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Harré_A Filosofia da Ciência

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A FILOSOFIA DA CIÊNCIA* 
Rom Harré 
 
A maioria das pessoas supõe que os filósofos pensam a respeito de questões muito 
gerais e muito profundas, no coração das quais está o problema da relação entre o Homem e 
o Universo. Pensa-se em geral que os filósofos oferecem idéias sobre os propósitos gerais 
do viver e, inclusive, sobre os objetivos mais particulares que alguém deve estabelecer para 
si em sua vida cotidiana. Neste sentido, a filosofia da ciência seria uma discussão do lugar 
da empreitada científica no padrão geral da vida. Ela estaria provavelmente preocupada em 
fornecer uma justificativa última para o fazer científico, isto é, com a questão de se valeria 
a pena, de fato, fazer ciência. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que o acúmulo do 
conhecimento científico tem um impacto destrutivo sobre as condições para viver-se a 
melhor vida humana possível. Poder-se-ia pensar que o esforço dirigido à busca do 
conhecimento científico seria melhor empregado no cultivo da sensibilidade artística, no 
refinamento das maneiras e no embelezamento do ambiente. Eu não tratarei deste tipo de 
questões, embora eu esteja muito longe de pensar que discussões de tais questões gerais não 
tenham qualquer valor. 
[...] 
A filosofia tem quatro ramos principais: lógica, a teoria do raciocínio; 
epistemologia, a teoria do conhecimento; metafísica, a teoria dos conceitos e de suas 
relações; e a ética, a teoria da avaliação, particularmente da avaliação moral. Eu não me 
ocuparei aqui da ética. Nós iniciaremos [...] com uma descrição preliminar dos três 
primeiros ramos de estudo e discutiremos brevemente as relações entre eles. Através do 
estudo de exemplos de investigação de questões lógicas, epistemológicas e metafísicas, 
nossa compreensão destes ramos da filosofia se aprofundará. 
 
Lógica 
A lógica é o estudo dos cânones ou princípios do raciocínio correto. Para descobrir 
princípios lógicos a partir do estudo de exemplos, nós devemos ser capazes de reconhecer 
quando um fragmento de raciocínio é correto. Se nós soubéssemos, apenas pela referência 
aos princípios da lógica, quais argumentos são válidos e quais são inválidos, então nós não 
deveríamos ter qualquer necessidade de estudar exemplos de raciocínio para tentar 
descobrir princípios, porque nós já deveríamos conhecê-los. De fato, nós somos capazes de 
dizer se algum fragmento é correto ou incorreto sem conhecer ou aplicar de maneira 
deliberada quaisquer princípios de lógica, isto é, sem referência explícita a quaisquer 
cânones do raciocínio correto. O estudo da lógica nos permitirá dizer por que algum 
fragmento de raciocínio é correto ou incorreto. No entanto, uma vez que os princípios da 
lógica tenham sido extraídos de exemplos, é inevitável que eles devam ser usados como 
cânones, isto é, para exprimir os padrões aos quais o raciocínio deve conformar-se. 
Nós devemos ter cuidado com a suposição de que os princípios do raciocínio 
correto, digamos, na matemática são válidos para outros assuntos, digamos, na química. 
[...]. Neste livro, eu não faço quaisquer suposições acerca da possibilidade de transferência 
dos princípios da lógica de um campo para outro. Em particular, eu não assumirei que os 
 
* Tradução e edição feitas por Charbel Niño El-Hani a partir do texto original: Harré, R. 1992. The 
Philosophy of Science, In: The Philosophies of Science: An Introductory Survey. Oxford: Oxford University 
Press. 
princípios lógicos apropriados para a matemática devam ser apropriados para os métodos 
de raciocínio em todas as ciências naturais. 
A expressão escrita do conhecimento científico assume idealmente a forma de uma 
exposição fundamentada e sistemática. As conclusões serão apoiadas por razões. As 
hipóteses serão consideradas no que diz respeito ao balanço das evidências favoráveis e 
contrárias. Há certas relações lógicas entre as conclusões e as razões para aquelas 
conclusões. Outras relações lógicas são observadas entre as hipóteses e as razões que 
pedem sua rejeição ou modificação. Relações como estas são a matéria-prima da lógica. 
Elas devem conformar-se aos cânones ou aos princípios do raciocínio correto. Algumas 
considerações de fato apoiam uma conclusão; outras, não. Julgamentos acerca de questões 
como esta expressam o comentário lógico sobre o discurso. Princípios lógicos devem ser 
produzi-los para apoiá-los. E estes, por sua vez, podem ser sujeitos a apreciação crítica. 
Vamos agora examinar um exemplo de raciocínio científico. Em § 944 de 
Experimental Researches, Michael Faraday escreveu, a propósito de um conjunto de 
experimentos que demonstram ‘o poder do calor de produzir uma corrente estimulando a 
afinidade química’: ‘Eu não posso senão ver nestes resultados da ação do calor as provas 
mais fortes da dependência da corrente elétrica em circuitos voltaicos em relação à ação 
química das substâncias que constituem estes circuitos: os resultados estão perfeitamente de 
acordo com as influências conhecidas do calor sobre a natureza química. Por outro lado, eu 
não posso ver como a teoria do contato pode tomar conhecimento deles, exceto pela adição 
de novas suposições àquelas que a compõem’. 
As etapas em seu raciocínio podem ser apresentadas como segue: Se a corrente é 
produzida por uma ação química, então aumento nesta ação deve aumentar a corrente; nós 
sabemos que o aumento no calor aumenta a ação química, de modo que a aplicação de calor 
deve aumentar a corrente produzida. Ela de fato aumenta a corrente produzida, de modo 
que a ação química deve ser responsável pela corrente. 
Você está convencido? O raciocínio de Faraday está correto? O argumento pode ser 
submetido a análise adicional: 
 
O aumento do calor causa ação química aumentada 
O aumento do calor causa atividade elétrica aumentada 
 
Portanto 
 
A ação química causa a atividade elétrica 
 
Ou ainda mais esquematicamente: 
 
Se p, então q 
Se p, então r 
___________ 
Se q, então r 
 
A forma deste argumento é válida? Ele é convincente? Como ele se apresenta, ele é 
correto ou incorreto? A colocação deste argumento num contexto experimental e teórico 
mais amplo mudaria a maneira como você se sente em relação a ele? 
Este exemplo é uma análise da estrutura de uma relação de evidência, uma vez que 
Faraday está, no argumento, propondo razões para aceitar-se uma hipótese. Este exemplo 
tem uma estrutura muito simples.[...]. 
Em algumas ciências, como a astronomia e a meteologia, fazer previsões é uma 
parte muito importante do trabalho dos cientistas. Nós devemos seguir as maneiras nas 
quais previsões são feitas e examinar os meios que justificam nossa confiança nelas. 
Princípios lógicos estão envolvidos na construção de previsões. Mas certas condições têm 
de ser satisfeitas para aplicá-los. Considere o que está envolvido na previsão de um eclipse 
lunar. Primeiro, as leis gerais dos movimentos lunares e solares devem ser conhecidas. Um 
astrônomo também deve saber onde o Sol e a lua apareceram no céu anteriormente. Para 
que tenha uma justificativa para a aplicação das leis do movimento solar e lunar, ele deve 
acreditar que o comportamento passado destes corpos celestes é um bom guia para seu 
comportamento futuro, isto é, ele deve acreditar que eles continuarão a parecer que se 
movem como eles sempre pareceram mover-se. Esta crença envolve a suposição de que o 
Sol e a lua são coisas materiais estáveis. Assim, um conjunto de suposições de diferentes 
graus de generalidade está envolvido na previsão. A aceitação de todas estas suposições é 
uma condição necessária para a aplicação do esquema lógico: 
De Posições anteriores do Sol e da lua 
E Leis dos movimentos solar e lunar 
_______________________________________ 
Inferem-se Tempos e lugares de eclipses lunares 
 
Epistemologia 
Epistemologia é a teoria do conhecimento. Nas investigações epistemológicas, nós 
refletimos sobre os padrões aos quais o conhecimento genuíno deve conformar-se. Nós 
tentamos caracterizaro tipo de conhecimento sobre um certo assunto que um dado método 
de estudo poderia produzir, e em que medida aquele tipo de conhecimento se conforma ao 
que se considera os padrões do conhecimento genuíno ou verdadeiro. A partir destas 
considerações, nós podemos ser capazes de formar alguma idéia de quais os tipos de fatos 
que nós nunca poderíamos chegar a conhecer. É o trabalho do epistemólogo demonstrar 
como o conhecimento pode ser distinguido da crença verdadeira, e a certeza, da 
probabilidade. 
Este estudo é uma parte importante da filosofia da ciência. Filósofos da ciência 
estão interessados em determinar até onde a confiança em métodos particulares de 
descoberta deve estender-se. Eles também se ocupam de questões epistemológicas mais 
gerais, tais como a de se o conhecimento acerca da existência das coisas e dos materiais é 
mais certo do que o conhecimento dos efeitos que as coisas e materiais exercem sobre os 
nossos sentidos. Filósofos e cientistas gostariam de saber se há qualquer parte do 
conhecimento científico que é certo, não estando sujeito a revisão sob quaisquer 
circunstâncias concebíveis. Há muitas outras questões epistemológicas importantes [...]. Por 
exemplo: ‘Como as novas descobertas afetam a situação do que nós pensamos que já 
sabemos?’ ‘A informação adquirida através do aprendizado de uma teoria é de tipo 
diferente daquele adquirido através da realização de uma observação?’ ‘Observações 
podem ser feitas sem que um cientista tenha alguma teoria em mente?’ ‘Todo o 
conhecimento é, em última análise, conhecimento teórico?’ A discussão de cada uma 
dessas questões levantará outras questões, algumas das quais serão epistemológicas, mas 
outras nos levarão à lógica e à metafísica. 
Como um breve exemplo introdutório da discussão de uma questão epistemológica, 
considere como nós poderíamos responder a questão: ‘O que nós realmente conhecemos?’ 
Isso não é tão fácil de responder, porque é possível lançar dúvida sobre os pedaços de 
informação que parecem mais certos, e sobre as verdades aparentemente mais factuais. 
Vamos tomar dois tipos diferentes de caso. 
Primeiro, suponha que você se pergunte: ‘Eu estou absolutamente certo de que 
estou, neste momento, olhando para a página de um livro?’ Dúvida pode ser levantada 
perguntando-se como alguém sabe que o resto do livro existe, quando está olhando apenas 
para uma página. Não é impossível que alguém vire a página e descubra um espaço vazio, 
em vez das outras páginas que normalmente se espera. Esta é uma hipótese que está aberta 
a teste empírico e aquela dúvida pode ser decidida. Outras dúvidas do mesmo tipo podem 
ser levantadas. Talvez a impressão esteja sendo lançada sobre uma página em branco por 
um projetor habilmente escondido. Talvez a impressão esteja sendo lançada sobre uma 
página em branco pelos poderes de imaginação eidética do ‘leitor’.1 Todas estas dúvidas 
podem ser, em última análise, decididas. 
Mas há um outro tipo de dúvida. É concebível que você esteja sonhando que está 
segurando um livro. De que maneira você poderia provar que não é este o caso? Estou 
inclinado a pensar que há um sentido de prova no qual nem você nem qualquer outra pessoa 
poderia provar para si próprios que estão realmente lendo um livro, e não sonhando. Não se 
poderia provar isso como se poderia provar um teorema em geometria. No entanto, uma 
pessoa tem o direito de dizer que sabe que está lendo um livro porque ter certeza de que se 
tem um livro diante de si não é de modo algum o mesmo tipo de coisa que provar um 
teorema. Pode-se provar que é um livro através das maneiras usuais em que livros reais são 
distinguidos de livros imaginários, e de livros sonhados. Deve-se concluir disto que a 
dúvida que eu estive levantando é absurda? Isso de fato mostra, de certa maneira, que este é 
o caso, porque provar que alguém está realmente lendo um livro real não requer ou admite 
o rigor da prova geométrica. 
O ponto de insistir nessas dúvidas é demonstrar a extensão das suposições que 
fazemos em nosso tratamento do mundo. Estas são suposições empíricas. Nós supomos que 
livros são fisicamente os mesmos por toda a sua extensão e nós supomos que a impressão 
está sobre a página. Estas são também suposições metafísicas. Supor que nem todas as 
nossas experiências são sonhos é uma suposição metafísica. Ela não admite teste empírico. 
Trata-se, na verdade, de uma suposição acerca do sistema conceitual que devemos adotar. 
Tratar do problema da realidade dos sonhos lado a lado com o problema da realidade do 
interior de um livro fechado é passar de um ceticismo razoável acerca de questões factuais 
para uma questão terminológica quase inteiramente sem proveito. Sonhar é um estado 
identificado por contraste com estar acordado. Se formos persuadidos a chamar todas as 
nossas experiências de ‘sonhos’, então teremos de introduzir um novo par de termos para 
demarcar a velha distinção entre sonhar e estar acordado, porque nós ainda teremos de 
distinguir entre sonhos acordados e sonhos sonhados. ‘Sonhar’ seria agora utilizado para 
todas as nossas experiências e não significaria mais ‘sonhar’. Significaria algo como 
‘experimentar’. Isto é, ele cobriria tanto nosso estado presente de sonhar quanto nosso 
estado presente de estar acordado. É claro que, às vezes, há um proveito na proposição de 
 
1 (N.T.) A imaginação eidética diz respeito à capacidade de uma pessoa de imaginar ou lembrar de algo como 
se estivesse diante de seus olhos. Em contraste com alguém acometido por uma alucinação, a pessoa é capaz 
de controlar o que ela vê. 
tal revisão terminológica por um filósofo. O novo uso de ‘sonhar’ não é nem o velho uso, 
nem é inteiramente sinônimo do que se queria anteriormente dizer com ‘experimentar’. Ele 
nos deixa com a sensação de que a experiência é gerada de dentro de nós mesmos e não é 
apenas o efeito do contato com outras coisas e criaturas sobre nós. Alguma mudança de 
visão ocorre com esta nova maneira persuasiva de utilizar a palavra ‘sonhar’ e talvez altere 
de fato nossas idéias sobre a experiência.2 Está claro, eu espero, que seria um erro muito 
sério colocar nossa crença de que estamos acordados, quando estamos acordados, como 
uma suposição igual à suposição da uniformidade do material num livro, ou à suposição da 
estabilidade do padrão climático sazonal, e assim por diante. 
Vamos perguntar novamente, ‘O que nós realmente conhecemos?’, em 
circunstâncias diferentes. Se todo o conhecimento científico deriva de observações do que 
acontece em nossa vizinhança imediata, como é possível dizer de maneira apropriada que 
nós conhecemos qualquer coisa acerca de regiões distantes do espaço e do tempo? Uma vez 
mais, se as observações estão limitadas ao que um cientista pode perceber – isto é, ver, 
sentir, tocar, provar, e assim por diante – o que podemos dizer da informação veiculada por 
uma equação química? Ela realmente descreve a distribuição e redistribuição dos átomos 
em moléculas, acontecimentos que não podem ser observados? Como é possível dizer de 
maneira apropriada que nós conhecemos qualquer coisa acerca do comportamento de coisas 
pequenas demais para serem observadas? Se nós aceitarmos estas dúvidas, uma equação 
química seria simplesmente uma descrição sumária das mudanças de cor, sabor, textura, e 
assim por diante, dos materiais que tomaram parte nas reações químicas que foram vistas 
na Terra, e das mudanças nas distribuições dos pesos das substâncias que ocorreram em 
laboratórios e fábricas terrestres. A visão de que era isto que as equações químicas 
expressavam foi sustentada por Sir Benjamin Brodie na década de 1860. [...]. Ao 
investigar-se a força dessas dúvidas, questões epistemológicas têm de ser respondidas. As 
teorias oferecem um tipo especial de conhecimento, diferente do conhecimento que 
obtemos através da observação e do experimento? Que tipo de conhecimento nós obtemos 
dos instrumentos? 
No estudo filosófico dos instrumentos,nós investigamos as diferenças entre o tipo 
de conhecimento obtido através do uso de instrumentos que melhoram e estendem nossos 
sentidos, como o microscópio, e o tipo obtido através do uso de instrumentos que detectam 
fenômenos que não podemos observar, porque não temos os sentidos necessários. Um papel 
coberto de limalha de ferro, ou uma pequena bússola, pode ser usado para detectar um 
campo magnético. Ao descrevermos o que nós aprendemos através do uso de instrumentos 
de detecção, é correto dizer que nós descobrimos fatos acerca de um campo magnético bem 
como fatos acerca da maneira como limalha de ferro e bússolas se comportam na 
proximidade de uma bobina de fios eletrificados? A descoberta das radiações ultravioleta e 
infravermelha apenas estende nosso conhecimento das cores? 
Estas questões levam, no fim das contas, a investigações acerca do objeto último das 
leis científicas. [...]. Algumas pessoas pensaram que, de maneira estrita, o conteúdo das leis 
científicas deve ser considerado confinado à estatística de conjuntos de números derivados 
das leituras dos instrumentos. Outros pensaram que as leis da natureza se referem ao 
comportamento de coisas e materiais reais que formam o mundo como nós o conhecemos. 
Outros ainda pensaram que elas nada mais descreviam senão as seqüências ordenadas de 
 
2 (N.A.) Para uma discussão geral dessa ‘mudança de visão’, ver F. Waismann, How I see Philosophy 
(London: Macmillan, 1968), cap. 1. 
sensações que nós experimentamos. Em vez de tratar as leis da óptica geométrica como se 
elas se referissem à passagem de raios de luz através de diferentes sistemas de meios, eles 
os tratariam como se descrevessem as seqüências das sensações luminosas em nossos 
campos visuais. 
 
Metafísica 
Em nossos dias, os estudos metafísicos são mais modestos do que eles foram no 
passado. Ninguém que tenha alguma prudência escreve acerca do Universo, do Homem e 
de Deus. Na metafísica moderna, os conceitos mais gerais utilizados na ciência e na vida 
comum são investigados. Por exemplo, um metafísico moderno poderiam estudar os 
conceitos de espaço e de tempo utilizados na vida ordinária e compará-los com aqueles 
empregados na Relatividade Especial. Ele poderia examinar vários conceitos de causa, ou 
os conceitos de possibilidade e necessidade. A metafísica moderna tem como objetivo 
alcançar a clareza do pensamento através de um estudo cuidadoso dos conceitos. Isso é 
feito, em parte, mediante um estudo de vários aspectos do uso da linguagem. Um 
metafísico moderno tentará descobrir como vários conceitos são relacionados. Ele poderia 
investigar como nossos conceitos de coisas se relacionam com nossos conceitos de espaço. 
Ele poderia considerar se nosso conceito de direção temporal é conectado de maneira 
contingente ou necessária com nosso conceito de causalidade. Nos últimos anos, alguns 
desses problemas conceituais se moveram para o primeiro plano da ciência. [...]. Problemas 
conceituais acerca do espaço e do tempo surgiram nas teorias da relatividade. Problemas 
concernentes aos limites do conceito de indivíduo apareceram na biologia, particularmente 
nas discussões sobre as tentativas de especificar a unidade da evolução, isto é, o que evolui. 
As insatisfações recentes na psicologia giram, em parte, em torno de sentimentos de 
incerteza quanto à metafísica de conceitos como os de ‘pessoa’ e ‘ato’. 
 
A relação entre lógica e epistemologia 
Na filosofia da ciência, os três ramos do estudo filosófico não podem ser estudados 
com proveito de maneira isolada. As soluções propostas para problemas em um campo 
inevitavelmente afetam os tipos de soluções que são então possíveis em outros. 
Suponham que, ao considerar-se as relações lógicas entre a evidência a favor de 
uma lei e a lei, decide-se que não é apropriado falar-se de inferir-se a lei a partir da 
evidência. Esta solução poderia ser adotada porque se pensa que aquela maneira de falar 
sugere a existência de uma relação lógica onde não existe nenhuma. Os enunciados 
descrevendo a evidência serão enunciados particulares, da forma: ‘Neste experimento, 
quando a luz passou de um meio para outro, a razão entre o seno do ângulo de incidência e 
o seno do ângulo de refração era a mesma de outros experimentos que realizei’. A lei será 
expressa num enunciado inteiramente geral: ‘Em todos os casos de passagem de luz de um 
meio para outro, haverá uma razão constante entre o seno do ângulo de incidência e o seno 
do ângulo de refração’. A lei de Snell é inteiramente geral. Mas a lógica dedutiva não 
sanciona uma inferência do particular para o geral. Assim, falar-se de inferir a lei a partir da 
evidência é no mínimo equivocado, uma vez que faz com que sejamos tentados a pensar 
que a lei é uma conclusão derivada de premissas particulares de acordo com algum 
princípio da lógica. Se os princípios da lógica dedutiva não governam a obtenção de leis a 
partir de observações, então não se pode dizer que a verdade das leis segue, com rigor 
lógico, da verdade dos enunciados descrevendo a evidência a seu favor. Nós poderíamos 
derivar uma conclusão epistemológica disso, a saber, a de que, enquanto se pode dizer que 
nós conhecemos a verdade dos enunciados que descrevem experimentos particulares, não 
se pode dizer que saibamos a verdade das Leis da Natureza, que supomos estar baseada na 
evidência de alguma maneira. Nós poderíamos chegar a argumentar que, em vista disso, é 
equivocado, no fim das contas, falar da verdade das leis. Talvez, poder-se-ia falar nelas 
como conjecturas mais ou menos satisfatórias, deixando o caminho aberto, desse modo, 
para o surgimento de evidência nova e conflitante. Poder-se-ia argumentar que, enquanto se 
pode dizer que nós conhecemos aqueles fatos particulares acerca do mundo que formam a 
evidência a favor das leis, pode-se apenas dizer, de maneira apropriada, que nós temos uma 
crença numa lei. Não devemos dizer que nós conhecemos leis, porque isso implica que a lei 
é verdadeira. Não se pode conhecer o que não é verdadeiro. 
Considerações lógicas afetam a epistemologia no problema do estatuto das 
previsões. Nós podemos ter certeza da verdade de uma previsão? Previsões astronômicas 
chegam tão perto da certeza quanto podemos conseguir, de modo que servirão como 
exemplo. A posição de um planeta pode ser determinada com grande precisão. Enunciados 
descrevendo as posições que ele ocupou servem como premissas a partir das quais suas 
posições futuras podem ser inferidas com rigor lógico. [...]. Nós poderíamos estar tentados 
a pensar que as previsões são tão certas quanto os dados nos quais foram baseadas. É 
tentador pensar que a precisão da observação resulta automaticamente em melhoria da 
certeza da previsão. Observações acuradas são essenciais para previsões acuradas, mas a 
certeza é uma outra questão. A certeza de uma conclusão é a certeza do elo mais fraco na 
cadeia da dedução, isto é, da premissa menos certa. Se eu tenho certeza de que John tem 
cabelo ruivo, e tenho razoável confiança de que todas as pessoas ruivas são Celtas, então só 
posso ter razoável confiança de que John é Celta. 
Para utilizar-se os dados astronômicos para fazer uma previsão astronômica por 
dedução, uma teoria astronômica é necessária. Aquela teoria, consistindo em parte de leis, 
será geral. De acordo com os argumentos acima, não se pode saber se ela é verdadeira. No 
máximo, pode-se dizer que ela é a teoria mais satisfatória até então construída. A 
possibilidade de que ela possa ser abandonada por completo significa que ela é menos certa 
do que os dados astronômicos. Olhando para a questão deste ponto de vista, nós estaríamos 
inclinados a entender a teoria como o elo mais fraco na cadeia que leva dos dados à 
previsão. Mas a teoria é, às vezes, mais certa do que os dados. Se nós compararmos nossa 
confiança na correção de uma teoria com nossa confiança nos dados de observações e 
experimentos, eu acredito que haverá muitoscasos nos quais devemos estar mais inclinados 
a favorecer a teoria. Por exemplo, em geral sustenta-se que a teoria da evolução é correta, 
embora os dados nos quais ela está baseada sejam pouco confiáveis e incompletos. Nós 
podemos apontar ainda um outro fator complicador nesta questão. Nossas visões sobre a 
confiabilidade dos dados e até mesmo, em alguma medida, a maneira como os dados são 
interpretados dependem da teoria que é sustentada pelo pesquisador. Não há dados puros. 
Não importa de que maneira olhemos para elas, previsões baseadas em dados e obtidas 
mediante o uso de uma teoria não são mais certas do que a certeza sobre o mais duvidoso 
dos elementos que entram numa previsão. Se uma previsão não for satisfeita, e nós 
tivermos confiança na correção dos dados, e de sua interpretação, então a teoria terá de ser 
revisada, e, em casos extremos, talvez até mesmo superada. 
Este tipo de incerteza sobre o futuro se torna menor à medida que descobrimos mais 
fatos, e refinamos e elaboramos nossas teorias. Nós podemos estar muito mais certos agora 
sobre as posições futuras dos planetas, os efeitos da temperatura sobre as reações químicas, 
o progresso de um paciente acometido de uma certa doença, do que jamais pudemos no 
passado. E nossa certeza em tais questões deve certamente aumentar. Mas há uma 
armadilha filosófica aqui para os incautos. É muito fácil ser levado da concessão razoável 
de que não podemos jamais estar absolutamente certos agora sobre o curso futuro dos 
eventos a uma dúvida inteiramente despropositada sobre a possibilidade de qualquer 
conhecimento do que virá a ocorrer. Perguntando-nos se nós realmente sabemos qual é o 
resultado provável de algum processo, podemos facilmente escorregar para o pensamento 
de que nós realmente não sabemos o que é provável de acontecer. Se nós não sabemos que 
o dióxido de carbono irá tornar a água de cal leitosa, nós devemos estar prontos para a 
possibilidade de que, da próxima vez que passarmos dióxido de carbono através da água de 
cal, qualquer coisa possa acontecer. Ela pode tornar-se verde. No decorrer destas poucas 
sentenças, as dúvidas razoáveis que podemos ter sobre o resultado preciso de experimentos 
e a realização exata de previsões estão sendo transformadas em ceticismo, mediante a 
colocação de uma condição desnecessariamente estrita sobre o que deve contar como 
conhecimento. Se tudo que nós pudermos dizer que sabemos deve ser absolutamente certo, 
então é claro que não temos qualquer conhecimento do futuro, nem qualquer conhecimento 
de tudo o mais. Mas a distinção entre ter conhecimento do futuro e simplesmente adivinhar 
é um dos contrastes por meio dos quais o conceito de conhecimento ganha sentido. Estudos 
científicos não produzem informação que é absolutamente certa. Mas a ciência não é 
adivinhação. De fato, no sentido estrito de conhecimento de acordo com o qual não temos 
qualquer conhecimento do futuro, apenas as verdades da matemática contam como 
conhecimento. 
 
A relação entre lógica e metafísica 
Os exemplos acima foram da influência da lógica sobre a epistemologia. Há 
também casos nos quais idéias derivadas de reflexões epistemológicas influenciaram a 
lógica. Nós examinaremos alguns destes casos posteriormente. Agora, eu quero tratar 
brevemente de alguns exemplos das interações da lógica e da metafísica. O estilo em que as 
análises lógicas de proposições são feitas podem influenciar as visões de uma pessoa acerca 
das categorias metafísicas últimas. Uma maneira que os lógicos utilizam para analisar 
enunciados gerais é através do uso de predicados e de uma ferramenta lógica chamada de 
quantificador. Uma expressão tal como ‘é gasoso’ é chamada de um predicado. Nomes 
comuns podem ser substituídos por predicados sem qualquer perda aparente de significado. 
Em vez de ‘Este cavalo é marrom’, eu poderia dizer ‘Este animal é eqüino e é marrom’. 
Uma expressão como ‘Todos’ ou ‘Algum’ é chamada de quantificador pelos lógicos. É 
usual empregar variáveis x, y etc. com quantificadores da seguinte maneira: em vez de 
‘Todos os cavalos são marrons’, nós escrevemos ‘Todos os que são eqüinos são marrons’, 
eliminando nomes em favor de predicados. Então, em vez do termo vago ‘que’, nós 
utilizamos uma variável, x, e reescrevemos a sentença uma vez mais como 
 
Para todo x, se x é eqüino, então x é marrom. 
 
Esta sentença significa o mesmo que ‘Todos os cavalos são marrons’. 
Utilizando este método de análise com a lei de que todos os gases têm o mesmo 
coeficiente de expansão, chega-se à sentença: 
 
Para todo x e para todo y, se x é gasoso e y é gasoso, então a taxa em que x se 
expande = a taxa em que y se expande. 
Em vez de ser sobre materiais, isto é, gases, a nova forma da lei parece ser sobre as 
propriedades de ser gasoso e de ser capaz de expansão. Uma expressão cunhada em termos 
de nomes parece ser sobre substâncias e coisas, enquanto uma expressão em termos de 
predicados parece ser sobre qualidades e processos.3 
A adesão á lógica de predicados pode levar alguém a pensar que uma proposição é 
melhor expressa numa sentença empregando apenas predicados do que numa sentença 
utilizando nomes e adjetivos. É fácil, então, chegar a pensar que o modo de expressão 
através de predicados é de algum modo um reflexo mais preciso de como as coisas são, por 
assim dizer, uma expressão mais de acordo com a natureza, do que o uso de nomes. Este 
sentimento poderia ser expresso numa teoria metafísica de que ‘propriedade’ e ‘qualidade’ 
são categorias mais fundamentais do que ‘substância’ e ‘coisa’, e de que coisas devem ser 
tratadas como coleções ou colocações de propriedades e qualidades. Nesta visão, uma maçã 
não é algo que é doce, vermelho e redondo, mas é o nexo das qualidades da doçura, de ser 
redondo e de ser vermelho. As coisas nada mais são que colocações de qualidades? Esta é 
uma questão difícil e sua resolução é um problema da metafísica. Nós não podemos decidir 
a questão cientificamente. Não importam que experimentos nós poderíamos fazer, a 
questão ainda poderia ser levantada. É realmente uma questão conceitual. Os conceitos de 
coisas (thing-concepts) são analisáveis sem resto em conjunções de conceitos de qualidade 
(quality-concepts)? 
Algumas questões metafísicas são próximas de questões e problemas científicos e 
são conectadas com estes. A ciência não consiste apenas em fazer experimentos. Cientistas 
também estão envolvidos no desenvolvimento de um sistema adequado e auto-consistente 
de conceitos para compreender o mundo tal como revelado nos resultados dos 
experimentos. Na maioria das ciências, os conceitos de coisas abundam. Que papel eles 
desempenham? Eles são elimináveis? As condições para a aplicação de conceitos de coisas 
são violadas pelos conceitos requeridos pela física subatômica? Que suposições nós 
incorporamos em nosso sistema conceitual apenas por utilizarmos nomes como ‘nêutron’ e 
‘próton’? Considerando-se a natureza do conceito de coisa, parte de uma resposta pode ser 
encontrada, uma vez que o uso de nomes e o emprego de conceitos de coisas são dois 
aspectos do mesmo compromisso metafísico. Nós também retornaremos a estas questões 
em nossa discussão detalhada dos problemas filosóficos da ciência. Nós veremos não 
somente que a lógica influencia a metafísica, mas que a metafísica também tem profundos 
efeitos sobre a lógica. 
 
A relação entre epistemologia e metafísica 
Eu já mencionei a teoria epistemológica de acordo com a qual tudo o que nós 
podemos afirmar que realmente conhecemos é que nós estamos tendo sensações 
particulares no presente. De acordo com a teoria, o conhecimento está confinado a tais fatos 
como o de que estou agora experimentando sensações de pressão em meus dedos, e nós 
podemos apenas inferir que estas são derivadas de eu estar segurando uma caneta. Que há 
agora uma mancha branca em meu campo visual e que há agora um zumbido em meus 
ouvidos são outros de tais fatos. Nós vimos que esta visão é baseada na exploração 
extravagantede reservas perfeitamente razoáveis acerca da possibilidade de conhecimento 
absolutamente certo sobre o mundo. Pareceu, entretanto, que, não importa de que alguém 
 
3 Para uma discussão geral da questão dos nomes, predicados e quantificadores, ser W. V. Quine, From a 
Logical Point of View (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1953), cap. 1. 
poderia duvidar, não se poderia duvidar da verdade das atribuições de sensações e 
sentimentos presentes a alguém. Em vez de falar do papel diante de mim, que envolve 
suposições duvidosas sobre a existência do lado inverso da folha, e da permanência do 
papel no tempo, eu posso falar de uma mancha branca em meu campo visual e esta maneira 
de falar não envolve quaisquer suposições sobre a existência dos lados inversos de folhas, 
ou até mesmo da existência da folha quando não tenho consciência do papel, por exemplo, 
quando não estou olhando para ele ou sentindo-o. Manchas brancas em campos visuais não 
têm um lado de trás e não existem em outros tempos que não aqueles em que são 
experimentadas. Em vez de falar da caneta em minha mão, eu posso falar das sensações de 
pressão em meus dedos. Assim, argumentou-se, para propósitos científicos, nos quais a 
certeza absoluta parece ser um ideal, o objeto de estudo deve estar confinado àqueles itens 
acerca dos quais se pode ter certeza absoluta, isto é, às próprias sensações. Nesta visão, 
uma coisa deve ser tratada como nada mais que uma co-presença de olhares, sensações, 
gostos de um certo tipo. Se eu não estou tocando uma coisa, então, nesta visão, dizer que há 
uma coisa que estou vendo ou ouvindo significa implicar que, sob certas circunstâncias, eu 
experimentaria uma sensação de resistência nas pontas de meus dedos. O conceito de coisa 
parece ser substituível, para propósitos científicos, pelas conjunções de conceitos de 
sensação (sensation-concepts) potenciais e reais. 
Todo um sistema metafísico pode ser construído nesta base. Ele foi chamado de 
‘fenomenalismo’. Todos os conceitos chave da ciência podem ser reinterpretados dentro 
desta teoria. O fato de que mudanças numa coisa podem produzir ou causar mudanças 
numa outra é tratado como redutível ao fato de que uma sensação de um tipo particular é 
usualmente seguida por uma sensação de um outro tipo particular na experiência das 
pessoas. Relações espaciais entre coisas são analisadas como relações temporais entre 
sensações. Por exemplo, a distância de uma coisa a outra poderia ser tratada como o 
número de sensações cinestésicas4 associadas com passos que eu tenho entre uma sensação 
de toque e outra. Sensações sucessivas no tempo se tornam as realidades últimas. Esta é 
uma doutrina metafísica e freqüentemente se supõe que ela é apoiada pela teoria 
epistemológica de que tudo que podemos conhecer com certeza é o fato de termos 
sensações no presente. [...]. 
As conseqüências da adoção de uma teoria metafísica para a epistemologia também 
podem ser profundas. Um exemplo notável e dramático disso é a Teoria Especial da 
Relatividade. Como todas as teorias importantes da física, ela é uma mistura de elementos 
empíricos e metafísicos. O elemento empírico é o fato alegado da constância da velocidade 
da luz em todos os referenciais inerciais. Esta é a hipótese de que a velocidade da luz será a 
mesma não importam quais sejam as velocidades relativas dos corpos a partir dos quais ela 
é medida. Por exemplo, que a velocidade será a mesma para a luz vindo de corpos dos 
quais a Terra está aproximando-se e para a luz vindo de corpos dos quais a Terra está 
afastando-se. O elemento metafísico da teoria corresponde a uma negação da 
inteligibilidade dos conceitos empíricos de posição e tempo absolutos. Qualquer sistema de 
objetos tem igual direito à proposição de que se encontra ‘absolutamente em repouso’. 
Qualquer um que seja escolhido como quadro de referência, os movimentos de todos os 
outros sistemas podem ser determinados com respeito a ele. Mas como qualquer outro 
sistema de objetos pode ser escolhido como o quadro de referência, os movimentos 
 
4 N. T. De ‘cinestesia’: Sentido pelo qual se percebem os movimentos musculares, o peso e a posição dos 
membros. 
determinados com respeito à primeira escolha não têm qualquer direito especial de serem 
descritos como absolutos. Assim, não há maneira de dizer quais movimentos são absolutos. 
Nenhum conceito empírico de movimento absoluto poderia ter aplicação. A teoria da 
relatividade supõe que há simultaneidade absoluta entre eventos, mas, de acordo com a 
teoria, nós nunca podemos determinar quais eventos são simultâneos em relação a quais, 
sem referirmo-nos a algum quadro de referência escolhido de maneira arbitrária. Assim, 
embora o conceito de simultaneidade absoluta seja inteligível, não se pode dar a ele 
aplicação empírica. Esta é a originalidade da teoria. O conceito de simultaneidade absoluta 
é eliminado da ciência em favor de um conceito empírico que torna possível julgamentos 
consistentes de simultaneidade, uma vez que tenha sido feita uma escolha de quais objetos 
se supõe estarem em repouso. A teoria metafísica acerca dos tipos de conceitos de 
movimento e simultaneidade que se pode admitir na ciência, juntamente com a suposição 
empírica da constância universal da velocidade da luz, leva quase diretamente a várias teses 
epistemológicas, tal como a tese de que qualquer que possa ser a relação real dos eventos 
no tempo, nós nunca podemos saber quais são absolutamente simultâneos em lugares 
diferentes. 
Espero que tenha ficado claro que problemas filosóficos são assumidos em qualquer 
prática científica. Nós temos de escolher alguns conceitos com os quais pensar acerca do 
mundo, e isso corresponde a criar ou aprender uma linguagem e aceitar um sistema de 
retratar e conceber as estruturas no mundo. Qualquer conjunto de conceitos que 
escolhamos, não importa em que medida eles possam carecer de conexão sistemática, 
envolve suposições metafísicas, epistemológicas e lógicas. Se nós escolhermos empregar 
conceitos de coisas, nós já estamos enredados numa metafísica que supõe a continuidade 
dos indivíduos no tempo (isto é, que os indivíduos perduram através de certas mudanças 
menores), porque aquela suposição é um aspecto essencial do uso de conceitos de coisas 
(isto é, que uma entidade perdura no tempo é uma das condições necessárias para que ela 
seja apropriadamente chamada de uma coisa). Um objetivo da filosofia da ciência é 
explicitar estes tipos de suposições, mediante a exploração dos conceitos que estão sendo 
empregados, de modo a ver exatamente o que está envolvido em utilizá-los, e descobrir se 
eles caem em algum tipo de sistema. Deve-se tentar ter clareza acerca de quais conceitos, 
exatamente, estão sendo empregados em qualquer empreitada intelectual. 
O valor deste estudo para a própria ciência deriva dos poderes adicionais que são 
conferidos a um cientista quando ele sabe explicitamente quais suposições estão envolvidas 
na linguagem e nos modelos que ele utiliza. Se as suposições são conhecidas, elas podem 
ser mudadas de maneira sistemática, explícita e controlada. Nenhuma quantidade de 
trabalho experimental pode sozinha determinar quais conceitos são os melhores para 
utilizar-se, porque fazer um experimento já requer alguma formulação de um problema e 
isso demanda o uso de alguns conceitos. Isso não significa negar que alguns conceitos são 
mais adequados do que outros. [...]. 
As seções anteriores são um esboço, e apenas um esboço, de alguns dos campos de 
estudo da filosofia da ciência. O próximo passo em nossa investigação será estabelecer de 
uma maneira ampla e geral o que é a ciência, o que os cientistas estão tentando fazer e 
como eles realizam sua tarefa. Por este meio, nós adquiriremos um vocabulário para falar 
acerca do processo científico e de seus produtos. Nós retornaremos então aos campos da 
lógica, epistemologiae metafísica para examinar algumas das teorias clássicas que se 
ocupam do conhecimento científico, e o que nós pensamos sobre suas possibilidades e 
limitações em contextos históricos reais, concernentes a episódios reais da pesquisa 
científica. 
 
O mundo como ele é e o mundo como ele é percebido 
Suponham que nós devêssemos perguntar a um leigo razoavelmente bem informado 
o que ele pensa que os cientistas fazem. Ele provavelmente diria que eles estudam várias 
coisas para tentar descobrir como elas se comportam, como elas funcionam e o que elas 
são. Alguns estão estudando vírus, outros estudam rochas, alguns estudam o 
comportamento de medusas, outros estudam a anatomia de tais criaturas, outros ainda 
estudam as estrelas, e químicos e engenheiros estudam materiais para tentar descobrir sua 
composição e como eles se comportarão em diferentes situações. Alguns desses materiais 
são coisas comuns com as quais estamos muito familiarizados; outros são mais raros. 
Estudar tais coisas e materiais envolve analisá-los, testá-los, estimulá-los e, então, fazer um 
relato detalhado de quaisquer descobertas incluindo uma teoria para explicar a origem, ou o 
comportamento, ou a composição das várias coisas estudadas. A totalidade das coisas e dos 
materiais é o mundo. A ciência tem resultados e aplicações práticas porque, uma vez que 
saibamos o suficiente acerca das coisas do mundo e dos materiais das quais elas são feitas, 
nós podemos fazer todo o tipo de coisas e produzir todos os tipos de efeitos que possamos 
ver como desejáveis. Por exemplo, é agora lugar comum a idéia de que apenas quando nós 
realmente compreendemos a natureza de uma doença, nós estamos realmente em posição 
de controlá-la. 
Para os filósofos, a primeira e mais elementar de todas as distinções é aquela entre o 
mundo como ele é e o mundo como ele se manifesta em seus efeitos sobre os objetos 
sensíveis – isto é, como ele é percebido por nós e detectado por instrumentos. Há teorias 
metafísicas que argumentariam que não há qualquer distinção entre estes dois supostos 
aspectos, que o mundo é exatamente como ele se manifesta em seus efeitos sobre os objetos 
sensíveis. Mas no momento eu irei varrer todas as teorias de lado e assumir uma visão 
ingênua. No fim das contas, as pessoas são perfeitamente capazes de distinguir entre o 
mundo como ele é e o mundo como ele se manifesta para elas. Esta capacidade é 
demonstrada em nossa habilidade de reconhecer e ter na devida conta as ilusões. Nós 
sabemos que pessoas distantes parecem menores do que pessoas próximas. Mas nós 
crescemos tão acostumados a admitir isso que nossos juízos sobre os tamanhos relativos de 
pessoas e coisas levam em conta suas distâncias relativas de nós sem reconhecimento 
explícito dos fatos da perspectiva. [...]. Nós podemos perfeitamente bem fazer muitas de 
tais distinções entre aparência e realidade. 
 
Observação e detecção 
Voltemos agora a considerar os efeitos do mundo sobre os objetos sensíveis. Há 
indubitavelmente dois tipos de tais efeitos. 
Primeiro, há os efeitos sobre as pessoas, no curso dos quais alguns filósofos e a 
maioria dos leigos se inclinam a dizer que as pessoas estão experimentando sensações e 
tendo sentimentos: Eu utilizarei o termo geral ‘sensação’ para descrever este tipo de efeito 
sobre uma pessoa. Às vezes, o objeto sensível não é apenas uma pessoa, mas uma pessoa 
mais um instrumento, do tipo especial que chamarei de ‘ampliador de sentidos’ (sense-
extending), como um telescópio, um microscópio, uma sonda, um estetoscópio, e 
equipamentos similares, que permitem a alguém que sinta o que não se encontra na 
extremidade de seus dedos, ou veja alguma coisa que não poderia de outro modo ver, isto é, 
que não poderia ver sem seus óculos ou telescópios. 
O outro tipo de efeito que as coisas têm é sobre instrumentos que não são 
ampliadores de sentidos. Um exemplo desse tipo de instrumento é o eletroscópio. O 
instrumento é construído de maneira a ser protegido de correntes de ar. Duas folhas de ouro 
ficam penduradas num bastão central, que é conectado a um disco de cobre. Se um bastão 
eletrificado for trazido para perto do disco, as folhas de ouro divergem. Este instrumento é 
claramente sensível à eletrificação. Mas não é um instrumento ampliador de sentidos. Há 
uma curiosa sensação de prurido que nós experimentamos perto de uma coisa eletrificada, 
mas nós não estamos então percebendo uma carga elétrica como uma entidade que ocupa 
espaço. Nossos corpos estão agindo como eletroscópios. Um eletroscópio não estende 
nossos sentidos da maneira como um microscópio o faz. Trata-se de um aparato para 
detectar algo imperceptível. A detecção de um campo magnético mediante o uso de uma 
agulha de bússola é ainda mais distante da percepção, dado que não temos qualquer 
consciência de estarmos num campo magnético. 
 
A natureza e as suposições da experiência 
As pessoas muito raramente descrevem suas experiências em termos de sensações. 
É muito incomum que qualquer pessoa fale de manchas coloridas passando através de seu 
campo visual. Se alguém chega a falar dessa maneira, ela o faz para um médico, e 
esperamos que ele tente fazer algo a respeito. Nossa experiência compreende percepções 
tais como a de coisas em ação, cavalos correndo por exemplo, e materiais sofrendo 
processos, tais como água começando a ferver. Nós temos consciência de coisas em relação 
a outras coisas, por exemplo, de um cavalo ultrapassando outros contra os quais está 
correndo. 
Uma corrida de cavalos parece um acontecimento bastante comum, mas, ainda 
assim, metafisicamente é um assunto muito complicado. Deve haver um quadro de 
referência material relativamente permanente, constituído pela pista. Há objetos materiais 
em movimento, os cavalos, que devem continuar a existir do começo ao fim da corrida. 
Apenas pense nas suposições envolvidas na crença de que o cavalo que foi perdido de vista 
por trás de uma pessoa grande que está bloqueando a visão da pista é o mesmo cavalo que 
está liderando, após os cavalos terem tornado-se novamente visíveis. O que você diria para 
um apostador que persistisse na dúvida de que o cavalo que terminou em primeiro lugar foi 
aquele em que alguém havia apostado no começo da corrida, devido ao fato de que ele não 
esteve sob observação contínua todo o tempo? O que você diria para um físico que 
insistisse que elétrons existem apenas nos momentos em que estão interagindo com 
instrumentos? 
Para usar o conceito de uma coisa, é preciso assumir a existência das ‘coisas’ 
mesmo quando elas não estão sendo observadas ou detectadas. A justificação de tal 
suposição leva a toda uma constelação de problemas metafísicos. O mundo tal como é 
percebido por nós é feito de uma variedade de entidades, incluindo coisas e materiais nos 
quais ocorrem processos. Nossa linguagem ordinária nos permite dizer que podemos sentir, 
ouvir, provar, tocar e ver coisas e materiais sofrendo processos e em relações mutáveis 
umas com as outras. 
 
Percepções e sensações 
Foi suposto que as sensações são as unidades últimas nas quais nossa experiência 
pode ser analisada. Quando eu percebo uma coisa, digamos, uma taça, supõe-se que a 
experiência é analisável num grupo de sensações elementares tais como manchas coloridas 
em meu campo visual e sentimentos de pressão nas pontas de meus dedos. As sensações 
são a contribuição do mundo para a minha experiência. Uma taça, como eu a percebo, é 
vista e sentida por mim como um objeto sólido que tem um tipo de independência, capaz de 
ocupar diferentes lugares e de perdurar no tempo. Estes aspectos da minha percepção não 
são sensações e, acreditam alguns filósofos, não são efeitos do mundo sobre mim. Alguns 
filósofos acreditam que a organização das sensações em percepções, de manchas coloridas 
e pressões sentidas em taças, é algo imposto pela pessoa que tem a experiência. Supõe-se 
que as sensações são as unidades últimas das quais as percepções são compostas, bem 
como as unidades últimasnas quais toda a nossa experiência pode ser analisada. Um 
tratamento similar é freqüentemente proposto para os processos, para os quais as unidades 
elementares de composição e análises são eventos como o de ter uma sensação por um 
organismo sensível. [...] uma filosofia da ciência baseada na idéia de que a ciência se 
ocupa, na verdade, do estudo das sensações, e não das coisas que fazem com que 
experimentemos aquelas sensações [...] está associada à teoria metafísica que identificamos 
como fenomenalismo. 
Há alguma contribuição do conhecedor para o conhecido. Parte desta contribuição 
ocorre ao nível da experiência. Eu argumentarei que a contribuição mais importante vai do 
cientista para seu conhecimento científico quando ele está expressando este conhecimento 
em descrições de observações e teorias. Ela vem através da linguagem que ele utiliza para 
estes propósitos. Ao descrever o que vemos, nós utilizamos a linguagem das coisas que 
perduram no tempo. Ao explicar os acontecimentos dos quais temos consciência, nós 
utilizamos a linguagem das causas, isto é, nós descrevemos coisas e materiais agindo uns 
sobre os outros. Isso é verdade, também, para a linguagem que utilizamos para descrever e 
explicar o comportamento de instrumentos. O comportamento de um instrumento como um 
eletroscópio é descrito na linguagem de coisas e causas. Nós não descrevemos um 
eletroscópio como se ele apenas sacudisse suas folhas de ouro; nós falamos como se ele 
estivesse detectando um campo elétrico. Nós passamos, no pensamento, do efeito bruto 
para alguma realidade substancial, ao falarmos dessa maneira. Um campo elétrico é algo 
distribuído no espaço, perdura no tempo e tem poderes causais. Ele fará com que outras 
coisas aconteçam além da divergência das folhas de um eletroscópio. Descrito nesses 
termos, um campo elétrico começa a ganhar substância em nosso pensamento. Nós 
começamos a tratar o eletroscópio como um aparelho que detecta algo real, não apenas 
como algo que reage à presença de um bastão eletrificado. 
Alguns problemas filosóficos bastante profundos podem ser levantados acerca das 
suposições envolvidas em minha distinção entre o mundo como ele é e os efeitos que ele 
tem sobre nós e nossos instrumentos. Como podemos ter certeza da medida em que o 
mundo, como nós o percebemos, é o mundo como ele é? Como podemos ter certeza de que 
nossos instrumentos de detecção estão detectando substâncias e estados de coisas das quais 
nós não temos de outro modo consciência? Talvez o mundo real seja bastante diferente do 
mundo como nós o percebemos. De fato, ele poderia ser bastante diferente do que nós 
supomos que ele seja mediante nossa compreensão de nossos instrumentos. Talvez nós 
nunca entremos em contato com o mundo como ele realmente é. Então, é claro, nosso 
problema é deflacionado, porque o conceito do ‘mundo como ele é’ não tem qualquer 
aplicação, e nós podemos continuar estudando o mundo como ele parece ser. 
Há um outro problema de maior interesse. Suponham que, impressionados com as 
idéias de que o que nós percebemos é em parte dependente de como nós compreendemos o 
mundo, e de que há mais em ver do que apenas ter luz atuando sobre os olhos, nós tentamos 
alcançar uma verdadeira objetividade buscando apenas registrar as sensações que estamos 
tendo quando estamos percebendo coisas, materiais e processos. A verdadeira objetividade 
é encontrada dessa maneira? Parece que a verdadeira objetividade não poderia ser 
encontrada na direção do que nós percebemos porque nós admitimos que a percepção é 
uma espécie de compreensão, em vez de um simples efeito do mundo sobre nossos órgãos 
sensoriais. [...]. 
O mundo como ele se manifesta para nós é algum tipo de produto da operação de 
nossa compreensão e do efeito do mundo real sobre nós. Se nós não pudermos oferecer uma 
receita à prova de falhas para separar um elemento do outro, em que medida nós podemos 
confiar que o mundo como ele se manifesta é, de alguma maneira o mundo como ele é? 
Esta é a forma geral dos problemas considerados acima. No entanto, as ciências naturais 
com suas técnicas de construção de modelos não dependem da suposição de que o mundo 
como ele se manifesta é idêntico ou até mesmo muito similar ao mundo como ele é. De 
fato, nós construímos, nas ciências, um retrato do mundo como ele é que é conscientemente 
diferente, de muitas maneiras, do mundo como ele é visto, tocado, ouvido e provado. A 
objetividade absoluta da observação não é um ideal possível da ciência. 
 
Pensando e experimentando 
Isso leva naturalmente a uma consideração da parte intelectual da ciência, em 
oposição à parte observacional. Embora nós saibamos que estas não são partes 
verdadeiramente separadas do trabalho dos cientistas, podemos voltar nossa atenção para a 
parte da ciência que é feita através do pensamento, da imaginação, da fala, da elaboração de 
diagramas, e assim por diante, sem supor que fazer observações e utilizar instrumentos são 
atividades destituídas de conteúdo intelectual. Os cientistas não apenas nos oferecem 
descrições e classificações de coisas e materiais e de suas ações e interações, mas também 
nos dão explicações. Eles freqüentemente podem explicar por que existem as coisas que 
existem. Eles podem freqüentemente explicar por que as coisas e os materiais se 
comportam da maneira como o fazem. Tais explicações são usualmente dadas pela 
formulação de uma teoria. 
Uma teoria é expressa em sentenças, diagramas e modelos, isto é, em estruturas 
verbais e pictóricas. A lógica é a teoria geral das estruturas verbais e a teoria dos modelos 
icônicos é a teoria geral das estruturas pictóricas. A lógica e a teoria icônica dos modelos 
estão ambas envolvidas [...] na organização das sentenças em todas as atividades 
intelectuais dos cientistas. Várias imagens falsas destas atividades irão seduzir-nos à 
medida que procedemos. Uma é a idéia da ciência como o acúmulo de verdades separadas 
pela adição de fatos uns aos outros, cada um independentemente verificado por 
experimentos. Esta é, talvez, a visão mais usualmente sustentada e será a primeira para a 
qual dirigiremos nossa atenção crítica. 
O trabalho científico é um trabalho de imaginação tanto quanto é um trabalho de 
bancadas de laboratórios. É através da ajuda da imaginação disciplinada e controlada 
racionalmente que hipóteses quanto à natureza das coisas são inventadas. Nós devemos 
usualmente imaginar, primeiro, os mecanismo que produzem seu comportamento e que 
podem sugerir linhas férteis para os estudos posteriores. A ciência não é história natural, 
não é acúmulo de fatos. Ela é a construção de um retrato do mundo. Ela é uma empreitada 
intelectual que tem como objetivo compreender o mundo. O que a torna diferente de outras 
tais empreitadas, digamos, aquela dos construtores de obras de arte, é que ela é feita sob a 
disciplina do método experimental. E esta disciplina é severa. Uma teoria cujas 
conseqüências não são apoiadas pelo experimento e pela observação deve ser modificada, 
ou algum defeito no experimento, demonstrado. Tampouco a ciência consiste apenas na 
elaboração de leis e sistemas de leis matemáticas que cobrem adequadamente os resultados 
de experimentos quantitativos. A perseguição deste ideal apenas nos levaria diretamente à 
trivialidade. Uma teoria deve servir como base para a explicação, e não apenas ser um 
artefato de codificação. Para satisfazer esta demanda, uma teoria deve descrever os meios 
pelos quais os fenômenos que ela explica vêm a ocorrer. Uma teoria deve referir-se aos 
mecanismos da natureza, não apenas aos resultados quantitativos obtidos através do estudo 
daqueles mecanismos em ação. Tais resultados pertencem à parte disciplinar da ciência, 
raramente ao seu lado criativo. 
Descrição e explicação, observação e teoria, parecem ser aspectos demarcados de 
maneira metódica da mesma distinção. O que é observado pode ser descrito, se os recursos 
da linguagem forem suficientes, e tipicamente faz-se uso de teoriaao propor-se explicações 
científicas. Dificilmente pode ser considerada uma explicação científica dos fenômenos 
simplesmente descrever alguns outros fenômenos com os quais eles estão associados, a 
menos que se tenha alguma concepção de como essa associação é produzida. Então, aquela 
concepção é o que realmente está realizando a explicação e é o coração da teoria. Por 
exemplo, não é uma explicação científica da Aurora Boreal citar a atividade aumentada de 
manchas solares que regularmente antecedem o surgimento do brilho no céu. Uma 
explicação científica dirá por que e como as manchas solares estão associadas com a 
Aurora e isso envolve discussões sobre a natureza das manchas solares e as trajetórias dos 
elétrons que deixam o Sol. Estas discussões são relevantes apenas por que nós temos 
alguma idéia sobre a natureza da Aurora e sabemos bastante sobre as descargas de 
eletricidade em gases tênues. Em suma, para explicar a Aurora, nós descrevemos o 
mecanismo que produz o fenômeno e, assim, vemos por que manchas solares estão 
associadas com a Aurora. Ao fazê-lo, nós mencionamos muitas coisas além de manchas 
solares e da Aurora. [...]. 
Mas não se deve permitir que a insistência nas diferenças entre observação e teoria, 
e entre descrição e explicação, obscureça a extensão em que elas estão relacionadas. 
Descrições de observações não podem ser inteiramente independentes de teorias, seja na 
forma, seja no conteúdo. Não há modos de descrição que permaneçam invariantes em todas 
as mudanças da teoria. A maneira como as observações são descritas muda onde a teoria 
muda. A maneira aceita de explicar fenômenos entra no próprio significado dos termos 
utilizados para descrevê-los. Parece ser um consenso geral entre os filósofos, agora, que o 
ideal de um vocabulário descritivo que seja aplicável às observações, mas que seja 
inteiramente despido de influências teóricas, é irrealizável. Ao compreendermos uma 
descrição, nós precisamos ter consciência das explicações correntes dos fenômenos 
descritos. Tanto teorias científicas como metafísicas entram nas descrições e em nossas 
compreensões delas de várias maneiras. 
 
O envolvimento das teorias na descrição 
Teorias metafísicas: O uso de substantivos e adjetivos na descrição de um fenômeno 
tende a trazer consigo a teoria metafísica das substâncias e qualidades e, assim, implica as 
suposições desta teoria. Nós vimos como a eliminação dos substantivos em favor dos 
predicados envolveria uma mudança profunda nas suposições metafísicas e poderia levar à 
idéia de que a categoria de substância é menos fundamental do que a categoria de 
qualidade. É claro, alguém não tem necessariamente de fazer este movimento metafísico; 
poder-se-ia considerar a eliminação de substantivos em favor de adjetivos apenas uma 
questão de técnica lingüística. 
O envolvimento de teorias científicas no significado dos termos descritivos é 
bastante óbvia no caso das metáforas, uma parte comum e importante dos vocabulários 
descritivos. O uso do termo ‘corrente’ na descrição de fenômenos elétricos não está livre de 
ressonâncias da teoria dos fluidos elétricos. Mas outros termos, aparentemente neutros, 
também possuem em seus significados alguns elementos de uma teoria. Falar de ‘agentes’, 
‘catalisadores’ e ‘compostos’ na química é usar um vocabulário cujos termos derivam seu 
significado, pelo menos em parte, da teoria atômica da mudança química. Compreender a 
descrição de uma substância como alfa-hexaclorobenzeno envolve uma compreensão da 
teoria estrutural da organização molecular. Eu penso que não seja exagero dizer que não há 
qualquer termo utilizado na descrição de observações sobre a natureza e o comportamento 
de coisas e materiais cujo significado possa ser capturado sem qualquer conhecimento da 
teoria ou das teorias relevantes. Em suma, ao aprendermos termos descritivos, estamos 
também aprendendo teorias. Se você aprendeu a identificar piridina apenas pelo seu cheiro, 
então você não sabe realmente o que a palavra ‘piridina’ significa. 
 
Exame da idéia de que as teorias não são descritivas 
As teorias diferem claramente das descrições das observações que elas são 
destinadas a explicar. Mas esta diferença implica que os termos usados numa teoria não são 
descritivos e não podem ser usados de maneira significativa para referir-se a outras coisas, 
outros estados, outros materiais, outros processos realmente existentes, além daqueles que 
elas estão explicando? Considerem um termo como ‘átomo’, que está sempre aparecendo 
em teorias na física e na química. Milhares de tipos de observações são explicados 
mediante referência a átomos. Sem esta noção, a física e a química teriam um conteúdo 
inteiramente diferente. E ainda assim ninguém jamais observou um átomo, com ou sem 
instrumentos ampliadores dos sentidos. Átomos individuais não foram vistos, nem 
escutados, nem tocados, nem sentidos, nem provados. Realmente existem, então, tais 
coisas? Certamente, o argumento epistemológico de que nós não podemos conhecê-los, 
como indivíduos, mediante uma familiarização direta com eles deve ser admitido. Segue 
disso que nós não podemos conhecê-los de modo algum? Se fosse este o caso, nós teríamos 
de dizer que a palavra ‘átomo’ não significa o que nós pensávamos que ela significava. Nós 
pensávamos que ‘átomo’ significava o menor pedaço quimicamente independente de 
material. Nós estivemos usando a palavra ‘átomo’ de modo que, se nós víssemos e 
tocássemos um pedaço de madeira, acreditando que ela fosse feita de átomos, nós 
poderíamos dizer, de maneira bastante apropriada, que nós havíamos visto e tocado uma 
grande massa de átomos. Se não é isso que ‘átomo’ significa, o que esta palavra significa? 
Se a teoria de que termos como ‘átomo’ não são descritivos e não se referem a coisas reais 
tem qualquer força, ela deve oferecer uma explicação do que tais termos significam. 
Uma teoria do significado da palavra ‘átomo’ poderia ser elaborada comparando-se 
seu papel com aquele de um outro termo bastante conhecido, ‘força’. Forças são tão não-
observáveis quanto átomos. Qualquer idéia que possamos ter de sua presença deriva de 
nossa observação de seus supostos efeitos. Mas um pouco de reflexão sobre o papel do 
termo ‘força’ na mecânica clássica mostra que ele é usado para conectar as descrições dos 
estados de sistemas de coisas antes e após eles terem interagido. [...]. O termo ‘força’ é 
introduzido através da lei de ação e reação, isto é, pelo princípio de que, em toda colisão, 
por exemplo, forças iguais e opostas agem entre os corpos em colisão. O conceito de força 
também pode ser introduzido na explicação de tais fenômenos como a órbita de um satélite 
ao redor de um corpo pesado como a Terra. Uma ‘força de gravidade’ é inventada, igual e 
oposta a uma força centrífuga. As duas ‘forças’ permitem que as massas relativas dos dois 
corpos em questão e a velocidade e o raio da órbita do satélite sejam conectadas numa 
equação de movimento. Mas quando eles são dessa forma conectados, o termo ‘força’ 
desaparece. Ele estava cumprindo apenas um papel formal. Talvez ‘átomo’ tenha o mesmo 
papel na química. Talvez todo o discurso sobre átomos, suas propriedades e sua 
organização estrutural, nada mais seja do que um artifício pitoresco para conectar as 
descrições dos materiais envolvidos antes de uma reação química e seu estado após a 
reação ter completado-se. Poder-se-ia argumentar que nada factual é adicionado à descrição 
de uma reação quando o fato de que dois volumes de oxigênio se combinam com um 
volume de oxigênio para dar dois volumes de vapor d’água é explicado por referência à 
fórmula atômica: 
 
2H2 + O2 = 2H2O 
 
Os fatos observados são explicados por referência à hipótese de que os gases em 
reação são constituídos por moléculas diatômicas. Alguém que desejasse distinguir o papel 
de ‘átomo’ do papel de ‘força’ na linguagem da ciência poderia insistir que ‘átomo’ tem de 
fato um significado acima e além de seu papel como um conectorde fatos em 
conhecimento organizado, sistemático, a saber, que ele significa a mais simples parte ou o 
mais simples pedaço quimicamente independente de um material. É correto insistir em seu 
significado independente? [...] 
 
Conceitos 
Ao falar sobre descrições e explicações, eu utilizei a palavra ‘conceito’. Ela não 
deve ser tomada como uma palavra funcionando da mesma maneira como a palavra 
‘átomo’, mas, antes, como algo como a palavra ‘força’. Ela é usada para distinguir nossos 
atos de pensamento de nossos atos de escrita, desenho, planejamento e modelagem. Falar 
do conceito de ‘causa’ é falar da idéia de causalidade, como é demonstrado em nosso uso 
de um vocabulário causal, isto é, em nosso uso de expressões tais como ‘gerar’, ‘produzir’, 
‘fazer’, ‘resultar’, ‘poder’, e assim por diante, como é demonstrado em nosso uso de 
engrenagens e transmissões mecânicas para produzir o que nós queremos, e como é 
demonstrado em nosso uso de modelos e diagramas de mecanismos para explicar os 
processos observados. Assim, falar de conceitos permite que uma discussão geral prossiga 
sem especificar exatamente a quais termos o conceito é aplicado: lingüísticamente, 
concretamente ou como revelado na ação. 
Conceitos científicos podem ser dispostos em dois grandes grupos. Há aqueles como 
‘massa’, ‘comprimento’, ‘carga’, ‘força’, ‘vermelho’, ‘ouro’, ‘mamífero’, ‘momentum’, 
‘valência’ etc., que nós chamaremos de ‘conceitos materiais’. Eles são conceitos de 
propriedades, tipos, qualidades e substâncias que podem ser usados na descrição de coisas, 
materiais e processos. Coisas e materiais têm massa, são vermelhos, adquirem momentum, 
exibem valência, e assim por diante. Há também aqueles que eu chamarei de ‘conceitos 
formais’, ou, alternativamente, conceitos ‘estruturais’ ou ‘organizacionais’. Os conceitos 
formais incluem ‘causação’, ‘existência’, ‘identidade’ e os conceitos temporais e espaciais. 
Identificar algum estado de uma coisa, ou a presença de uma coisa em certo lugar num 
certo tempo, como uma causa, não é atribuir a ela qualquer nova qualidade ou poder que 
não havia sido previamente atribuído a ela, mas antes vir a vê-la como relacionada de uma 
certa maneira a outros estados de coisas que são seus efeitos. Similarmente, dizer que algo 
existe não é atribuir-lhe uma característica especial ausente em coisas não-existentes. 
Quando se diz que duas coisas são idênticas, isso não descreve qualquer ligação física entre 
elas. Conceitos como ‘existência’ e ‘identidade’ impõem uma organização intelectual a 
nossas observações. Eles são usados para expressar nossa compreensão do que está 
acontecendo. 
Conceitos materiais e formais podem sofrer classificações adicionais. Por exemplo, 
emergiram algumas diferenças entre o papel do conceito de força na mecânica clássica e o 
papel do conceito de átomo na química clássica. O conceito de força parece funcionar de 
maneira a tornar difícil tratá-lo como referindo-se a influências reais entre coisas reais, 
enquanto o conceito de átomo de fato parece referir-se a algo acima e além das proporções 
dos reagentes. A hipótese atômica não é apenas uma maneira pitoresca de expressar a Lei 
da Proporção Integral. A palavra ‘átomo’ parece significar a menor parte dos materiais com 
os quais os químicos trabalham que se comportam quimicamente. A questão de se há 
átomos parece ser, de fato, uma questão empírica, ainda que possa ser jamais respondida de 
maneira inteiramente conclusiva. Outras distinções emergem. O conceito de momentum é 
usado para uma característica de corpos em movimento que não é observável por nossos 
sentidos, sejam desnudos ou ampliados, enquanto vermelhidão é uma característica 
observável das coisas. Vermelhidão é como a qualidade de ser liso, por ser uma 
característica observável, mas difere desta última por ser correlacionada simplesmente com 
um conceito quantitativo, a saber, o comprimento de onda da luz refletida de uma coisa 
para o olho quando estamos vendo algo vermelho. O comprimento difere da temperatura 
porque, enquanto o comprimento é medido através de coisas compridas, a temperatura é 
medida por algo diferente da energia interna de um material, a saber, pela expansão de uma 
coluna de fluido, ou por mudanças na condutividade elétrica, ou até mesmo por mudanças 
de cor. [...]. 
O objetivo da filosofia da ciência é elucidar os princípios assumidos pela ciência. 
Estes serão encontrados através de estudos em lógica, metafísica e epistemologia. Mas a 
filosofia da ciência deve ser relacionada ao que os cientistas realmente fazem e a como eles 
realmente pensam. [...]. Nós [devemos] ‘testar’ nosso pensamento filosófico mediante 
referência à prática real da ciência, porque nós não devemos formular ideais em nossa 
teoria da ciência que sejam incompatíveis com qualquer prática científica importante.

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