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A Corrente Musical: Pitagoras, Platão, Aristóteles, Plutarco 1. Introdução A palavra Musikê (música) não tinha o mesmo sentido que tem a palavra “música” para nós hoje. Entre outros sentidos, ela significava a união da melodia com a palavra, e no coro das tragédias e na lírica coral, era acrescentada a dança. Era, portanto, conferido à música um sentido mais completo e profundo, que envolvia a reunião das atividades do corpo e da alma. [...] segundo nos aparecem através de nossa própria cultura clássica, os gregos são para nós, antes de tudo, filósofos e matemáticos; jamais pensamos em sua música: a esta arte, nossa erudição e nosso ensino concedem menos atenção do que sua cerâmica! E, no entanto, eles eram, pretendiam ser, precipuamente, músicos. Sua cultura e sua educação eram mais artísticas que científicas, e sua arte era musical, antes que literária e plástica. (MARROU, 1975, p. 74) “A música foi dada aos seres humanos para que tivessem contato com a harmonia, cujos os movimentos são semelhantes às revoluções da alma e também é um presente das musas para os homens." (JÚNIOR, 2007, p. 33) A Profa. Dra. Lia Tomás em sua obra Ouvindo O Lógos busca a compreensão sobre o sentido da Música entre os pensadores pré-socráticos. A partir disso ela propõe as seguintes afirmações sobre o termo: Quando associado ás Musas, é portador da inspiração poética e do conhecimento Extensivo à cultura, e, no caso contrário, como sua negação a-mousos, “inculto”, “ignorante”. Também extensivo à música (em sentido estrito), encontrava-se a poesia, a filosofia. No grego moderno encontra-se a palavra “música”, porém entendida não sendo “europeu” (isso atesta a diferença de significados que esta palavra adquiriu posteriormente com relação à sua concepção original). A explicação etimológica mais provável associa a palavra mousa a manthanein (manthano), “aprender”, sendo essa última também raiz da palavra matemática. (TOMÁS, 2002, apud CASTRO, [20-- ?],) Por parte dos que faziam música, existia um intuito de atingir os estados psíquicos do ouvinte, colocando em prática a teoria do ethos, cuja linha de pensamento apregoava a capacidade da música de influenciar a alma dos ouvintes. As escolhas dos modos, melodias e métricas, eram feitas com o propósito de conduzir o fruidor de música ao desenvolvimento das virtudes. As obras musicais eram recheadas pelos valores gregos, do povo e seus costumes. É, portanto, necessário ficarmos atentos à proposição de Edward Lippman (1964): Conceitos da potência ética da música são elementos característicos da visão de mundo da Grécia, antes deles tornarem-se explícitos na filosofia, foram expressos tanto em mitos da magia musical e em vários campos da prática musical, que envolve mais propriamente a ética do que efeitos espetaculares. Mito, religião, medicina, e cerimônia todos unidos para trazer a conceitos morais sua força e diversidade, e estas formulações não desapareceram simplesmente com o advento do pensamento filosófico; sua contribuição para a teoria ética é especialmente significante porque se mantém ao longo da filosofia, dando profundidade e relevância social. (LIPPMAN, 1964 apud CASTRO, [20--?]) 2. Pitágoras Nos tempos primeiros da Filosofia, entre os antigos, o pensamento de certo pensador, destacou-se por sua característica peculiar frente às questões filosóficas da época que envolviam a separação categórica do mítico e do material. Esse homem filósofo fora conhecido como “um homem de espírito religioso e ao mesmo tempo científico” (TARNAS, 2008, p. 38). Mestre de uma escola cujas regras eram de atividades estritamente secretas, Pitágoras destacou-se pelo sincretismo Razão x Religião. O excêntrico filósofo não deixou pistas muito diretas a respeito de sua vida, tampouco sobre as formas de ensinamento de sua escola que carregava consigo uma fama de lenda. O que se sabe de Pitágoras, oriundo da ilha jônica de Salmos, é sobre uma trajetória de vida provável no Egito e Mesopotâmia, onde estudou e fundo uma escola filosófica e uma fraternidade de cultos a Apolo e às Musas. Através dessas práticas, buscava a observação e conhecimento da natureza e da espiritualidade e moral simultaneamente, considerando a ligação interna entre esses eventos, sempre em busca de uma síntese. De acordo com Tarnas (2008, p. 38) “enquanto os físicos jônicos se interessavam pela substância material dos fenômenos, os pitagóricos concentravam-se nas formas, especialmente a matemática, que regiam e ordenavam esses fenômenos”. Dessa maneira, escapavam das correntes arcaicas de um pensamento religioso e mitológico, porém, conduziam a Ciência e Filosofia sob referências apoiadas nas religiões do mistério. A procura por uma explicação científica da ordenação do universo natural consistia em alcançar a luz espiritual. Para os pitagóricos, as formas da Matemática, as harmonias da Música, os movimentos dos planetas e os deuses do mistério, estavam todos essencialmente relacionados; o significado desse relacionamento era revelado numa educação que culminava na assimilação da alma humana à alma do mundo, e daí à divina mente criativa do Univeso. (TARNAS, 2008, P. 38) 2.1. Tetraktys Entre os números, existia uma sequência específica que formava uma tétrade importante para a escola de Pitágoras: 1, 2, 3 e 4. Esse pequeno conjunto era a sequência dos números triangulares (que montavam triângulos), dando forma à figura chamada de tetraktys pelos pitagóricos. Fig. extraída de Pereira (2013) Curiosamente, os números 1, 2, 3 e 4, em mais de uma combinatória, formam triângulos equiláteros: Fig. extraída de Pereira (2013) 2.2. Os números e a matemática Para os pitagóricos os números representavam a forma de tudo no universo. Para eles, o princípio metafísico de que todos os entes e seres podia ser demonstrado e descrito por meio dos números fundamentava a filosofia natural pitagórica. Apesar de uma aparente racionalidade no pensamento da forma numérica ser a representação de todas as coisas, existia um fundamento místico nesse olhar. A filosofia pitagórica era baseada nas dualidades, impar e par, ser e não-ser, perfeito e imperfeito. Pitágoras e seus seguidores buscavam encontrar nos números os mesmos princípios que regem a natureza e sua ordem. Da mesma maneira, seria possível encontrar tais ordenadores na música e na sua harmonia, formando assim a ideia de uma totalidade, onde música (harmonia), cosmos e número são regidos pelos mesmos princípios e tudo é universo. Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às matemáticas, foram os primeiros a fazê-la avançar. Nutridos por ela, acreditaram que os seus princípios eram o princípio de todas as coisas. E como os números, nas matemáticas, por natureza, são os princípios primeiros, julgando também encontrar nos números muitas semelhanças com as coisas que são geradas, mais do que no fogo, na terra e na água, afirmaram a identidade de determinada propriedade numérica com a justiça , com a alma e o intelecto, e, assim, todas as coisas estariam em relações semelhantes; observando também que as notas e os acordes musicais consistem em números e parecendo-lhes, por outro lado, que toda a natureza é feita à imagem dos números, sendo estes os princípios da natureza, supuseram que os elementos do número são os elementos de todas as coisas e que todo o universo é harmonia e número. (ARISTÓTELES[1] apud PEREIRA, 2013, p. 15) Pitágoras era interessado em entender a estrutura da música que hoje conhecemos com harmonia. Pretendia, com seus estudos, desvendar quais combinações de sons se apresentavam agradáveis aos ouvidos. Entretanto, sua busca nao se restringia apenas à acústica, pois a harmonia para os gregos possuía um sentido bem mais amplo, que significava a busca pela ordenação e equilíbrio. Platão, de filosofia fundamentada em Pitágoras, pensava similarmente sobrea harmonia: “para ele, a beleza universal, aquela que reside no mundo das ideias, e que seria imutável, está relacionada à ordem e à harmonia.” (PEREIRA, 2013, p.17) 2.3. Uma Harmonia a partir do Monocórdio A série harmônica Pitágoras, desvelou de uma experiência com o monocórdio, a série de frenquências harmônicas geradas por um som fundamental, provavelmente a partir de convicções filosóficas pessoais a respeito da tetraktys. Possivelmente inventado por Pitágoras, o monocórdio é um instrumento composto por uma única corda estendida entre dois cavaletes fixos sobre uma prancha, e um cavalete móvel colocado sob a corda estendida que, dependendo da posição do cavalete móvel, emitirá diferentes sons ao tocar a corda. Pitágoras observou que pressionando um ponto situado a 1/ 2 do tamanho inteiro da corda, obtinha- se a oitava do som original, a 2/3 do tamanho original, ouvia- se uma quinta acima, e a 3/4 do comprimento da corda em relação a sua extremidade, ouvia- se uma quarta acima do tom original. Partindo de uma nota fundamental, produzida pela corda solta do monocórdio, descobriu a Série Harmônica, disposta em notas, que foram relacionadas em proporções numéricas definidas. Tais proporções formavam a medida exata onde deveria prender a corda e dessa forma, fazer aparecer a nova nota, harmônico parcial da fundamental, e que mantinha uma relação harmônica com ela. 1. A Tônica, de razão 1:1 – corda inteira (solta) 2. A Oitava, de razão 1:2 – corda dividida em duas partes (ao meio) https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=4218#_ftn1 3. A Quinta, de razão 2:3 – corda dividida em 3 partes: divisão da corda em uma porção corresponde a 2/3 da corda inteira. 4. A Quarta, de razão 3:4 – corda dividida em 4 partes: divisão da corda em uma porção que corresponde a 3/4 da corda inteira. A divisão da corda em seus harmônicos Extraído de WISNIK (1989) Outra forma de visualizar essas proporções é pela relação entre cada nota nova que aparece em sequencia. Por exemplo: sendo a nota fundamental emitida na corda solta, onde o número 1 representa a fundamental, teremos, então, a razão 1:1. A nota oitava desta fundamental é, portanto, a 2a nota depois da 1a (que é a fundamental), então, temos a razão 1:2, onde 1 é a fundamental e 2 é a sua oitava. Em sequência, temos o terceiro harmônico, a quinta, representada pelo número 3, acima e logo após a oitava, que é representada pelo número 2; então, a sua razão é de 2:3. A consonância e escala pitagórica A partir dessa experiência, os intervalos passam a denominar- se consonâncias pitagóricas – o fato de determinadas frações do tamanho original da corda soarem melhor do que outras à percepção de Pitágoras, estava, segundo ele, relacionado à característica importante das oscilações de frequência: é o fator da "presença" dos harmônicos. Ou seja, alguns formantes harmônicos sobressaem mais que outros por ocasião da execução da nota fundamental[1]. Desta mesma experiência, Pitágoras relacionou a escala diatônica, ou escala pitagórica, base da nossa escala diatônica ocidental. Pitágoras, devido a uma filosofia voltada para a harmonia do cosmos, visto pela relação entre todos os entes - matemática e música -, viria mais tarde a se tornar peça fundamental para os estudos de uma harmonia em expansão e o desenvolvimento da polifonia do mundo medieval ocidental. [1] Com a melhor compreensão da séria harmônica em relação aos timbres dos instrumentos, entendeu-se que tais oscilações seriam responsáveis pela característica sonora peculiar de cada instrumento, fornecendo a ele uma "identidade". https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=4220#_ftn1 https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=4220#_ftnref1 O sentido da música para Platão não era, em suas bases, diferente dos pré- socráticos. Ele a considerada como um dom divino e não como uma expressão artística do pensamento de um compositor. Os poetas, para ele, eram inspirados e possuídos pelas Musas e não cantam por causa de uma técnica ou estudo de arte e ciência. Por isso os poetas eram sagrados, assim como os oráculos e os profetas. As melodias cantadas e os poemas proviam do divino, não eram obra da mente humana, acreditava Platão. Nos seus diálogos, A República e As Leis, encontram-se o “Íon” e o “Timeu”, onde aparecem referências diretas à convicção de uma música proveniente do divino. No entanto, entendendo a música como um atributo divino, capaz de influenciar as paixões do fruidor através do canto do poeta e/ou do coro, Platão escreve sua obra pensando na utilização da música como elemento fundamental na construção de uma polis sadia, e na formação de um cidadão saudável e virtuoso. Enxergando a contínua queda de Atenas, o fim da democracia e ascensão da tirania, e o retorno à arcaica democracia ateniense, como consequência da condenação de Sócrates, a filosofia de Platão buscou compreender as razões dessa queda e encontrar uma forma de construir uma cidade justa e os motivos desta queda e a maneira de possibilitar uma cidade efetivamente justa. No caminho de compreender a ideia de de justiça para realizar essa obra, Platão pensa a música e a política conjuntamente. Para Platão, a educação objetiva a contemplação das ideias puras pela alma. A educação tradicional propunha a imitação das virtudes cantadas pelos antepassados, mas para Platão, essa prática não forneceria a condição para reflexões sobre o verdadeiro sentido das virtudes. Essa forma de fazer musical era, para ele, inaceitável, pois apenas apreendendo as ideias puras das virtudes é que o cidadão desenvolveria a condição de autocrítica das próprias ações dentro da polis. Moutsopoulos (1959, p. 198) nos lembra que “a educação musical tem, em Platão, o sentido de uma propedêutica ao estudo da dialética, do Logos” (apud CASTRO, [20--?]). É assim que a música exercia um papel preparatório n construção de uma prática da dialética. No diálogo A República, Platão propõe que os ritmos e harmonias escolhidos para a composição musical – tendo em mente que harmonia aqui significada a escolha do modo musical adequado e a construção melódica – devem obedecer ao texto e o bom caráter que este almeja desperta, por isso recomenda “[...] não os procurar variados, nem pés de toda a espécie, mas observar quais são os correspondentes a uma vida ordenada e corajosa” (PLATÃO, A República, 400a). Tudo isso visando despertar no ouvinte o “[...] caráter na bondade e na beleza” (PLATÃO, A República, 400e). (CASTRO, [20--?]) Platão condena a prática musical visando o prazer, mas não rejeita essa potência de prazer presente na música. Ele sabia que o fruidor era susceptível ao prazer provocado pela música. Porém, para ele, a música deveria ter como finalidade o desenvolvimento da racionalidade, e por meio desta, a boa formação do caráter. Dessa forma, a música valorizada por Platão é o seu aspecto teórico, no qual a música apresenta a realidade do número enquanto elemento estrutural não só da música, como do cosmo como um todo, graças a sua influência pitagórica. De certa maneira, Platão funda a hierarquia de valores na qual o músico teórico é visto como alguém superior e o músico prático como inferior, já que a primeira é processo da razão, enquanto no segundo é um processo manual. (CASTRO, [20-- ?]) 4. Aristóteles Aristóteles, nascido em Estagira, uma pólis helênica no território da Macedônia, é um dos filósofos mais influentes da história. Estudou na Academia de Platão e, posteriormente, tornou-se preceptor de Alexandre o Grande. Aristóteles produziu uma obra gigantesca, onde se encontram bases teóricas ainda influentes em nossos dias em campos distintos: na biologia, na gramática, na epistemologia, na política, na estética, entre outras.Diferenças entre Aristóteles e seu mestre Platão A música também foi alvo de suas reflexões, apropriando-se da ideia proposta por Platão de que ela é uma arte de característica formadora e disciplinadora. Entretanto, diferente do mestre, valorizou o caráter de entretenimento e prazer proporcionado por ela. Ela faria assim, parte do ócio. Aristóteles valorizou o concreto e a experiência empírica, enquanto Platão enalteceu as matemáticas e o Mundo das Ideias. A Política Na obra A Política, Aristóteles vai discutir sobre o que se deve estudar para formar bons cidadãos, e recomenda o que denomina de disciplinas liberais, aquelas que desenvolvem no homem livre a prática das qualidades morais; sendo consideradas vulgares as disciplinas em que seu estudo é um fim em si mesmo. Considera quatro ramos principais: gramática, ginástica, música e desenho (ARISTÓTELES, 1337b). O autor aponta a existência de dúvidas sobre o uso da música, apontando que esta é nobre nobreza devido a sua relação com o prazer, com o ócio. (CASTRO, 2017, p. 3) Aristóteles descreve como o lazer implica em prazer, o qual se relaciona com a felicidade. Ele se refere à felicidade com o termo grego eudaimonia(εὐδαιμονία). Esclarece ainda, na obra Ética a Nicômaco, que esta [a felicidade] é o supremo bem, o maior a ser adquirido entre todos os bens, consistindo na prática das virtudes, a aretégrega, e na prática contemplativa, além de alguns outros sentidos (WOLF, 2010, p. 20-21). Dessa forma, como a música produz prazer, propicia eudaimonia tanto no ócio que propicia como também devido à teoria do éthos. (CASTRO, 2017, p. 4) A teoria do ethos diz que a Música propiciaria a mimesis dos afetos: bravura, doçura, felicidade, coragem, entre outros; ou seja, a música imita esses afetos, imprimindo-os na sua forma. Como consequência, a fruição da música gera prazer no ócio, no lazer, e também incita a imitação de tais afetos no ouvinte, propiciando uma disciplina, um enlevo moral. "A educação, para Aristóteles, se dá através do hábito, por isso a prática musical ao habituar o ouvinte com os afetos nobres, tem uma importante função disciplinadora". (CASTRO, 2017, p. 4) Em outra obra posterior, intitulada Poética, Aristóteles fala sobre "catarse". Nessa obra, ele nos diz que nas tragédias a cartase possibilita a vivência de emoções diversas que permitem ao ouvinte aprender a lidar tanto com emoções nobres, como com as negativas, ao mesmo tempo em que assimila suas funestas consequências. Portanto, habituar-se às emoções nobres ao mesmo tempo em que se sente prazer com a música, torna-a importante na formação dos membros da pólis. (CASTRO, 2017, p. 4) 4.1. Mímesis - Mýthos - Katharsis Imitar, narrar e despertar paixões Os gêneros poéticos, segundo Aristóteles, envolviam três elementos essenciais à sua realização, interligados: mimesis, mythos e katharsis. A mimesis Tinha como objeto de imitação “[...] as ações humanas enquanto virtuosas ou viciosas” (CHAUÍ, 1994, p. 337); O mythos, É uma narrativa fundada, não em uma história concreta, que aconteceu, mas que pode vir a acontecer, vinculada às paixões humanas; A katharsis Possui caráter ético-pedagógico, imputando à arte um poder tanto educativo quanto terapêutico, “[...] pois a poesia deve atuar sobre a alma do ouvinte, fazendo-o sentir as paixões narradas-representadas e permitindo-lhe, ao imitá-las, em seu interior, liberar-se delas, purificando-se” (CHAUÍ, 1994, p. 337). Elementos da tragédia Esse tríptico – mimesis, mythos e katharsis – tem como maior referência a tragédia, considerada uma ação importante e completa, constituindo-se uma [...] imitação [...] de certa extensão; num estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas formas [...]; ação apresentada, não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores, e que suscitando a compaixão e o terror, tem por efeito obter a purgação dessas emoções (ARISTÓTELES, 2004, p. 35). 4.2. A Citarística e a Aulética Aprendendo cítara e aulo É assim que a arte dos sons passa a integrar o terreno da poesia ou da produção poética, sendo dividida por gêneros literários, cada qual com seus meios, objetos e maneiras de imitar. Os gêneros literários relacionados à poesia (música) eram “[...] a poesia trágica e também a comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da aulética [aula para aprender a tocar aulo] e da citarística [aula para aprender a tocar cítara], consideradas em geral, todas se enquadram nas artes de imitação” (ARISTÓTELES, 2004, p. 23). Tais gêneros guardavam entre si três diferenças, relativamente aos meios, aos objetos e às maneiras de imitar. Assim sendo, alguns fazem imitações segundo um modelo de cores e atitudes, [...] outros [...], com a voz; assim também, nas artes acima indicadas, a imitação é produzida por meio do ritmo, da linguagem e da harmonia, empregados separadamente ou em conjunto (ARISTÓTELES, 2004, p. 23). Segundo Chauí (1994), as atividades que reuniam linguagem, ritmo e melodia eram tratadas no âmbito da tragédia, da comédia, da lírica e da elegia; o conjunto envolvendo ritmo e melodia, a saber “[...] a aulética e a citarística, bem como as demais artes análogas em seu modo de expressão, por exemplo, a flauta de Pã” (ARISTÓTELES, 2004, p. 23), apenas era o que entendemos como música instrumental. A aulética referia-se às práticas do aulos – um tipo de flauta dupla –, enquanto a citarística relacionava-se às práticas da cítara, ambos instrumentos musicais próprios da época. As práticas sonoras ou poesia objetivavam falar das paixões humanas por meio da imitação dos vícios e das virtudes humanas de um modo geral, e não de uma personagem determinada. Assim, a poesia trágica não trata de um Édipo ou de uma Electra específicos, “[...] mas de um destino humano; a epopeia não fala de Helena, Ulisses ou Agamenon, mas de tipos humanos. [...] por meio [...] do relato dramático de uma guerra, fala sobre a guerra” (CHAUÍ, 1994, p. 337, grifos d No tratado Sobre a Música, existem citações e referências às teorias platônicas acerca da música, da sua relação com a ética e a ordenação do universo. No capítulo 15, Plutarco começa criticando os músicos do Novo Ditirambo[1] que "rejeitaram a música viril e introduziram nos teatros melodias frouxas e melosas" (ROCHA, 2012, p.220). Ele cita Platão com o intuito de apoiar a sua condenação à música nova. E acrescenta que "na República (398d-e), o filósofo ateniense já condenava esse tipo de música e excluiu a harmonia lídia da sua cidade ideal por https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=3885#_ftn1 causa do seu registro agudo e por causa do seu caráter lamentoso, inadequado para cidadãos bem-formados."(ROCHA, 2012, p.220). Não se sabe ao certo o motivo pelo qual Plutarco tenha usado a predicação "agudo" para se referir à harmonia lídia, excluída por Platão. Possivelmente - por especulação nossa apenas - ele tenha utilizado esse termo para referir-se ao caráter "áspero" e "indesejado" da harmonia cuja 4a aumentada configura-se como o intervalo primordial. Plutarco, comenta sobre no seu livro sobre algumas das harmonias utilizadas até a sua época, destacando-as por meio de terminologias que as representam por seus caracteres retóricos: Capítulo 15: A "lídia tensa" (syntonolydisti) - rejeitada por Platão, lamentosa, sendo usada para os lamentos. Capítulo 16: A "Lídia relaxada" ou "distendida"; a iástica[2], que segudo Plutarco, assemelhava-se à “lídia distendida” e fora usada por Platão, apesar de não haver registros desse uso; a "mixolídia patética" (pathētikē) - sendo própria para as tragédias. Capítulo 17: diz que a mixolídia era harmonia "lamentosa"; diz que Platão também rejeitou a harmonia mixolídia, juntamente com a "lídia tensa" e preferiu a harmonia dória.A harmonia dória era importante para Platão, porque foi usada por grandes poetas do passado como Álcman, Píndaro, Simônides e Baquílides. Além disso, era usada também em cantos proces- sionais (prosodia) e peãs, em lamentos trágicos e em cantos de amor, nos nomos de Ares e de Atena e nos espondeus. Esse tipo de música, com caráter eminentemente religioso, era o único necessário para fortalecer a alma do homem temperante. No que diz respeito à harmonia dória, as palavras de Plutarco concordam plenamente com o texto platônico da República. (ROCHA, 2012, p. 221) [1] Os poetas que criaram o chamado ‘Novo Ditirambo’ foram músicos inovadores que promoveram uma série de transformações quanto à forma e à performance das melodias. Na época deles, a música começa a ficar mais importante do que as palavras; as melodias tornam-se mais arrojadas, admitindo saltos intervalares grandes e modulações de harmonia e de ritmo. (ROCHA, 2012, p. 220) [2] “Segundo Fernández García, 2000: 395, a iástia e a lídia distendida tinham quase a mesma altura.” (ROCHA, 2012, p. 221) https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=3885#_ftn2 https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=3885#_ftnref1 https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=3885#_ftnref2 5. "Sobre a Música" 5.1. Teoria harmônica platônica segundo Plutarco Plutarco cita uns trechos do diálogo de Platão, “Timeu”, para demonstrar como ele (Platão) fora um conhecedor da teoria harmônica de base pitagórica e como se era a prática da música vista como obra divina. Segue, abaixo, alguns trechos desse diálogo, de acordo com Plutarco, transcrito por Rocha (2012, p. 222): A intenção de Platão, nesse diálogo, era demonstrar que a alma deve ter harmonia, como acontece com a razão. Por isso, o Demiurgo construiu a alma do mundo tomando por base o sistema musical. Ele usou o Mesmo e o Outro como elementos primários e, da mistura, surgiu um terceiro elemento. E, mesclando esse último com as duas primeiras, obteve um outro produto que, em seguida, ele dividiu em várias partes segundo os números que fazem parte da seguinte progressão complexa: 1, 2, 3, 4, 9, 8, 27. Depois, o Demiurgo preencheu os intervalos entre os números com o auxílio da ‘média’ (mesotēs). Utilizando noções que pertencem ao campo musical, e não à aritmética ou à geometria, Platão definiu o que era o intervalo existente entre os termos de uma média. Ao invés de determinar os intervalos através de diferenças entre números, ele os caracterizou usando sons, considerando que a cada número correspondia um som e que os intervalos eram as distâncias entre os sons.(ROCHA, 2012, 222) Platão desenvolveu a partir disso, duas progressões geométrias: uma de números pares – 1, 2, 4, 8; e outra com números ímpares – 1, 3, 9, 27. Essas progressões representavam as frequências (notas) harmônicas da série harmônica. Depois, idealizou duas médias: uma média harmônica e uma média aritmética, calculadas por duas fórmulas matemáticas complexas, que de acordo com Rocha (2012) são: média harmônica: x = 2(a x b) / a + b; média aritmética: x = a + b / 2. Essas médias, preenchiam o intervalo existente entre uma nota e outra da séria harmônica, por exemplo: entre o 1o e 2o harmônicos (dó e sua oitava dó), passou a existir uma média harmônica e uma aritmética, representados pelas frações 4/3 – a razão do intervalo de 4a (dó-fá); e 3/2 – a razão do intervalo de 5a; portanto, entre a nota Dó (fundamental) e a nota Dó (oitava acima), Platão estabeleceu duas médias, que são as notas fá e sol. No lugar de dedicar-se aos estudos das progressões (1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27), Plutarco se atém às médias harmônicas “que, segundo Platão, estruturam a alma do mundo, de acordo com a escala musical.” (ROCHA, 2012, p. 223). Ele faz uso das relações numéricas para pensar sobre os intervalos de um acorde e estabelece proporções comparando essas relações. Também, coloca as proporções e as expressões numéricas que cria em paralelo às relações apresentadas por Platão no Timeu. Relações e representações numéricas montadas por Plutarco, segundo Rocha (2012): Intervalo de oitava – representada razão 2/1 Os dois extremos do intervalo de oitava – representados por 6 e 12 Intervalo de quarta (na “média” das oitavas) – representada pela razão 4/3 (vinda de Platão) e pelo número 8. Intervalo de quinta (na “média” das oitavas) – representada pela razão 3/2 (vinda de Platão) e pelo número 9. Com a elaborações criadas para tais proporções de números e razões, que nos parece um tanto complexa, Plutarco busca demonstrar que as proporções numéricas se repetem e correspondem às “relações matemáticas usadas para representar os intervalos mais importantes. Assim, a oitava torna-se o resultado da soma de um intervalo de quarta (da parámese até a nete ou da hípate até a mese) com um intervalo de quinta (da mese até a nete ou da hípate até a parámese).” (ROCHA, 2012, 224) [1] “Cabe salientar que a escolha desses números (6, 12, 8 e 9) não é casual. Eles eram considerados o paradigma da harmonia musical desde o pitagorismo antigo e definiam os quatro sons fundamentais, o primeiro, o último, o médio e o supermédio. Com eles se formava o sistema perfeito segundo os pitagóricos, ou seja, a oitava.” (ROCHA, 2012, p. 224) 5.2. Teoria harmônica em Aristóteles segundo Plutarco No capítulo 23, Plutarco cita um fragmento do discípulo de Platão, Aristóteles, com uma clara evidencia das ideias harmônicas pitagóricas – o que seria inesperado, pois Aristóteles já fazia apologias à utilização dos sentidos como ferramenta para o julgamento da vida, em deixando para trás o uso da matemática. “Segundo o fragmento, a harmonia tem origem celeste e é divina, bela e digna de admiração. Ela é constituída de quatro partes, ou seja, de quatro intervalos ou consonâncias fundamen- tais: a da própria nota consigo mesma, a de quarta, a de quinta e a de oitava. Ela tem ainda duas médias, a aritmética e a harmônica, como já vimos antes. E, por fim, ficamos sabendo também que a harmonia é composta de partes, de dimensões e de diferenças que, por sua vez, são construídas de acordo com as proporções numéricas estabelecidas matematicamente.” (ROCHA, 2012, p. 225) Plutarco diz que a harmonia, na concepção de Aristóteles, possui duas partes distintas: dois tetracordes separados por um intervalo de um tom, formando a oitava. O corpo da harmonia é formado por essas duas partes, desiguais, porém, consonantes. “Então Plutarco retoma a discussão sobre a formação da harmonia, isto é, de uma escala de oitava, e trata das proporções numéricas que podem ser encontradas dentro dessa escala.” (ROCHA, 2012, p. 226) https://ava.fames.es.gov.br/mod/book/view.php?id=6786&chapterid=4359#_ftnref1 No capítulo 25, Plutarco discorre sobre trata do tema da formação dos sentidos da visão e da audição nos corpos. Plutarco reforça, similarmente à Platão, que a visão e a audição, atributos celestes e divinos, são geradas através da harmonia e a manifestam em si próprios com o auxílio da luz e do som. “A palavra harmonia nesse capítulo, claramente, não tem mais o sentido musical de ‘escala’ ou ‘afinação’, mas apresenta o valor de ‘proporção’ ou ‘bom arranjo das partes’, já que a harmonia, aqui, organiza os sentidos e ordena a percepção dos fenômenos.” [...] Os outros sentidos, menos nobres que a audição e a visão, “também são constituídos de acordo com uma harmonia, proporção ou bom ordenamento. [...] Todos os sentidos, portanto, são engendrados nos corpos por um deus segundo a razão e, por isso, são belos e fortes por natureza.” (ROCHA, 2012, p. 227-228) Através Plutarco, no seu tratado Sobre a Música, podemos entender melhor as proposições harmônicas desses dois Pensadores importantes da antiguidade e, por isso, perceber a igual importância dele para os estudos da músicana Grécia.
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