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pesquisa de campo

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No livro Obras e Vidas: o antropólogo como autor a discussão recai sobre a etnografia enquanto um trabalho mediado entre os dois âmbitos relacionados com a sua construção: o “estar lá” e o “estar aqui”, isto é, o âmbito da pesquisa de campo, e o âmbito acadêmico. Como compatibilizar o mundo do campo com o mundo acadêmico é a questão problematizada no livro.
No capítulo “Estar lá: a antropologia e o cenário da escrita”. Clifford Geertz fala sobre a etnografia enquanto um estilo de escrita fazendo um exame desta enquanto tal. Neste sentido, alguns pontos são colocados: as objeções existentes frente a este exame; quais as peculiaridades da escrita etnográfica; a semelhança entre este estilo e o estilo de escrita literário; a diferença entre “autor” e “escritor” exemplificando esta diferenciação com alguns autores clássicos da antropologia
Segundo Geertz, apesar de a etnografia ser considerada como uma espécie de escrita, seu exame enquanto tal tem sido impedido por uma série de objeções. Alguns acham que esta é uma atividade antiantropológica: que os antropólogos devem apenas coletar, trazer e disponibilizar informações de maneira objetiva. Outros que os textos antropológicos não são dignos de uma análise mais acurada e, ainda mais, que destrinchar o fazer etnográfico poderia ser causa de um “relativismo corrosivo”.
 
  Entre essas objeções da etnografia enquanto “espécie de escrita”, estas concordam com a idéia de que o caráter literário atribuído aos textos etnográficos não se constitui em uma preocupação dominante, uma vez que o trabalho de etnógrafo é “ir a lugares, voltar de lá com informações disponíveis à comunidade especializada” através de textos “simples e despretensiosos” que não sejam “um mero jogo de palavras, como se presume que sejam os poemas e os romances”.
O sentido para tal temor reside, segundo Geertz, no fato de que compreender o caráter literário da antropologia colocaria em risco a defesa de que os textos etnográficos convencem pela simples abundância de seus detalhes culturais. Entretanto, o crédito dado aos antropólogos pela extensão de suas descrições não se sustenta. O critério de verdade reside menos na aparência factual, ou no ar de elegância conceitual. O convencimento está no fato de haverem realmente estado lá, de que penetrou e foi penetrado por um estilo de vida e é ai que entra a questão da escrita.
Devido à natureza situacional da descrição etnográfica, torna-se impossível verificar sua validade empírica, daí então surge uma questão: porque acreditamos em certas descrições e ignoramos outras? Segundo Geertz, isso se deve ao fato de que certos escritores têm uma maior capacidade de criar uma impressão, em sua escrita, deque estiveram lá. Nesse sentido, atentar para a escrita e demostrar como um autor consegue criar essa impressão é um modo de nos imbuirmos de critérios para criticar o fazer etnográfico.
Diante disso, descobrir como o convencimento é criado fornece os critérios para o julgamento do trabalho. “A crítica dos escritos antropológicos deve brotar de um engajamento com eles, e não de pré-concepções sobre como deve ser a antropologia para se qualificar como ciência” (pg. 17).
Assim, apresenta a questão “o que vem a ser um autor na antropologia”. Para responder a esta Geertz, toma como referência a distinção dos campos de discurso apresentada por Foucault, a saber: o da função-autor e o da ciência. Na análise de Foucault, os discursos literários passaram a ser aceitos somente quando eram dotados da função-autor. Desse modo, Geertz conclui que na antropologia, salvo exceções, “os nomes das pessoas são ligadas a livros e artigos e, mais ocasionalmente, a sistemas de pensamento”. Sendo assim a antropologia está praticamente toda do lado dos discursos literários.
Com relação a isso surgem as seguintes questões: “Como se evidencia no texto a “função-autor”? De que o autor é autor?”. A primeira questão é chamada de “questão da assinatura”, isto é, a construção de uma identidade autoral. A segunda refere-se a “questão do discurso”.
A questão da assinatura tem sido colocada na etnografia de forma disfarçada, apresentada como um problema de ordem epistemológica e não de ordem narrativa, isto é “O texto é apresentado como decorrente das complexidades das negociações entre o eu e o outro e não entre o eu e o texto”. A dificuldade reside na “estranheza de construir textos ostensivamente científicos a partir de experiências em grande parte biográficas” (pg. 22). A partir desse dilema alguns etnógrafos conseguem transparecer e imprimir sua assinatura na medida em que se utiliza- de recursos da escrita que fazem com que o leitor seja persuadido de que ele esteve onde esteve, de que foi aceito dentro os sujeitos pesquisados, de que sentiu o que sentiu, etc.
A segunda questão (a do discurso) é apresentada em diálogo com Foucault e Barthes. O primeiro faz uma tipologia de autores: aqueles “a quem a produção de um texto, um livro ou uma obra pode ser legitimamente atribuída – produtores de textos particulares” e aqueles “de peso bem maior, que são autores de muito mais que um livro, mas de uma teoria, uma tradição – produtores de discursividade” (pg. 31).
Barthes formula a distinção nos termos: escritor e autor. Para ele, o autor produz teoria, funda uma discursividade, faz uma obra. Já o escritor produz um livro que seguia por um discurso já instituído por certos autores. Isso não quer dizer que necessariamente um autor seja melhor do que um escritor, já que segundo Geertz um escritor pode, apoiando-se em um modelo de determinado autor, ultrapassar em muito o
que seu “mestre” fez.
Os antropólogos, ainda parecem inclinar-se entre as duas distinções. “A incerteza que aparece, em termos de assinatura, como um até que ponto e de que maneira invadir o próprio texto. E, aparece, em termos do discurso, como um até que ponto e de que maneira compô-lo imaginativamente” (pg. 35).
 
Por fim, fazendo todas essas distinções e discutindo a etnografia enquanto um gênero de escrita, Geertz quer mostrar que “estar lá” em termos autorais é tão com plicado quanto “estar lá” em pessoa.

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