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LETRAS 2021.1 LITERATURAS AFRICANAS EM LÍNGUA PORTUGUESA WEBCONFERÊNCIA 2 Prof. Me. Neilton Lima Jofre Rocha “De mãos vazias” as mãos trago-as vazias / só nos olhos conservo o sonho. / e no íntimo guardo recordações amargas / do género dito humano. / as mãos trago-as vazias / mas volto rico de presentes / para todos vós, camaradas. / minha bagagem de escravo forro, / ei-la: / um punhado de folhas soltas / contendo meus versos tristes / sabendo a fome e maresia. / as mãos trago-as vazias / e minha bagagem são só versos tristes… / mas para vós, camaradas / trago um peito aberto / para as dores do nosso sofrer / trago os braços abertos / para a solidariedade dum abraço. / volto de mãos vazias / de mãos vazias sim, camaradas / mas nos olhos conservo o sonho. Manuel Ferreira (1989) discute a emergência da literatura (sobretudo da poesia) nos espaços africanos colonizados pelos portugueses, propondo a observação de quatro momentos. No primeiro, destaca o teórico que o escritor está em estado quase absoluto de alienação. Os seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte do mundo: é o momento da alienação cultural. Ao segundo momento corresponde a fase em que o escritor manifesta a percepção da realidade. O seu discurso revela influência do meio, bem como os primeiros sinais de sentimento nacional: a dor de ser negro, o negrismo e o indigenismo. O terceiro momento é aquele em que o escritor adquire a consciência de colonizado. A prática literária enraíza-se no meio sociocultural e geográfico: é o momento da desalienação e do discurso da revolta. O quarto momento corresponde à fase histórica da independência nacional, quando se dá a reconstituição da individualidade plena do escritor africano: é o momento da produção do texto em liberdade, da criatividade e do aparecimento de outros temas, como o do mestiço, o da identificação com África, o do orgulho conquistado. In:http://www4.pucminas.br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_A RQ_ARQUI20121019162329.pdf A expressão Africanidades, ao tratar das realidades brasileiras, refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros. Ela traz marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. A Negritude designa em primeiro lugar a repulsa. Repulsa esta ante a assimilação cultural; repulsa por uma determinada imagem do negro tranquilo, incapaz de construir uma civilização. Foi o nome dado a uma corrente literária que agregou escritores negros francófonos e também uma ideologia de valorização da cultura negra em países africanos ou com populações afro-descendentes expressivas que foram vítimas da opressão colonialista. Para a Negritude, o aspecto cultural está acima do político. O grande passo para a virada da temática da literatura produzida em Cabo Verde foi dado em 1936, na Ilha de S. Vicente, por um grupo de intelectuais, que lançou a revista Claridade. Os intelectuais que possibilitaram a publicação da revista foram, principalmente, Baltasar Lopes (autor do romance Chiquinho – 1947), Manuel Lopes (autor do romance Os flagelados do vento leste – 1960) e Jorge Barbosa (poeta renomado, autor de Arquipélago – 1935, Ambiente – 1941, Caderno de um ilhéu – 1956, e Poesia inédita e dispersa – edição póstuma, 1993). Em Angola devem ser destacados, em primeiro lugar, José da Silva Maia Ferreira (Luanda, Angola, 1827 – Rio de Janeiro, Brasil, 1881) e seu livro Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas (1849), considerado por alguns teóricos como a primeira obra da literatura angolana. São considerados os precursores da moderna literatura angolana os escritores Antônio de Assis Júnior, Castro Soromenho e Oscar Ribas. Antônio de Assis Júnior (Luanda, 1887 – Lisboa, 1960) é autor do romance O segredo da morta (1935), apontado pelo crítico angolano Luiz Kandjimbo (1997) como o marco inicial da literatura angolana Os principais escritores moçambicanos são Noémia de Souza (que teve de se exilar do país em 1951), José Craveirinha (o maior poeta de Moçambique, morto em 2003), Luís Bernardo Honwana (autor do célebre Nós matamos o cão tinhoso), Rui Knopfli, Virgílio de Lemos e Rui Nogar, todos ligados a movimentos que traçaram o panorama literário de Moçambique dos anos 40 e 50, cujos ecos podem ser percebidos na poesia do pós-independência. Distinguem-se pelo menos três fases no processo de construção da literatura moçambicana: a fase colonial, a fase nacional e a fase pós-colonial. Senhor administrador, se eu insisti nisto é só porque me custa ver uma terra tão rica a ser desperdiçada pelos pretos, [...] e sempre lhe digo que esta vila podia ter melhor sorte se se desse um pouco mais de atenção às pretensões das suas gentes [...] Senhor administrador, eu sempre confiei na clarividência com que Vossa Excelência dirige superiormente os interesses das populações neste momento conturbado [...]. (HONWANA, 1985, p. 153) Ana Paula Ribeiro Tavares (Lubango, província da Huíla, Angola, 30 de Outubro de 1952) é uma historiadora e poetisa angolana. Iniciou o seu curso de história na Faculdade de Letras do Lubango (hoje ISCED, Instituto Superior de Ciências da Educação do Lubango), terminando-o em Lisboa. Tanto a prosa como a poesia de Ana Paula Tavares estão presentes em várias antologias publicadas em Portugal, no Brasil, em França, na Alemanha, em Espanha e na Suécia. A escrita de Tavares sofreu influência de autores brasileiros, como Manuel Bandeira, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto, cujas obras chegavam a Angola por meio de viajantes. Segundo a poeta, não só a literatura, mas também a música brasileira influenciou sua escrita. A mãe não trouxe a irmã pela mão / viajou toda a noite sobre os seus próprios passos / toda a noite, esta noite, muitas noites / A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado / a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das espigas vermelhas / A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites todas as noites / com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste / e só trazia a lua em fase pequena por companhia / e as vozes altas dos mabecos. / A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção / no pano mal amarrado / nas mãos abertas de dor / estava escrito: / meu filho, meu filho único / não toma banho no rio / meu filho único foi sem bois / para as pastagens do céu / que são vastas / mas onde não cresce o capim. / A mãe sentou-se / fez um fogo novo com os paus antigos / preparou uma nova boneca de casamento. / Nem era trabalho dela / mas a mãe não descurou o fogo / enrolou também um fumo comprido para o cachimbo. / As tias do lado do leão choraram duas vezes / e os homens do lado do boi / afiaram as lanças. / A mãe preparou as palavras devagarinho mas o que saiu da sua boca / não tinha sentido. / A mãe olhou as entranhas com tristeza / espremeu os seios murchos / ficou calada / no meio do dia. (Ana Paula Tavares, “A mãe e a irmã”). In: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/angola/ana_paula_tavares. html http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/angola/ana_paula_tavares.html Quando regresso a Benguela, tenho sempre a sensação de reentrar no ventre materno. Começa pelo ar. Cada terra tem o seu ar, com consistência própria e sobretudo cheiros particulares. Sinto isso ao chegar, sendo mais acentuado se a viagem é feita de avião, em que não há etapas de transição para adaptação dos sentidos às mudanças... Depois há a cidade e as gentes." Palavras de Pepetela sobre a sua cidade natal. É a escrita mestiça de um dos maiores nomes da literatura africana, de um dos melhores criadores de expressão portuguesa. Uma escrita grande na beleza estética, imensa no sentido comunicacional, cuidada naforma rigorosa, contida, e libertadora numa sempre renovada proposta-activa de fazer do pensamento, hoje, a arma principal contra todas as moléstias sociais, políticas e culturais. Guerrilheiro que foi, Pepetela sabe definir os tempos e as circunstâncias. Por isso mesmo, guerrilheiro continua, guerrilheiro, todavia, que usa as palavras para um combate que tem de travar-se nos campos do conhecimento e da reflexão." In: Maria Augusta Silva, Diário de Notícias. Mia Couto, fragmentos de “Terra Sonâmbula” Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Em cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão. Em resignada aprendizagem da morte. (In: Forli e Rückert (2017, p. 11) “Se um dia me arriscar a um outro lugar, hei-de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim.” “Você sabe: em terra de cego quem tem um olho fica sem ele.” “Afinal, em meio da vida sempre se faz as seguintes contas: temos mais ontens ou mais amanhãs?” “A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco.” Quero / escrever-me de homens / quero / calçar- me de terra / quero ser a estrada marinha / que prossegue depois do último caminho // e quando ficar sem mim / não terei escrito / senão por vós / irmãos de um sonho / por vós / que não sereis derrotados / deixo / a paciência dos rios a idade dos livros // mas não lego / mapa nem bússola / porque andei sempre / sobre meus pés / e doeu- me / às vezes / viver / hei-de inventar um verso que vos faça justiça / por ora / basta-me o arco- íris // em que vos sonho / basta-te saber que morreis demasiado / por viverdes de menos / mas que permaneceis sem preço / companheiros (Mia Couto, “Companheiros”. In: https://www.contioutra.com/dez-inesqueciveis- poemas-de-mia-couto/ https://www.contioutra.com/dez-inesqueciveis-poemas-de-mia-couto/
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