Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Geografia Regional Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Eduardo Augusto Wellendorf Sombini Revisão Técnica: Profa. Dra. Vivian Fiori Revisão Textual: Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento • Introdução; • A Regionalização do Espaço Mundial; • A Ascensão dos EUA; • A Modernização Conservadora dos Países Periféricos; • O Caso das Zonas de Processamento para Exportação (ZPEs). · Analisar as características do espaço mundial após a Segunda Guerra Mundial; · Evidenciar a modernização conservadora do EUA; · Explicar o que significam as Zonas de Processamento para Exportação (ZPEs). OBJETIVO DE APRENDIZADO Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Introdução Nesta unidade, vamos tratar da regionalização após a Segunda Guerra Mundial, evidenciando alguns eventos do período e suas situações, bem como algumas teorias que abordam e procuram compreender estes processos da regionalização do espaço mundial. A Regionalização do Espaço Mundial A regionalização do espaço mundial teve como fundamento teórico, principal- mente, o modelo centro-periferia. Essa interpretação enfatiza os vínculos de do- minação que certos países hegemônicos do sistema mundial (do ponto de vista econômico, político e militar) construíram, historicamente para subordinar outras áreas do planeta. Além disso, essa produção de hierarquias no sistema mundial se realizou por meio de estratégias variadas e, muitas vezes combinadas, que incluíram a colonização, a expansão imperialista e, no caso de países independentes, a subordinação econômica. Independentemente das formas concretas de realização, essas estratégias de controle dos países periféricos criaram obstáculos estruturais ao desenvolvimento econômico autônomo desses Estados nacionais. Partindo do modelo centro- periferia, diversas propostas clássicas de regionalização do espaço mundial surgiram. Entre elas, a divisão entre países do Norte (desenvolvidos) e do Sul (subdesen- volvidos) vem sendo a mais influente e duradoura nas últimas décadas. Essa clas- sificação partiu inicialmente de uma divisão internacional do trabalho, na qual os países do Sul eram exportadores de bens primários e importadores de mercadorias industrializadas, produzidas nos países do Norte. Essa divisão internacional do trabalho, primeiramente, está associada aos desdo- bramentos da Revolução Industrial na Inglaterra e sua difusão para outros países da Europa Ocidental e para os Estados Unidos da América, em um período posterior. Com isso, para garantir o fornecimento de matérias-primas e mercados consumi- dores, as potências europeias colocaram em prática estratégias imperialistas de forma mais acentuada no caso da África. O imperialismo do fim do século XIX e início do século XX combinou, portanto, o expansionismo dos mercados capitalistas e o aumento do poder político dos Estados nacionais europeus. Porém, como lembra David Harvey (2014), as lógicas imperialistas permaneceram como um elemento essencial para a compreensão das dinâmicas do sistema mundial, mesmo após o fim da era dos impérios europeus. 8 9 A base do imperialismo pode ser encontrada nas desigualdades de poder econô- mico e político, historicamente, produzidas entre os diversos países. Essas desigual- dades criam, por exemplo, relações comerciais desfavoráveis aos países periféricos que, por falta de alternativas concretas de crescimento econômico, tendem a se submeter às condições impostas pelos países centrais que ocupam posições hierar- quicamente superiores. Isso faz com que os benefícios da exploração econômica desses países não se convertam, como poderiam, em melhorias das condições de infraestrutura dos territórios e na formulação de políticas sociais para essas populações. Essas assi- metrias de poder tendem, dessa forma, a aumentar os vínculos de dependência dos países periféricos em relação ao centro do sistema. O geógrafo David Harvey (2014, p. 35) explica este processo do imperialismo: As práticas imperialistas, do ponto de vista da lógica capitalista, referem- -se tipicamente à exploração das condições geográficas desiguais sob as quais ocorre a acumulação do capital, aproveitando-se igualmente do que chamo de as “assimetrias” inevitavelmente advindas das relações espa- ciais de troca. Estas últimas se expressam em trocas não-leais e desiguais, em forças monopolistas espacialmente articuladas, em práticas extorsivas vinculadas com fluxos de capital restritos e na extração de rendas mono- polistas. A condição de igualdade costumeiramente presumida em mer- cados de funcionamento perfeito é violada, e as desigualdades resultantes adquirem expressão espacial e geográfica específica. A riqueza e os bem- -estar de territórios particulares aumentam à custa de outros territórios. Podemos afirmar, portanto, que as relações econômicas e políticas entre países centrais e periféricos vêm, historicamente, reproduzindo as desigualdades existentes no sistema mundial. A própria ideia de livre fluxo internacional de mercadorias, que costuma ser mo- bilizada para legitimar a expansão de acordos comerciais, não se realiza sem a me- diação das formações sócio espaciais e, portanto, dos Estados nacionais com suas características específicas. Então, cada país com base em seus atributos competi- tivos, busca criar condições para se beneficiar nas relações com os demais países. Como em outras arenas de disputa econômica e política, os agentes que reúnem as condições mais vantajosas tendem a assumir a liderança das negociações coletivas, influenciando diretamente o processo de tomada de decisões. Consequentemente, os resultados são, em geral, o fortalecimento da posição dos agentes hegemônicos do sistema mundial, em detrimento dos territórios e das populações dos países periféricos que, por não possuírem os mesmos recursos econômicos, políticos e militares, dificilmente têm condições de romper os vínculos de dependência. 9 UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial A Ascensãodos EUA Como sabemos, os Estados Unidos da América vem sendo, nas últimas décadas, o país hegemônico no sistema mundial. Há diversas interpretações sobre a evolução do poder internacional dos EUA, como aquelas propostas por Giovanni Arrighi (2012) e David Harvey (2014), entre outras. Para sintetizar esse debate, é importante assinalar que a construção de hegemonias na escala global está relacionada a duas estratégias complementares: a liderança consentida, isto é, uma situação, em que os demais países reconhecem a supremacia da potência mundial como benéfica para a manutenção de relações internacionais estáveis; e a coerção direta, que diz respeito aos casos, em que o país hegemônico impõe seus interesses aos demais, frequentemente com a ameaça ou o uso efetivo do seu aparato bélico. Durante a Guerra Fria, a posição internacional dos EUA era constantemente ameaçada pela URSS, a outra superpotência que delimitava os contornos da geopolítica bipolar do período posterior à Segunda Guerra Mundial. Enquanto a URSS esteve envolvida diretamente nos conflitos na Europa durante a guerra, o que significou altos custos para o país, os EUA se adiantaram na formu- lação da nova ordem mundial que passou a vigorar com o encerramento da guerra. David Harvey (2014, p. 48) comenta: Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial como, de longe, a potência mais dominante. Eram líderes na tecnologia e na produção. O dólar (apoiado por boa parte do estoque de ouro do mundo) reinava supremo, e o aparato militar do país era bem superior a qualquer outro. Seu único oponente digno de nota era a União Soviética, que, no entanto, perdera vastos contingentes de sua população e sofrera uma terrível degradação de sua capacidade industrial e militar em comparação com os Estados Unidos. Por conta dessa posição privilegiada, os EUA estiveram à frente da construção de uma nova estrutura de poder internacional que correspondia diretamente aos interesses do país. Em 1944, o país convocou a Conferência de Bretton Woods, que reuniu 44 países do mundo capitalista com o intuito de criar uma nova ordem monetária internacional. Desse modo, a moeda dos Estados Unidos, o dólar, tornou-se a moeda comum das transações internacionais, atrelado às reservas de ouro do país. Além disso, os acordos de Bretton Woods criaram o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o intuito de regular os fluxos financeiros internacionais e supervisionar a ação dos Estados nacionais, e o Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD, atual Banco Mundial), com o objetivo de oferecer empréstimos internacionais aos países afetados pela guerra. 10 11 Figura 1 – O Hotel Mount Washington, em Bretton Woods, New Hampshire, local da histórica Conferência de 1944. Fonte: Wikimedia Commons Nas décadas subsequentes, as políticas do FMI e do Banco Mundial foram reorientadas, mas se mantiveram associadas às principais diretrizes dos Estados Unidos. A nova ordem monetária internacional criada em Bretton Woods foi, desde o início, fortemente orientada pelos EUA que passou a ter condições de submeter as políticas econômicas de outros países aos seus interesses específicos, por meio de instituições internacionais que supostamente buscariam preservar o interesse coletivo do sistema internacional. Ascensão dos EUA, pós-Segunda Guerra Mundial O sistema econômico internacional que surgiu sob a hegemonia norte-americana promoveu a integração dos mercados dos países centrais (EUA, Europa e Japão), dinamizando o crescimento desses países num contexto de expansão contínua do mercado mundial capitalista. Papel decisivo nesse processo foi cumprido pelas corporações norte-americanas, que, ao se projetarem internacionalmente, difundiram seus padrões de organização, produção, distribuição, � nanciamento e consumo, transformando-se no modelo de empresas para europeus e japoneses. Nesse período, o êxito dos EUA na contenção ao comunismo e na expansão de seu capitalismo corporativo passava pela recuperação econômica da Europa e do Japão, levando os norte-americanos a promoverem uma gestão multilateral e cooperativa de sua hegemonia, marcada pela ajuda econômica e política aos seus aliados e concorrentes capitalistas. Cabe reconhecer, no entanto, que ao longo do período expansionista pós-1945, foram sendo gestadas as condições que trariam novamente as crises econômicas e as competições interestatal e intercapitalista, inerentes ao capitalismo. Primeiro que, mesmo em um período de “hegemonia benevolente”, os EUA mantiveram um permanente expansionismo do seu poder no sistema internacional, passando a encontrar limites na própria ordem internacional montada no pós-guerra. Segundo que, aos poucos, os parceiros econômicos dos EUA começaram a retomar seus projetos nacionais de expansão territorial e econômica, competindo com ele por mercados e territórios. A recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão permitiu a formação de poderosas corporações transnacionais nesses países, sobretudo na Alemanha e no Japão, que passaram a disputar os mercados internos e externos com as corporações norte-americanas. Com salários inferiores aos padrões norte-americanos, desenvolvimento tecnológico e uma produtividade maior do que a média norte-americana em alguns setores, as corporações japonesas e alemãs conseguiram baixar os preços de seus produtos no mercado mundial, tornando-se líderes em setores importantes da economia mundial. Ex pl or Fonte: Texto literal extraído de SANTOS, Marcelo. A supremacia dos EUA no pós-Guerra Fria. Perspectivas, São Paulo, 29: 37-66, 2006. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/viewFile/32/25. Acesso em 31 de jul de 2017. 11 UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Já que o governo dos EUA controla o dólar, que se tornou a moeda de referên- cia do mundo, o país ganhou enormes poderes sobre os fluxos monetários interna- cionais, que são impensáveis para os demais países. Essa é, certamente, uma das expressões mais incontestáveis da hegemonia dos EUA no sistema mundial e uma das características gerais das potências mundiais. Fiori (2009, p. 172) comenta: Depois do século XVI, foram sempre os “Estados-economias nacionais” que lideraram a expansão capitalista e sempre foram os Estados expansivos ganhadores que lideraram a acumulação de capital, em escala mundial. E a “moeda internacional” sempre foi a moeda do “Estado- economia nacional” mais poderoso, numa determinada região e durante um determinado tempo. Elevados à categoria de potência inquestionável do mundo capitalista, os EUA aprofundaram as lógicas imperialistas por meio de suas políticas externas, buscando ampliar as áreas de influências que detinham nas periferias do sistema mundial para garantir mercados para suas corporações e poder político para seu Estado. A Modernização Conservadora dos Países Periféricos As questões do subdesenvolvimento passaram a ser consideradas mais intensa- mente no debate internacional nesse período e as teorias conservadoras da moder- nização foram formuladas e difundidas nos países periféricos. O traço primordial dessas teorias era considerar o subdesenvolvimento como uma etapa transitória que poderia ser superada com a adoção de políticas de modernização da econo- mia, do território e da sociedade dos países considerados “atrasados”. Preocupados com o avanço das propostas políticas socialistas, os Estados Unidos ofereceram amplos montantes financeiros em programas de “ajuda internacional” para que os países do Sul importassem as tecnologias industriais e os padrões da sociedade de consumo norte-americana, entre outras questões. Para Milton Santos (2003), trata-se de uma ilusão de melhoria das condições dos países periféricos que tem como consequência, ao contrário, o aumento da dependência externa e dos vínculos de subordinação. Esse tipo de modernização, portanto, difunde do centro para a periferia do sistemamundial as inovações técnicas e os modelos de consumo existentes nos países desenvolvidos, mas como as amarras do subdesenvolvimento não são, de fato, enfrentadas nos países do Sul, a pobreza e as desigualdades não têm perspectivas de ser superadas. 12 13 Milton Santos (2003, p. 29) afirma: De ora em diante, dever-se-á dar aos pobres a impressão, e não somente a esperança, de que estão emergindo da pobreza. Eles passarão, portanto, a testemunhar um aumento em termos absolutos de sua renda, isto é, de seu consumo de bens e serviços. Mas como está fora de questão reduzir as taxas de acumulação e de desigualdade, o que significaria a morte do sistema, a pobreza não será eliminada, apenas mascarada. Essas propostas de modernização conservadora foram amplamente difundidas entre as décadas de 1950 e 1970 e adotadas por boa parte dos países da periferia do mundo capitalista. Por outro lado, também, surgiram propostas que buscavam promover o desenvolvimento econômico autônomo desses países, rompendo com os obstáculos estruturais das condições históricas do subdesenvolvimento. O pensamento formulado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é, certamente, um dos mais importantes nesse contexto. Fundada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), a CEPAL formulou uma interpretação a respeito do subdesenvolvimento dos países da região a partir da década de 1950, que o considerava um processo histórico particular, associado à herança colonial dos países latino-americanos e à inserção subordinada que tive- ram na divisão internacional do trabalho. Uma das questões norteadoras do pensamento cepalino diz respeito à desigual- dade das trocas econômicas entre os países da América Latina e as economias desenvolvidas. Os primeiros, por terem sido constituídos em grande medida como exportadores de bens primários, não puderam reter a riqueza gerada nos circuitos espaciais produtivos de alcance internacional. Como a industrialização das matérias- primas era realizada, principalmente, nos países centrais, a maior parte do valor adicionado nesse processo se mantinha aí, enquanto os países da América Latina eram obrigados a importar os produtos industriais. Por conta da baixa geração de riqueza nacional, círculos viciosos de dependência econômica entrariam em vigor, já que esses países não possuíam recursos suficientes para fazer frente às importações por conta da exportação de mercadorias de baixo valor agregado. Como consequência dessa inserção subordinada na divisão internacional do trabalho, haveria nos países periféricos heterogeneidades estruturais. Isso quer dizer que a economia, o território e a sociedade seriam marcadas por fortes polarizações e desigualdades, fundadoras desses países: algumas atividades econômicas seriam integradas aos circuitos globais de acumulação (como no caso da exportação de bens primários para os países centrais), enquanto boa parte do sistema econômico se realizaria com lógicas de subsistência ou não capitalistas. 13 UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Essas questões foram desenvolvidas por diversos intelectuais latino-americanos, entre os quais se inclui Celso Furtado. O autor foi um dos expoentes da chamada escola histórico-estrutural latino-americana, que buscou compreender a formação econômica desses países a partir de suas especificidades e não por meio de formulações importadas dos países Para o autor, o subdesenvolvimento pode ser entendido como uma: [...] situação estrutural que reproduz permanentemente a assimetria entre o padrão de consumo cosmopolita de uns poucos (os modernos e moder- nizantes) que estão de fato integrados no mundo desenvolvido e as de- bilidades estruturais do capitalismo periférico (FURTADO,1984, p.110). Celso Furtado considerou que a subordinação da América Latina estava dire- tamente relacionada à absorção de valores e referências culturais do centro do sistema mundial, descolados das realidades regionais e nacionais. As elites latino- -americanas, para o autor, se identificavam com a cultura europeia e, a partir do século XX, norte-americana, se abdicavam da formulação de um projeto original de desenvolvimento desses países. Dessa forma, a dependência econômica seria também cultural, já que os valores dominantes das sociedades latino-americanas estariam muito mais próximos dos países centrais que dos repertórios culturais populares de cada país. A ação de romper os obstáculos estruturais do subdesenvolvimento dessa pers- pectiva estaria associada à construção de um projeto nacional de desenvolvimento, que permitisse a industrialização dos países latino-americanos. Esta é a grande ênfase das análises econômicas da CEPAL: A criação de circuitos industriais internos aos países latino-americanos permitiria um crescimento econômico sustentado, com maior grau de autonomia diante das práticas de subordinação dos países centrais e dos EUA, em particular. Para Celso Furtado, seria necessário que o Brasil assumisse o controle sobre o futuro de suas dinâmicas econômicas, por meio da criação de centros internos de acumulação que permitissem que os excedentes da atividade produtiva não fossem direcionados para os países industriais desenvolvidos, mas que permanecessem no interior dos territórios nacionais. Esse pensamento econômico influenciou fortemente diversas ações de cunho desenvolvimentista dos Estados latino-americanos e, em especial, do governo bra- sileiro. O caso mais emblemático dessa estratégia foi o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek: realizado entre 1956 e 1960. Esse plano buscava promover a indus- trialização pesada do país e fazer a economia brasileira crescer 50 anos em 5. Por meio de um amplo programa de investimentos em infraestruturas de trans- portes e energia e a construção da nova capital do país, Brasília – considerada a “meta-síntese” do plano – o governo federal buscou acelerar os investimentos ne- 14 15 cessários para completar a industrialização brasileira, que vinha se realizando nas décadas anteriores em ritmos mais lentos. O principal objetivo era ampliar, no Brasil, as indústrias de base (aquelas que fornecem insumos para as demais atividades produtivas) e permitir, dessa forma, o desenvolvimento industrial acelerado das indústrias de bens de consumo duráveis (como a indústria automobilística) e as indústrias de bens de consumo não-duráveis. Esses três setores compõem o chamado “tripé” da industrialização do período na- cional desenvolvimentista, de responsabilidade conjunta entre três principais agentes: • As indústrias de base (como a mineração, a siderurgia, a metalurgia e o setor de petróleo) passaram a ser uma prerrogativa do Estado; • As indústrias de bens de consumo duráveis foram articuladas junto às corpora- ções internacionais, que detinham as tecnologias apropriadas desses setores; • E, as indústrias de bens de consumo não-duráveis, menos dependentes de tecnologia externa, ficaram concentradas no capital nacional. Esse esquema geral da industrialização brasileira tinha como principal pressu- posto a substituição de importações, isto é, a ideia de que o Brasil deveria passar a produzir internamente os produtos industriais importados do exterior, como forma de reduzir a dependência externa e as desigualdades das trocas comerciais com os países industrializados. A mesma estratégia foi aplicada em diversos outros países da periferia do sistema mundial sem, contudo, conseguir romper as amarras do subdesenvolvimento. Esse processo pode ser explicado por diversos motivos. O primeiro deles é que a dependência tecnológica persistiu, apesar da industrialização de diversos países da periferia do sistema mundial. A indústria automobilística, por exemplo, ao chegar no Brasil e em outros países, não instalou as plantas industriais e os processos produtivos mais avançados tecnologicamente, mas trouxe linhas de produção que estavam sendo substituídas em seuspaíses de origem, para maximizar o tempo de vida desses equipamentos e ampliar a rentabilidade do capital investido. Ao mesmo tempo, as atividades de pesquisa e desenvolvimento e a aplicação de inovações tecnológicas permaneceram intensamente concentradas nos países centrais que sediam essas corporações transnacionais. A maior parte dos países periféricos, dessa forma, não se apropriaram, de fato, das tecnologias de ponta que permitiriam a assimilação dos avanços tecnológicos prévios e o desenvolvimento interno de processos e produtos inovadores. Além disso, a dependência externa de capitais e investimentos, também, foi acentuada, apesar da industrialização desses países. O sistema monetário inter- nacional, dirigido pelos EUA, colocou diversos freios a fluxos de capitais menos desiguais entre o centro e a periferia, minando possibilidades de desenvolvimento econômico endógeno nos países do Sul. 15 UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Na década de 1970, os EUA quebraram unilateralmente o acordo de Bretton Woods, inaugurando um período de economia financeirizada. Lembremos que o dólar era garantido por reservas de ouro e esse compromisso foi quebrado em 1971 pelo, então, presidente dos EUA, Richard Nixon. Com isso, os fluxos financeiros deixaram de ter um componente “material” de riqueza, abrindo espaço para diversas formas de especulação financeira, o que tornou os países mais frágeis do sistema mundial ainda mais vulneráveis ao capital internacional. O Caso das Zonas de Processamento para Exportação (ZPEs) As possibilidades de regulação econômica no interior de cada Estado nação se tornaram ainda menores, dadas as novas condições desse período. De toda forma, diversos países, por conta de conjunturas nacionais próprias, tentaram se proteger desses eventos globais e criar caminhos alternativos de crescimento econômico. O caso mais citado é, certamente, o da China, que devido ao regime socialista e da economia planificada não foi tão diretamente afetada por essas transformações no sistema econômico mundial. A partir do final da década de 1970, sob a liderança de Deng Xiaoping, o país promoveu uma série de reformas, que visavam promover a abertura econômica do país e a adoção de princípios da economia de mercado. Ao contrário das rápidas transformações impostas externamente a que outros países periféricos estiveram submetidos entre as décadas de 1970 e 1980, o forte controle exercido pelo governo central chinês fez com que a abertura econômica fosse gradual. Até hoje, a economia chinesa tem um regime particular, já que participa diretamente das esferas de acumulação de capital – produzindo boa parte dos bens manufaturados do planeta e possuindo uma posição elevada na hierarquia do comércio internacional, entre outros aspectos –, ao mesmo tempo em que permanece estritamente controlada pelo governo central do país, que impõe um conjunto de condições para a instalação e a operação de corporações estrangeiras, por exemplo. Dessa forma, o território nacional chinês permanece, no geral, fortemente fechado às influências da globalização, enquanto algumas áreas específicas do país estão diretamente integradas aos circuitos espaciais produtivos de escala global. Trata-se das Zonas de Processamento para Exportação (ZPEs) ou as Zonas Econômicas Especiais (ZEE), instaladas a partir da década de 1980 no litoral do país, com o objetivo de atrair investimentos externos e corporações internacionais. As ZPEs possuem políticas específicas, orientadas de acordo com os princípios 16 17 da economia de mercado e foram pensadas como plataformas industriais de exportação no território chinês. A atração de capitais externos segue princípios mais flexíveis, mas, ainda assim, o governo chinês mantém uma clara orientação dos papeis que desempenham. Figura 2 Fonte: Wikimedia Commons As corporações transnacionais se beneficiam dos baixos custos oferecidos pela força de trabalho abundante e pela infraestrutura instalada nessas ZPEs, ao mesmo tempo em que o Estado chinês impõe compensações, como a assimilação de tecnologias. Trata-se, portanto, de uma trajetória particular de industrialização na escala mundial, por conta das particularidades do país. Arrighi (2012, p. 42) explica a política das ZPEs na China: Graças ao tamanho continental e à imensa população do país, essas políticas permitiram ao governo chinês combinar as vantagens da industrialização voltada para a exportação, induzida em grande parte pelo investimento estrangeiro, com as vantagens de uma economia nacional centrada em si mesma e protegida formalmente pelo idioma, pelos costumes, pelas instituições e pelas redes, aos quais os estrangeiros só tinham acesso por intermediários locais. Uma boa ilustração dessa combinação são as imensas ZPEs que o governo chinês ergueu do nada e que hoje abrigam dois terços do total mundial de trabalhadores em zonas desse tipo. As experiências citadas nesta unidade permitem concluir que a industrialização dos países periféricos se realizou de formas particulares, devido às características próprias de cada formação sócio espacial e dos papeis desempenhados na divisão internacional do trabalho e no sistema mundial. 17 UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Assim, o que nos importa reter é que os processos de industrialização e trans- formação econômica dos países periféricos está relacionada a uma complexifica- ção da divisão internacional do trabalho e uma redefinição da regionalização do espaço mundial. Com esse processo, a hegemonia dos países centrais, sobretudo dos EUA, tam- bém, transforma-se e ascendem potências econômicas e políticas que têm condi- ções de rivalizar com a liderança dos Estados Unidos, como é o caso da China. Outros países, como Brasil, Índia e China, também, conquistam novos papéis nas hierarquias urbanas mundiais, ainda que em um patamar inferior. É preciso levar em conta, portanto, que o sistema mundial está em permanente transformação e as políticas nacionais de desenvolvimento são essenciais para o reposicionamento dos países nas conjunturas mundiais. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova Ordem Mundial HUNTINGTON, Samuel. O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. Leitura Processamento de Exportações: Um Instrumento Defasado? MORAES, Bruno de Paula. Zonas de Processamento de Exportações: Um instru- mento defasado? Brasília, UNB, 2015. https://goo.gl/6STzAE A Supremacia dos EUA no Pós-Guerra Fria SANTOS, Marcelo. A supremacia dos EUA no pós-Guerra Fria. Perspectivas, São Paulo, 29: 37-66, 2006. https://goo.gl/ADeYpM Entra em Operação a Primeira Zona de Processamento de Exportação do Brasil BRASIL. Entra em operação a primeira Zona de Processamento de Exportação do Brasil. Brasília, Portal Brasil, 30/08/2013. https://goo.gl/Q6gKG5 19 UNIDADE Os Processos de Regionalização após a Segunda Guerra Mundial Referências ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. FURTADO, Celso. Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2014. ISNARD, Hildebert. O espaço geográfico. Coimbra: Almedina, 1982. SANTOS, M. Planejando o subdesenvolvimento e a pobreza. In: SANTOS, Milton. Economia espacial: críticas e alternativas. São Paulo: Edusp, 2003. 20
Compartilhar