Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
msÊÊÊÊm A sca ris lum bricoides IlillW— Amália Verônica Mendes da Silva Cristiano Lara Massara In tro d u çã o Na Família Ascarididae, Subfamília Ascaridinae, são encontradas espécies de grande importância médico-vete- rinária representadas principalmente pelo Ascaris lumbri coides (Linnaeus, 1758) e A. suum (Goeze, 1882), que parasitam, respectivamente, o intestino delgado de seres humanos e de suínos. Esses helmintos são citados, com fre quência, pela ampla distribuição geográfica e pelos danos causados aos hospedeiros. São popularmente conhecidos como lombriga ou bicha, causando a doença denominada por ascaridiose. Do ponto de vista morfológico e biológico as duas espécies são semelhantes, observando-se pequenas dife renças com relação ao comprimento, ao tamanho dos den- rículos das margens serrilhadas dos três lábios e à grande quantidade de ovos colocados pela espécie que parasita o suíno, cerca de um milhão por dia. Estudos recentes demos traram que A. lumbricoides e A. suum são geneticamente muito próximas, e que seres humanos são suscetíveis à infecção experimental por A. suum, indicando a capaci dade zoonótica desta espécie. Foi demostrado também que suínos são suscetíveis à infecção experimental pelo A. lumbricoides. O A. lumbricoides é encontrado em quase todos os paí ses do mundo e ocorre com frequência variada em virtude das condições climáticas, ambientais e, principalmente, do grau de desenvolvimento socioeconômico da população. Os dados de prevalência mundial na população são anti gos, pontuais e a maioria se baseia em estimativas. Desses, podem ser destacados, pela relevância, os resultados de Stoll (1947), que estimou com base na literatura mundial em 644 milhões o número de indivíduos parasitados; os dados publicados pela Organização Mundial de Saúde em 1984, mencionam em um bilhão de pessoas parasitadas no mundo e os estudos de Chan e cols., em 1994, estima ram em 1,5 bilhão o número de pessoas com Ascaris. No Brasil, utilizando os resultados do inquérito helmintológico realizado por Pellon e Teixeira em 1950, calculou-se a pre valência da ascaridiose na população brasileira em 71,4%. O panorama atual da infecção pelo A. lumbricoides na população no Brasil vem apresentando algumas mudanças. O decréscimo do parasitismo, notadamente entre crianças com idade inferior a 12 anos, vem sendo observado em comunidades das regiões Sul e Sudeste que são beneficiadas por melhores condições de saneamento ambiental, especial mente água tratada. Outro aspecto que tem impacto positivo é a instalação em locais de risco de Unidades Básicas de Saúde com equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Estudos realizados com pré-escolares em regiões do Norte e Nordeste do Brasil mostram que os índices de parasitismo não apresentaram diminuição significativa espe cialmente em regiões onde estão aliadas precárias condições de saneamento e deficiência de políticas públicas de saúde. M o rfo lo g ia O estudo da morfologia deste parasito deve ser feito observando-se as fases evolutivas do seu ciclo biológico, isto é, o verme macho, a fêmea e o ovo. As formas adultas são longas, robustas, cilíndricas e apresentam as extremida des afiladas. O tamanho dos exemplares de A. lumbricoides está na dependência do número de parasitos encontrados no intestino delgado e do estado nutricional do hospedeiro. Assim, as dimensões dadas para machos e fêmeas referem- se a helmintos recolhidos de crianças com baixas cargas parasitárias e bem nutridas (Figura 29.1). M achos Os vermes adultos apresentam cor leitosa e medem cerca de 20 a 30 centímetros de comprimento por 2 a 4 mm de largura. A boca, ou vestíbulo bucal, localizada na extre midade anterior, é contornada por três fortes lábios com serrilha de dentículos e sem interlábios. A boca, segue-se o esôfago musculoso e, logo após, o intestino retilíneo. O reto é encontrado próximo à extremidade posterior. Apresenta um testículo filiforme e enovelado, que se diferencia em canal deferente, continua pelo canal ejaculador, abrindo- se na cloaca, localizada próximo à extremidade posterior. CAPÍTULO 29 295 r 'a FIGURA 29.1. Ascarís lum bricoides. (A) macho (extremidade posterior recurvada); (B) fêmea (extremidade posterior reta); (C) ovo fértil não embrionado; (D) ovo fértil embrionado; (E) ovo infértil; (F) imagem de microscopia de luz (DIC): região anterior do verme adulto de Ascaris lumbricoides, mostrando os lábios robustos; (G) imagem de microscopia de luz (campo claro): visão apical da extremidade anterior do verme adulto de Ascaris lumbricoides, mostrando um lábio dorsal (D) provido de um par de papilas cervicais (seta superior) e dois lábios late- roventrais providos de uma papila cada (setas inferiores). (F-G: Fotos gentilmente cedidas pelo Prof. Eduardo Torres, UERJ, RJ.) Apresenta ainda dois espículos iguais que funcionam como órgãos acessórios da cópula. A extremidade posterior for temente encurvada para a face ventral é o caráter sexual externo que o diferencia da fêmea. Notam-se, ainda na cauda, papilas pré e cloacais. F êm eas Medem cerca de 30 a 40 cm de comprimento por 3 a 6 mm de largura quando adultas, sendo mais robustas que os exemplares machos. A cor, a boca e o aparelho digestivo são semelhantes aos do macho. Apresentam dois ovários filiformes e enovelados que continuam como ovidutos, dife renciando em úteros que vão se unir em uma única vagina, que se exterioriza pela vulva, localizada no terço anterior do parasito. A extremidade posterior da fêmea é retilínea. O vo s Originalmente são brancos e adquirem cor castanha devido ao contacto com as fezes. São grandes, medindo aproximadamente 50 x 60 pm, ovais e com cápsula espessa, em razão da m embrana externa m amilonada, secretada pela parede uterina e formada por mucopolissacarídeos. Essa membrana facilita a aderência dos ovos a superfícies propiciando sua disseminação. A esse envoltório seguem-se uma membrana média de constituição proteica e outra mais interna, delgada e impermeável à água, constituída de 25% de proteínas e 75% de lipídeolipídeos. Esta última camada confere ao ovo grande resistência às condições adversas do ambiente. Internamente, os ovos apresentam uma massa de células germinativas. Frequentemente podem-se encontrar nas fezes ovos inférteis. São mais alongados, possuem membrana mamilonada mais delgada e o citoplasma granu loso. Algumas vezes podem ser observados nas fezes ovos férteis sem a membrana mamilonada (Figura 29.2). B io lo g ia H á b ita t Em infecções moderadas, os vermes adultos são encon trados no intestino delgado, principalmente no jejuno e no íleo, mas, em infecções intensas, ocupam toda a extensão do órgão. Podem ficar presos à mucosa, com auxílio dos lábios, ou migrarem pela luz intestinal. Ciclo B iológico E do tipo monoxênico, isto é, possuem um único hos pedeiro. Cada fêmea fecundada é capaz de colocar, por dia, cerca de 200.000 ovos não embrionados, que chegam ao ambiente juntamente com as fezes. Os ovos férteis em presença de temperatura entre 25° a 30°C, umidade mínima de 70% e oxigênio em abundância tomam-se embrionados em 15 dias. A primeira larva (L l) formada dentro do ovo é do tipo rabditoide, isto é, possui o esôfago com duas dilatações, uma em cada extremidade e uma constrição no meio. Após uma semana, ainda dentro do ovo, essa larva sofre muda transformando-se em L2 e, em seguida, nova muda trans- CAPlTULO 29 -IGURA29.2. Ovos de A. lumbricoides: (A) Ovo embrionado, mostrando a membrana mamilonada e a larva L3 em seu interior (L) zoto gentilmente cedida Prof. Eduardo Torres, UERJ, RJ); (B) Ovo mostrando a membrana mamilonada (setas) (Foto gentilmente :edida pelo Prof. Eduardo Torres, UERJ, RJ); (C) Ovo fértil decorticado; (D) Ovo infértil. (Foto gentilmente cedida por Mosby Co. Medical Parasitology, 1981.) ::rm ando-se em L3 infectante com esôfago tipicamente :'iarioide (esôfago retilíneo). Estasformas permanecem m fectantes, dentro do ovo, no solo, por vários meses podendo ser ingeridas pelo hospedeiro (Figura 29.3). Após i ingestão, os ovos contendo a L3 atravessam todo o trato ::gestório e as larvas eclodem no intestino delgado. A eclo são ocorre graças a fatores ou estímulos fornecidos pelo pró- m o hospedeiro como a presença de agentes redutores, o pH, i temperatura, os sais e o mais importante, a concentração Je C 0 2, cuja ausência inviabiliza a eclosão. As larvas, uma vez liberadas, atravessam a parede intestinal na altura do ceco, caem nos vasos linfáticos e na veia mesentérica supe- - or atingindo o fígado entre 18 e 24 horas após a infecção. Em 2 a 3 dias chegam ao átrio direito pela veia cava inferior í 4 a 5 dias após são encontradas nos pulmões (ciclo de LOSS). Cerca de 8 dias da infecção, as larvas sofrem muda rara L4, rompem os capilares e caem nos alvéolos, onde - adam para L5. Sobem pela árvore brônquica e traqueia, uctlegando até a faringe. Podem então ser expelidas com a expectoração ou serem deglutidas, atravessando ilesas o i-íTòmago e fixando-se no intestino delgado. Transformam-se era adultos entre 20 a 30 dias após a infecção. Em 60 dias . cançam a maturidade sexual, fazem a cópula e a ovipos- tu a , quando são encontrados ovos nas fezes do hospedeiro. O-s v ermes adultos têm uma longevidade de 1 a 2 anos. T ran sm issão Ocorre pela ingestão de água ou alimentos contami- cudos com ovos contendo a larva L3. A literatura registra grande número de artigos que avaliam a contaminação das iguas de córregos que são utilizadas para irrigação de hor- ias levando a contaminação de verduras com ovos viáveis. Poeira, aves e insetos (moscas e baratas) são capazes de veicular mecanicamente ovos de A. lumbricoides. Pesquisas iemostraram que, além destes mecanismos, a transmissão pode ocorrer pela contaminação do depósito subungueal com ovos viáveis, principalmente em crianças, verificando- se níveis de contaminação que variam de 20 a 52%. Ovos de A. lumbricoides têm grande capacidade de aderência a superfícies, o que representa um fator impor- unte na transmissão da parasitose. Uma vez presente no ambiente ou em alimentos não são removidos com faci- FIGURA 29.3. Ciclo de A. lum bricoides: (1) Ovo não embrio nado no exterior; (2) Ovo torna-se embrionado (LI rabditoide); (3) Embrião passa para L3 rabditoide infectante (dentro do ovo); (4) Contaminação de alimentos ou mãos veiculando ovos até a boca. Daí chegam ao intestino delgado, onde emergem as larvas que vão ao ceco, chegam ao sistema porta e depois ao fígado; ganham veia cava, vão ao coração, pulmões e faringe; larvas são então deglutidas e chegam ao intestino delgado, transformando-se em vermes adultos, ocorrendo oviposição dois a três meses após a infecção. :4P ÍTUL0 29 297 lidade por lavagens. Por isto, o uso de substâncias que tenham capacidade de inviabilizar o desenvolvimento dos ovos em ambientes e alimentos é de grande importância para o controle da transmissão. A ação de 16 produtos detergentes e desinfetantes de uso doméstico e laboratorial foi observada e verificou-se a inibição completa do embrionamento dos ovos de A. lum- bricoides por apenas um dos produtos em todos os tempos e diluições testadas. A resistência dos ovos de A. lumbricoides a vários agentes terapêuticos é outra característica importante na transm issão da doença. Testando a capacidade ovicida in vivo do levamisol, cambendazol, pamoato de pirantel, mebendazol, praziquantel e tiabendazol observou-se que somente o últim o medicam ento foi efetivo na inibição completa do embrionamento dos ovos 48 horas após o tratamento. Já o tratamento com tiabendazol de indivíduos infectados confirmou a atividade ovicida intrauterina da droga, após eliminação dos vermes. P ato g en ia Deve ser estudada acompanhando-se o ciclo deste hel minto, ou seja, as alterações produzidas pelas larvas e adul tos. Em ambas as situações, a intensidade das alterações provocadas está diretamente relacionada com o número de formas presentes no hospedeiro. L arvas Em infecções de baixa intensidade, normalmente não se observa nenhuma alteração. Por outro lado, infecções maciças podem determinar a ocorrência de lesões hepáticas e pulmonares. No fígado, quando são encontradas nume rosas formas larvares migrando pelo parênquima, podem ser vistos pequenos focos hemorrágicos e de necrose que futuramente tomam-se fibrosados. Nos pulmões ocorrem vários pontos hemorrágicos na passagem das larvas para os alvéolos. Há edemaciação dos alvéolos com infiltrado infla matório por polimorfonucleares neutrófilos e eosinófilos. Dependendo do número de formas presentes, a migração das larvas pelos alvéolos pulmonares pode determinar um quadro pneumônico com febre, tosse, dispneia, manifesta ções alérgicas, bronquite e eosinofilia. A conjunção de sin tomatologia das vias respiratórias é denominada síndrome de Lõeffler. Na tosse produtiva (com muco), o catarro pode ser sanguinolento e apresentar larvas do helminto. Estas manifestações geralmente ocorrem em crianças e estão associadas ao estado nutricional e imunitário. Nessa fase da infecção a resposta imunológica é nor malmente caracterizada pelo aumento de eosinófilos san guíneos e teciduais, bem como anticorpos IgE específicos, responsáveis por reações de hipersensibilidade. Vermes A d u lto s Em infecções com três a quatro vermes, em geral não há alterações clínicas e os sintomas quando ocorrem são inespecíficos. Já nas infecções médias, 30 a 40 vermes, ou maciças, 100 ou mais vermes, podem ocorrer: Ação espoliadora: os vermes consomem grande quanti dade de proteínas, carboidratos, lipídeos e vitaminas A e C, levando o paciente, principalmente crianças, à subnutrição e depauperamento físico e mental. Estudos sobre entero- parasitoses e déficit nutricional em crianças hospitalizadas mostraram que as parasitoses foram as principais causas de internação. Quanto à condição clínica destas crianças, 28% apresentavam obstrução intestinal grave; 39,1%, semiobs- trução e eliminação de A. lumbricoides-, e 32,8%, diarreia. • Ação tóxica: a reação entre antígenos parasitários e os anticorpos alergizantes do hospedeiro causam edema, urticária e convulsões. • Ação mecânica: os vermes causam irritação na parede intestinal e podem enovelar-se na luz, levando à obstrução. Estudos realizados em sete países com diferentes níveis de prevalências de ascaridiose con cluíram que a obstrução intestinal é a complicação aguda mais comum contabilizando três quartos de todas as complicações. As crianças são mais propen sas, principalmente pelo menor tamanho do intestino delgado e pela intensa carga parasitária. • Localização ectópica : nos casos de pacientes com altas cargas parasitárias ou ainda em que o verme sofra alguma ação irritativa, a exemplo de febre, uso impróprio de medicamento e ingestão de Alimentos muito condimentados, o helminto desloca-se de seu hábitat normal atingindo locais não habituais. Aos vermes que fazem esta migração dá-se o nome de “áscaris errático”. A literatura registra um número de situações ectópicas que podem levar o paciente a quadros graves necessitando algumas vezes de intervenção cirúrgica: • apêndice cecal causando apendicite aguda; • duto colédoco, causando obstrução; • duto pancreático, causando pancreatite aguda; • eliminação do verme pela boca e pelas narinas. Além destes locais, já foram encontrados vermes adul tos e formas larvares no ouvido médio e na tuba auditiva. E muito comum entre crianças o aparecimento de uma alteração cutânea, que consiste em manchas circulares disseminadas em rosto, tronco e braços. Tais manchas são popularmente denominadas de “pano”, e são comumente relacionadas com o parasitismo pelo A. lumbricoides. Na realidade não existe nenhuma comprovação científica deste fato, mas algumas observações sugerem uma analogia entre estas manchas e ascaridiose. Pareceque seriam causadas pelo parasito que consume grande quantidade de vitaminas A e C, provocando despigmentações circunscritas. Após a terapêutica e a eliminação do verme, as manchas tendem a desaparecer. D ia g n ó s tic o Clínico Usualmente a ascaridiose humana é pouco sintomá tica, por isto mesmo difícil de ser diagnosticada em exame 298 CAPÍTULO 29 : línico, sendo a gravidade da doença determinada pelo rúm ero de vermes que infectam cada pessoa. Como o : arasito não multiplica dentro do hospedeiro, a exposição :ontínua a ovos infectados é a única fonte responsável pelo acúmulo de vermes adultos no intestino do hospedeiro. O diagnóstico da ascaridiose é feito pela identificação ce ovos nas fezes. Em fases precoces da infecção, ou seja, c oando as larvas estão passando pelo pulmão, o exame de rezes é negativo. Portanto os primeiros ovos só aparecem ras fezes cerca de 40 dias após a contaminação do paciente. Como as fêmeas eliminam diariamente milhares de ovos ror dia, não há necessidade, nos exames de rotina, de meto- c rlogia específica ou métodos de enriquecimento, bastando _ metodologia de sedimentação espontânea. O método de Cato modificado por Katz é recomendado pela Organização Mundial de Saúde para inquéritos epidemiológicos. Esta recnica permite a quantificação dos ovos e consequente mente estima o grau de parasitismo dos portadores, com para dados entre várias áreas trabalhadas e demonstra maior “ gor no controle de cura. Deve-se ressaltar que em infecções exclusivamente : rm vermes fêmeas, todos os ovos expelidos serão in férteis, enquanto em infecções som ente com verm es machos o exame de fezes será consistentemente negativo. T ratam ento Atualmente a Organização Mundial de Saúde reco menda o albendazol e o mebendazol para o tratamento e o controle de geo-helmintos. ■ Albendazol: é um componente dos benzimidazois com um amplo espectro antiparasitário. O medicamento é encontrado sob a forma de comprimidos de 200 e 400 mg, e de suspensão oral de 100 mg/5 mL. A dose única de 400 mg é altamente eficaz contra o Ascaris, mos trando níveis de cura e de redução de ovos de até 100%. Este fármaco pode atuar de duas maneiras: pela ligação seletiva nas tubulinas inibindo a tubulina-polimerase, prevenindo a formação de microtúbulos e impedindo a divisão celular; e, ainda, impedindo a captação de glicose inibindo a formação de ATP, que é usado como fonte de energia pelo verme. O albendazol é pouco absorvido pelo hospedeiro e sua ação anti-helmíntica ocorre diretamente no trato gastrointestinal. A fração absorvida é metabolizada no fígado, tendo uma vida média de aproximadamente 9 horas. Após este período é excretada com a bile pelos rins. ■ M ebendazol: é outro derivado dos benzimidazois com ampla e efetiva atividade anti-helmíntica. E encontrado sob a forma de comprimidos de 100 e 500 mg e também em suspensão oral de 100 mg/5 mL. O mecanismo de ação do mebendazol é semelhante ao descrito para o albendazol. A dose única de 500 mg mostrou alta efeti vidade contra o Ascaris e outras helmintoses intestinais. A absorção do medicamento é pequena, mas pode ser aumentada pela ingestão de alimentos gordurosos. É metabolizada predominantemente no fígado e sua excre ção pode ocorrer pela bile e pela urina. Usualmente a maior parte do medicamento é encontrada inalterada nas fezes, o que explica sua excelente atividade contra os helmintos intestinais. O tratamento com mebendazol alcança níveis de cura entre 93,8 a 100% e taxas de re dução de ovos de 97,9 a 99,5%. ■ Iverm ectina: é uma potente lactona macrolítica semis- sintética com boa eficácia contra o A. lumbricoides e outras infecções por nematódeos. E administrada em dose única de 0,1 a 0,2 mg/kg. Sua atuação está baseada na indução do fluxo de íons-cloro que atravessam a membrana, fazendo uma disruptura nervosa na trans missão de sinais, resultando na paralisia do parasito e sua posterior eliminação. O medicamento é absorvido pelo sangue e níveis máximos são alcançados 4 horas após a sua administração. E inteiramente excretada com as fezes. Os medicamentos são eficientes contra vermes adultos, não havendo ação contra as larvas. Por isso, após 3 meses do tratamento, o paciente deve fazer novamente o exame de fezes para o controle de cura. No tratamento da ascaridiose quando há com plica ções como oclusão e suboclusão pelos vermes adultos recomenda-se manter o paciente em jejum e com o uso de sonda nasogástrica administrar hexa-hidrato de piperazina (100 mg/kg) e 50 mL de óleo mineral. A piperazina causa paralisia flácida nos vermes por meio da ação sobre os canais de cloro dependente do ácido gama-aminobutírico (GAMA). Caso não haja resolução do processo oclusivo é recomendada a intervenção cirúrgica. Tratam entos C om plem entares: P la n ta s com A tiv id a d e A nti-helm íntica O tratamento da ascaridiose tem sido feito com base na administração intensiva e ininterrupta de anti-helmínticos sintéticos. Contudo, algumas limitações, tais como o desen volvimento de resistência, a indisponibilidade de produtos em algumas áreas rurais e o risco potencial de contamina ção do ambiente por resíduos do medicamento estimulam a busca por alternativas de controle. Dentre estas alternativas, as plantas ocupam lugar de destaque. A atividade anti-hel míntica de plantas é bem conhecida na medicina tradicio nal em muitas regiões do mundo. Extratos de diferentes partes de plantas ou de seus frutos são preparados pelos curandeiros, que representam o conhecimento empírico e cultural em comunidades do mundo inteiro. Na África, na Ásia e na América Latina existem algumas evidências de que estas preparações são ativas contra helmintos e proto zoários. O modo de ação ou a substância química que causa dano ao parasito é muito pouco investigado. Entretanto os resultados obtidos são promissores. Em geral os extratos de plantas mostraram poucos efeitos colaterais e níveis de toxicidade baixos, indicando segurança no seu uso O baixo custo e o fácil acesso são, às vezes, a única opção de tratamento em regiões pobres. A atividade anti-helmíntica do Paico (Chenopodium ambrosiodes, L), planta aromática e medicinal utilizada no tratamento de A. lumbricoides e Taenia por comunidades no Peru e na Bolívia, foram : a p ít u l o 29 299 testadas e comparadas com albendazol para o tratamento de crianças com ascaridiose. A eficácia terapêutica para os dois tratamentos foi similar e os efeitos adversos para ambos também, registrando apenas leve diarreia. Por serem ricas em compostos com potencial anti-helmíntico, biode gradáveis e apresentarem suprimento autossustentável, pela diversidade da flora intestinal, hoje se tem buscado integrar o uso de plantas medicinais no tratamento de enteropara- sitoses. Contudo são necessários estudos bem conduzidos e suporte financeiro adequado, para confirmar o real valor terapêutico destas plantas no tratamento dessas helmintoses. E pid em io logfia O A. lumbricoides continua sendo o helminto mais frequente em regiões pobres com uma estimativa de pre valência de aproximadamente 30%, ou seja, 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo. Distribuído por mais de 150 países e territórios, atinge cerca de 70% a 90% das crianças na faixa etária de 1 a 10 anos. A ascaridiose é cosmopolita e a maior parte das infecções ocorre na Ásia (73% de pre valência), seguida pela África (12%) e pela América Latina (8%). Condições climáticas têm um importante papel nas taxas de infecção. Em geral, a prevalência é baixa em regiões áridas. Contudo é relativamente alta em locais de clima úmido e quente, condição ideal para a sobrevivência e o embrionamento dos ovos. Além disso, áreas desprovi das de saneamento com alta densidade populacional con tribuem significativamente para o aumento da ascaridiose. A infecção humana por esta espécie de helminto está relacionada com a interação de diversas características que asseguram o processode transmissão, como o parasito, o hospedeiro, o meio am biente e a falta de noções ou condições de higiene. Assim, alguns fatores interferem na prevalência desta parasitose. São eles: • grande quantidade de ovos produzidos e eliminados pela fêmea; • viabilidade do ovo infectante por até 1 ano, principal mente no peridomicílio; • concentração de indivíduos vivendo em condições precárias de saneamento básico; • grande quantidade de ovos no peridom icílio, em decorrência do hábito que as crianças têm de aí defecarem; • temperatura e umidade com médias anuais elevadas; • dispersão fácil dos ovos pelas chuvas, ventos, insetos e aves; • conceitos equivocados sobre a transmissão da doença e sobre hábitos de higiene na população. O contato entre crianças portadoras e crianças susce tíveis no peridomicílio ou na escola, aliado ao fato de que suas brincadeiras são sempre relacionadas com o solo e o hábito de levarem a mão suja à boca, são os fatores que fazem com que a faixa etária de 1 a 12 anos seja a mais prevalente. Os adultos muitas vezes não apresentam a doença, e isto, provavelmente, pela mudança de hábitos higiênicos e, ainda, porque se infectaram quando crianças, desenvolvendo imunidade. A infecção pelo A. lumbricoides está seguramente associada a fatores sociais, econômicos e culturais que pro porcionam condições favoráveis à sua expansão, sobretuc em regiões onde os fatores ambientais são apropriados Desse modo, o crescimento desordenado da população, em áreas muitas vezes desprovidas de saneamento básico, juntam ente com o baixo poder econômico, educaciona e hábitos pouco higiênicos, são relevantes e merecerr destaque nos estudos epidem iológicos das parasitose? intestinais. As precárias condições ambientais, decorrentes da insalubridade das habitações coletivas e de favelas, são conhecidas e foram mencionadas como potencialmente favoráveis para o aumento das infecções por helmintos. Muitas vezes estas situações contribuem para maior inten sidade de transmissão, inclusive em áreas beneficiadas pei saneamento ambiental. Ainda sobre a dinâmica de transmissão, cabe ressaltar a importância das migrações humanas, aspecto relevante de ordem social e econômica, que são responsáveis pela introdução e pela disseminação do agente etiológico em áreas indenes. C o n tro le Em geral quatro medidas são bem conhecidas para o controle das infecções por helmintos: 1. repetidos tratamentos em massa com drogas ovicidas nos habitantes de áreas endêmicas; 2 . tratamento das fezes humanas que, eventualmente, possam ser utilizadas como fertilizantes; 3. saneamento básico; 4. educação para a saúde. A principal rota de transmissão dos helmintos intestinais é o contato físico, no ambiente, com as fezes humanas con taminadas. A maioria dos tratamentos feitos em habitantes de áreas sem saneamento básico tem efeito de curto prazo e os ganhos obtidos são frequentemente superados pelas rein- fecções, que em muitos casos podem levar a cargas parasitá rias mais altas que as observadas antes do tratamento. Sabe-se que 27 milhões de ovos podem ser encontra dos no útero de uma fêmea grávida. Considerando-se que. no terço distai ou terminal do útero, estão localizados os ovos fertilizados, cerca de nove milhões de ovos estão prontos para serem lançados e contaminar o ambiente. Após o tratamento de habitantes de áreas não saneadas, com dro gas não ovicidas, as fêmeas grávidas são expelidas com as fezes e consequentemente um número exorbitante de ovos férteis são liberados para o ambiente. Este modelo teórico pode explicar a permanência de altos níveis de infecção em áreas urbanas com precárias condições de higiene e alta concentração de população, apesar de tratamentos regulares. Desse modo o saneamento é essencial para a manutenção, em longo prazo, do controle das helmintíases. O aspecto “educação para a saúde” e o seu impacto, nas infecções helmínticas, foi enfatizado para a redução de prevalência e intensidade de infecção do A. lumbricoides. O uso exclusivo da educação em saúde como intervenção, em uma pequena comunidade, reduziu a prevalência em 26%. 300 CAPÍTULO 29 d iü i Alta prevalência |= = = | Média prevalência □ Baixa prevalência ^URA 29.4. Distribuição geográfica do Ascaris lumbricoides. A educação em saúde para crianças é uma importante —edida para o controle das helmintoses, especialmente con- ■ :erand^> as características da doença durante a infância: i--i prevalência, alta porcentagem de resistência ao trata mento, altas taxas de eliminação de ovos e altos níveis de -ernfecção. Todos estes fatores indicam que a criança tem j*n papel importante na manutenção do ciclo do Ascaris i.’■nbricoides. Sabendo-se que o ovo do parasito é bastante resistente je s desinfetantes usuais, e o peridomicílio funciona como 5:co de infecção, a profilaxia da ascaridiose tem como iase a melhora das condições sanitárias, educacionais e . . tarais da população. Além da educação para a saúde ser o ponto de partida para uma vida saudável, é indicada i construção de rede de esgoto, com tratamento dos resí- m os: construção de fossas sépticas; acondicionamento e destino adequado dos resíduos orgânicos domésticos; tratamento da água; lavagem dos alimentos e proteção contra insetos e poeira e o diagnóstico parasitológico seguido pelo tratamento dos casos positivos. Resultados eficazes e duradouros para o controle de qualquer parasito humano, inclusive para o mais cosmopolita, A. lumbricoi des, só acontecerão com a participação da população nos programas de controle. Nesse sentido deve ser ressaltado o importante movimento de políticas públicas de saúde com a implantação de novas Equipes de ESF nas Unidades Básicas de Saúde consolidando o Sistema Único de Saúde com o propósito de atenção primária na difusão da saúde. O desenvolvimento de práticas para o conhecimento sobre a transmissão do parasito, sintomas e noções de higiene pessoal e ambiental, é um bom começo de envolvimento com a população. A n c y lo s to m a tid a e -m m m Ricardo Toshio Fujiwara In trod u ção A família Ancylostomatidae apresenta diversas espécies ce nematódeos hematófagos de grande importância médica cujo parasitismo pelo verme adulto causa a ancilostomose. Das centenas de espécies pertencentes à esta fam ília, arenas três são agentes etiológicos da ancilostom ose um ana: Ancylostoma duodenale (Dubini, 1843), Necator z^iericanus (Stiles, 1902) (originalmente descrito como Uncinaria americana) e A. ceylanicum (Loss, 1911). Como nas demais geo-helmintoses, os ancilostoma- ::deos são transmitidos pelo solo contaminado que provê ; audições para o desenvolvimento de ovos não embriona- dos até o estádio larval infectante. Atualmente, a ancilostomose ainda pode ser conside- ~a uma doença de alto impacto mundial, com a perda de 3-2 milhões de anos de vida perdidos por incapacidade e creitos deletérios em crianças e na gravidez. Apesar disso, i ancilostomose é ainda considerada uma doença negli genciada em face da estimativa de que aproximadamente -*40 milhões de pessoas estejam infectadas por ancilosto- r.atídeos, sendo 50 milhões de casos somente na região da América latina e Caribe. A prevalência da infecção é asso ciada a áreas de pobreza e desigualdades sociais, incluindo deficiência de acesso à infraestrutura sanitária e serviço rasico de saúde adequados. Além do parasitism o causado por verm es adultos, .irvas de algumas espécies de ancilostomatídeos podem causar a “larva migrans cutânea” (Capítulo 31), que é a migração errática de formas larvais de espécies (p. ex., A. caninum e A. braziliense) que não conseguem completar d ciclo evolutivo em seres humanos. H istó r ico Evidências paleoparasitológicas sugerem que a ancilos- comose humana já esteja presente no continente americano há 7.200 anos. A presença da infecção humana na América •Desejamos expressar nossos agradecimentos ao Prof. Antônio CésarRios le ite pela autoria deste capítulo nas edições anteriores. pré-Colombiana é datada de 900 AC no Peru e de até 7.290 anos no Brasil, sugerindo sua introdução no Novo Mundo por migrações transpacíficas e transatlânticas. O centro de dispersão de N. americanus parece ter se iniciado na África subsaariana e no sudeste Asiático, enquanto A. duodenale foi encontrado em nativos do nordeste da África, sudeste europeu, e nordeste da Ásia, incluindo o Japão. No in ício do século XX, a atuação da Fundação Rockefeller para o controle de diversas doenças tropicais, dentre elas a ancilostomose, levaram ao estabelecimento e ao suporte de várias Escolas de Saúde Pública, da Agência Sanitária Pan-Americana e da Organização da Seção de Saúde das Ligas das Nações (que deu origem à criação da Organização Mundial de Saúde). Diversos países da América Latina receberam suporte para o controle da an cilostomose, com base principalm ente na melhoria das condições sanitárias e de higiene, e no inquérito copropara- sitológico, e no ratamento de milhares de pessoas, favore cendo os residentes em áreas endêmicas para ancilostomose. D istr ib u iç ã o G eo g rá fica N. americanus é a espécie predominante no mundo, exceto em algumas localidades onde a endemicidade do A. duodenale é focal. As principais regiões endêmicas para N. americanus incluem o sul e sudoeste da China, sul da índia, sudeste Asiático, África subsaariana e Américas Central e do Sul. A infecção por N. americanus ocorre em países de clima tropical, principalmente nas regiões cos teiras. A. duodenale é predominante em regiões de clima temperado a frio e, diferentemente de N. americanus, sua sobrevivência em regiões mais frias é devida à sua capaci dade de dormência (hipobiose) em tecidos do hospedeiro em períodos de seca ou frio. Infecções por A. duodenale foram descritas nas latitudes mais altas da China e da índia, no Egito, no nordeste da Austrália e em algumas localida des da América latina, incluindo El Salvador, Honduras, Argentina, Paraguai, Peru e Brasil, e a existência de infec ções mistas (N. americanus e A. duodenale) pode ocorrer em algumas dessas localidades. CAPÍTULO 30 303 FIGURA 30.1. Desenho de Ancylostomatidae de seres humanos. (A) A. duodenale; (B) A. ceylanicum ; (C) Necator americanus; (D) extremidade posterior da fêmea de A. duodenale; (E) extremidade posterior da fêmea de N. americanus; (F) extremidade posterior do macho de N. americanus. Escala das barras em pm. A infecção por A. ceylanicum é mais prevalente na Ásia, onde é considerada uma zoonose mantida por cães e gatos. Sua distribuição mundial ainda não está total mente esclarecida por causa da sua similaridade com outra espécie, A. braziliense (Faria, 1910), também parasito de canídeos e felídeos. A presença de A. ceylanicum já foi relatada na índia, na Malásia, na Indonésia, na Tailândia, nas Filipinas, na China, no Japão e no Brasil. C la ssif ica çã o e M o rfo lo g ia A família Ancylostomatidae pertence ao filo Nema- toda e classe Chromadorea (Capítulo 21). Sua principal característica morfológica é a presença de cápsula bucal, uma projeção da cutícula na região anterior do verme adulto. Apresenta divisão em várias subfamílias, sendo duas de importância médica: Ancylostominae, cujas espé cies apresentam dentes na cápsula bucal (A. duodenale e A. ceylanicum) e Bunostominae, que possuem lâminas cortantes na margem da boca (N . americanus). Os caracte res morfológicos que permitem diferenciar as três espécies de ancilostom atídeos hum anos estão representados na Figura 30.1. De maneira geral, o dimorfismo sexual é evidente pelo tamanho da fêmea (maior do que o macho) e pela presença de bolsa copuladora (projeção da cutícula na região poste rior) bem desenvolvida nos machos. N eca to r am ericanus Os verm es adultos apresentam form a cilíndrica e cápsula bucal contendo duas lâminas ou placas cortantes semilunares subventrais e duas lâminas cortantes subdorsais. • Mackos Medem de 5 a 9 mm de comprimento por 300 pm de largura e possuem bolsa copuladora bem desenvolvida com dois espículos longos mas sem gubemáculo (presentes nas espécies de Ancylostomatinae). • Fêmeas Medem de 9 a 11 mm de comprimento por 350 pm de largura e apresentam a extremidade anterior afilada, sem a presença de processo espiniform e (presente em Ancylostomatinae). CAPÍTULO 30 A ncylostom a duodenale Os vermes adultos apresentam dois pares de dentes • entrais na margem interna da boca e duas lancetas sub- entrais no fundo da boca. • Machos Medem 8 a 11 mm de comprimento por 400 pm de irgura, com bolsa copuladora bem desenvolvida apresen- :ando dois espículos longos e gubemáculo bem evidente. • Fêmeas Medem 10 a 18 mm de comprimento por 600 pm de irgura, vulva no terço posterior do corpo, cauda afilada com pequeno processo espiniforme terminal. M orfologia e tamanho semelhantes ao A. duodenale mas com presença de dois pares de dentes na cápsula bucal. Cada par é formado por um dente grande e um dentículo. C icl o B iológfico Os ancilostomatídeos apresentam um ciclo biológico cireto, sem a necessidade de hospedeiros intermediários Figura 30.1). Ovos liberados nas fezes do hospedeiro carão origem aos dois primeiros estádios larvais (LI e L2), com esôfago rabditoide e, posteriormente, ocorrerá a muda para a forma de vida infectante, com esôfago filarioide, que é a larva de terceiro estádio (L3). As L3 apesar de livre movimentação, já não se alimentam e apresentam dupla cutícula (durante a muda entre L2 e L3, há preservação da cutícula extema e formação de uma nova cutícula interna). As condições de oxigenação, temperatura e umidade do ambiente favorecem o desenvolvimento dos ovos até a formação das larvas de terceiro estádio. Em ambientes de oxigenação (p. ex., terrenos arenosos), umidade (supe- -,or a 90%) e temperatura (27-32°C para N. americanus e 21-27°C para Ancylostoma spp.) o embrionamento e a eclo são da LI ocorrem em 12 a 24 horas, a muda de LI para L2 em 3 a 4 dias e, a muda para L3, após 5 dias. O homem adquire a infecção pela penetração na pele -V. americanus, A. duodenale e A. ceylanicum) ou pela in gestão (A. duodenale e A. ceylanicum) da larva de terceiro estádio. A possibilidade do parasitismo após a ingestão por L3 de N. americanus é relatada pela invasão do epi- :eho bucal. Ao entrar em contato com o ser humano, as larvas são estimuladas por sinais térmicos e químicos derivados do cospedeiro e continuam o seu desenvolvimento a partir da expressão gênica diferenciada que culmina na produção ce produtos de secreção e excreção (m ajoritariam ente constituído por enzimas) que, junto com a movimentação i contração e extensão) da larva, auxiliam na penetração de reeidos do hospedeiro. O processo de penetração dura cerca ce 30 minutos e as L3, após liberação da cutícula extema no meio externo, migram pela circulação sanguínea ou linfática até alcançar os pulmões. Em seguida atravessam os capilares do pulmão para a luz dos alvéolos pulmonares, onde ascendem para os bronquíolos, brônquios e traqueia, auxiliadas pela movimentação de cílios da árvore brônquica e pelo carreamento em muco e produtos de secreção do hospedeiro. Nos pulmões, estimuladas pela alta oxigena ção, ocorre a mudança para o estádio de L4, que apresenta uma cápsula bucal provisória. Ao atingir a laringe, as L4 podem ser expectoradas ou deglutidas. Neste caso, as larvas entram no trato gastrointestinal e migram até chegar ao intestino delgado. No intestino delgado, as L4 já exercem a hematofagia e, transcorridos 15 dias da infecção, mudam para formas adultas jovens, que darão origem a vermes adultos sexualmente maduros em mais alguns dias. Após a reprodução sexuada entre casais, as fêmeas depositam ovos na luz intestinal que são liberados ao meio exterior junto com as fezes. A hematofagia e a consequente perda de sangue do hospedeiro ocorre antes da produção de ovos econtinua por toda a vida do parasito. Ancilostomatídeos podem viver por anos no intestino humano (3-10 anos para N. americanus e 1-3 anos para A. duodenale e A. ceylanicum). O período pré-patente para N. americanus é de 42 a 60 dias; de 35 a 60 dias para A. duodenale e de 21 a 35 dias para A. ceylanicum. Parasitos da subfam ília A ncylostom atinae podem infectar o homem por via oral, pela ingestão de L3 em alimentos ou água contaminada. Nesta via de infecção, as L3 deglutidas perdem a cutícula no estômago e migram para o intestino delgado (região do duodeno), onde pene tram na mucosa intestinal e mudam para L4. As L4, após emergirem na luz intestinal e iniciarem a hematofagia, mudam para adultos jovens e, posteriormente, para adultos sexualmente maduros. O período pré-patente para infecção por via oral é menor, de 30 dias para N. americanus e A. duodenale e de 15 dias para A. ceylanicum. Patogfenia e M a n ife s ta çõ es C lín ica s Após a penetração das L3 pela pele, o primeiro sin toma é o aparecimento imediato de erupções papulovesicu- lares pruriginosas eritematosas. A gravidade das erupções pode variar de acordo com a infecção primária ou reinfec- ção, desde o aparecimento de simples pápulas eritemato sas até o surgimento de pápulas vesiculadas, com edema generalizado e inchaço de linfonodos locais. Os sinais e sintomas sequenciais são decorrentes da migração larval inicial, geralmente observados pela tosse, inflamação na garganta e febre, ou pela presença do parasito no pulmão, que pode desencadear febre transiente em 2 a 4 semanas após a infecção. Durante a migração no trato respiratório, sinais e sintomas incluindo coriza, faringite, laringite, sensação de obstrução da garganta e dor ao falar e deglutir foram descritas na ancilostomose. Já na migração no trato gastrointestinal, é relatada dor epigástrica relacionada com a presença das L3 e, em razão da presença e do desenvol vimento do verme adulto, podem ocorrer diminuição do apetite, indigestão, cólicas, náuseas, vômitos, flatulência e diarreia e, em casos mais graves, ulceração intestinal e colecistite. : a p ítu lo 30 Após o estabelecimento no hábitat final, a laceração da mucosa e da submucosa pelos aparatos bucais cortantes dos vermes adultos, acompanhados por sucção e secreção de enzimas hidrolíticas e agentes anticoagulantes, resultam em uma intensa perda de sangue intestinal. As principais mani festações clínicas da ancilostomose são consequentes da perda crônica de sangue, acarretando em anemia por defi ciência de ferro e hipoalbuminemia. A anemia microcítica e hipocrômica e a eosinofilia coincidem com o estabeleci mento dos vermes adultos no intestino e são proeminentes durante a infecção. A hipoalbuminemia estaria associada à diminuição da capacidade de síntese da albumina no fígado, à perda de plasma durante a hematofagia e à desnutrição do hospedeiro. Indivíduos com baixa carga parasitária (de acordo com a Organização Mundial de Saúde, infecções com carga entre 1 e 1.999 ovos por grama de fezes) são usualmente assin- tomáticos, infecções moderadas (entre 2.000 e 3.999 ovos por grama de fezes) e altas (carga parasitária acima de 4.000 ovos por grama de fezes) resultam em dores epigástricas recorrentes, náusea, dispneia, palpitações, dores no esterno e juntas, dor de cabeça, fadiga e impotência. Alguns indiví duos podem desenvolver a alotriofagia (também conhecida por síndrome de Pica) que consiste em um apetite com pulsivo por substâncias não nutritivas ou não alimentares como solo, argila, tijolos ou areia. Finalmente, anemia e subnutrição podem afetar a produtividade e a capacidade de trabalho de indivíduos doentes, com potencial perda de função assalariada e aumento do desequilíbrio social. Im unologfia Muito do entendimento atual acerca da resposta imune na ancilostomose humana é baseada na observação a partir da infecção experimental em humanos ou da infecção natu ral em indivíduos residentes em áreas endêmicas. Apesar da diferença de carga parasitária e curso clínico quando comparado com a infecção experimental da natural, uma intensa resposta Th2 com a produção de IgE total e especí fica bem como elevados níveis de eosinofilia, IL-5, IL-10 e TNF são observados comumente durante a ancilostomose. Durante a infecção natural por ancilostomatídeos, ocorre a produção de anticorpos específicos (IgA, IgD, IgE, IgG e IgM) a antígenos brutos do parasito, parcialmente associa dos à resistência à reinfecção e à eliminação do parasito. Durante o estabelecimento do parasitismo, diversas moléculas liberadas pelo parasito são responsáveis pela modulação da resposta imune, culminando na apoptose de linfócitos T e B, proliferação e atividade específica de células T reguladoras, anergia de linfócitos T e redução da apresentação de antígenos por células dendríticas. Além disso, algumas proteases produzidas pelo parasito atuam na clivagem de quimiocinas e anticorpos, reduzindo a proteção mesmo diante de uma resposta imunológica previamente formada. De forma geral, a infecção por ancilostomatídeos reduz a capacidade do hospedeiro em montar uma resposta imune eficiente para eliminar o parasito. Por outro lado, a intensa regulação da resposta imune desencadeada por produtos do parasito tem sido estudada na modulação de doenças de curso crônico ou inflamató rias. Indivíduos portadores de doença celíaca e de doença de Crohn, quando infectados por carga controlada de L3 de N. americanus apresentaram remissão das respectivas doenças, representando uma potencial aplicação de produ tos parasitários no controle de doenças inflamatórias ou de doenças autoimunes. D ia g n ó s tic o O diagnóstico clínico da ancilostomose é baseado na anamnese associada aos sintomas cutâneos, pulmonares e intestinais, acompanhados ou não de anemia e eosinofilia. O diagnóstico laboratorial é realizado pelo exame copropa- rasitológico (Capítulo 56), utilizando métodos qualitativos ou quantitativos (para avaliação de carga parasitária do hospedeiro). O diagnóstico diferencial para determinar a infecção por N. americanus ou Ancylostoma sp. pode ser realizado pela coprocultura (método de Harada e Mori). Algumas características morfológicas permitem também a diferen ciação entre larvas de Ancylostomatidae e de Strongyloides stercoralis (Figura 30.2). Métodos imunológicos (ELISA, hemaglutinação, rea ção de fixação de complemento etc.) apresentam eficácia diagnostica limitada uma vez que não diferenciam infecção presente de passada. Métodos moleculares (PCR em fezes i têm sido aplicados em inquéritos epidemiológicos e desen volvidos para futura aplicação em rotina. Uma vantagem do método é a possibilidade de diagnóstico de múltiplas infecções (incluindo todas as helmintoses e protozooses intestinais) de forma específica. E piclem iologfia Estim ativas recentes indicam que a ancilostomose acomete cerca de 440 milhões de pessoas distribuídas principalmente nas regiões dos trópicos e subtrópicos do mundo. Uma estimativa da prevalência mundial da ancilos tomose causada por N. americanus e A. duodenale, ambas de caráter antroponótico, é representada na Figura 30.3. A ancilostomose causada por A. ceylanicum , uma zoonose transmitida por cães e gatos, parece ter importância epide- miológica restrita à Ásia. A despeito da melhora das condições econômicas e sociais nas áreas endêmicas onde ocorre a ancilostomose. nos dias atuais, esta parasitose ainda remete à uma desi gualdade social exacerbada, diretamente relacionada com a prevalência de diversas doenças tropicais negligenciadas Muitos países afetados pela ancilostomose experimentaram um crescimento econômico considerável nos últimos anos. em parte pela extensão dos recursos naturais encontrados nessas regiões (petróleo, gás natural, depósitos minerais e commodities agrícolas). A marginalização social observada em indivíduos em pobreza extrema e também na população indígena aindaapresenta profundo impacto no controle das doenças tropicais negligenciadas e demonstra a necessidade de implementação e mudança de políticas de saúde pública, especialmente nos países da América latina. No passado, a ancilostomose estava limitada à áreas rurais. No entanto, muitos países da região da América 306 CAPÍTULO 3C 1 3 FIGURA 30.2. Desenho de iarvas com distinções morfológicas. (A) Larva rabditoide de Ancylostomatidae: vestíbulo bucal longo primórdio genital (2); (B) larva rabditoide de Strongyíoides stercoralis: vestíbulo bucal curto (3), primórdio genital (4); (C) larva Iarioide ou infectante de Ancylostomatidae: presença da segunda cutícula (5), cauda com extremidade pontiaguda (6); (D) larva ■ Iarioide de S. stercoralis-. esôfago longo (7), cauda com entalhe na extremidade. Prevalência ! <1% | Áreas não [ | 1-10% endêmicas ■ 10-20% ■ ■ 20-50% m >50% y FIGURA 30.3. Prevalência mundial (%) da ancilostomose. (Fonte: Pullan e cols. Parasite & Vectors, 2014.) CAPÍTULO 30 M 307 latina e do Caribe têm se tomado regiões extremamente urbanizadas, aum entando o núm ero de indivíduos em miséria nas regiões urbanas (urbanização da pobreza) e exacerbação da segmentação socioeconômica. Enquanto o processo de urbanização não é necessariamente acom panhada por um sanitarismo apropriado, seu impacto na ancilostomose ainda não está totalmente claro e políticas em saúde pública voltadas para o controle da ancilostomose ainda estão direcionadas para áreas rurais. P ro fil ax ia Como para as demais helm intoses, o uso de m edi das preventivas para controlar a ancilostomose deve ser baseada na implementação e na melhora das condições socioeconômicas da população afetada. Acesso à infraes- trutura sanitária e ao atendimento básico em saúde, além de condições mínimas de alimentação, educação e habitação seriam pré-requisitos para estabelecer o controle da doença. A negligência acerca da prevalência da ancilostomose, sobretudo nas populações que vivem no meio rural ou em comunidades periféricas urbanas, ainda determina a pre sença da infecção nos dias atuais. Além das condições socioeconômicas, a educação em saúde visando a prevenção da infecção por L3 pode ter papel primordial no controle da infecção. Assim, para a prevenção é recomendado ações educativas para hábitos de higiene, defecar em locais apropriados (privadas, acesso à fossas ou rede de esgoto), lavar mãos antes das refeições e do manuseio de alimentos, lavar alimentos crus, beber água filtrada ou fervida, uso de calçados ou equipamentos de proteção individual (que impeça o contato com solo contaminado) e alimentação rica em ferro e proteínas. T ratam en to O primeiro programa de controle com base no trata mento em massa (aplicação de vermífugo em ampla escala nas áreas endêmicas) para a eliminação da ancilostomose foi conduzido sob a supervisão da Fundação Rockefeller no início do século XX nos Estados Unidos e, posteriormente, na região da Am érica latina e no Caribe. O program a incluía não apenas o tratamento médico mas apresentava um foco importante na educação sobre a doença e sobre a importância do uso apropriado de toaletes. O tratamento com anti-helmínticos é considerado um processo simples e pode ser realizado com uma dose única de fármacos à base de benzimidazóis, independente do peso e da idade do paciente (400 mg de albendazol ou 500 mg de mebendazol). Devido à simplicidade do tratamento e seu baixo custo relativo, a Organização Mundial de Saúde recomenda o tratamento de crianças em idade escolar para o controle das geo-helmintoses, com expectativa de neces sidade de tratamento em massa por 5-20 anos para o con trole efetivo dessas infecções. Por outro lado, reinfecções ocorrem frequentemente e a eficácia da terapia usualmente diminui com o tempo. No Brasil, a administração de fármacos em massa, diferente do observado para infecções por Ascaris sp., não foi efetiva para o controle da ancilostomose pela constante reinfecção após o tratamento (geralmente ocorrendo dias após o tratamento e a eliminação do parasito). J çando prevalência e intensidade de infecção similare-: maiores do que as observadas antes do tratamento. Programas de vermifugação em escolares poderr ser particularmente eficientes para reduzir a transm de ancilostomatídeos pela alta intensidade de infecçà: indivíduos adultos. Além disso, uma dose única de dazol geralmente não é eficaz para remover vermes do trato gastrointestinal do hospedeiro. A preocupaçã: possível resistência a fármacos anti-helm ínticos, observado para infecções em ruminantes por nemat e a falta (ou disponibilidade limitada) de novos age- ^ anti-helmínticos resulta na busca de novas fe rra m ;-_ complementares para o controle da infecção, como o desr:- volvimento de vacinas. V acina A ausência de uma resposta imune protetora duran:^. infecção humana amplificada por uma exacerbada mof lação da resposta imune por produtos do parasito e a pre» cupação sobre a real eficácia da quimioterapia no contrc e da ancilostomose levaram ao desenvolvimento de vacini- contra a infecção e a doença. A viabilidade da vacinaçi: contra ancilostomose foi demonstrada nos anos 1940 a pan r da proteção parcial após a administração de antígenos bru tos do parasito e, nos anos 1970, com a utilização de unu vacina de L3 irradiada, que chegou ao mercado voltada par; o controle da ancilostomose canina. Apesar dos altos níveis de proteção contra a doença, a vacina foi descontinuada pei: alto custo de proteção, complexa estocagem e distribuiçà: (a vacina somente era eficaz com o parasito vivo e mantid: a 8°C). Além disso, por não se tratar de uma vacina esterih- zante, houve resistência de seu uso no mercado. Considerando que, para organismos complexos for mados de milhares de proteínas (muitas delas com efeit; redundante), uma vacina que apresente eficácia de pele menos 30% pode determinar um efeito substancial na trans missão do parasito, não requerendo assim uma imunidade esterilizante. Assim, proteínas recombinantes de L3 (com o intuito de reduzir a infecção humana) e de vermes adultos (reduzindo o processo de hematofagia e consequente elimi nação do parasito e morbidade associada à infecção) têm sido estudados. No entanto, o estudo de um dos principais candidatos à vacina, um antígeno de L3 de N. americanus denominado Na-ASP-2, apesar de apresentar alta eficá cia em modelos experimentais, foi paralisado devido aos resultados obtidos em ensaios clínicos no Brasil, onde indi víduos negativos mas previamente infectados (com altos títulos de IgE antes da vacinação) apresentaram reações adversas observadas por urticária generalizada imediata mente após a vacinação. Por outro lado, antígenos derivados de vermes adultos têm apresentado alta eficácia em modelos experimentais e segurança em ensaios clínicos vacinais, podendo compor uma vacina que seria utilizada como uma tecnologia crítica para a eventual eliminação do parasito em países em desen volvimento, visando à redução da morbidade da doença e associada à quimioterapia aplicada nas áreas endêmicas. 308 CAPÍTULO 30 26 A ncilostomíase OS AGENTES ETIOLÓGICOS DA ANCJLOSTOMÍASE ORGANIZAÇÃO E FISIOLOGIA DOS ANCILOSTOMÍDEOS Vermes adulws Os ovos e as larvas CICLO BIOLÓGICO Infecçã,o pur Necator americanus Infecçã,o pur Ancylostoma duodenale RELAÇÕES PARASITO-HOSPEDEIRO Resistência ao parasitismo Ação pawgênica . SINTOMATOLOGIA DA ANCILOSTOMJASE DIAGNÓSTICO DA ANCILOSTOMÍASE Duas espécies de ancilostomídeos parasitam com frequên- cia o homem e SflO responsaveis por uma doença tipicamente anemiante, a ancil ostomíase: o Necator americanus e o Ancylostoma duodenale. Em regiões onde só ocorre, ou onde predomina, o Necator americanus (ele é o mais frequente dos ancilostomídeos humanos), usam-se aí também os termos necatoríase e necatorose, que devem ser entendidos como sinônimos de ancilostomíase, dada a semelhança dosquadros clínicos. Popularmente, a doença é conhecida no Brasil por "amarehlo" ou "opilaçao". Em ambos os casos, o homem constitui a única fonte de infecçao para a ancilostomíase, pois os demais mamíferos pos- suem ancilostomídeos de outras espécies que nao completam sua evoluçao no organismo humano. Entretanto, uma espécie denominada Ancylostoma ceylani- cum, que tem por hospedeiros naturais ettes e gatos, parasita o homem com frequência no Sudeste Asiatico e, raramente, em outras ereas. Larvas de ancilostomídeos de animais (etto, gato) e algumas outras larvas de nematoides que, tendo penetrado na pele humana, nao conseguem completar suas migrações normais e ficam abrin- do túneis entre a epiderme e a derme, até morrer, produzem uma síndrome conhecida como larva migrans cutünea. Falaremos dela no fim deste capítulo. TRATAMENTO DA ANCJLOSTOMÍASE ECOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DA ANCJLOSTOMÍASE Distribuição geográfica e prevalência O ecossistema na ancilcstomíase CONTROLE DA ANCJLOSTOMÍASE Os recursos estratégi.cos • LARVA MIGRANS CifI'ANEA Ancylostoma braziliense Patolcgi.a e sinUJmatolcgi.a da dennatite linear Diagnóstico e tratamento Epidemiolcgi.a e profilaxia OS AGENTES ETIOLÓGICOS DA ANCILOSTOMÍASE Os ancilostomídeos SflO pequenos vermes redondos, de cor branca, com cerca de l centímetro de comprimento, que apresentam duas estruturas muito características: a capsula bucal, nas fêmeas e machos, e a bolsa copuladora, nos machos (Fig. 26.1). A capsula bucal é uma modificaçao da extremidade anterior, em forma de expanS!lo globular, situada entre a abertura oral e o esôfago, que permite ao helminto fixar-se-a parede dos órgaos parasitados e abocanhar por aspiraçao fragmentos da mucosa (Figs. 26.2 e 26.3). O material erodido e necrosado, assim como a hemorragia resultante, servem-lhe de alimento. Nas espécies da fanu1ia Ancylostomatidae, a capsula bucal é sempre bem desenvolvida, com paredes internas espessas e providas de estruturas cuticulares pungitivas ou cortantes que ajudam a dilacerar a mucosa do hospedeiro. No gênero Ancylos- toma, as principais estruturas desse tipo lembram dentes, por sua forma (Fig. 26.2), ao passo que no gênero Necator as formações correspondentes Silo laminas de bordos cortantes (Fig. 26.5). A simples inspeçao da capsula bucal permite, pois, a distin- çao entre os gêneros e, também, entre as espécies que possam interessar-a medicina. - - ··· b --···C A e . • • . . • . f g k· ...• .. . ····· b B Fig. 26.1 Organizaçao geral dos ancilostom.ídeos. A, Macho; B, Fêmea; C,Ovos. Localizaçao dos órgaos: a, capsula bucal; b,ghlndulas cefolicas; e, testículo; d, vesícula seminal; e, canal ejaculador; f, espículos; g, bolsa copuladora; h, faringe; i , útero; j, ovllrio; k, intestino; I , reto e1111us. 1. Necalor americanus. É parasito praticamente exclusivo do homem (infecta alguns primatas), com larga distribuiçe.o geogra-, , fica pelas A.méricas, Africa, Asia e Oceania (Fig. 26.3 C). 2. Ancywstoma duodenale. Possui dois pares de dentes quiti- nosos bem desenvolvidos, na capsula bucal, e é parasito habitual do homem, principalmente nas zonas ancilostomóticas da Bacia , , do Meditell'!lneo, Europa, Africa e Asia, ao norte do Trópico de C11ncer (Fig. 26.3 B). 3. Ancylostoma caninum. Apresenta três pares de dentes (Figs. 26.2 e 26.3 E). Infecta ooes e gatos, mas invade even- tualmente o organismo humano, produzindo dermatites (larva migrans). 4. Ancywstoma braz;i.liense. Próprio de canídeos e de feüdeos domésticos ou silvestres, caracteriza-se por ter apenas um par de dentes bem desenvolvidos. Na base de cada dente, encontra-se um outro muito pequeno e situado mediaimente (Fig. 26.4 A). 5. Ancylostoma ceylanicum. Parece A. braziliense, tanto por sua capsula bucal, como por parasitar ooes e gatos, além de in-, fectar com frequência o homem, em regiões da Asia, do Pacífico e da América (Suriname); no entanto, distingue-se dele porque o pequeno dente medial é maior que em A. braziliense e tem a bolsa copuladora curta (Fig. 26.4 B). Confundido durante muito tempo com A. braziliense, varias autores pensam, agora, que a distribuiçe.o geografica deAncyws- toma ceylanicum seja muito mais ampla do que se imaginava e ÁNCILOSTOMÍASE 251 Fig. 26.2 Ancylostoma caninum. Microfotografia frontal da extremi- dade anterior para mostrar a capsula bucal e os três pares de dentes ventrais. que se lhe deva atribuir os casos de parasitismo humano, seja intestinal ou tecidual (larva migrans), considerados outrora como causados por A. braziliense. Ia se conseguiu experimen- talmente a infecçe.o do homem pelo A. ceylanicum, ao passo que ooo existem provas cabais de que A. braziliense possa evoluir completamente na espécie humana. O Quadro 26.l mostra as principais diferenças entre eles. ORGANIZAÇÃO E FISIOLOGIA DOS , ANCILOSTOMIDEOS Vermes Adultos Morfologia e Organizaçao. As fêmeas (Fig. 26 .1) medem em tomo de 1 centímetro de comprimento e têm o corpo cilíndrico, adelgaçando-se nas extremidades, principalmente na posterior, que termina em ponta fina. Os machos Silo menores e se dis- tinguem, mesmo a olho nu, por terem a extremidade posterior expandida para formar a bolsa copuladora. Ancylostoma duodenale tem dimensões pouco maiores que Necator americanus (ver Quadro 26.1) e seu corpo é um tanto encurvado, lembrando o desenho da letra C. Por sua vez, Ne- cator apresenta outra curvatura na regifto esofagiana, voltada dorsalmente, pelo que imita um S alongado. 252 BASES DA PARASITOLOCIA MÉDICA ' ' a / I ' ' e h g ' 1 ' \ ' セ@ D B E e Íi:ff ' , ' ' ' , ' , .... .........._,,,,- , ,_ . ' , ' : ' .. .. . , .. ... \ • • • • .· Fig. 26.3 Extremidade anterior dos ancilostomídeos. A, capsula bucal vista lateralmente: a , abertura da capsula; b , dente ventral; e , espessamento cuticular da parede da capsula; d , lanceta; e, dente dorsal (canal da g}andula esofagiana dorsal); f , superfície dorsal; g, superfície ventral; h , esôfago. B, Ancylostoma duodenale. C, Necator americanus. D, Ancylostoma braziliense. E, A. caninum. A capsula bucal abre-se para o exterior por um orifício amplo, elíptico, em cuja borda encontram-se seis papilas sensoriais. Essa abertura nt10 esta no eixo do helminto, mas sim deslocada para a superfície dorsal, de modo que as estruturas situadas mais próximo da extremidade anterior sao originariamente ventrais (donde chamarem-se "ventrais" os dentes e placas cortantes ja referidos) (Figs. 26.2 e 26.5). A, 0,3 mm A, O esôfago é claviforme e o intestino nt10 oferece particularidades. O aparelho genital segue o mesmo padrtlo que em outros nema- toides, exceto quanto aos órgtios auxiliares da cópula. Os machos possuem dois longos espículos filiformes e uma bolsa copuladora, expansoo membranosa da cutícula, sustentada por raios carnosos que formam grupos (denominados ventrais, laterais e dorsais) arrumados de modo característico para cada espécie (Figs. 26.4 e 26.6). 0,8 mm e, B, Fig. 26A Ancy/ostoma braziliense (A) e Ancylostoma ceylanicum (B). Diferenças morfológicas entre as capsulas bucais (A1 eB1) e as bolsas copula- doras dos vermes adultos (Ai e 82, vistas lateralmente; A3 e 83, expandidas; A4 e 84, vistas dorsalmente). (Redesenhada, segundo Biocca, 1951.) Fig. 26.5 Necaror americanus. Fotografia em microscopia eletrônica de varredura da extremidade anterior, que mostra o par de laminas cortantes no interior da oopsula bucal. (Segundo Y. Yoshida et ai., 1974.) Fisiologia. O habitat dos vermes adultos é constituído pelas porções altas do intestino delgado, posteriormente 'fl ampola de Vater, mas nas infecções pesadas podem ser encontrados até no íleo e no ceco. Eles se deslocam de vez em quando para sugar em outro ponto ou para assegurar a aproximaçao sexual, ainda que permaneçam a maior parte do tempo aderidos'fl mucosa, por sua capsula bucal. Esta funciona como bomba aspirante, graças'flS contrações vigorosas da musculatura esofagiana. O sangue é ingerido de modo quase contínuo pelos ancilostonúdeos; flui rapidamente A ANCILOSl'OMÍASE 253 pelo tubo digestivo e parece permitir apenas a absorçao de ma- teriais facilmente difusíveis. Entre os materiais que atravessam a parede do intestino do helminto, com essa quantidade de sangue, esta o oxigênio. É provavel, portanto, que os ancilostomídeos mantenham aí um metabolismo aeróbio. A longevidade dos Aneylostoma duodenale adultos, em al- guns casos favoreveis 'fl observaçao (sem risco de reinfecçao), alcançou 6 a 8 anos. Parece que a longevidade é funçao inversa da carga parasitaria. Admite-se que Necator viva menos, 4 a 5 anos. Talvez, na maioria das infecções, os vermes desapareçam depois de dois anos, se nao houver reinfecções. Os Ovos e as Larvas Ovos. O número que urna fêmea põe, diariamente, varia com a espécie (ver Quadro 26. l) e com a densidade parasitaria. Segundo algumas estimativas, a oviposiçao de A. duodenale é da ordem de 20.000 a 30.000 ovos/dia, enquanto a de N. americanus esta em tomo de 9.000 ovos/dia. Os ovos das varias espécies StlO muito parecidos, ovoides ou elípticos, de casca fina e transparente (Fig. 26.7 A). Entre a casca e a célu.la-ovo ha sempre um espaço claro. No momento da postura a célula-ovo é única, começando a segmentar-se jfl nas fezes, de modo que, nas coproscopias, podem ser encontrados ovos com quatro, oito ou mais blastômeros. A larva pode ficar completamente formada depois de 18 horas (Fig. 26.7 B) e a eclosao dar-se em um ou dois dias, desde que encontre, no meio externo, oxigênio, umidade e temperaturas adequadas. Larva Rabditolde. Como no desenvolvimento de Stron- gywides stercoralis, a larva que sai do ovo tem esôfago de tipo f FJg. 26.6 Extremidade posterior dos exemplares machos de ancilostomfdeos. A, Bolsa copuladora de Necaror americanus, vista lateralmente, distendida e de frente. B, Bolsa copuladora de Ancylosroma duodenale, nas mesmas posições. Nomenclatura dos raios de sustentaçeo: a , raios ventrais; b, raio externo-lateral; c, raio mediano; d, raio letero-dorsal; e, raio externo-dorsal; f, raio dorsal. 254 BAsF.S DA PARASITOLOGlA M WICA QUADR026.1 Caracteres distintivos entre as varias especies de anclJostomídeos que parasitam o homem Caracteres NecaUJr americanus AncylosUJma dwxknale Ancy/ostoma caninum Ancylostoma ceylanicum TAMANHO: femea 9a11 mm !Oal3mm 14mm 9allmm macho 5a9mm 9a li mm !Omm 8a9mm FORMA DO CORPO CurvaemS Em arco Em arco Em arco CÁPSULA BUCAL 1 par de placas cortantes 2 pares de dentes grandes 3 pares de dentes grandes 1 par de dentes grandes BOLSA COPULADORA Mais longa que larga Mais larga que longa Larga e aberta Pequena e com iguais ffiMEA: Posiçao da vulva Anterior Posterior Espinho caudal Ausente Presente Oviposiçao por dia 6allmil 20 a 30 mil Tamanho do ovo 64 a 76 µ.m 56 a 60 µ.m rabditoide, isto é, diferenciado em corpo, istmo e bulbo posterior. Seu comprimento é de 250 µ.m, dos quais o esôfago ocupa cerca de um terço. Essa larva alimenta-se ativamente no solo, ingerindo principalmente bactérias, e cresce de modo que no terceiro dia tem lugar a primeira muda. A larva rabditoide de segundo estadio cresce mais (até 500 a 700 µ.rn). Começa entfto a modificar-se, passando seu esôfago a ter con- figuraçao filarioide, quando sobrevém a segunda muda ou ecdise. Larva Filarioide. O terceiro estadio larvario tem caracte- rísticas novas, tanto morfológicas como fisiológicas. O esôfago ficou sendo de tipo filarioide (isto é, cilíndrico, muito alongado e sem bulbo), o crescimento acentuou-se. Mas, desde a segunda muda, a larva passou a nutrir-se exclusivamente de suas próprias reservas, sem ingerir novos alimentos. Na generalidade dos casos, a cutícula do estadio anterior permanece envolvendo a larva filarioide, como se fora uma bainha, e isolando-a mais ainda do meio exterior. Nessas condições, ela é uma larva fi larioide embainhada (ou larva filarioide encistada) e, ao fim de mais uma semana,ja se tomou infectante para o homem. Larva Filarioide Infectante. A evoluçao do parasito esta- ciona nessa etapa, aguardando que um estímulo proveniente de hospedeiro adequado volte a pôr em marcha o processo de desenvolvimento. Enquanto esperam o sinal necessario, as larvas mostram-se muito ativas no solo, e sua agilidade contrasta com a dos estadios anteriores. Em seus deslocamentos observa-se a influência de quatro tipos de tropismos: geotropismo negativo, hidrotropismo, tigmotropismo e termotropismo. B Fig. 26.7 A, Ovo de ancilostomídeo no início da segmentaçao, tal como se observa comumente nos exames de fezes. 8, Ovo embrionado, depois de permanecer alguns dias no meio exterior. dimensões Posterior Posterior Presente Presente 17 mil 4 mil 60 a 75 µ.m 55 a60 µ.m Por geotropismo negativo entende-se a tendência das larvas a se deslocarem para cima, em busca de posições sempre mais altas, até chegarem a acumular-se como feixes de larvas no vér- tice dos graos de terra, nas extremidades de galhos e de folhas ou de qualquer relevo que se levante do solo. Quando enterradas em solos arenosos e ómidos, elas podem subir cerca de um metro em busca da superfície. Mas as larvas só irao onde as partículas do solo estiverem envoltas por uma película de agua: hidrotropismo. A dessecaÇ8o da superfície faz com que elas voltem a enterrar-se, sempre em busca de umidade, ou venham a morrer desidratadas. O tigmotropismo é despertado pelo contato e faz com que as larvas adiram 'li superfície de partículas sólidas, se acaso estao nadando na agua. Esse tropismo e o termotropismo explicam a ativaçao e orientaçao das larvas filarioídes no sentido de penetra- çao, quando entram em contato com a pele do hospedeiro. CICLO BIOLÓGICO Infecçao por Necator americanus Só se produz por penetraçao cutanea das formas infectantes, ou seja, das larvas filarioides embainhadas (mesmo quando te- nham perdido suas bainhas no meio externo). Em contato com a pele humana, seja dos pés ou de outras areas cutaneas, as larvas penetram utilizando as lancetas do vestíbulo bucal e suas secre- ções contendo enzimas dos tipos mucopolissacaridase e protease. A bainha das larvas é abandonada 'li superfície da pele. Alcançada a circulaçao cutanea, linfatica ou sanguínea, elas 9110 levadas ao coraçao e aos pulmões, onde chegam em três a cinco dias, ou mais. Dil-se entao a passagem ativa dos parasitos do interior dos capilares pulmonares para a luz dos alvéolos pulmonares. Nos pulmões, tem lugar a terceira muda, que produz larvas do quarto estadio, dotadas de cepsula bucal provisória. Arrastadas pelas secreções da arvore respiratória e os bati.mentos ciliares da mucosa dos bronquíolos, brônquios e traqueia, elas sobem até a laringe e a faringe do hospedeiro. Completa-se, assim, o ciclo pulmonar. Deglutidas com o muco, as larvas vao ter aos intestinos. Completam sua migraçao, sofrendo a quarta muda, e se trans- formam em vermes com a capsula bucal definitiva. Crescendo e amadurecendo sexualmente, passam a constituir, finalmente, os helmintos adultos, machos e fêmeas. Infecçeo por Ancywstoma duodenale A penetraÇ110 das formas infectantes Oarvas de terceiro esta- dio) pode ter lugar tanto por via cutanea como por via oral. 1. Por via cuMuiea, da-se a migraÇ110 parasitaria com realiza- ÇllO do ciclo pulmonar, tal como no caso de Necator. 2. Por via oral, as larvas ingeridas com alimentos ou com egua contaminada completam sua evoluÇ110 no tubo digestivo, sem fazer o ciclo pulmonar. Administrando-se oralmente larvas infectantes de A. duodenale a caes jovens, verificou-se que no tubo digestivo destes elas sofrem a terceira muda e invadem a mucosa, onde permanecem dois a três dias. Depois retomarn11 luz intestinal, onde tem lugar a quarta muda, 11 dias após a infecÇllO experimental. Na quarta ou quinta semana je alcançam a fase adulta e começam a pôr ovos. RELAÇÕESPARASITO-HOSPEDEIRO Os pontos de penetraÇ110 mais frequentes estflo na pele dos pés, especialmente nos espaços interdigitais, no tornozelo, bordas e dorso do pé, sendo a invaseo facilitada pelo barro úmido que adere11 pele. Mas qualquerarea cutanea entrando em contato com o solo propicia a invaseo. A penetraçeo cu&enea nao demora mais que 5 ou 10 minutos. Muitas larvas seo destruídas na pele, enquanto outras, que haviam empreendido a migraÇ110 por via linfetica, seo retidas pelos ganglios e, provavelmente, aí têm o mesmo destino. Também nos pulmões, muitas delas devem encontrar a morte.Algumas experiências sugerem que menos de um quarto das larvas que penetraram pela pele chegam a vermes adultos, no intestino. Nas infecções por via digestiva, 90% das larvas adminis- tradas aos animais de laboratório podem ser recuperadas como vermes adultos. Ancywstoma duodenale apresenta particularidades em seu ciclo evolutivo que o aproximam dos parasitas do cao (A. caninum e A. braziliense). Mesmo quando entra pela pele e realiza o ciclo pulmonar, sua passagem pelos pulmões é relativamente mpida, sem sofrer mudas, e as larvas filarioides, quando nao completam a migraçso pelos brOnquios, traqueia, esôfago e intestinos, inva- dem outros tecidos (talvez a musculatura estriada como fazem A. caninwn e A. braziliense) e entram em estado de dormencia. Supõe-se que a dormência possa durar até oito meses, ao fim dos quais as larvas retomariam a migraçso para o tubo digestivo. O ciclo parasitario completo de Ancylostoma duodenale dura 4 a 5 semanas, aparecendo os ovos nas fezes por volta da quinta ou sexta semana depois da infeeçt10. Necator americanus só começa a ovipor 7 a 8 semanas depois da penetraçso cuffinea. Resistencia ao Parasitismo Nilo se sabe se a infecçeo é capaz de desenvolver no hospe- deiro qualquer tipo de resistência contra o parasito. Suspeita-se, entretanto, que deva haver alguma premuniÇ110, pois o parasitis- mo mantém-se em geral relativamente baixo entre os naturais de zonas pesadamente endêmicas. Por outro lado, constatou-se que a carga parasitaria dos pacien- tes tende a aumentar até a idade de 15 a 20 anos e estabilizar-se ou diminuir depois. E, nos tratamentos de massa, observou-se que a taxa de reinfecçso após a cura fica entre 50 e <í0% do nível existente antes da medicaçeo entre os indivíduos adultos; mas os menores de 10 anos de idade readquirem rapidamente pesadas cargas de vermes. ANCILOSl'OMÍASE 255 Enquanto alguns autores veem nisso o desenvolvimento tar- dio de uma imunidade protetora, outros pensam que mudanças de comportamento, na idade adulta, podem também explicar o fenômeno, como na esquistossomfase. Açeo Patogenica As lesões causadas no organismo humano pelos ancilosto- mídeos diferem segundo a carga infectante, a fase da infecçso, a localizaçso e o estadio em que se encontram os parasitos. De- pendem da carga parasitaria total e, em certa medida, também da especie responsevel pela infecçso. 1. No período de invasao cuMuiea, as lesões seo mínimas, imperceptíveis, exceto em casos raros de ataque maciço por mi- lhares de larvas.ou quando ha hipersensibilidade devida11S rein- fecções sucessivas, em pessoas sensíveis. Nesses casos, aparecem erupções papulo-eritematosas, edemas ou uma dermatite alérgica desencadeada pela presença de larvas filario ides na pele. 2. Nas infecções pesadas, durante o período migratorio das larvas através dos pulmões e da ervore brônquica, é possível que ocorram as mesmas alterações ja descritas a propósito da estrongiloidíase (Cap. 25), e que veremos novamente na asca- ríase, inclusive a s(nd.rome de Loeffier (ver Cap. 27), se bem que menos frequentemente e de modo mais benigno. Em geral, essa fase é silenciosa. 3. No período de parasitismo intestinal é quando se ob- servam quase todas as manifestações da doença. Por razões dideticas, vamos descrever primeiro as lesões que os vermes adultos causam na mucosa e, em seguida, os efeitos da espoliaÇ110 sanguínea a que submetem o organismo do hospedeiro. Lesoes da Mucosa Intestinal.Aplicando sua poderosa capsula bucal contra a parede do duodeno ou do jejuno, aspirando-a e sub- metendo-a 11 aÇ110 contundente de suas placas cortantes (Necator) ou de seus dentes (Aneywstoma), ao mesmo tempo que verte as secreções esofagianas e de outras glandulas, o helminto produz dilaceraçso e maceraçso de fragmentos da mucosa. O material ne- crosado e parcialmente digerido é finalmente ingerido pelo verme, junto com o sangue que passa continuamente da leseo para o tubo digestivo do parasito e, depois, goteja pelo-anus deste. Toda vez que ele muda de lugar, repete-se a agresseo, ficando depois uma pequena ulceraçeo que sangra ainda por algum tem- po. Em casos de parasitismo intenso, a mucosa fica edemaciada e com infiltraÇ110 leucocitaria, onde predominam os eosinófilos. O exame radiológico pode mostrar apagamento das pregas da mucosa e alterações nos primeiros segmentos intestinais. Espoliaçeo Sanguínea. O organismo perde sangue na medida em que este é ingerido pelos vermes e, em bem menor escala, como resultado das enterorragias residuais. A presença de subs- ffincias anticoagulantes, nas secreções dos parasitos, tende a facilitar a perda sanguínea. A quantidade de sangue retirada pelos ancilostornídeos varia com a espécie em causa, com o número de vermes presentes e com outras circunsfflncias. Tomaremos como referência os seguintes valores para o volume médio consumido por verme: Necator aniericanus: 0,03 a 0,06 mi de sangue/dia; Aneylostoma duodenale: 0,15 a 0,30 mi de sangue/dia. A perda dituia sofrida pelo paciente, quando ha de 100 a 1.000 vermes, pode ser da ordem de 10 a 30 mi (correspondendo a uma perda de Fe que se situa entre 5 e 15 mg por dia), mas pode chegar a 100 ou 250 mi quando a carga parasitaria estiver entre 1.000 e 3500 vermes. Do sangue retirado e evacuado pelos ancilostornídeos, boa parte do ferro é reabsorvida pelos intestinos (cerca de 30 a 40%). Resta sempre uma fraçso que devere vir na dieta do paciente. Se 256 B ASES DA PARASITOLOCIA MÉDICA 120 • • • - 100 .!! • • :g • E • - 80 .. " • "' • e • .. • .. • • • • • .g 60 •• '1i • e = ri 40 • • 1' • • • • • • .. • •• 1: • 20 • •• a. • • •• •• • • ... • o 10 20 50 60 70 100 X 10' N.• de ovos/grama de fezes Fig. 26.8 Anemia na ancilostomíase: relaçao entre as perdas intestinais diftrias de sangue (mi/dia) e o grau de parasitismo, estimado pelo nú- mero de ovos/grama de fezes. A correlaçao é altamente significativa, ainda que existam amplas variações individuais. (Segundo Roche & Layrisse, 1966.) nao, havera uma lenta e progressiva baixa das reservas hepaticas de Fe que tardara vruias semanas ou meses para traduzir-se em anemia carencial do tipo crônico. An emia Ancilostomotica. Ha nítida correlaçao entre a in- tensidade do parasitismo e o volume de sangue perdido por dia (Fig. 26.8). Enquanto as reservas hepaticas de Fe (normalmente da ordem de 900 mg) nao se esgotarem, a hematopoese continua a fazer-se - 6 QUMエM MMMMセ@ -.. セ@ 10 -... .. o .5 ..., ..o •••••••••••••• •• • • • normalmente. Só depois, a taxa de hemoglobina começa a baixar. Mas se houver, por exemplo, um déficit diruio de 4 mg (entre inges!fto e espoliaçao) essa reserva só estara esgotada ao fim de 225 dias (900/4 = 225). Por outro lado, 11 meruda que o paciente for ficando mais anêmico (e caso o volume de sangue drenado pelos parasitas continue o mesmo), suas perdas em ferro irao diminuindo, em vista da h emodiluiçao, até que a quantidade de Fe perdida por dia tome-se igual 11quela fornecida pela alimentaçao do doente. Nesse momento, a anemia se estabiliza. O nível em que se dara essa estabilizaçao sera funçao da carga parasitaria, assim como da ingestao e absorçao do Fe alimentar (Fig. 26.9) . Desde que se administre ferro aos pacientes, a anemia melhora rapidamente, pois a capacidade de absorçao e a de utilizaçao do
Compartilhar