econômico, especialmente até os anos 70 do século XX.[17] Combinando-se o certo determinismo do paradigma estrutura-função-desempenho da Tradição de Harvard à praticamente inexistente concorrência internacional para produtos americanos e à aplicação da Doutrina da Incipiência (Incipiency Doctrine), esse período foi o mais hostil à concentração do poder econômico. A Doutrina da Incipiência, desenvolvida pelos tribunais americanos com base no dispositivo do Clayton Act que restringe as aquisições de negócios que tenham por conseqüência “poder reduzir substancialmente a concorrência ou tender a criar um monopólio”,[18] surgiu em 1914 como resposta ao movimento de fusões e aquisições de empresas que se seguiu ao Sherman Act.
Em 1950, o Celler-Kefauver Anti-Merger Act reforçaria a Doutrina da Incipiência – posteriormente, a concentração entre a Brown Shoe Co. e Kinney Shoe Co. seria rejeitada, embora resultasse no domínio de apenas 5% do mercado relevante.[19] Precedentes judiciais, aplicando rigidamente essa regra, endureceram o combate ao poder econômico, especialmente durante a era Warren da Suprema Corte, a qual “condenava concentrações, porque elas criavam certas eficiências” – como as concentrações criavam eficiências, deixavam as empresas maiores em posição de vantagem sobre as menores, desequilibrando a concorrência.[20] Com isso, percebe-se que essa doutrina visava, em consonância com os preceitos da Tradição de Harvard, a evitar o aparecimento de estruturas de mercado que tendessem ao abuso do poder econômico. Logo, a concentração econômica, ainda que em estágios iniciais, era severamente combatida, pois, entendia-se, se permitido o desenvolvimento do poder econômico, era “melhor prevenir do que remediar”.[21]
O grande desafio posto é que o sistema capitalista pressupõe a livre iniciativa e a livre concorrência. Tal doutrina invadia excessivamente o âmbito da autonomia individual, na medida em que ignorava que “a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito” (Art. 36, § 1o da Lei n. 12.529/11).
Essas três características do antitruste nos Estados Unidos revelam a influência que as resistências de cunho político tiveram sobre a condução da política concorrencial. Argumentava- se, ainda com base na concepção de uma sociedade atomizada fundada no indivíduo, que a concentração do poder econômico seria nefasta para a democracia, na medida em que daria aos seus detentores a capacidade de influenciar o processo político decisório muito além do que permitiria a igualdade formal dos votos de seus detentores.[22] Como pondera Vaz, “o poder econômico, nas suas inter-relações com o poder político, pode ser, assim, considerado como um ‘meio’ de influir nas decisões políticas, com vistas à sua própria conservação, ou como um ‘fim’: a obtenção de um cargo eletivo, que configura participação direta no poder político”.[23] Preocupada com esse risco, também a legislação brasileira reprime, em matéria eleitoral, o abuso do poder econômico.[24]
Talvez o exemplo mais contundente da procedência dessa crítica provenha da Alemanha, país que chegou a ser conhecido, na primeira metade do século XX, como o “país dos cartéis”,

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