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---, 066I-006I A arquitetura brasileira do século XX alcançou prestígio ii.[ern~cional como poucos países do mundo lograram atingir. Brasília é obra consagrada como uma das contribuições brasileiras às criações mais marcantes na cultura do século. Mas se esse reconhecimento é a face m ais visível da sua importância, não menos importan te é reconhecer os múltiplos rumos e os processos na gênese dessa p rodução, tão alardeada e tão pouco examinada em seu conjunto como realizações de um contexto conturbado como o que marcou a história do Brasil nos últimos cem anos. Arquiteturas no Brasil 1900-1990 é uma obra que vem proporcionar uma visão abrangente e ao mesmo tempo concisa da arquitetura brasileira no século XX, sob o signo da releitura do movimento moderno após a crítica do pós-modernismo- embora situe o moderno como o epicentro das inquietações do século. Ao relacionar as intervenções urbanas como signos de modernização no final do século XIX, o livro identifica as raízes de modernidades p aralelas aos movimentos como a Semana de Arte Moderna de 1922. Realizações estas que passaram tanto pela arquite tura neocolonial quanto por diferentes manifestações arquitetônicas em três linhas - modernismo programático, modernidade pragmática e modernidade corrente - caracterizando práticas distintas no país a té a Segunda Guerra Mundial. 0661-0061 us-e.Ig: ou s-e1nl~l~nb1y [ill}l Reitor Vir·e-rcitnr led:: Diretor-preside11/e /'residente Vire-pre.tidenre UNIVERSIDADI; DE SÃO PAULO Adolpho José Melfi Hélio Nogueira da Cruz EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAUtO Plinio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL José Mindlin Oswaldo Paulo Forattini I'lrasílio João Sallulll Júnior Carlos Alberto l:lurbosa Dantas Guilherme Leite da Silva Dias Laura de Mello e Souza Murillo Marx l'linio Martins f'ilho Dire/ora Editorial Silvana 13irul Dircrora Comercial Eliana Urabuyashi Diretara Administrmiva Angela Maria Conceição Torres Editora-assi.l'tente Marilena Vizentin Copyright © 1998 by Hugo Scgawa I' edição: I 998 2' edição: 1999 2' edição, 1' reimpressão: 2002 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Drasildra do Livro, SI', Brasil) Segawa, Hugo, 1956- N .Cham.:- 720.981 S454a 2.ed. Autor: Segawa, Hugo,l956- Tílulo: Arquitetura no Brasil 1900-1 990 . lllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll Ex.2 CAC Arquiteturas no Brasill900- l990 I llugo Segawa . - 2. ed. I. reimpr.- São Paulo: Editora da Un iversidade de São Paulo, 2002.- (Acadêmica; 21 ) Bibliografia. ISBN: 85-314-0445-2 1. Arquitetura - Brasii- História I. Título li. Série. 98-1!54 CDD-720.981 Índices para catálogo sistemático: L. Brasil :Arquitetura : llístória 720.98 1 Direitos reservados à Edusp - Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualbeito. Travessa J, 374 6° andar- Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária 05508-900 - São Paulo- SP - Brasil Fax (Oxx 11 )3091-4151 Tel. (Oxx 11) 3091-4008 I 3091-4150 www.usp.br/edusp- e-mail: edusp@edu.usp.br Printed in Brazil 2002 Foi feito o depósito legal ~ 40657800 Ac.25035 l ;iilil UTELIOLU::lUI IIJ ;))j1EJ3: Jlll{l.IV opp~MSQ ElSO:) 0!)111 ._.f 0[[;))!\J OI~ li O(] (o-rfueD dpll.Tpuv dp se~o z!n'l O!LI<]Hrv SUMÁRIO i\lg-ulll<t Expli cação ........ ........ .... ...... .......... ...... ..... ..... ..... ..... ... .... ...... ..... ... ........... .. .. ..... ... .... .......... ... 13 I . O Brasil e m Ud)aniração 1862-1945 ........ .. ............... ..... ........ ... .................. ......... .. ..... .. ........ 17 2. Do An Licolonial ao Ncocolon ial: i\ Busca de A lg-um;t Mod ernidade l HH0-1 926 ....... .... .. ....... .. .... .. ... ........ ........ .. ........ ...... ........ 29 3. Modernismo Prug-ra m úlicu 1q17-1q:12 ..... ............ ... ..... .. .. .. ... .............. .... ............... .. ... .. ......... 4 1 1. Muclc rn irlad !· Prag-m á tica 1922-1~)4:~ .... ...... ............................ .................. .. ..... ..................... .. 5;) 5. Moderniclad c Correm<' 1929-1945 ........................................ ........... ................................ ...... 77 6. A Afirmação de uma Escola 191 ~- 1 960........ ...... . .... ...... .... .. ............ ............ ... .... .................... 1 0~ 7. A Afir mação ele uma Hegemonia 1945-1970 .. ... .. ...... .... ... .. ........ .... ..................... ... .............. 129 H. Episód ios ele um Brasil Gran de e Modern o 1950-1980 ... ....... ... .......... ......... ....... .. ..... ..... ... 159 9. Desaniculação e Rcarticulação? 1980-1990 ..... .................................................. ......... .......... 189 1 O. Referênc ias Ribliográficas ........................... ... ........ .. .. .... .. ................. ................. ............... ..... .. 199 Font es das llusLraçõcs ........ .... ..... ... .. .... .... ....................... ....... ....... .. ...... .. ........................ ........ ........ .. 213 Índ ice Re tn issi\'C> ....... .. .. .......... .... .... ........................................... ............................... ........................ 2 1!) ... My Realce My Realce . ,,_tl]/JU J.I.11-IJJ/11fJ.W,J ';u~wtnJ "lliil :mu nw.s· 'IIW11Up ?J d.ll/Vt}UUJ f!IJ/ fUJ fd .\.UII!IIlJSJ/ltWIII S.IIIJ/ J]J JJI!/)U //)/!},7 fltJ(llJOlll l11Ú HIUSIV.I S~J/3 St10.1]V/!Yrlf YJf 'SJ}'I10Jl SJ/ 'SJ/ntfn,t.J.\' \',Jf 'uvpo 'll11, p ,).JU,)JlS d/ .IVC{ S/1.0/1 il]? S~WII/1.\' \'J.I.i/.tf.~,?} Z:ll(J H{(/1liO.J !VJ .'SIIJ'if XI'IV fd \'dWI!f.l XIII) Jf/10(}. 11J.(Jnf1 d\'\'d.tpttdf djlli/J.tJ"f ,1/J./! .Wrj /<} Jf(/J}}V[(/1111 llii.\'W./. Jlln .IV(/ JltÚ1.if111V./ J/) J]fj11ÚIIUJ 0/!}fliJf fD.f (i(,G 1 'nso:) üi:JirJ "'S!Jll J/1 0.1/UJp !'7 1/WIW/.\'J J1i.Ú YV/11 'Ji/IIOS VJillll/ J/U,/iJ V Jllb ~OSlO.) ,Jp '.wp_lNI!ÚSJ SI)SIO.J mp 1}.1(/IUJ/ JS J 'Zi/J/ 'Jil/J]UOJ OJff 'V.I/IIOJliJ JY ;mb 01/IIJJ Jfll,/B u 'IJfi?.t.d.tns WJ vsJ.u/.ms 11p '.wl;u,"il .wvnlm 'yunJ.J !iOpnbv opu<~;\ ...... ALGUMA EXPLICAÇÃO Sou d e urna geração de arqu ite tos br<tsilei- ros ?t C]ll<ll , nos hancos escolares, se ensin ou que exis te uma ma ne ira de l'azer arquitetura, de apreciar arquitcLUra, de usufruir as cidades. Q ue o arquiteto tem uma m issão messiânica ao exer- cer a sua pro1issão na sociedade. Nossos p rofes- so res mrtndm·am lt>r Pt>vsnPr, Hitchcock, Giedion , Zcvi c scHH..: lhaH tcs- autores que escreveram retratos to tal izador es, mostraram in terpre t<t- ções am paradas em grand es modf'los de expli- cação , que esgotavam quaisque r dúvidas elo sa- be r ver e faze r arC]uite tu ra. Nada tão frustrante qua m o o abismo entre a academia c a vida. Essa escri tura tdculógica que legi timou a afi rm<tç;1o d e u ma certa modernidade eu ropé ia e norte- arnericana e consolido u mitologias a rquitetôni- cas p e rmanece no im aginário de muita gen te. Leitores de diversificados matizes ainda. buscam em revis tas e livros interpretações à altu ra dos "p ioneiros da teoria moderna". Certame n te, os pevsn ers, hitchcocks, g iedio ns e zevis deste fin al de milê nio n ão se rão tão persuasivos; nem seu s le itores, tão pe rsuadidos. O r isco de escrever um estudo sobre a ar- quite tura brasileira do século 20 é reproduzir inadve rridamcn te aqui lo que se critica: uma vi- são LOtalizadora que apaga as diferenças, exalta as formas dominadoras e dissimula a diversida- de. A história c a historiografia recentes ainda se refazem elo impacto epistemológico provo- cad o , por exe mp lo, pelas idéias de um Michel Foucault- escr itos tecidos com a microtrama de nrna co1t1plcxa urdidura. l\esse caminh o, a via- bilidade ele dar formas a p roblemas, de a rticular p erguntas é mu ito mais intensa que nossa capa- cidad e in divid ual d e formu lar respostas. Respos- tas que tendemcada vez mais a exames localiza- dos, talvez profu ndos (contempland o minor ias, "ve nc idos", movimentos popu lares e Le.). U ma p osLUra que se avizin ha às tendências da frag- mentação "regulamentada" do con hecimento, co mo que u ma reação às grandes leituras tota- lizac\o ras. O h is to r iador britânico Eric Hobsbawn, comentando a respeito de algumas tendên cias da historiografia n o tin a! dos anos 1970, escrevia: 7 4 • Arquiteturas no nrasil Não há nada de novo e m ol ha r o m undo com um microscópio ou com um telescópio. Desde que coJJcor· d e JJIOs <!'"" estam os estudando o meswo cosrnns, a es· co lha eutrc o microcosmo e o m acrocosmo é uma ques· tão de sc lccion:'ll" a técnica apropriada. r. signific:~ tivo que atualme nte mais histo riadores julguem o microscó- pio mais (ttil. Mas isso n:'in sígn i!ica necessat·iamc nLc que eles rejeiwm o t e le~cópio, como instrumento snp<>rado. E.ste livro teve uma gê nese peculiar: con- vidado pela Universidade Au tôn oma \1etropo- litana do México para integrar u rna col eção ele monografias sob re arqn i tt"tn ra latino-america- n a , se u for m ato ori g inal c ircun s tanciava-sc a um compê ndio de arquitetura brasileira no sé- culo 20 pa ra o púhlíco latino-americano. A oportunidade d e uma edição brasileira não cles- ca•·a cl «:>rizou e sse perfil. O difícil e> sutil equilí- brio a se ati ng ir no con teúdo deste trabalho é u ma ta re fa que deve respe itar as caracte rísti cas ela iniciatiYa editorial , exigindo u ma compostu- ra que se expressa num jargão arq uitetônico, no Lermo francês bienshm ce. As c irc unstâ n cias a pon tam mais para o manejo d o tt" lescópio; to- davia, o microscópio às vezes foi útil , m esmo com pr t:juízo de a lguma coerência lotalizador a (C]ue não con s titui, propriamente , uma preocu- pação cP ntral ) . A manute n ção das lente s e as direções para que e las apou1arn são de minha in te ira responsabilidad e; a razão dessas dire- ções, espero que os le itores a p ercebam percor- rendo as páginas des te trabalho. AS REFERÊNCIAS Ao escrever um trabalho do presente esco- p o, fui me re por tar às obras d e m esm a n atureza -aos manuais de história da a•·quitetura brasilei- ra - que não são muitos e possuem enfoques d is- tintos. Trabalhos como Quatro Séculos de Arquite· tu:ra, de Paulo Ferreira Sant.os ( 1977, primeira versão 1965), Atlas dos Monumentos flistóriros e A-r- tísticos do Brasil, de Augusto Carlos da Silva Tellcs (1975) c Arqu.ilelum Bmsilr>ira, d e Carlos A. C. Le mos ( 1979) , são panoramas de qnatro séculos de arquitCLura; o século 20 é um segme n to des- se conjun to. A arquitetura bras ileira é pane de um contexto mais amplo também em Arqu.i tectum y l h-ba.nismo en lberoa.merica, de Ramón Guliérrez ( 1983) . Precisamente pelo nú me r·o reduzido de trabalhos nesse úmbito, publicaçôes como o ca- túlogo Braz.il Builds, editado ~•n 1943 pelo MOl'v1A ele Nova York, e Modern Archilectu·rp in JJmzil, de TTenrique Mindli n, ele 1956 pode ri am ser c u- quadradas como pan oramas ela arquitetura bra- sileira da primeira rn etacle d o século 20. Rigorosame nte , seriam três os t raba lh os no gênero preLendido por m inh a pesquisa: Ar- quitetura Contemporânea no Bmsil, ele Yvcs Rruand ( l Y81), Arquitet·um Moderna NrasileiTa, ele Sylvia Ficher c Marlene Mil an Acayaba (1982) e oca- píwlo "Arquitetura Conte m porúnea" escrito por Carlos A. C. Lemos n a H istória G11ml ela A-rlf no Bmsil (coordenada por Walter Zani ni, 1983) . Todas e ssas obras foram importantes na e laboração do presente l ivro. Paulo F. Santos, A. C. Silva Te llcs e Carl os A. C. Lem os são si- m ultan eamente historiadores e protagonistas do que re latam. O saboroso capítul o d u livro d e Pa ulo Santos é um depoimen to de um persona- gem qu e vive n cio u os 11uiclos criar ivos do mo- d ernismo carioca da pri meira me tade d o sécu- lo . Carlos A. C. Lemos é importante pelo q ue escreve u c por tudo que a prendi como seu alu- u o c estagiário; os escritos em forma de manu- ais do professor Lemos são parte pequ e na d e um (] vida dedi cada à pesquisa. 8-razil Ruilrls e M otlr>rn An hilectm·e in Brazil são trabal hos apo lo- géticos da arquite tura moderna, n o espírito in- sinn::~do no in ício desta explicação, for mad ores de mitografias da moderna arquitetura brasile i- ra e, como tal , são objetos d e an álise no meu tex to . A impor1ância de Fichcr e Acayaba está na modesta aspiração de ser um guia in t rodutó- rio da arquitetura moderna bras ileira . Su a o ri- gem, aliás, demo nstra o propósito: tratava-se de um verbe te do f nlenwtional Handbook of Contem- jJorar)• Developrnents in An:hitecture, dirig ido por Warren Sanderson (1982) . Um roteiro que p io- neiram e n te inc luiu, no map a arq uitetura! bra- sil eiro, alg umas regiões pouco conte mpladas, sem a vtsao modernista c hcgcmônica que ca- racteriza o livro de Yves Bruand. Arquitetum Contemporânea no B-rasil é o m ais completo clossiê sobre a arquitetura brasi- leira elo s{:cnlo 20 at.é 1969, momeulo de con- clusão dessa tese, apresentada na Université de Paris IV em 1971 e publicada dez anos depois e m português (lamen tavelmente , sem uma revisão técnica adequada da tradução, comprometendo parcialmente sua leitura). Bruand escreveu uma obra fundarncn t.alnie ll te baseada 11a variada hi- hliografia brasileira e internacional e na coleta de depoiment:os de estudiosos locais, reunindo um conjunto documental do maior valor: um re trato do estado-da-arte da bibliografia brasi- leira até os anos de 1960. No e ntanto, o autor francês, embora não sendo arquilclu, assimilou todos os preconceitos modernistas contra a ar- quitetura do ecletismo ("da constatação de que a arquite tura brasileira só conhecera dois gran- des períodos de atividade criadora: a arte luso- brasileira dos séculos 17 c IH [ ... ] e o período atual", escreveu). Bruand dedicou-se principal- mente ao Rio ele .Janeiro , São Paulo, Bahia e Brasília, deix<mdo a descoberto outras importan- tes regiões, cludindo a diversidade da produç~w arqu itetônica brasilei ra . Ademais, seu posiciona- mento sobre o sentido de "moderno '' desgas tou- se no tem po: "o ad jetivo 'moderno' não é de mo- do algum con veniente , pois contém apenas uma noção ele tempo aplicável ao con junto da produ- ção de uma época e não unicamente a uma d e suas partes; substituir sua acepção cronológica por um elemento de valor é um contra-senso ... " A avaliação de Bruand padece uma leitura tri unfalista e apologética da arquitetura moderna do Brasil. Se não há un1 comprometimento do valor intrínseco do excelente trabalho que desen- volveu, suas posições são historicarnenLe datadas. PONTOS DE PARTIDA Meu trabalho não tem a pretensão acadê- mica do amplo esforço de Yves Bruand e volta-se A~!{llma Ex:plicaçiiu • 1 5 para um outro mapeamenco arquitetônico. Os re- tra tos de grandes arquitetos e das obras-primas da arquitetura brasileira constituem uma contri- buição insuperada em Arquitetura Contemporânea no Brasil: protagonistas e re alizações são o cerne da sua p esquisa. Sem pretender contestar o sig- nificado dessa abordagem, busquei eswdar os jJmcessos da constituição da nossa arquitetura moderna e m matizes diversos, caracterizando modernidades clistint.as, que in titulam os capítu- los. Nesse sentido, nào privilegiei arquitetos (ex- ceções honrosas a Warchavchik, Niemeyer, Lu- cio Cos ta c Vilanova Artigas), tampouco obras (também com exceçôes) , rnas a inserção de ar- quitetos e obras no debate cultural e arquitetô- n ico num certo recorte da história. Ao operar com processos, o desejo ele realizar uma carto- grafia arquitetônica turna-se uma empreitada d ifíci l , d evido :1 ~!mplitud e c complexidade elo panorama arquitetônico brasileiro. Todavia, mesmo na ausência de vários arquitetosou obra:; no presen te trabalho, o possível entendi- mento advindo dos processos que d escrevo per- mitiria u m a contextualizaçào dos personagens e realizações preteridos em meu map eamento. Tendo como eixo de narrativa a arqu itetura, imagi n o a possibilidade de interlocução com outras disciplinas sem necessariamente preten- der r esenhar episódios da história, ela sociolo- gia ou ela eco nomia brasileiras. Os lemas urbanismo c cidades têm un1 peso significativo no primeiro terço do livro, para virtualmente ficarem pulverizados no res- tante elo trabalho . A complexidade desses tópi- cos após a Segunda Guena- quando a maioria da população no Brasil passa a viver em cidades - uào recomendaria o aprofundamento da ques- tão, sob o risco d e o autor ser obrigado a escre- ver não um, mas dois livros. Reuniões como as realizadas pela ANPUR e os Seminários de Histó- ria da Cidade e elo Urbanismo nos últim os anos relevam cada vez mais certa autonomia discipli- nar no trato dessas questões . A mençào in icial à questão urbana tem uma relação mais próxima com o te ma moder- n idade. Uma preocupação fim-de-século- qual 1 ó • Arqu i lelums no lJrasil será a arqui tetura d o século 20? - permeo u lanl- bé m local izad os de b ates sobre o tema n o Rrasil d o sécu lo 19. Ao m e debruçar sobre esse mote, p rocure i resgatar alg um as interpretações so bre o mod erno ern arrp ri rcrn ra. Não há defin ição u nívoca de m oderni dade: se n ::~ Europa a pro- ble mática é objeto d e entend imen to d iverso, o con ce ito de moderno no Bras il é ain ci::~ mais con trove rso, p rcc isalll cn te p ela necessidade de examiná-lo sob uma óptica apropriada à realida- de local - sem dcscnrar d e su a entrop ia com u m meio mais am plo. A segunda p ::1 rt e elo livro foi AGRADECIMENTOS Toda relação de agradec imentos é u ma lista d e esqu ecimen tos injustos. Não posso rela- c io nar c agrad ecer a todas as pessoas e institui- ções que me aj udaram na re;:~ l i zação d esta pes- qu isa. Todavia, deYo lembrar-m e de Conce pción Vargas e Ernesto Alva, qu e me confiaram origi- nalmente a escrita deste trabalho. Pela fe itura deste livro, dt:vo me us reconh ec im entos a Vicen- te Wissenbach , editor da revista Projeto, da qu al fui colaborad or há m u ito tem po g raças <1. cora- gem d e seu editor; à Ruth Verde Zein , colega na revista e in terlocuto ra pe rma ne n te; ao J<. leber Friz?.era c ~ Univers idade Federal d o Espír ito Santo; à Vera He lena Moro Rin ~ Ely e à 1.J nivcr- organizada com a preocu pação de mos trar as vá- r ias mode rn idades p ra ticadas na arquite tura d o Brasil n o perío d o e n treguc rras. No corre r das páginas e com o evolu ir d a na rra tiva, a a bordagem d os assun tos torna-se mais esquemática. Naturalmen te, o tempo é um pod eroso depu rador c o distancia mento maio r dos acon tecim entos pc rrni!.e selecion ar as le n- tes mais adequad as para o exame das qucstôes. Por isso , a con tem poraneidad c se mpre é mais seduro ra e instiga n te . E os riscos ele e quívocos, proporc ionais ao nosso d iscernime n to. siclad e Federal d e San ta Catarin a; e àisa P ierma- tiri e à Universidade Fcrler::J I do Paraná, <]Ue , em di fe re ntes mo me n tos no in ício de minha aproxi- mação com a arquitetura brasile ira do século 20, me convi daram para ministrar cu rsos, obrigan- d o-me a desenvolver uma estrutura d e aula que está na raiz deste traba\ho; ao arquhcto c profe~ sor Paulo Rrnna CJlle, convidand o-me a auxiliá-lo numa disciplina de pós-graduação na U niversida- de Mackcnzic , me permitiu cxpot· h ipóteses d e interpretações que estão al in havad as n este li\To . Aos alunos desses cursos, a paciência d e ouYirem c d iscuLircm min has idéias que, a pós essas ses- sôes, deixara m d e ser exclusivam t:n le minhas. 1 0 BRASIL EM URBANIZAÇÃO 1862-1945 Na arqu itetura (o 1/ll,!!;enlu:irol perpetua as gló·rú1> de ma j;âtria em monunu•nüJs, que os séculos veneram snn destruir I' r/ri nos sr•us wntemfJOTâneos nocâo do (11do euritmiw derivado das obms f;rimas da Antigüidade, que f!oT sua or:z. o recebeu de civilizarõr:s idas, 11 que rlej)()is rir millzarPs de anos !'IP faz ressusritar ao impulso aiador do seu r;ênio! Nas ridruiPs, ai rmdP as multidliPs SP ojnimPm Pm busra do bPm-PJ!fll; nas grnndPs rolmhns, Ptn quP a alividariP jfbril do homnn vai diarian!l'nte premcher o seu papel jHMiidencial de elemrnlo ronstitutivo dt> riquPZa jJP/o lmbalho, o mr;enhPirn; ainda a luz, o guia na r>smlha de localidades, no preparo do solo, nn orientaçâo e traçado das ruas, 110 rstwlo das !IPrPssidadPs públiras f' parlirularrs, uo.ç jlnigos, na.\ mwgênrias P ali> nas rrisPs patológiras! Sf' um baino é diji.rilmeniP ventilado, se uma jHtTie do litoml é otujHtda intermitentemente jJelas águas em seu etemoflu ."w e refluxo, ei-lo removendo montanhas, dilatando a área 1ahrm a P anulando s-ilnn ltanr:amr>nfe duas fontes de insalubridade.' j. S. DE CASTRO BARBOSA, Lrecho elo pa negír ico ~obre a profissão do. engenheiro por ocasião do l 6Q aniversário elo Club de Engenharia do Rio ele Janeiro em 1896. O an o de 1900, a lém de algum sig nifica- do na n u me rologia, n ão te m muita importância ~ >(· .1'. datas marcantes da histó ria mundia l, a não ser o fato de assinalar a transição do século 19 para o século 20. Todavia, para o Brasil, o ano marcou a grande efeméride da celebração dos L...i 18 • llrquile/urus 110 flrasil quatrocen tos anos da cheg-ada de u ma frota pon ug-uesa na cost.a sul-americana - contato que ofiriali1.ou o domíni o de Ponugal sobre essas ter ras que, mais tarde, se transformariam num país de d imensões con tin e n tais. Foi e m fins ele 1900 que, a pretexto dessas comcmoraçiks, o Clnh de F:ngenharia p romoveu o Congresso de Engenharia c ln rlústria. O C lub de l•:ngenharia era uma ag-remiação politicamen- te vitoriosa em busca de uma a firmação inédi- ta naquele tempo: a Rcpltbl ica havia sido pro- clamada pouco ;uJles, e o Club, ele convicçfto republican a (an tagôn ica ao monárquico lnsti- llll<> Polité-cnico Rt·asile iro) .firmava-se como o furo oficioso de urna corporação que buscava habilitar-se como uma alternativa na esfera po- lítica contra o monopólio exercido por ou tra c<Jtegori a profissional: os bacharéis de D ire i tu. CREDENCIAMENTO TÉCNICO PARA A MODERNIZAÇÃO A formação d a e lite intelectual brasilei ra na passagem do século sustentava-se num Ll"ÍfJé: a medicina (cujas primei ras esco las d ata m de 1808-1809) , as c i{:ncias juríclicas (suas duas aca- demias foram fundadas em 1827) c a enge nh a- ria- n~a consolidação se faria no final do século 19 com a Escola Politécnica rlo Rio de Janeiro em 1874, a Escola ele Minas, em Ouro !' re to , ele H:l76, a Pol it <:cn ica rle São Paulo e m 1894 e a Mackenzie College (de orige m norte-am erica- na) , também em São Paulo, em 1896. Foi a ver- tente jurídica que maior espaço conqui st(m n o cxcrcicio do poder ao longo rlo sécu lo 19- domí- nio ora crn rlisputa com engenheiros e médicos, no a lvorece r do novo século. Os enge nheiros buscava m re percussão em suas recomendações nascidas ele pautas am- biciosas. De acorrlo com o seu programa, o Con- gresso de Engen haria e Indústria teve como [ ... ] obje to exclusivo discuti r e deliberar sobre as prin- cipais questões técnicas, industriais, econômicas, finan- <.:eiras e administrativas que. de mai~ pt-rlo t' rl irt-tamc n- te, possam interessar ao desenvolvimento material d o B•·asil, de modo a formu lar rt-soilt ~· flt's <JHC' tradn~:o.m com clilreza o parecer dos mais competentes sobre a so- lu (<'io prúti ca de r::tdil uma d as yucstõcs vc HLi ladas, c que scr:ío submel idas ú ap rec iação dos poderes públi- cos. I"Prog ra ntlll <l . .. " 190 l , pp. 7-1!>] . O temário do congresso Locou numa série ele questões que inventariavam um repertório de ta re fas nacionais nesse momento: sistema fe rro- viário, portos e navegação interio r, h idráulica agrícola, sa neamento das cidades, urbanização. A bem da verdad e, em IH.:nhunl momento se em- pregou, nos debates ern 1900, o lermo "urhaui- zação" ou qualquer derivado de "urbe" como ci- dade. Mas o contexto geral dos debates indicava esse rn mo. DO SJ\NF.J\MF.NTO AO URBANISMO O Brasil aJentrava o século 20 com uma população da orde m de 17 mi lh ões de h abitan- tes, com ce rca d e 36% elos brasileiros vive nd o nas cidades. A economia do país era impu lsiona- da <I base da exportação de produtos prirn{tr ios. Entre 1871 e 1 Y28, o café - um artigo de consu- mo das mesas abastadas na Europa e nos Estados Unidos- participava com mais d a metade da receita brasileira de exportação, sccundaclo por um período de te mpomaiscu rro ( 1891 a 1913) pela borracha [Singer 1985] . O paí!j possuía uma rarefeita economia urbana, pulverizada em cen- tros urbanos nas frentes agrícolas ou cidades portuárias a serviço da exportação ons p rodutos: Campinas, São Paulo, San tos, Campos e Rio d e J an eiro para o café; Recife para a zona açucare i- ra; Salvador para o cacau; Porto Alegre para cou- ro c peles; Be lém e Man aus p ara a borrach a. E, embora incipiente como rede urbana, algumas capitais conheceram um extraordinário cresci- mento demográfico: o Rio de J aneiro em 1900 era habitado p o r 746.749 h abitantes- sua p op u- lação aumentou 271% em relação à de 1872; São Paulo , nesse mesmo período , Leve um a umen to populacional da ordem ele 870%, com 2~19 .820 habitantes na virada do século; Bdém yuase du- plicou sua população de 53 150 habiran tes em 1872 para 96. :)60 em 1900 [Graham 1973, p . 40J . Os núm e ros apenas indiciavam os g raves conflitos de espaço que se afiguravam com o crescimento clesorden;~do cbs cid;~rles . A cidade afirmava-se como o palco do moderno - modernização Lendo como referên- cia a organização, as atividades e o modo de vi- ver do mundo europeu. Os engenheiros coloca- vam-se como agentes dessa modernização - era a corporação que apostava na ciência c na récni- ca como os instrumentos de progresso material para o país, nos moldes do desenvolvimen to in- dustrial do Velho Mundo, vislumbrando, na in- d ustrialização, um objetivo nacional a se atingir. O Congresso de Engenharia e T nclústria demons- trava a ampli tude das tarefas da profissão c apont;~va nm1os para a montagem ela nova cena: t·acionalização nas intervenções de ocupação territorial, vetores de urbanização num país de vastas regiões inexploradas. O desejo de mudan- ça era late nte : a elite nrh<~n<~, progressista , posi- tivista, cosmopolita, contrapunha-se à sociedade tradicional, de índole agrária e conservadora. CIDADES COMO CENÁRIOS DE MODERNIDADE Algumas cidades brasileiras, j{t na segunda metade do século l 9, assimilavam intervenções modernizadoras ern suas infra-estruturas, à ma- neira das metrópoles e u ropfias - resson<lnci<l da questão (central na cidade européia oitocentis- ta) do sauitarismo ou salubrismo. Cidades como Rio de .Janeiro (a partir de 1862) , Recife, Santos, São Paulo, Manaus c Salvador contaram com em- presas que instalaram e operaram sistemas de drenagem, abastecimento de água e esgoto-urba- nos . Também nesse f'inal do século opentvam nessas cidad es, e ainda em Fortaleza, Belém e Porto Alegre, companhias de gás; serviços de ele- tric idade e transporte urbano também funciona- O Brasil em Urbanização • I 9 ram em algumas dessas cidades - em sua maioria, empreendinrentos com o envolvimento de capi- tais e empresas inglesas (também responsáveis, desde o século 19, pela implantação do sistema ferroviário no país) [Graham 1973, pp . l 21 -124J . A implan tação dessa inf ra-estrutura técni- ca nas cidades consolid adas configurou m edidas <JliC não ncccssariarne n te prcconit.ararn a reor- denação d o tecido u rbano -sobretudo a reorga- n ização dos espaços físicos he rdados d a cidade colonial, no caso brasileiro. Ao con trário , a im- plan 1 aç<-to desses mclhoranwntos rei l<~ntv<l a es- t r utura ex istente, com po ucas modificações. O sentido ele intervenção urbana como produto de uma elaboração icleolúgica n ão sú derivava dos processos de saneamento urbano desenvo lvidos no século 10, mas adquiria nova condição - co- mo visão raciona lizadora c integrada de intcr fc- rência na cidade, numa lógica de modern ização das estruturas urbanas -com a cod ificação de uma disciplina específica: o urbanismo. Simbolícameme, pode-se e leger quatro even tos como representativos de: for mas de m o- dernização urbana no Brasil na passagem do sé- enio 19 para o 20. A N E CAÇAO DAS ESTRUTURAS URBANAS COLONIAIS O primeiro even t.o {; a tr ansfcr(: ncia, crn 1H9G, da capital do Estado de Minas Gerais da co- lonial Ouro Prelo para uma cidade nova, inlcira- menle p lanejada e construída para ab r igar as funções adm inistrativas ck sede governamenlai - lklo Horizonte - , proj eto de nma comissão che- fiada pelo engenheiro Aarão Reis (1853-1936), formado na l'ol it{;cnica do Rio de Janeiro . O segundo é a "haussm a nisatio n " (n um ncologismo criado por P ierrc Lavedan) do Rio de Janeiro, grande in tervenção promovida pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913), a partir de 1904, com a criação ele novos eixos vi- ários, a unifor mização das fachadas dessas aveni- das e a imp lantação de parques públi cos m edian- ·J~ 'sodun~:) ~p 01 -ll:'lllll'.;)lll!S O l!Jted ~;()()( ;>p <>P!o.od 011 Ej)l'.lli;)SJ.odl! S<)_l\'.(lldOd S.H_>.~l!l!C(~'I( E.l"d 1.nsodo.od :<>ii.IH Jj) Oll!ll.lllll!S O.l":llll'..l~ .(; f:f:j K > -. ----~---~ ·- ------fH}\: l \'T•ol;)S'~-t ----- ';00':'/ HN:i() SUH1rl l'n ~)IUJS S\t811'iONO'J3 J SJ\J8nl\fS-S3t:!VlndOd S3_9ÓV.ll8'v'H /.1~;/J.I[j OU W.IIIP/.111/J./JI • ()( te a rC'modelac::ão do tecido urbano colo nial da cidad<:. Foi uma iniciativa de saneamento fís ico e social e ele "e mbelezamento" (termo corren te na época) da cidade- capital e principal e n tra- da in ternacional ao país. Conciliar a <:nad icação d as epidemias que varreram a cidade ao long-o d o século 19, afastar a populaÇão pobre de seto- res estratégicos para a <:xp<msão urbana e co n fe- rir <1 paisagetn uma <..:slélica arquitetônica d e pa- drão europeu carac te rizaram iniciativas para a n todclagcm de ttm llrasil condizente com o fig-u- rino de nma nação "c ivilizada". PRIMÓRDIOS DO PLAN~JAMENTO URBA~O O terc<'iro evento reprcscutativo n ão é es- pccificattt c tt t<..: uma, mas \'á rias intcrv<:nçõcs, concebidas com ideários comun s: aquelas desen- volvidas pelo engenheiro Francisco Saturnino Ro- drigues ck Brito (1864-1929), formado na Esco- la Politécn ica do Rio de .Jan eiro . Satu rn ino de Brito é considerado o fundador ela engenharia sa- nitária brasileira pelo conjunto dos projetos ( cer- ca de dttas clcL.enas em \'ários quadrantes do país) c pela contribuição tecnológica ad,·incla dessas propostas. Brito tah-ez se tornasse apenas mais unt itnpul"l<lltlt' tfcnico na árPa san it át~ia no Bra- sil nas primeir;ts d{·cadas do século 20 não rosse certa sensibilidade ( re forçada pela cren ça positi- vista) q ue o tornou um san itarista n::io só \'olt<tdo para as equaçôes ck r<:gimes hidráulicos ou para as últimas novidades em sistemas de abastecimen- to c cscoan1ento, 1nas também preocupado com o ambie nte da cidack com o um Lodo, p redorni- nantcmc ttt<..: f'ís ico, mas com interfaces sociai s. ü plano de san <:<un<:nto da cidade de Cam- pos, no Estado do Rio de Jan eiro, ele 1903, é uma re ferência para a engenharia sanitária: um exten- so diagnóstico abordan do d e forma in te-grada as questões tecno-sanitárias- abastecimen to de água, esgotos, águas p luviais - com a ocupação do solo - sistemas construtivos, habitaçõespop ulares, es- paços P cdil'ícios públicos, ori<:ntação e insolação, O Rmsif em 1/r/;unizoçiio • 2 7 circulação etc. A segu nda referência fundamenta l e laborada por Saturnino de Brito foi o plano de saneamento c <:xpansão de Santos, no Estado de São Paulo, desenvolvido entre 1905 e 1910 para o principal porto de exportação de caf{:. Nesse pro- .ieto, às a titudes inovadoras <tdotadas no plan o de Campos acresc<:utuu-s<: " dimensão cslética na re- sol ttçào dos problemas u rbanos: Satttntino de Brito reconh ecia em seus escritos a importância de um aporte urbanístico a p<trtir das id{·ias de Camillo Sitte (1843-1903) . Ao longo elos <U tos de l ~:llO, o engenheiro foi um atento monitor das discussões em curso na Europa sobre o Town Pla nning o u Urbanisme, disc iplina em institucio- nali;.ação na {;poca por m<:Ío de coug-r<:ssos iut~:::1~ nacionais, os quais freqiicnta\'a como ouvinte ott ;~prcsentando comunicações. Sem nunca se auto- qualificar Townplanner o u Urbaniste, Saturnino de Brilo ioi uw ideúlogo d a engenharia san itária que, a seu tempo, de forma pioneira introduziu e m seus planos o leque de d iretrizes metodológi- cas d o repertório téc nico da então nascen te dis- ciplina urbanística. Essas idéias, todavia, não fo- ra m in rorporad<ts sem u ma filt ragem crítica: sua atuação sempre Considerntt ttma a\'a li aç·ão dos pro('editucutos c das L(~cn icas codificados pela ex- periência européia e, nas proposições c cspcciti- caçõcs de seus projetos, percebe-se que há uma e laborac::ão de uma solução apropriada tendo em vista as condições e specíficas do meio em que atnm·a: as li mitações, as potencialidades e as pos- sibilidades locais configuravam projetos tecnoló- gicos específicos como respostas a realidades concre tas, brasileiras [S<:gawa 1987a, !JP· 66-70] . JARDINS-UTOPIAS URBANAS A potencialidade da expansão nrbana das cidades brasikiras j á chamava a atendío dos in- gleses na segu nda metade do <;é·culo 19, como jc'i visto, mas foi na década d<: 191 O qu<: o capil al cs- Lrangeiro inverteu recursos numa ousada inicia- tiva d<: im plantação ele bairros novos. A cidade de São Paulo, e m pleno crescimento econômico t- 2 2 • ArquítN11ms 110 l5rusíf L IIAIRRO Ol::lõl.ITE l'ropricdadc tle 1 Manoel Garcia da Silva !-lll·:,~ ID · D'lf!J "' [1 r r- ·tni·D~~n~ ~l~~-~~ft I~Q~If\q! " ,'" ,, / I / " / E) "".: '::;-'-'_ ( ~ _, ---- .... -· ,- -'- ~- Pwpa~a1ul;o de 1928 do Jardim Europa e m São Paulo, bairro que itnilava o ntoclc lo do conLíguo Jar- N• aae•-• alf.Jf.ad• ela. Pra4:a ••• .. aarelaa A.PDOTE•TE A. 'I'A.DDE DE HOJE Alem de C1tcr 11m paucio 'Srad».Yel r~J1~ ~~:tN~~~:~~;,c:~í "':l,ci:~~~~~~~,:J~I;~.., 11pr~c'iaa · o ç:r~nJ•· oll:t"lnl nh·iwento dirn An1érit:a, n--odi/a\·úo ela Cia. A iUttttth~ão Jmbli~ c~~O:,~~d:1 ~~.{}~!1l1':u:~,::.~,;~rl:::.~ .. .s.!Y4 fciw a iHJiti(ur~o PALACJET~.; •: Lt...-.:...~ Dlt "I'C.;ft.R~NU City, dcmonstraorlo o apelo do pa- '-': • l>f'riola~ÕK-,.. 'Uil\' 1 ~ r 1"''1'"''11:1• chlr.kla• lllf~ , Ao. dOtMin~o• "" lon:.l ,. m)" oh.l• ,., .. j. ua rlr:io gfl.rdt•JI rifit•.\. LOJA DO JAPAO e físico com a riqueza propiciada pela exporta- (ào do "~fé· , roi contemplada com uma operação espccubtiva que trouxe um padr~m urbanístico inédito na América do Sul. Em 1912 fói conslituí- <.la, em Londres, a Tbe City ofSan Paulo lmprove- me>nt~ élncl Frcchold Company, empresa organi- t.ada para lotear grandes áreas a1~1Sl<t<hts ao sul e a oeste da cidade - então em plena área rural - , com a finalidade de criar bairros de allo padrão para a crcsce nrt> burguesia cafccira. Para o p ro- jeto urbanís tico, foram contratados Ra)'lliOlld U nwin (1863- 1940) e P.~1rry P:wker (1867-HHl), ambos n•!;ponsáveis pela implantação das primei- ras cidades-jardins inglesas, segundo os prr>ct:itos <.k Ebenezer llowarcl ( lS:í0-1928). Parker desen- volveu dois projetos- o .Jardim Améri e<t e o Ciry Lapa - c a remodelação de um jardim público na <:tVenida P<'l ulista (Parque Trianon) entre 1017 c 1919, período em que se estabelt:ceu em São Pau- lo. Todavia, foi uma operação de long-o prazo: os bairros conheceram alguma ocupação a partir do fi nal da década de 1920, c a consolidação efe- tiva somente se proct:ssou bem mais tarde . Pela qualidade projt>tual t: a rigorosa legislação t:ntão e laborach1 para os loteamen tos, tanto o Jardim América quanto o City Lapa resistiram às trausfor- mações urbanas por mais de setenta anos e con- servam até ho je as qu<'llidades ambie ntais propos- - __ ,_ Hua S. Bento .. JO ~ (;AHCI.\ IH SUX\ & CIA. tas no idcário das cidades-jardins de Howard [Scgawa 1987a, pp. 71-77; Bm:c lli 1982J. As primeiras duas décadas do século 20 testemunharam. transformações nas cidadt:s bra- sileiras numa escala c num ritmo até então sem precedentes: alt~ts laxas ele cresci mento popu- lacional nas principais capitais pressionavam a demanda por habitação c serviços urbanos; a prosperidade proporcionada pelo café tral'.ia be- nefícios materia is e novos padrões de consumo para alguns segmentos da populayão, mas as es- lxulut·<t8 urb<tnas, t'm sua rn.ai.or\·,t h erd·'"\das ÜQ período colonial, não se coadunavam co m as ex- pectativas de uma sociedade que se urbanizava em passo acelerado, embora sustentada por uma economia agroexportaclora de valores arraigada- mente rurais. As cidades t ransformavam-se nas p la taformas rumo ao mundo moderno , isto é, em busca de um nível de vida à maneira das grandes metrópoles europ éias ou norte-america- nas. Alguns esforços convergiram para esse ideal. O pretexto da ciência, da técnica, da racionali- zação d os meios e rt:cursos para se alcançar esses oqjerivos foram argu mentos instaurados nesse in ício d e século. Embora em nenhum momento se identif-ique, no conjunto de iniciativas, algu- ma coerência de estratégia - um planejamento sobre uma enorme extensão territorial mergu- I ~ lhada na p!'"rifcria ela economia mundial-, há um vetor comum nas pontuais operações urba- nas processadas nesse período: a apropriação de um repertório ieleologizaelo ele intervenção nas estruturas urbanas - o urbanismo como discipli- na, tal como se coclificava na Europa- , instru- menw modernizad or por excelência, um a tenta- tiva de equiparação da cidade brasileira aos patamares europeus o u a prnn1ra ele uma tênue modernidade à brasileira. O ENTREGUERRAS E AS CIDADES No final dos anos de 19 1 O, o Brasil conti- nuava um país de economia funclamentalrnentc agrocxport <iclora, modelado na riqueza propor- cion ada pela vencia do café no me rcado imcrna- cional. A exlra<,:iio d a borrac ha, atividade que movimen tou o norte do país - na regiüo da bacia do rio Amazonas-, entre o fina l do século 19 e a primeira década do séc ulo 20. fracassou c!iantc da concorrência dos seringais ela Malásia c de Cinga- pur<~_ A dil'nsão elo gosto pelo chocolate eus<.:jou o nc:scimento do plantio do cacau na P.:-~h ia, uma elas culturas que se expandem a partir de en tão numa escala regioual ponde rável. A a tividade pecuarista, por seu turno, dc:sen volvia-se nos Es- Lados suliuos, sobretudo no Rio Granelc do Sul. No final elos anos ele 1920, oito produtos primá- rios respondiam por 90% do valo r tot<tl das expor- tações: café (co m cerca ele 70%), açú car, cacau , algodão, mate, tabaco, borracha, couro e peles [Abreu l986J. A estrutura da econ omia brasilc:i- ra, em 19 19, baseava-se 79% na agricullura e 21 % n a indústria. Nos anos d e 1920, a política econômica persi stia no privilégio da produção do café, com poucas alterações e m relação à prática anterior à Primeira Guerra. O domínio político-partidário da oligarquia cafeeira de: São Paulo assegurava a sustentação de sua cotação medianLe tllanobras que viabil izavam os preços internacionais do pro- duto. Na segunda metade dessa d écada, a cafe i-cultura sofreu forte expansão na produção , em O Hrasil em Urhtllt izaçàu • 2 3 alguma rnedida associada à política mo netária c à entrada de capitais estrangeiros (em forma de inves timen tos e ÜJJanciamento ele obras p úbli- cas, sobretudo d e origem inglesa) [Abreu 1986 J. !\hegemon ia política e as formas ele con- trole e manipulação do poder dos grupos ligados ú agroexportação não estavam isentas do descon- tentam en to de setores da sociedade , sobretudo os segme ntos de classe média urbana não repre- sentados pela oligarquia agrária. Ao lado de gre- ves operárias (marcantes a partir de 19 18, com o fim da Guerra), as mais si){nificativas manifes- tações contrárias ao quadro vigen te partiram dos quartéis, em movimentos liderados por elemen- tos da ala jovem da oficialidade militar- os te- nen tes. A partir de 1922, inúmeros levautes em quartl~is- yue ficaram conh ecidos co mo rcvo lt<1s "ten e nt·istas" ou , enquanto fe nômeno político , "teueutismo" - foram registrados em vári<~s cida- des rio Brasil , alguns extrapolando os li mites da caserna e assum indo contornos revolucio nários, como no Rio d e .J aneiro, no Rio Grande do Sul c em São Paulo. A oposição fazia con tatos com a o ficialidade inquicr.a , em nome d e uma "morali- zação d o regime", e se prepa rava o c<1min ho p ara a Revolução de 1930. O colapso elo mercado lltUIH-Iia l provoca- do pela quebra da Bolsa d e Nova York, em outu- bro de 1929, não deixou d e repercutir no Brasil, so hrewclo cliau tc da fragilidade ela polí tica de man u te nção dos preços elo café. O s altos esto- ques do produto aliados à ve rtiginosa queda ela sua cotação internac ional levaram a economia cafee ira à bancarrota. Em 1930, revolucionários do Rio Grande d o Sul d errubaram o presidente Washingw n Lu ís (1870-19S7) sem maior como- ção. Assumia o pode r Getúl io Vargas (1883-1954) . Segundo Singer [1985, p . 235], "o princi- pal mérito ela Revolução de 1930 foi ter g uinda- elo ao poder uma aliança heterogên ea ele corren- tes políticas e m il itares que , para se consolidar, não podiam se da r ao luxo de seguir a onocloxia liberal no campo econ ô mico, assistin do ele braços cruzados à hecatombe de atividades p rodutivas que a crise mundial estava acarretando ". Ainda segundo esse au tor, "a oligarquia agroexportado- .. i........l 2 4 • , 1 l"<jll i lei 11 r11s 110 1Jr11sil ra, economicamente arruinada, leve que ceder o papel de fração hcgcmúnica à coligação indus- trializame de tecnocratas, militares e empr('s<Írios, CJllC vC"io g-anhando poder c acumulando capital ao longo de lodo este período". No pcríodo I D:-20- 192~) , a agricult.ura sc clcscnvolveu com taxas mé-- dia~ <tttuais de /1,1 %, enquanto a indústria <T('SC('ll 2,8%. A inércia ctlU·c os anos I ~J2D e 1933 era o sintoma inH'diato da Crandc Lkptcssão. Entre 1933-10:-39, inverteram-se as posi(Ôes: a agricultu- ra virtualmente estagnou-se com taxas de 1 ,7%, e a indústria desen volveu-se a índ ice~ de 11,2% ao auo. Em 1939, a agricultura <li nda respondi<~ por 57% da csrrnmra da economia brasileira, mas a indústri<t já comparecia com ponderável parcela de 4~ 1/fJ [Dinii' 19lnj. A ~u pcração ela estrutura de privikgios do domínio agrário somente se l"aria ele fornta <· li- ciente mediante a substitui<;ão dos ins trumentos de controle c operarão do porl<'r. O sentid o de modC"rn ii'a(;io da chamada ''Era Vargas" ( 1930 1945) fundamentava-se na 1 ransformac;ão das es- trulUras de sustentação ela oligarquia cafccira numa adm ini stração centra]i;.ada c intcrn,nc io- nista, de d iscurso naciomd ista. r\s principais me- didas políticas e !"conômicas tornar-se-iam deci- sões orientadas por políticas nacion<1 is de Fstado, em detrimento das políticas regionalistas de in- tCl·esses !ocali1ados; crit{Tios 'jnrídicos" e "polí- ticos" eram suhsl il tiÍdos por t·;tzócs técnicas", "econômicas" e '\tdmiuistnttivas", vinculadas a rnecanismos de mercado [Fonseca 19H9l . Novas leis, códigos e dC"lC" rm ina(Õcs davam amparo ao processo de modernização. ;\ reformula(ão do aparelho estatal, com a criação de noYos ministé- rios (da Educação e Saúde, do Trabalho) c órgãos públicos operacionalizavam as mudanças, articu- lando os seto res p úblico c p rivad o. Constituía-se um mercado nacional integrado, defin iam-se ru- mos para o capitalismo industrial do país; ohser- \'a-se, no p lano econ ômico, ··o deslocamento do l·ixo da economia do pólo agroexportador para o pólo urbano-industrial c, no plano político, o es- vaziamento da infht€>ncia e elo poder dos interes- ses ligados à presen-ação da prepo nderância do setor externo no conjun1o ela economia" [Di.niz l9R3]. Esse ide:írio seria reafirmado de for ma au toritária com a implan tação do Estado :--Jovo, golpe cuntinuísla de Vargas e111 1037 (contrarian- do a CarLa de 1 !);)4, rp w previ<~ c lc içôcs presiden- cia is para esse ano) com a ou torga de uma cons- tituição CJll<' perd uro u até a CJ Ueda do d itad or, com o fim da Segunci.-t Cuerra. ORDENAR AS CIDADES No fi nal dos anos de 1920, a população do Brasil era ela o rde m de 37 milhôC"s de habitallles, com cerca de 70% ,·ivendo na úrca ntral. Em l 940, esse total a t i 11g ia pouco mais df:' IJ 1 m ilhtll's, com a mesma pro pon;ão ele brasile iros vive ndo no campo. Novas frentes de exp ansão agrícola pelo territóri o gerayam m ig rações in te r nas in- tensas, assim como, e m regiões de incremento econômico mais di nâ mico (sobretudo São Paulo c Rio d e Jan eiro), as tendências apo11tavam p a ra o d eslocuncn to ele pop ulações da área rural pan1 a ull.>aml - a confirmar a caracterizaçáo das cidades como locais de cstn tfllração elo poder e o rganização das atiYidades comerciais c fina ncei- ras, bem com o das inslituiçôcs burocráticas do Estado rPata r ra 19861 . O Rio dejatwiro co ntinum·a sendo o alvo prefe rid o para inter\'cnçôcs "ha ttss tmt n ianas", ua seq üência das gTandcs obras empreen d idas pelo prefeito Pere ira Passos a part ir ele 190<1. Em 1919, o ex-assistente ele Pereira Passos, o e nge- n hei ro Paulo d e Frontin ( 1860-1933), assulllia a p refeitura elo Distrito Federal e r~alizaya um a série ele obras vi:trias de porte . Dois a nos mais ta rde, o prefeito Carlos de Campos (1866-1927) detonava o d esmon te do morro do Caste lo , um dos pr im e iros sítios ocupados pelos portugueses no século 16 para a fun dação da cidade, e criava um "vazio" urbano onde seria provisoriamente montada a Exposição do Centenário da Indepen- dê ncia, C lll 1922 r ve r p róximo capí tu lol. Tratava- se efetivamente de nm "vazio", po rqua n to ne- nhuma dest inação p révia h avia sido plan ejada para a esplanada que surg-ira. O material do ar- U lJmsil e111 f !rhaniz(lç(Jo • 2 5 ..... :i .... C) .... ,;; ·l~·,,;~~;;;•,S>~; ~ ·--.. _ •, '',, ... L- 4. Projcto núo l'~t·( 11tado de arr11~111 e nro para a á rea rc:;ultante do d esalt' r rn rln morr o do Castelo c para án:a a tt' tTada rl t>srlc a Glória até a Ponta do Calabuurn. S<').;lllldo proposta de uma comissúu dc cngenlwiros c· arCJuitc tos nomeados pelo [li efeito d o Rio de Jancim, Carlos Sampaio, 1920 1922. 1·as:1mento do morro foi transferido para a co m- pactação de um aterro que, lllais tarde, abrigaria v Aeroporto Sa ntos Dumont. A capital elo país contiuua,·a a ditar a voga de intervenções urbanísticas. O irnpassc do de- senvolvimento c a ocupação urbana do Distrito Federal ensejariam a contratação, em 1927, do <~r quite to Donat Alfred Agache ( I H7!l--1959), profis- sional que vinha se notabilizando na França, des- de ;t década ele 1910, em assnntm url>anísticos. Agache desenvolveu um volumoso relatório com d iretrizes urba nísticas básicas publicado em 1930, que. com a Revolução, n~t o !'oi imedia tamente implementado. Em 1931 era criada uma Comis- são do Plano da Cidade parao reestudo do Plano Agache, permitindo sua aplicação parcial. Em 1937, com o Estado NoYO, uma no\'a comissão de- senvolveu um projeto que acolheu in úmeros sub- sídios do plauo de l 930 e foi o que orientou o desenvolvime nto do Rio de .Janeiro até por volta dos anos 1960 [Rezende 1982; Bruand 1981J. Alfred Agache dese nvolveu no Brasil , nes- se período, vários projetos c consultorias: ern ] 935 fc:z o desenho do Parqu e Farroupilha I ve r capítulo "Modemidade Pragrnútica 1922-194:-r'l, faria consultoria pa ra o cntüo prefeito de Belo TI ori7on te, J uscdiuu Kubitschek de O livei ra (1902-1976) no f"inal rlos anos El30 [ver capítulo "Modernidade Corrente 1929-1945"], um p lano diretor para a cidade de Curitiba (1913) e o de- senho de um bairro de cli rc e m São Paulo, em Interlagos (anos de 1940) . Participou de inúme- ros outros planos, com o os de Vitó ria, Campos, Cabo Frio, Araruama, Petrópolis, São João da Barra e Atafona l Silva 1996]. A cidade de São P<nlio, também ao tin a! dos auus ele 1920, apresentaria um plano corn preocupação basicamen te viária mas não isenta de e lementos referenciados nas questões urbanís- ticas mais amplas. O engenheiro-arquite to Fran- cisco Prestes Maia ( 1896-1 965) fo i o autor de um <tmbicioso "Plano de Aven idas" publicado num relatório em 1930 - tão suntu oso qu anto o de Agache. A Re,·oluçào de 30 também. interferiria na adoção do plano; todavia, em 1 9~7, com o Estado Novo, Prestes Maia era conduzido à pre- 26 • Arquiteturas no nmsil I< ,».. :;t' ..f ... ·~-~ '·. -~·t·:~:'' .. ·-' f". ~é "' ~}; 'I. t:o ,, -~:)..:. ..; "'~,~l ... t ?.":"" ···""'"" t : •• ;t ,;~ ... , ""' .. ,:~.:E.-';1 ·i~ .. :: ·~ ... ; . -~ ';' I -~ - .;: ~ - .,J_, : - ... '! r~~ ..,. --~ ''"····.'.\< ' --·1-~ !.$; , ~l :;.l; ~\ \~ z~ •"-" ... '-~:, !! &) "' ...... ~\l' •' ,. ~ . . ' :t; ·~ !; .'\ . Proposta elo l'l a no de i\venicbs, de 19:10, cl.- l'restt's Maia , para p raça c i rcul:tr na imerccssào das ;~ v.-nidas do EsLado e da Jnclcpcnch~ncia: monurncntal id adc vi;i t ia num entorno campeslr<>. fc imra de São Puulo c em sua primt>ira g-csl<'io at<:: 194!i, e posleriorrnenre entre 1961 c 196Pí (q uan- do foi c lei Lo prefeito da r iclade) , ele im plan I o u pa rci almente se u projeto, incompleLO em sua execução pe la falla de recursos. As diretrizes bá- sicas do plauo foram seguidas até 1969 pelo seu sucessot· [Toledo 1996] . Os planos para o Rio d e jane iro e São Pau- lo ensejaram uma seqüência de p ropostas para várias cidades brasileiras, em maior ou menor me- d ida inspirados nessas experiências. No início elos anos dt" 1930, Nesto r Fig-tteiredo c Fern ando Al- meida clesenvolveram pl:mos de remode laçiio e extensão para diversas capitais do Nordeste: For- taleza , João Pessoa, Recife e para a cidade ele Cabede lo. Recife ainda seria estudado e m 1934 por AtLilio Correia Lima ( 190 l-1943) e em 1942 por Ulhôa Ci n lra (1BH7-1944). O mesmo Correia Lima elahorflria uma tese no Instituto de Urbanis- mo da Universidade ele Paris sobre um plano d e remodda<:ão e extensão de Nite rói em 1932 e, no auo seguinte, faria o desenho ela nova capital do Fsl<tdo de Goiás, (;oiânia fver tarnb(:m capítulo "Modernidade Prag máti ca 192:2-1943"]; em 1941, elabora I';.Jmbém o plano para a cidade de Volta Redonda I Lopes 19941. Na primeira me tade dos anos de 1930, os engenh eiros U batuba de Faria e Edvaldo Pereira Paiva p reparariam um plano pant Porto Al egre sob a inspiração elo plano Agach e para o Rio de J an e iro. Com a nomeação do pre- fe ito J osé Loureiro da Silva (l9m~-1964) com o Estado Novo, o arquiteto elo Rio de Janeiro Arnal- do Gladoscl! era contratad o para o descnvoh·i- men to d e um IJ lano di reror para a cidade; nos anos de 1940, Edvaldv Paiv<1 iria desenvolver es tu- dos nrbanísticos par·a a capital com o título "Ex- pedien te Urbano". Salvador também teve organ i- zada, entre 19~4 e 1 9~7, a Comissão do Plano da Cidade, desativada pelo li.~tac\o Novo. Somente em 1942 seria o rganizado o Escri tório elo Plano de Urbanismo ela Cidade ele Salvador (EPUC:S) , d i- rigido p e lo e ngenheiro Mário Leal Ferreira. O sub stra to conceitual d esses inúmeros esforços e ra refe renciado em teorias e expcri- ências urbanísticas européias c norte-america- na::;; enqu::1n to propostas concretas, boa parte se limit ava a esquemas de circulação com novos sistemas viários sobrepostos aos tecidos urbanos antigos, quando não se tratava ele áreas eu1 ex- pansão o u cidades novas. A 111aiori::J dt>sscs pro- jetos foram rejeitados pelas câmaras muni('ipais ou adot::Jclos c.m condições excepcionais, isto é, com prefeitos nomeados pelo Estado Novo, que uão se suhorrl.inavam ao respaldo do poder legis- lativo para suas in tervcn ções urbanas. Mesmo nessas sitml<:Ôcs ele exceção, esses prefeitos não conseguiram implementar os planos na sua tota- lidadf' , pela amp litude e complexidade das pro- postas a ex igir recursos que demandariam o in- vestimento de inúmeras gcraçôes de cidadãos. O plauejanu.:nLo das c idades, a funciona- lizaçào dos espaços, a organiwr,·ão de uma hierar- quia viária eficiente e a definição de políticas de construção mediante códigos t>clificatórios vinnl- lados a padrócs urbanos foram aspectos que, a parti r de 1930, caracterizaram uma faceta da mo- derniza~· ;lo dos grandes centros urbanos do país. Quando concretizados, <.:onstituíram verdackiras O /Jmsil e111 Urban izaçâo • 2 7 cirurgias urbanas que tentaram \'arrer as referên- cias da cidade colonial ou imperial, substituindo- se a paisagem "at1·asada " do casario antigo por largas e arc::jadas ;wrn idas ou bulevares e constru- ções vistosas ele <1rquitc tura modern il'.<mtc ou rno- rlerna. Todavia, entre a utopia transformaclo•·a e a realidade conscr\'adora, estabeleceu-se um impas- se que acabou gerando nf'nhnma imagem integral de modernidade. ;'\!em se pode afirmar, categori- camente, que os significados dessa modernização estivessem conscientemente assimilados pelos ci- dadãos ou govcrnan tes. Ademais, cst rat{:gias des- sa narnrcza c·ontcmplando ol-~jctos tão complexos como as cidades dificilme nte são exeqüíveis em prazos condicionados às veleidades ele autoricl:Kks ou autoritarismos. No e ntanto, o conjunto de ten- tativ;ls d(' plant:jameiJto u•lxnw no Brasil que se registrou no período rl.o enrregucrras inclicia, com rnaior ou tne uor sucesso, que o Brasil procurava ingresso ent re <'~S naçócs dcscm·olvidas buscando e ncontrar formas racionalizaci::Js ele uso c manipu- lação elo espaço das cidades, segundo regras de uma das disciplinas instauracl o ras da modernida- de do século 20: o urbanismo. 2 DO ANTICOLONIAL AO NEOCOLONIAL: A BUSCA DE ALGUMA MODERNIDADE 1880-1926 O estilo modr.mo aceita lodos os estilos, cai l''ln todos OJ PXrP.uos, t' '//(LO formando idéia das IU'rt>ssida dr.s tâo várias da gera rlio f.m•scnte, finde-se na jiP.stpú.w rir• 11ovas f ormas n r.rim; de nova exjJTfSSÚo a ado/(l,r; o seu caráter rssr•náal é a ri'úvida I' a incerteza. ANDRÉ {_;( ISTAVO PAU L O DE FRO:-.lTIN, proposições sobre "es tilos em a rCJUilct tu·a", tese apresentada em concurso C'm Engenharia Civil para a Escola Poli técnica do Rio d e Jancil·o, 1880. Ufanismo é uma palavra derivada do ver- bo uümar. Esc larece o di cio nário que o Lermo de no ta a "atitude, posição ou sentime nto dos que, influen ciados pelo potencial das riquezas brasileiras, pelas belezas naturais do país etc., dele se vangl oriam, desmedidamente" [Ferreira 1975, p. 1.436]. Trata-se de uma a lusão ao livro de Affon so Celso (1860-1938) , Por quf' me Ufano do uu•n Pais, e di Lado em 1900, precisarnen Le no calor das celebrações elo quarto centenário elo descobrimento do Brasil. No fin al do século 19, o Brasil não se ufa- nava de sua arquitetu ra . F.d enegria se us antece- dentes: "Herdamos dos a ntigos portugu eses a parte má d o gosto arquitetônico; e, por muito tempo, nos conservamos estacio nários. Recente- mente as construções vão se ndo mais elegantes e adequadas às condições de nosso clima, porém ainda com excesso inútil ele materiais". Era essa a opinião do engenheiro C. R. Cabaglia [1869, p. 103J em 1866. O ensino d e arqui tetura no Brasil é an te- r io r ao estabe lecimento dos cursos jurídicos, mas nem por isso os arquite tos angariaram prestígio equivalente ao dos bacharéis. Data de 1816 a vin- da de urn grupo de artistas fi·anceses para a cor- Le do Rio de Jane iro, ainda sob a regência d o en- tão p ríncipe D . .Joào (1767-1826 -futuro D.João Vl , rei d e Portugal), para introduzir no país um con hecimenLO artístico d e gosto neo clássico. ..... _ .3 O • Arquil!!lllrCIS 110 Brasil Mas i· somL·ntc em 1827 que com~ça a runcionar regularmente a Academia ele Relas-Ancs, incluin- do em seu currículo a arquitemra, curso o rg;.u ti..:<t- clo por Augustc Hcnri Victor (~randjean ele Mon- Ligny ( 177b-1 R 50), arcp ti Lelo francf>s d e algum prestígio em seu país de origem, autor de nm á l- bum de levantamentos arquilctúuicos, Arr!tileclure i nscanc, ou jwlai.1, uwi.wns, e/ autrfis édijlas rll' la 'f 'osumc, J.>tthli cado elHr(' 180ti e l Hli). CARÊNCIA DE ARQUITETURA As ;w;-t liações sobre o cnsiuo da arqui rctu- r<t no úl t imo quartel do século 19 u ão eram nada prom issoras. Luiz Schrciner ( 1838-1892), enge- nhe iro c arqnitc:to fo rmado na Real Academia de Rf'hs-Artes de Berlim e ativo no Rio de Janei- ro, foi unt crítico radical da situação no país. Em Hl83 man ifes tava-se: Se nã o pod emos nc:gar, que a nossa Escol;~ Politécni- c;t jií tctn formado engenheiros q ue p odt"tll r i,·;tli7ar co n1 os tlll'ilwres d o Vc llto iVIundo , i: tamb.:m indiscutí- vt'l que a a1 qnitetura ainda(; pouco rulti v:~rla c-ntrf" n<'>s, :l.Ch:lnclo-sc: a art ... d e co nstrui r ainda hoje mcri<l:l na ca- misa de força c hamada "rotina", c melo isso pe lo t:tto de sr c nt f' nd !" r que utn arquiteto pod e form::H-st> n:~ Aca d ... ,nia das B<·hts Ar l('s I ... 1 A inda hoje os a lunDs copiam os mesmos d esenhos do fundador da aub ele a rquit!" ttt- ra (está entendido qu <> ralo d a parte cons truti\'a , c não csrhica destas rópi:ts) n qual, no fínt do s(<.:ulo passado c no prin cípio do nosso . d isting u iu-se po r ter p u blica d o uma obra sobre arqu itetura toscana L ... j . 6. Casa d~.: Detenção elo Reci fe, projt· tada e construída pelo engen hei ro .José Mameclt· Alves Ferrei ra ( lf\20- 1862) a pa r- ti l· de 18!'>0. ü e ngen hcit·o Perei ra Sim<ics c o a rquiteto Ilcrc ul a n o Ra11t os comen taram em 1882 : "a nossa Casa de Detcn- çiio , estudada em face da teoria da arquitc1 11 ra , é- um dos p oucos edifícios onde existe h armonia mais o u men<" pe rfei ta e ntre.: a fo r ma adotada"' a necessidade que ocasionou a construção. H ii ali. tH:sse ponto rk vista c em relação ao conjunto de elementos, o caráter acertado das obras raciona lm ente fe it as. [ . .. j Cad a ç lc me nto t<.:tn ass im nma signifi cação peran te.: a arte; cada lin ha pode despertar um 'cntime uto rapaz de concor re r p ara o fim a qnc se destina a dispo~içiio ger a l" [Scgawa l \J87al . i\ arquitetura entre nós não de u um pas'o ;1\antc desde o princípio deste sécu lo, c·rnhnra l'sta t-poca mar- casse uma revnln(";)o coloss;~l I Se h reine 1884, p. 7·1. A situação cios arquitetos uo Brasil à épo- ca sofr ia também de constrangimen tos suscitados pelo próprio poder público. Um aviso d o tninis- tro do lmpf-rio, An tonio Ferreira Viauw.t (1834- 1005), solicitava em 1 HH9 a contrara<;ão d e u m arquiteto na Europa. Na j ttstificativa rla solicila- çào, argumentava-se cptc A ,.. J,..vação cln nosso n ÍH'I int<"kctual torna çada dia menos su ponáH·I a !'alta de gr·a(a t> t>st ilo em nossas construções. ainda as destinadas a , ,.,·viços pÍihlicos d:~ lllaior imponãnci:1. como se a beleza não fosse cond i ç;io essencial ou d ela sç pudesse presc indi r a troco d;1 so lidez, ne m sempre conseguida. r ... 1 F. f' l't>Ciso que à primitiva ane d e constru ir se jnmc·m a concep<;<io e a diglliclacte da arquite tura. cujos exen1 pla rcs são t:'io ril- ros en t re nós, t' , o que é m<'li s inquietante . em gera l vi- t'l'<l lii do pe ríodo colo nial !Vianna IH!JU, pp. 12 1- 122j. O ESTADO DA ARQUITETURA MODFRNA Esse tipo de ceticismo era também com- partilhado pelo engenheiro civil Bern<Jrdo Ribei- ro rle Freitas (formado na Escola Puliti::c nica em 1881) , par<J qncm, em 1888, o ensino arquitetô- n ico no Brasil e ra "quase desconhecido". É Rihei- ro d e Freitas que publica, nesse ano, nma aval ia- ção do quadro ela arquitcwra naquel e final de sécu lo. Num anigo intitulado "A Arquitetura Mo- d e rna", o engenheiro tecia considerações sobre as grandes Lransrurmações tecnológicas e sociais processad as ao longo do século que t'erminava, assinalando a perplexidade de sua é poca: O sécu lo 19. instigado pt'la~ g randes conquist:Js rias ciências e das indústri as, fone pelo fl: rro que tornou-se a sua matéria-prima por excelf>ucia, revoltou-se con tra o P"ssado c de ous;Idi<~ em ousadia apresentou for mas in - 1c-iramentc novas que acharam sua raôo ck st>r nas leis ela estatística , mas que se afastaram da estética até ago- ra conhecida. Esta mos em pleno domínio da rt>voluçào. Como se mptT acon tece nas rt>voltas, os acaclf>lll icos, os que g ua rdavam corno sagrad os os princípios da ar- no Antirolo11ial oo Nroroloniol • 3 l quitt>tttra [ ... ] protestam contra as exigf·ucias cl<t indús- tria e cteclararam n:bcldes e fora ro>npletamente ela (O- Ill tlllhào da arte as novas manifesta<,:ôcs elas H<·cessiu<Ides h umanas c: elas idéias elo nosso s(•cttlo. Oaí dois cam pos lwm d istintos na arte das constru- ~·<->('S: os rc·vo i LOso~. w, progressistas, ele 11111 lado: do o u- tro, os fié is. os respeitadores da a n c a nrig;.t. Não ohsratllc a coustatação do dualismo, Ribeiro de Ft-eitas supunha concmnirantcmente uma unicidade da arquitetura de seu tempo: "nos diversos povos o caráter arC] nirctflnico é um ; é a expressão da civili:t.ação da era presente. F, certo que ainda h á poYos separarlos da comunh ão ge- ra.l; mas nos países \'errladeiramentc civilizados, conforme as n ossas idéias há uma só civilização, costumes e idéias con cordes, e daí um<l arq uite- tura , a arqui telll ra moderna". Tomando ClllJXestad as as análises de César Daly ( 181 1-1 R91), Ribeiro de Freitas via a arq ui- tetura dividindo-se em três correntes: o "grupo histórico" ("fiel da csli:tica ma is conhecida, acei- ta somente as arqui teLUr<Js Cllle caracterizam as duas civilizaçôcs mais notáveis: a greco-romana c a da Idade Média"), o "grupo er.l {: tico" ("reserva- se o dire ito ele escolher em todos os estilos, em r orlas as manifestações da construção o que mais perfeito julgar para o fim que se t iYer em vista") c o "grupo racionalista" ("é uma reação elo pre- scnre contra o passado [ ... ] lançando mão dos novos malcr·iais l---J esse grupo adotou a libercla- ck da t<>rrna, sem obrigação d e atender às leis da estética legadas pdo passado"). Nega ndo a existên cia de um "corpo de doutrina" aos grupos "eclético" e "racionalista", as pa lavras do engen hei ro brasilei ro bem espe- lham o dilema da modernidade arquitetônica no crepúscu lo do sfculo 19: () a r LisLa moderno, o an1uitt>to moderno lnta com gr<tncle~ d ific uldades, se se fil ia à e~co l a ,·acional ista , tendo por único guia a mecâni ca ap licada , tem(~ cair e m formas secas, fr ias, esque letos, ó rg::io:; de máquinas antes do que elementos arqui tetôu ico~ ; se aceita a es- cola eclética, sen1 outro cr itéi-io para escolher· as suas normas a não ser o se u p róprio _juízo ca i no cetic ismo <trtístico,no :.~handono e d esprezo de todos os pr incí- pios admitidos. 32 • Arquitetums no nmsil lkssf' estado da arquitetura moderna 11 <1SI'\' o i nd i- vid ualislno ('111 qnestüo da arte; cada um é: seu préJprio _juiz c não actmi1e dog111a ~ c· 1weceitos estéticos. Há a per- feita dt'sor){ani ·tação das verdadeiras escolas. A crítica artística desapareceu , pois qnc nào há leis esté- ti cas; mio hú cúdigo, logo u<lo h{t,iuiz [Freitas lfltll:l, pp. 1!1!1- 1~11 . MODF.RNIDADE E IDENTIDADE CULTURAL A hesitação pelos caminhos que a arquitc- Lura deveria trilhar- debate e m curso sobretu- do na Europa - collhcceu no Brasi l um a outra variável: a da nacionalidade. Em meio a uma vida culrural r mundana orientada pelos padrôcs fr;:Jnct>ses (daí o recorrente uso da cxprcss:'io " hc- lle êpoLJLI<.:" para esse período na hi storiografia brasileira), rssa preocupação se esboçou co m maior i11 Lcnsidadc nos meios literários. O ltfanis- rno de Affonso Cf'lso i n;m?;u rava o palriolismo oficial ; escritores com o Euclides da Cunha ( 1866- 1909) e Lima Barreto (1881-1922) teciam abor- dagens distintas d::~quclas prt'scrilas na literaLUra <lo Velho Mundo. Não há regi stros escr itos de rlf'ha tes dessa natureza no âmbito da arcptitt>l u- ra na J.nimcira década do século ~0. Todavia, a questão era la lell lc, c, ao menos isoladamente, arquitelos manifestavam-se a rf'spPito na esteira da discussão mais ampla. É o que se ct r preencle ele um memorial explicativo df' um projeto ele palá<.:io municipal para Belém, cidade que se beneficiava., nesse momento, ela riqueta proporcionada pela cxpor- ra(i'io da borracha. Seu autor, o engcn h f' i t-o ar- qu iteto Filinto Santoro, era itali ano com estudos em Nápo les, tendo chegado ao Rio de .Janeiro em 1890. Sahc-sc CjtH' foi um profissional que es- teve aLivo e m várias cidades b t·asileiras (Rio de Jane iro, Vilória, M::~naus, Belém c Salvador), fi- gura de prestíg-io com obras públicas de impor- tâ ncia [Derenji 1988] . Ao elaborar sua memória técn ica sobre o j amais cxccULaclo palác io, em 1908, Santoro reg-istrava a situação presente ela arquitetura: O s~cn l o atual , possante e inov<tdor nas c ii'· ncias, n8s teu·as c nas demais arLcs. nfw conseguiu ainda ter 11111a 110\'a ;n qnitctura. i\ maior parte dos granrlio~os t'ciilícios \'O II SI ruído~. lo nge de tc1· uma fi sionomia prú- pria, como nos sé-culos passados, ou são cópias de anti- gos m o n umentos ou compo, i(i>Ps bhoriosas de e lc- llll'ntos llt'lt'rogêneos amalgamados com maior nu menor habilidade. Certo é que o espírito ntodl·rno toge ;ls velhas form as; c os arcpr irt'tos, nwsn1o os mais genia iS, CSforçalll-S(' para dotar a ll OSSa t:]JOCa el e lllll non1 estilo arquitetura! CJlH' mdhor respu1uLt ús aspira- ções hod iernas e ao bom gosLo, acocdando-o com o desenvolvimento grandioso prog r rss ivo dt' ioclas as ar- les apl icadas. Na nossa pcrcgrinaç~o aos vel hos e cultos países da Europ<~ ficamos convencidos de que pouco~ são aqtlt' lt's que m;unêm na arquitetura os expressivos elementos cl;1ssicos c quase achamos os artistas de hoje identificados, concordes ua p t'sq ui sa de um novo ideal estéLico. mostr::~ndo até em algu mas consLruções, ap\'- sar das iucvi tá,·c is inccrl e~:as e exagems, uw complexo hannôuico dr.: linhas, 11111 conj11n1o till, rif' inf'undú a es· perau ~·a d e n;io estar long e o ad\·t'nto da d t'st·jada ar- quitL:tura do século 20. E posicion;.~va-se quanto ao eslilo adequa- do ao Bras i I: N u1 11 país novo, que seuiP a cada h or<J ;1 i11rlui'ucia \·ariáve l da~ idéias d<' além-n 1ar, a imposição ele um e~ tilo único seria i111proccdeute [ ... j Todo c qualqu.-r estilo, consoante a sua oportunida- de. pode e deve ser adap i<Jrio ao nosso clima e ao nosso meio, dc~de que sejam iiTepreensiw·l mentc obsen·ada~ as modernas p rcscrit;Ões higiênicas. I\' o Vl'lho M uudo todas as l'orm<~s a rquitc wrais t>rocnlcram de estilos an- tc1·iores aos qua i, fo i sc111pre ass imilado um elemento e.~tranho, dependente d o progresso e da transCormaçüo d as v;í ri<Js civilizações, da aquisição d e um·os conhl'ci- mentos, d<J inrJ u ê nc ia de novas idéias c sen1ime11los (' 1ambéno da introdJl(iio de novos materiai s. Deixt"-S<', pois, ao cngeuheiro, num país como o nosso, <t escolha d o eslilo que melhor corresponda ao seu gosto, às suas idéias e aos l'ins a que se destina o edifíc io. Esta liberdade de agir, porém, niio o d ispensa d e se preocupar in ccssa n tem <' llll> com os ele uieuLOs cuja influência t;m to ~e afirma sobre as construções: o clima, as tendências do viver coletivo, o progresso d os materiais ele que, porventura, disponha [Santoro 1900, pp. 111 - t 1\1]. Não obstante o oLim ismo e o tom progres- sista do discurso, o Palácio Municipal de Santoro era um pr~jeto de arquitetura convencional. ESTETICA DA RACIONALIDADE Os mais surpn:<:ndcntcs escritos irnprt>g na- dos de uma precoce modernidacl<: foralll feitos a respei to ela ohra rlo arquiteto Victor Dubugras ( I R6R- l 933), francf:s co m for mação profissional em Rucnos Aires c radicado no Brasil a partir ele 1890. Dub ugras, t-m st> us primeiros projetOs co- m o fun c ionário público para o Est::ldo rle s:w Paulo, dese nho\! fúruns c escolas ncogúlicos. Na virada elo séc ulo. o arquitt:to er<l um projetista p<:dcitamente sintonizado com a expcrirncnra- ção Art Nouvcau, praticando obras residenciais com ::l mesma desenvo ltura modernista de Bru- xelas, nan-elona O ll Paris. Em 1905, o arquile to havia org<mizado uma exposição de se us projetos e obras e foi saudado pela R evista Pul)'lechníra, periódico crlitado p elo grêm io cs1udan Lil tla Escola Politécnica d e São no A nlimlonial rto Nt>orolonial • 3 3 Paulo, pe la "coragem do arq\litcto c nt expor lra- balhos que fogem compkt<mt <:ntc às formas ha- nais, manifestando uma tendência hem acentua- da para u rn novo método de construção, ainda pouco c.studcld o" (n:feria-se ao concreto armado). Poucos 1neses depois, a r<:vísla publicou uma aprt>- c:ia~:ão do csLUdan te Augusto de Toledo sobrt- a obra elo seu professor, Dubugras, m anifestando 11 rn a inédita postura estético-construtiva: Eut toda coustr ução o Sr. Dubu~ras deu inte ira p rl:'- fer~ucia às form<:~s ele est rutura real. As d i sros i ~·iH'' const.rut i\';lS c· a natureza dos m at l:'riais s~to rrancamen- tc acusadas. lealmen te poslas em evidê ncia : o que pare- ce parte ~upunad;1 funciona verdadeirame n te como L~ I; o g ran ito i:: g-r:-tni to 1nesmo; os rc\'cstimentos dt· <trg;t- m assa não iluden1; e wda pcp d e madcirajú eslú colll ~ua co•· própria , tendo apenas uma C;lm<td a protetora de ve rniz transparente . Aplau dimos convictos esta maneira de construir tão honesta c racional. O arquücw te m de cingi r-se ao> re- cursos de que dispõe, e à~ formas impostas pe la 1-'stahi- ----------- -------- ~ ------ --------- ·--------------.--:.-·::---_-- - -'":- · - --:- - U Oue!.lJ6F\tt;,. fi"' c. 4 7_ Vinor Duhugras: estação fcr .-oviúria e m Ma irinquc, SP, 1905- 1908. 31 • Arquiteturas 110 Brasil lidade c resistênc ia dos mate riais. Lade:>ar dificuldades ou siullllar riquezas cn 111 fingim e ntos c a n ifícios t:, a nosso vt'r, cai r em uma ane vic iada c mcntiros;l. Nada mais ri d ículo d o que, por cxcrnplo. os 11 1<Í rmores d e es- mquc c os trontõcs impropo~iamcntc t>st;1tchodos no nll·- po das rachadas. O distiu to professor pt>s de maq; t'm todo velho ;u·- scnal de cornijas, consolos, ba laústres decorat ivos , a o·- lf llil ravcs etc . l~o caros aos rotineiros , aos que L1zcm arquircwra com as fcu·malísticas e inllllúvcis rece itas de Vinhola. c c nvt>rednu corajosamo• ot tc pe la a n e llwdcr- ua c p t>los modernos processos de const r u~ ão I Tolcclo 1901í, p. 771. T rb au os d epois a mesma RPvisla Poly lechn icn publicou um elogio à então recém-inau- guradaestarão ferrov iária na cidade de Mairin- que, no Estado de São Paulo, proj e to de Dubu- gras. O edifício é praticamen te uma e sLrn tura monol íLica de concreto armado, estrutura com trilho~ (fundações, pil ares c vig-as) e metal ex- pandido, o ·metal déjJLoyé (pared es, lajes, abóba- das), alérn d e empregar coberturas a tiran tadas sobre <'ls pla taform as . Num artigo assinado por P. J. (hipoleticamente Hyppoli to Pujol.Júni or, li-l!-10-1 952 , engenheiro civi l recém-formado) , ressaltava-se o pioneirismo da o bra: A bela composição do Sr. Dubugras tem [ ... ] [o] grande mé rito [ ... j de co nve ncer d :~ possibilidade d e fazer be la uma obra de r imerno armarlo os de~crentes da estt'- r ica do novo sisrema de COilsl noção, os que acre- d itam que o ún ico me io de tornar atraente uma o bra t>xecu tada com essl:! tmncrial é esconder a n atural r igi- d(~z geom(•trica d:~s formas que decorrem da consr ru- (ào m esma, fazendo-a dcsaparPcer sob suct>ssivas ~.:ama das de em boço e r<"' boco ( .. . ] A simplicidade do mé todo es1élico a qne rcçorre o arq11itP to mo composição da sua linda garr, a f~1c i lid;~de c nal.llralidadc ela ordenança el a s sua~ fac hadas, n ã o são, ento-etanto, seniiu aparentes ... uào excluem , pelo menos para quem não possuir as superiores qua lidades de artista elo d istintO m estre, um penoso ll·aballoo de ra- ciocíuio e uma ponderação muito j usta do noYo m éw- do de const r uç~o , de que d.-ve decorre r n t-cessaria- me nte todo o efei to arquitetu ra! , quer d o conjunto, CJU<"' r da dccora(i.o ckmcntar da obra. I:: para mostra r q ue não é f~1cil chegar a uma composiç;'io tàu rac:ion;~ l , tão elegante e a pare n temente' tão esponr:inea e f<ícil, para acentuar todo o merecimen to desta be la constru- ção, basta le m brar o clt>p lo ráve l aspecto das cdilicações e m cimento armado que se alastram pelos Estados Uni- dos c pela Ir;\ lia, pela lugla terra e pela Françil , reconlan- do parti cu l<~ rmt>nte as casas e m n·1ncnto scmi-annato de Alzano d i Sopra c a memorável casa d o cngt>nheinJ lle n nc biq ue, em Paris- e m que, o ra s1· descur::t inll·i- ramento:: du efe ito arqu it t>lônico. tratando ape nas chl pa rte CO IISI.nltiva e u tili1ária, ora, como no caso da Villa Hcnn t>biq11e, se sacrifica todo o c fei lo decorativo, afo- g-ando a construção de c imento arm:-tdo e on uma imi t:-t- ção ridíc ula c comp!icad;~ de ah·cnari;~ de pedra [ ... ]. É que é cfetivanwnl c difícil e~cap;n ú insensível IT- pc li<Jw elas velhas uorm:~s ci... composição, adaptar-se a u m mate-ria l intciramenle novo, se-guindo uuicanwntc as indicações do bom senso, procurar uma composição ge ral <" um;o decoração inspiradas na própria constrll- r;io, chegando, e nfim , a uma obra o r iginal , intel igente c bela [ ... ] E essa é precisamente a dificuldade que su- pe ra mag-istralmente o iusigne <~rquileto . que nos dá com a Estação Mairinque u m brilhan le exemplo a se:>- gn ir, no camin ho ela reabil itação esl é tica d o cimc11 to arm<~rlo, túu cedo t> tão í t ~j usta mt"n LI:! conden:~do u .llllO coisa fund;tllwn talmente dt>sgraciosa c fe ia [ .. . ] [P. J. 1\HJX, pp. 189-190]. Na primeira década elo século 20, a Esco- la Poli técn ica de São Paulo ainda comple tava seu prime iro decênio de.: funcionamc.:nto, c a tarefa de buscar e organizar o con hccimcnto ciell tífico era urna prioridade. Em 1899, criava-se o Gal>i- uetc d e Resistência d e Materiais, constiLuinclo um laboratório d e ponta em tecnologia da cons- trução. Cottb<.: a Hyppoli to Pujol júnior, quando estudante, diri)!;ir a elaboração do Manual de R e- sistência dos Materiais, publicado e m 1905 pelo Grêmio Poli técnico; assim como, d ois a uos de- po is, j á como professor da Politécni ca, realizar urna viagem por laboratórios de ensaios de m a- teriais na Europa [ Pujul Júnior 1907]. Man uais pione iros de concreto armado corno os d e Gé- rard Lwergne (1901), Cesarc Pesenti ( 190fi) ou catálogos da Fxpanded M etal (1905) d e Londres ou da /VlPtal déployé de Par is eram publicaçôes acessíveis en tre os en genh eiros em Si\o Pa ulo . Victor Dubug ras beneficiou-se d e um contexto fe bril ele capacitação tecnológica na escola em que e ra p rofessor, e não foi grat11iLa a admiração de seus al unos <]llando o mestre respondeu ao entusiasmo tecnológico corrente corr.t uma apli- cação judiciosa do novo mater ia l numa obra ar- quitetonicamente elaborada. Não há registros, todavia, ele novas expe- riências dessa natureza, ou ao menos com reper- cu ssão equivalente . Dubugras aparentemente prosseguiu sua carreira sem repetir o radicalismo coustrutivo experim entado n a estação Mai rin- que, mas continuo u como um arqu ite to aten to <lO <~mbicn tc inrcrnacional c local. Recém-ch ega- d o ao Bntsil, co111 po11co nta is d e vin te a nos d e idad e, abraçava a linguage m neogótica; com pou co mais de trin ta an os, pra ticava o Arl Nou- vcau sim u ltaneame n te aos seus colegas e uro- pc lls; p rúx i111o dos q11arc nt a anos, na p ri111 cira década do sécu lo 20, dese nvo lveu experiê ncias f!llC o filiariam ao "gr 11po racionalista", detecta- da por Ribeiro de Freitas, em 188R, a partir ele categorias elaboradas por César Daly. Aproxi- mando-se <lOS rinqt-tcnra anos ck idade, VicLO r Dub ugras embarcou numa nova experimcnta~·ão rorrnal , inclllindo-se entre os pionei ros q ue, na metade da década de I!) I O, adotariam a arquiLe- tura inspirada na arte t racl irion a I hrasi le ira: o n eocolonial. O FUTURO NO PASSADO O ano de 1914 pode ser considerado como a d ata inaugural de um movimento que incorporou um componente inédito no debate sobn· a modet·nização da arquitetura no Brasil. Nesse ano, Ricardo Severo ( 1869- 1940) profe- ri u n a Sociedade de Cultura Arlís Lica um a con- ferên cia, "A Arte Trad icional no Brasil", p reco- nizan do a valorização d a .arte tradicional co mo man ifestação de nacionalidad e e corn o elemen- to de constitui~·áo de uma ar te b ras ile ira . Dis- corrcnelo sobre ;.~s o rigens portuguesas da cul tu- ra brasileira, Severo defendia o estudo da arte colon ia! como orientação para "perfeita crista- lização da nac ionalidade". Se\·ero não defendia uma postura propriamente conser vadora. For- mado engenheiro civil e de minas na Academia Politécnica do Porto, em 1891 exilou-se no Bra- sil devido ao seu e nvolvimento com o movime n- to republicano português, preconizador ela im- l!n A nlirnlrrnilll 110 Nr>nro/oniol • .') 5 plan taçiio da democracia ern Portugal- afinal be m-suced ida em 191 O. En trc 1 H9H c 190H rcror- nou ao seu país de origem c editou uma publi- cação de valorização ela cnlt u ra rr;.~d icional por- tuguesa, Portugálirt, com trabalhos de etnologia e a rqueologi<~ , sua contribu ição para 11111 movi- men to de afirmação da cul tura l u~a em curso em Portugal na virada do século- in iciativa q ue se confu nd ia corn as conviq:úes repub licanas. Rad ica n do-se de fini t ivamente no Tirasi l em 1909, associou-se ao maio r escritório de enge- nharia e arquitetura e m São Paulo, o Escri tório T{·cnico Ramos de Azevedo, c iniciou seu prose- li lismo por uma "arte nacional". O "culto à tra- rli(;1o " já era mna posi~:ão revelada com sua ati- vic.htdt: "lusilanista" em Portugal d esde o final elo ~éculo 19, c sua atuação p rosseguiu 110 Brasil, transro r mando a ex<~ltação ela raiz cu ltural c é tn ica portugu esa no fundam ento da a rte bra- sileira. Era uma compatível co rn u11hão da creu- (a republicana e luso-nacio nal ista co m o e m er- gente ufa n ismo elo Brasil elo início do s(:culo 20 . Seu discurso, todavia, era u ma espec ulação sobre o prese n te : Não procurem ver, meus senhon:!S, nesta vene ração 1 radicionalista, diluída em nostálg ica poesia do passado, 1 1rn~ Jnan i f<'sf"a(fio d(· ''saudoslstno" rontc'"tn t i co t' rt't rúgn.L-
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