Buscar

LITERATURA_BRASILEIRA_IV

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

 No tópico três da última aula de Literatura Brasileira III, 
chamado sintomaticamente “Uma inquietação prenuncia o 
Pós-Modernismo”, vimos que a linguagem poética e, por 
extensão, a própria linguagem literária, começa a 
questionar sua insuficiência para acessar o real, para 
veicular uma compreensão incontestável de verdades, que 
começam a ser abaladas. Temos aí então o que chamamos 
estética da falta, da fratura, da impossibilidade. A disciplina 
de Literatura Brasileira III encerrou-se com dois poemas de 
Carlos Drummond de Andrade, que incorporavam essa 
inquietação. 
 Vamos retomar essa linha de tensão da poesia de 
meados do século XX como ponto de partida para o estudo 
desse momento da literatura brasileira que começa aí e que 
podemos chamar de Modernismo tardio, ou Pós-
modernismo. 
 
 No ano de 1945, Carlos Drummond de Andrade 
publicou um livro de poemas chamado A rosa do povo, 
que ficou conhecido por sua postura combativa, em 
que denuncia as mazelas do capitalismo, os horrores 
da guerra e a iniquidade das injustiças sociais. 
Entretanto, figura nesse livro que se poderia chamar 
engajado um poema, hoje canônico, que diverge do 
tom compromissado dos demais, e que faz uma 
reflexão importante sobre o fazer poético. O poema é 
“Procura da poesia”. 
 
 Não faças versos sobre acontecimentos. 
Não há criação nem morte perante a poesia. 
Diante dela, a vida é um sol estático, 
não aquece nem ilumina. 
As afinidades, os aniversários, os incidentes 
pessoais não contam. 
Não faças poesia com o corpo, esse excelente, 
completo e confortável corpo, tão infenso à efusão 
lírica. 
 
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 
 Como cronista e contista, escreveu, entre outras obras, 
Fala, amendoeira, A bolsa e a vida, Quadrante 1 e 2 e 
cadeira de balanço. 
 Na poesia, é possível observarmos a presença de pelo 
menos quatro fases. Vejamos: 
 1. Fase gauche: consciência e isolamento 
 Nessa fase são comuns o pessimismo, o 
individualismo, o isolamento, a reflexão existencial, 
além de certas atitudes permanentes que se estenderão 
por toda a obra do autor, tais como a ironia e o uso da 
metalinguagem. 
 
 Poema de sete faces 
 
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 
 
As casas espiam os homens 
que correm atrás de mulheres. 
A tarde talvez fosse azul, 
não houvesse tantos desejos. 
 
O bonde passa cheio de pernas: 
pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. 
Porém meus olhos 
não perguntam nada. 
 
 O homem atrás do bigode 
é sério, simples e forte. 
Quase não conversa. 
Tem poucos , raros amigos 
o homem atrás dos óculos e do bigode. 
 
 
 Meu Deus, por que me abandonaste 
se sabias que eu não era Deus 
se sabias que eu era fraco. 
 
 Mundo mundo vasto mundo 
se eu me chamasse Raimundo, 
seria uma rima, não seria uma solução. 
Mundo mundo vasto mundo, 
mais vasto é meu coração. 
 
 Eu não devia te dizer 
mas essa lua 
mas esse conhaque 
botam a gente comovido como o diabo. 
 
 
 2. Fase social 
 Nessa fase, o eu-lírico de seus poemas manifesta interesse 
pelos problemas da vida social, da qual estivera isolado até 
então. De certa forma, o gauchismo da primeira fase é 
deixado de lado. Essa mudança de postura diante da 
realidade observada nos poemas de Drummond relaciona-
se ao contexto histórico, marcado pelo nazi-fascismo e a 
Segunda Guerra Mundial. No Brasil, viu-se ainda a 
Intentona Comunista (1935) e a ditadura de Vargas (1937-
45). Em todo o mundo se verificava o crescimento de uma 
literatura social engajada numa causa política. 
 Percebe-se que muitos poemas são postos a serviço da 
causa revolucionária, transformada em instrumento de luta 
e de expressão da esperança e da solidariedade. 
 
Mãos dadas 
 
 Não serei o poeta de um mundo caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considere a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. 
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. 
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. 
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens 
presentes, 
a vida presente. 
 
 
 3) O signo do não 
 Na década de 1950, a poesia de Drummond tomou 
novos rumos. O período crítico de guerras, ditaduras e 
medo tinha passado. O mundo vivia então a Guerra 
Fria e o poeta acumulava o desencanto de sua aventura 
política pela poesia. 
 A partir de Claro enigma, a criação poética de 
Drummond começou a seguir duas orientações: de um 
lado, a poesia reflexiva, filosófica e metafísica – em 
que, com frequência, aparecem os temas da morte e do 
tempo; de outro, a poesia nominal, com tendências ao 
Concretismo, em que ressalta a preocupação com 
recursos fônicos, visuais e gráficos do texto. 
 
 
 um ausente 
 
Tenho razão de sentir saudade, 
tenho razão de te acusar. 
Houve um pacto implícito que rompeste 
e sem te despedires foste embora. 
Detonaste o pacto. 
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência 
de viver e explorar os rumos de obscuridade 
sem prazo sem consulta sem provocação 
até o limite das folhas caídas na hora de cair. 
 
Antecipaste a hora. 
Teu ponteiro enlouqueceu, 
 enlouquecendo nossas horas. 
Que poderias ter feito de mais grave 
do que o ato sem continuação, o ato em si, 
o ato que não ousamos nem sabemos ousar 
porque depois dele não há nada? 
 
 
 Tenho razão para sentir saudade de ti, 
de nossa convivência em falas camaradas, 
simples apertar de mãos, nem isso, voz 
modulando sílabas conhecidas e banais 
que eram sempre certeza e segurança. 
 
Sim, tenho saudades. 
Sim, acuso-te porque fizeste 
o não previsto nas leis da amizade e da natureza 
nem nos deixaste sequer o direito de indagar 
porque o fizeste, porque te foste. 
 
 
 
 
 
 4) Fase final: tempo de memória 
 A produção poética de Drummond das décadas de 1970 e 1980 dá 
amplo destaque ao universo da memória. Nela, ao lado de temas 
universais, são retomados e aprofundados certos temas que 
nortearam toda obra do escritor, tais como a infância, Itabira, o 
pai, a família, a piada, o humor, o cotidiano e a auto-ironia. 
 
 Itabira 
 
Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê 
Na cidade toda de ferro 
as ferraduras batem como sinos. 
Os meninos seguem para a escola. 
Os homens olham para o chão. 
Os ingleses compram a mina. 
 
Só, na porta da venda, Tutu caramujo cisma na 
derrota incomparável. 
 
 A poesia da década de 40 do século XX deixa 
transparecer uma certa descrença nos projetos 
modernistas de transformação da poesia e da 
sociedade, uma em diálogo com a outra, projetos esses 
em geral presididos pela noção de identidade nacional. 
Alguns críticos literários demonstram, por sua vez, 
descrença em relação aos descrentes, isto é, 
reivindicam a volta de uma poesia que “diz”, que 
“afirma”, que contém “verdades” que possam ser 
verificadas no âmbito da sociedade. 
 
 Vivemos uma fase crítica, demasiado refinada nuns, 
demasiado grosseira noutros; em todo o caso, pouco 
criadora, embora muito engenhosa. Em poesia, as 
melhores vozes ainda nos vêm de antes, como a de 
Henriqueta Lisboa (Flor da morte, 1949) ou Vinícius de 
Moraes (Poemas, sonetos e baladas, 1946), para não 
citar Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, 
cujos primeiros livros são de 1930, ou Manuel 
Bandeira, pré-modernista e modernista da primeira 
hora. No romance, é significativo o êxito de um 
veterano, José Geraldo Vieira, cuja obra é revalorizada 
depois da publicação, em 1943, de A quadragésima 
porta. 
 Obra de cunho cosmopolita, às voltas com problemas 
intemporais do destino humano, não raro tendo a Europa 
por cenário, carregada de intenções simbólicas,de vistosa 
erudição e complicados arrojos vocabulares. Não menos 
significativo, o de Clarice Lispector (Perto do coração 
selvagem, 1944; O lustre, 1946), que situa os seus romances 
fora do espaço, em curiosas encruzilhadas do tempo 
psicológico. Mais significativo do que tudo, porém, são as 
revistas e agrupamentos poéticos e críticos, as mais das 
vezes fascinados por problemas de organização formal da 
sensibilidade, de clarividência poética, e manifestando 
irritada impaciência com as impurezas literárias da geração 
anterior. (Antônio Cândido) 
 
A POESIA DA INQUIETAÇÃO 
 Henriqueta Lisboa foi a segunda filha do farmacêutico e 
deputado federal João de Almeida Lisboa e de sua esposa 
Maria de Vilhena Lisboa. Foi a primeira mulher eleita 
membro da Academia Mineira de Letras. 
 Publicou vários ensaios e poesias. Seu primeiro livro, 
chamado Fogo fátuo, foi publicado quando ela tinha vinte e 
um anos. Para as crianças, Henriqueta dedicou três obras: 
O menino poeta (1943), Lírica (1958) e a reedição de O 
menino poeta, em 1975. Este último livro foi lançado em 
disco, pelo Estúdio Eldorado. 
 Henriqueta Lisboa recebeu diversos prêmios, entre eles o 
Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia 
Brasileira de Letras. Ela também foi inspetora de alunos, 
professora de literatura e tradutora - Henriqueta traduziu 
os famosos Cantos de Dante Alighieri. 
JOÃO CABRAL DE MELO NETO 
 João Cabral de Melo Neto (Recife, 9 de janeiro de 1920 
— Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999) foi um poeta e 
diplomata brasileiro. Sua obra poética, que vai de uma 
tendência surrealista até a poesia popular, porém 
caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a 
confessionalismos e marcados pelo uso de rimas 
toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no 
Brasil. 
 Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo 
do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto 
Freyre, João Cabral foi amigo do pintor Joan Miró e do 
poeta Joan Brossa. 
 Membro da Academia Pernambucana de Letras e da 
Academia Brasileira de Letras, foi agraciado com vários 
prêmios literários. Quando morreu, em 1999, 
especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio 
Nobel de Literatura. 
 Entre outras obras, João Cabral publicou O cão sem 
plumas, O rio, A educação pela pedra e Museu de tudo. 
 
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS 
 Quando o leitor é confrontado com a poesia de Cabral 
percebe-se, a princípio, um certo número de algumas 
dualidades antitéticas, trabalhadas com um certo 
barroquismo e à exaustão. Entre espaço e tempo, entre 
o dentro e o fora, entre o maciço e o não-maciço… 
Entre o masculino e o feminino, entre o Nordeste 
desértico e a Andaluzia fértil, ou entre a Caatinga 
desértica e o úmido Pernambuco. É uma poesia que 
causa algum estranhamento a quem espera uma poesia 
emotiva, posto que seu trabalho é basicamente 
cerebral e "sensacionista", buscando uma poesia 
construtivista e comunicativa, objetiva. 
 
 Embora exista uma tendência surrealista em seus 
poemas, principalmente nos iniciais, como em Pedra 
do Sono, buscando uma poesia que fosse também 
expressiva, João Cabral não precisa recorrer ao pathos 
("paixão") para criar uma atmosfera poética, fugindo 
de qualquer tendência romântica, mas busca uma 
construção elaborada e pensada da linguagem e do 
dizer da sua poesia, transformando toda a percepção 
em imagem de algo concreto e relacionado aos 
sentidos, principalmente ao do tato, como pode-se 
perceber bem em Uma faca só lâmina. Neste poema, 
Cabral apresenta a imagem da faca através da sensação 
de vazio que a facada deixa na carne, contrastando 
com a própria faca sólida que a penetra. 
 
 Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia 
deste autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, 
navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, 
seco, mineral, deserto, asséptico, vazio, fome. Coisas 
sólidas e sensações táteis: uma poesia do concreto. 
 Seu universo poético é essencialmente nordestino, com 
muitas referências à zona da mata e ao sertão. Fiel às 
origens, o autor pernambucano trouxe para o poema a 
aridez dos espaços em que se criou. A linguagem que utiliza 
aparece despida de ornamentos. 
 As imagens da realidade são reduzidas à sua essência e as 
palavras estão dispostas em uma organização rigorosa. A 
reflexão sobre o fazer poético é um dos principais temas do 
autor. São freqüentes em sua obra, os metapoemas, ou seja, 
os poemas que falam sobre a composição poética. 
 
 Catar Feijão 
 
Catar feijão se limita com escrever: 
jogam-se os grãos na água do alguidar 
e as palavras na folha de papel; 
e depois, joga-se fora o que boiar. 
Certo, toda palavra boiará no papel, 
água congelada, por chumbo seu verbo: 
pois para catar esse feijão, soprar nele, 
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.[...] 
 
 Vale lembrar que a sua obra inaugural, Pedra do sono 
(1942), ja apresentava uma inclinação para a 
objetividade, embora esteja identificada com a 
orientação surrealista. 
 A partir da obra seguinte, O engenheiro (1945), 
verifica-se um afastamento da linha surrealista e uma 
tendência crescente à geometrização e à exatidão, 
como se o poeta procurassse ter como exemplo o 
trabalho de um engenheiro. 
 
A luz, o sol, o ar livre 
envolvem o sonho do engenheiro. 
O engenheiro sonha coisas claras: 
superfícies, tênis, um copo de água. 
O lápis, o esquadro, o papel; 
o desenho, o projeto, o número: 
o engenheiro pensa o mundo justo, 
mundo que nenhum véu encobre. [...] 
 
 Talvez se possa afirmar que a poesia de João Cabral tenha 
sido a primeira a estabelcer um corte profundo entre a 
poesia romântica e a moderna. Para o poeta, a poesia não é 
o fruto de inspiração nem de estados emocionais, como o 
amor, a alegria,, etc.; ela resulta de um trabalho racional 
árduo, que implica fazer e desfazer várias vezes o texto até 
que atinja sua forma mais adequada. 
 No conjunto da obra de Cabral, destacam-se três 
tendências fundamentais: a preocupação com a realidade, 
na qual se destaca seu trabalho mais conhecido, Morte e 
Vida Severina, a reflexão permanente sobre a criação 
artística, e o aprimoramento da poética da linguagem 
objeto, isto é, a linguagem que, pela própria construção, 
procura sugerir o assunto retratado. 
 
MORTE E VIDA SEVERINA 
 — O meu nome é Severino, 
como não tenho outro de pia. 
Como há muitos Severinos, 
que é santo de romaria, 
deram então de me chamar 
Severino de Maria 
como há muitos Severinos 
com mães chamadas Maria, 
fiquei sendo o da Maria 
do finado Zacarias. 
 
 Mais isso ainda diz pouco: 
há muitos na freguesia, 
por causa de um coronel 
que se chamou Zacarias 
e que foi o mais antigo 
senhor desta sesmaria. 
 Como então dizer quem falo 
ora a Vossas Senhorias? 
Vejamos: é o Severino 
da Maria do Zacarias, 
lá da serra da Costela, 
limites da Paraíba. 
 
CECÍLIA MEIRELES 
 Primeira mulher a alcançar destaque no cenário da 
poesia brasileira, Cecília Meireles escreveu vários livros 
de poesia em que desenvolveu as tendências da 
corrente espiritualista da segunda geração. Na sua obra 
destacam-se Espectros (1919), Baladas para El-Rei 
(1925), Viagem (1939), Vaga música (1942), Mar 
absoluto (1945), Retrato natural (1949), Romanceiro da 
Inconfidência (1953), Canções (1956) e o livro de 
poesias infantis Ou isto ou aquilo (1964). 
 Sua sensibilidade manifestava-se na valorização da 
intuição e da emoção como formas de interpretar o 
mundo. O lirismo delicado que caracteriza sua poesia 
está intimamente ligado a imagens da natureza (a 
água, o mar, o ar, o vento, o espaço, a rosa, etc.) e do 
infinito, compondo uma atmosfera de sonho e de fuga. 
 Dotada de um forte rigor formal, o trabalho de 
Cecília Meireles apresenta preocupação com a seleção 
vocabular e com o verso curto. A efemeridade das 
coisas e a fugacidade do tempo – temas explorados 
pela tradição clássica,especialmente pelo Barroco – 
são também abordados pela poetisa e constituem um 
dos pontos altos de sua poesia. 
 
 
 Retrato 
 
 Eu não tinha este rosto de hoje, 
assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, 
nem o lábio amargo. 
 
Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração 
que nem se mostra. 
 
Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
 — Em que espelho ficou perdida 
a minha face? 
 
 
 Motivo 
 Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa. 
Não sou alegre nem sou triste: 
sou poeta. 
 
 Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento. 
Atravesso noites e dias 
no vento. 
 
 Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
― não sei, não sei. Não sei se fico 
ou passo. 
 
 Sei que canto. E a canção é tudo. 
Tem sangue eterno a asa ritmada. 
E um dia sei que estarei mudo: 
― mais nada. 
CLARICE LISPECTOR 
 De origem judaica, terceira filha de Pinkouss e de 
Mania Lispector. A família de Clarice sofreu a 
perseguição aos judeus, durante a Guerra Civil Russa 
de 1918-1921. Seu nascimento ocorreu em Chechelnyk, 
enquanto percorriam várias aldeias da Ucrânia, antes 
da viagem de emigração ao continente americano. 
Chegou no Brasil quando tinha dois meses de idade. 
 A família chegou a Maceió em março de 1922, sendo 
recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e 
primo José Rabin. Por iniciativa de seu pai, à exceção 
de Tania – irmã, todos mudaram de nome: o pai 
passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia – 
irmã, Elisa; e Chaya, Clarice. Pedro passou a trabalhar 
com Rabin, já um próspero comerciante. 
 
 Clarice Lispector começou a escrever logo que 
aprendeu a ler, na cidade do Recife, onde passou parte 
da infância. Falava vários idiomas, entre eles o francês 
e inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o 
idioma materno, o iídiche. 
 Em 1939 Clarice Lispector ingressou na faculdade de 
direito, formando-se em 1943. Trabalhou como 
redatora para a Agência Nacional e como jornalista no 
jornal "A Noite". Casou-se em 1943 com o diplomata 
Maury Gurgel Valente, com quem viveria muitos anos 
fora do Brasil. O casal teve dois filhos, Pedro e Paulo, 
este último afilhado do escritor Érico Veríssimo. 
 
 Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação 
do romance A Hora da Estrela com câncer inoperável 
no ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu 
no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° 
aniversário. 
 Clarice publicou romances, contos, crônicas e 
literatura infantil. De suas mais de vinte obras 
destacam-se: Perto do coração selvagem, Laços de 
família (contos, 1960), A paixão segundo G.H. 
(romance, 1964), Uma aprendizagem ou O livro dos 
prazeres (romance, 1969), Água viva (prosa, 1973), A 
hora da estrela (romance, 1977) A bela e a fera (contos, 
1979). 
 
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS 
 Estreando em 1944 com o romance Perto do coração 
selvagem, Clarice Lispector tornou-se uma das mais 
importantes escritoras brasileiras. Inicialmente mal 
compreendida pela crítica, introduziu em nossa 
literatura técnicas novas, que obrigavam a uma revisão 
de critérios avaliativos. Sua narrativa subverte com 
frequência a estrutura dos tradicionais gêneros 
narrativos ( o conto, a novela, o romance), quebra a 
sequência “começo, meio e fim”, assim como a ordem 
cronológica, e funde a prosa à poesia, ao fazer uso 
constante de imagens, metáforas, antíteses, paradoxos, 
símbolos, sonoridades, etc. 
 
 
 Outro aspecto inovador da prosa de Clarice é o fluxo da 
consciência, uma experiência mais radical do que a 
introspecção psicológica, já praticada por vários 
escritores desde o Realismo no século XIX. 
 A introspecção psicológica tradicional procura 
desvendar o universo mental da personagem de forma 
linear, com espaços determinados e com marcadores 
temporais nítidos. O leitor tem pleno domínio da 
situação e distingue com facilidade um momento do 
passado – revivido pela personagem por meio da 
memória – de um momento presente ou de um 
momento de imaginação. 
 
 O fluxo de consciência quebra esses limites espaço-
temporais que torna a obra verossímil. Por meio dele 
presente e passado, realidade e desejo se misturam. 
Como se fosse um painel de imagens captadas por uma 
câmera instalada no cérebro de uma personagem que 
deixa o pensamento solto, o fluxo de consciência cruza 
vários planos narativos, sem preocupação com a lógica 
ou com a ordem narrativa. 
 Essas experiências já vinham sendo feitas no 
exterior pelos escritores Marcel Proust e James Joyce. 
No Brasil, foi Clarice quem as introduziu. 
 
 Muitas vezes, além do fluxo de consciência, as personagens 
de Clarice vivem também um processo epifânico. Esse 
processo pode ser interrompido a partir de fatos banais do 
cotidiano: um encontrão, um beijo, um olhar, um susto. A 
personagem, mergulhada num fluxo de consciência passa a 
ver o mundo e a si mesma de outro modo. É como se tivesse 
tido, de fato, de uma revelação e, a partir dela, passasse a ter 
uma visão mais aprofundada da vida, das pessoas, das 
relações humanas, etc. 
 De modo geral, esses momentos epifânicos são dilacerantes 
e dão origem a rupturas de valores e questionamentos 
filosóficos e existenciais, permitindo a aproximação de 
realidades opostas, tais como nascimento e morte, bem e 
mal, amor e ódio, matar ou morrer por amor, seduzir e ser 
seduzido, etc. 
 
 Outra característica recorrente, na ficção de Clarice, é a 
presença constante de animais que representam o “coração 
selvagem” da vida, que pulsa descontrolada, sem se 
submeter às regras e expectativas sociais. Essa é uma forma 
também revolucionária de simbolizar a busca incessante 
das personagens pela libertação das amarras sociais . 
 Clarice Lispector nunca aceitou o rótulo de escritora 
feminista. Apesar disso, muitos de seus romances e contos 
têm como protagonistas personagens femininas, quase 
sempre urbanas. Seus temas, no conjunto, são 
essencialmente humanos e universais, como as realações 
entre o eu e o outro, a falsidade das relações humanas a 
condição social da mulher, o esvaziamento das relações 
familiares e, sobretudo, a própria linguagem – única forma 
de comunicação com o mundo. 
 
ESTRUTURA RECORRENTE 
 Se os temas abordados pela autora têm em comum o 
desejo de esmiuçar os processos interiores dos seres 
humanos, as narrativas também seguem uma estrutura 
semelhante, que o crítico Affonso Romano de 
Sant’Anna definiu em quatro passos: 
1. A personagem é disposta numa determinada situação 
cotidiana. 
2. Prepara-se um evento que é pressentido discretamente 
pela personagem (algo como uma inquietação). 
3. Ocorre o evento que ilumina sua vida (epifania) 
4. Apresenta-se o desfecho, no qual a situação da vida da 
personagem, após a epifania, é reexaminada. 
 
TRECHOS PARA ANÁLISE 
 Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e 
sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, 
malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha 
era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O 
calor era forte no apartamento que estavam aos poucos 
pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma 
cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar 
a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela 
plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas 
essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida 
conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o 
tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o 
marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto 
importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, 
tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de 
vida. 
 
 Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da 
tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada 
mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto 
sentia-se mais sólidado que nunca, seu corpo 
engrossara um pouco e era de se ver o modo como 
cortava blusas para os meninos, a grande tesoura 
dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo 
vagamente artístico encaminhara-se há muito no 
sentido de tornar os dias realizados e belos; com o 
tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e 
suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto 
que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa 
se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida 
podia ser feita pela mão do homem. 
 
 No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a 
raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe 
dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de 
mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse 
inventado. O homem com quem casara era um homem 
verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. 
Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma 
doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para 
descobrir que também sem a felicidade se vivia: 
abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes 
invisíveis, que viviam como quem trabalha - com 
persistência, continuidade, alegria.[...] 
 [...]Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então 
ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego 
mascava chicles. 
 
 Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os 
irmãos viriam jantar - o coração batia-lhe violento, 
espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se 
olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem 
sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da 
mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de 
sorrir, sorrir e deixar de sorrir - como se ele a tivesse 
insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de 
uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez 
mais inclinada - o bonde deu uma arrancada súbita 
jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô 
despencou-se do colo, ruiu no chão - Ana deu um grito, o 
condutor deu ordem de parada antes de saber do que se 
tratava - o bonde estacou, os passageiros olharam 
assustados. 
 (LISPECTOR, Clarice. Amor. Laços de família. Rio de 
Janeiro: Rocco, 1998. P. 19-20. Fragmento) 
 
GUIMARÃES ROSA 
 Foi o primeiro dos sete filhos de Florduardo Pinto Rosa 
("Fulô") e de D. Francisca Guimarães Rosa 
("Chiquitinha"). Autodidata, começou ainda criança a 
estudar diversos idiomas, iniciando pelo francês 
quando ainda não tinha 7 anos, como se pode verificar 
neste trecho de entrevista concedido a uma prima, 
anos mais tarde: 
 
 “Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, 
italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, 
holandês, latim e grego (mas com o dicionário 
agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a 
gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do 
lituano do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do 
checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um 
pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que 
estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas 
ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma 
nacional. Principalmente, porém, estudando-se por 
divertimento, gosto e distração”. 
 
 Ainda pequeno, mudou-se para a casa dos avós, em Belo 
Horizonte, onde concluiu o curso primário. Iniciou o curso 
secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, 
mas logo retornou a Belo Horizonte, onde se formou. Em 
1925, matriculou-se na então "Faculdade de Medicina da 
Universidade de Minas Gerais", com apenas 16 anos. 
 Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Pena, de 
apenas 16 anos, com quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. 
Ainda nesse ano se formou e passou a exercer a profissão 
em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde 
permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que 
passou a ter contato com os elementos do sertão que 
serviram de referência e inspiração a sua obra. 
 
 De volta de Itaguara, Guimarães Rosa serviu como 
médico voluntário da Força Pública (atual Polícia 
Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 
1932, indo para o setor do Túnel em Passa-Quatro 
(MG) onde tomou contato com o futuro presidente 
Juscelino Kubitschek, naquela ocasião o médico-chefe 
do Hospital de Sangue. Posteriormente, entrou para o 
quadro da Força Pública, por concurso. Em 1933, foi 
para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º 
Batalhão de Infantaria. 
 
 Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns 
anos de sua vida como diplomata na Europa e na 
América Latina. 
 No Brasil, em sua segunda candidatura para a 
Academia Brasileira de Letras, foi eleito por 
unanimidade (1963). Temendo ser tomado por uma 
forte emoção, adiou a cerimônia de posse por quatro 
anos. Em seu discurso, quando enfim decidiu assumir 
a cadeira da Academia, em 1967, chegou a afirmar sob 
tom sarcástico: "…a gente morre é para provar que 
viveu.". Faleceu três dias mais tarde na cidade do Rio de 
Janeiro, em 19 de novembro. 
 
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS 
 Realismo mágico, regionalismo, invenções linguísticas e neologismos 
são algumas das características fundamentais da literatura de 
Guimarães Rosa, mas não as suficientes para explicar seu sucesso. 
Guimarães Rosa prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da 
temática, e vice-versa, uma potencializando a outra. 
 O caráter regionalista que definiu a ficção da geração de 1930 aparece 
completamente transformado nas obras de Guimarães Rosa. As marcas 
regionais são evidentes nos termos utilizados, na recriação da fala de 
jagunços e de vaqueiros do interior de Minas. As questões tematizadas, 
porém, vão muito além de uma perspectiva regional. 
 
 Em suas narrativas, Rosa nos revela os grandes dramas humanos: a dor, 
a morte, o ódio, o amor, o medo. Indagações filosóficas são expressas 
por homens simples, incultos, deixando claro que os grandes fantasmas 
da existência podem ser identificados em qualquer lugar, desde um 
grande centro urbano até um minúsculo vilarejo nos sertões das Gerais. 
Essa incansável busca de respostas para as angústias humanas faz com 
que o regionalismo, na ficção de Guimarães Rosa, ganhe uma dimensão 
universal. 
 Guimarães Rosa tornou-se conhecido primeiro pelo livro de contos 
Sagarana. Quando a obra surgiu, em 1948, causou surpresa pela 
linguagem, que recriava o português como língua literária e dava uma 
dimensão nova ao regionalismo, vertente tão explorada na literatura 
brasileira. 
 
 A novidade linguística trazida pelo regionalismo de 
Rosa foi a de recriar na literatura, a fala do sertanejo 
não apenas no plano do vocabulário, como outros 
autores tinham feito, mas também no da sintaxe (a 
construção da frase) e no da melodia da frase. Dando 
voz ao homem do sertão por meio de técnicas como o 
foco narrativo em 1ª pessoa, o discurso direto, o 
discurso indireto, o monólogo interior, a língua falada 
no sertão está presente nas obras do autor, resultado de 
muitos anos de observação, anotações e pesquisa 
linguística. 
 
 
GRANDE SERTÃO: VEREDAS 
 Grande Sertão: veredas é a expressão máxima do que a ensaísta Dirce 
Cortes Riedel chamou de “sertão construído na linguagem", isto é, o 
sertão dos Campos Gerais apropriado e recriado pela poesia rosiana. 
Mais extensa das narrativas do autor, o livro é a narração pelo 
personagem Riobaldo, de suas andanças pelo sertão. 
 O jagunço Riobaldo conta sua saga a um ouvinte letrado, cuja presença 
é perceptível apenas pelas marcas que deixa no discurso do narrador. 
 O projeto de João Guimarães Rosa em Grande Sertão: veredas é o de 
discorrer sobre elementos universais, alegoricamente contextualizados 
em um ambiente pretextualmente regional, numa escrita poética 
marcada por inúmeras idiossincrasias. Dessa forma, eleva-se o sertão à 
condição de locus hominis: “o sertão é do tamanho do mundo”. 
 
 O sertão é “onde o pensamento da gente se forma mais 
forte que o poder do lugar”. Local onde a vida 
contemplativa e absurda suplanta o automatismo da 
técnica modernae do senso comum (“quando acordei, não 
cri: tudo que é bonito é absurdo - Deus estável”). Nesse 
ambiente, o homem transborda de sua individualidade e 
redescobre-se no mundo. 
 A aridez sertaneja, enfatizada sobretudo na linguagem 
visceralmente regionalista, contrasta com a dimensão 
universal da narrativa de Riobaldo. Homem e mundo, 
realidade e devaneio, mundano e divino, são aspectos de 
um mesmo conflito, exaustivamente contemplado pela 
literatura universal (casos paradigmáticos são a Ilíada, de 
Homero; a Divina Comédia, de Dante; o Dom Quixote, de 
Miguel de Cervantes e o Fausto, de Goethe) e que na obra 
de Guimarães Rosa figura sob o paradoxismo sertão-grande 
sertão. “E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja 
se for jagunço, mas a matéria vertente”. 
 
 Guimarães Rosa declarou que esse romance é sua 
"autobiografia irracional". O grande sertão é o 
acontecimento do milagre no “vai-vem da vida burra” e 
cética, descrente de si. É a constatação plena de que 
"viver é negócio muito perigoso". Como 
"autobiografia", é a proposta de se viver de forma 
transcendente à limitada condição humana: ao invés 
de "viver para contá-la", o autor vai "contar para vivê-
la". 
 
TRECHOS PARA ANÁLISE 
 Lugar sertão se divulga;é onde os pastos carecem de 
fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem 
topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu 
cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O 
Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na 
beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas, almargem 
de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão 
de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda 
virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses 
gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer 
aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de 
opiniães...O sertão está em toda a parte." 
 
 " Tempos foram, os costumes demudaram. Quase que, 
de legítimo leal, pouco sobra, nem não sobra mais 
nada. Os bandos bons de valentões repartiram seu fim; 
muito que foi jagunço, por aí pena, pede esmola. 
Mesmo que os vaqueiros duvidam de vir no comércio 
vestidos de roupa inteira de couro, acham que traje de 
gibão é feio e capiau." 
 
 “De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava... 
 
 (...) Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E 
estou contando não é a história de um sertanejo, seja se 
for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender 
do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente 
para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que 
induz a gente para más ações estranhas, é que a gente 
está pertinho do que é nosso por direito, e não sabe, 
não sabe, não sabe!" 
 
 " O senhor... Mira veja: o mais importante e bonito, do 
mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, 
ainda não foram terminadas -- mas que elas vão 
sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade 
maior. " 
 
 
TUTAMÉIA 
 Publicado em julho de 1967, poucos meses antes da 
morte de Guimarães Rosa, Tutaméia [Terceiras 
estórias] é a reunião de 40 histórias extremamente 
curtas, que haviam sido veiculadas anteriormente no 
jornal Pulso, uma publicação dedicada aos médicos. 
 
 No seu lançamento, o livro causou estranheza à crítica 
e aos leitores quer pelo número e extensão dos 
trabalhos, quer pelo próprio título que afirmava serem 
aquelas as 'terceiras estórias', sem que, no entanto, 
tivesse havido as 'segundas', depois do livro anterior. 
 Visto isso, foram os que se perguntaram como encarar o 
livro de Guimarães Rosa: se como uma 'anedota de 
abstração' [expressão utilizada pelo próprio autor em um 
dos prefácios], como síntese de todo o trabalho, ou como 
um novo momento de escrita em que a linguagem - o texto 
falando de si próprio - seria predominante. 
Infelizmente, a questão sobre uma 'nova fase' nos textos de 
Guimarães Rosa ficou em aberto. Os livros que seriam 
publicados posteriormente em edições póstumas eram 
apenas coletâneas de material escrito em diferentes épocas 
e ainda não-publicado. Restou o livro em si como enigma. 
 
 
 
 Um fato, entretanto, não se pode negar: nas 40 
histórias, o enredo é muito tênue. São, como afirma 
Assis Brasil, no livro Guimarães Rosa, 'apenas 
'seqüências', 'episódios', atos 'circunstanciais' - a trama 
eliminada, a história, fica apenas a vida a expor-se, a 
entremostrar, neste painel de tutaméias'. Isso faz com 
que se tenham flashes sobre determinadas situações 
que o leitor atento deve captar e, pelo raciocínio, 
completar, dando-lhe continuidade. Há, portanto, em 
todo o livro, um movimento de solicitar a participação 
efetiva do leitor. 
 
 
IMPORTANTE 
 BERNARDO CARVALHO foi editor do suplemento de 
ensaios Folhetim, e correspondente da Folha de São 
Paulo em Paris e Nova Iorque. Seus dois primeiros 
livros foram editados na França. 
 Bernardo Carvalho teve o seu livro Mongólia 
distinguido com o Prêmio APCA da Associação 
Paulista dos Críticos de Arte, edição 2003, bem como o 
Prêmio Jabuti de 2004, ambos na categoria romance. 
Antes, ele recebeu, a meias com Dalton Trevisan (Pico 
na Veia), o Prêmio Portugal Telecom de Literatura 
Brasileira, com o romance Nove Noites. 
NOVE NOITES 
 Nove Noites, sexto livro de Bernardo Carvalho, narra uma 
investigação sobre a misteriosa morte de um antropólogo 
americano, Buell Quain, que aos 27 anos, em 1939, se suicida 
após uma estada em uma aldeia indígena situada no Tocantins, 
no Brasil, quando subitamente regressava à civilização. No meio 
da floresta, Quain, sem motivos aparentes, retalhou-se e 
enforcou-se na frente de dois índios horrorizados que o 
acompanhavam na volta para a cidade da Carolina. 
 
Este é o ponto de partida da narrativa de Bernardo Carvalho: um 
caso trágico, senão mórbido, perdido nos anos e na memória. 
Bernardo decidiu, a partir de tão poucas informações, tecer um 
romance utilizando a história fatídica de Buell Quain como base, 
entrelaçando história e ficção, texto jornalístico e um estranho 
narrador que entrecorta todo o livro. 
 
 
 
 O narrador / confessor do antropólogo responde pela parte 
ficcional de Nove Noites, ao passo que o próprio Bernardo 
Carvalho encarna e responde pelo lado jornalístico, do 
levantamento de dados que indiquem os reais motivos que 
levaram Buell Quain a dar cabo de sua existência. Não se 
sabe quem investiga, até porque ninguém nunca lhe 
perguntou a razão da sua curiosidade. Há a desculpa de 
querer escrever um livro, que vai adiantando para não 
levantar suspeitas. A mistura que o autor tenta levar a 
termo é extremamente interessante como recurso literário: 
insere fotos e personagens da década de 1930 na história, 
como pessoas reais ou imaginárias, o leitor nunca sabe 
exatamente onde está pisando. Pela sua mão somos guiados 
por entrevistas com pessoas que privaram com Quain, 
arquivos públicos, e memórias deixadas em cartas, escritas 
pelo suicida antes de morrer, e por um seu amigo, com 
quem partilhou nove noites de conversas e revelações. 
 
 
 São vários mistérios que se interligam, e adensam a narrativa, em 
que o leitor partilha a claustrofobia e evasão de identidade das 
personagens. Da mesma forma, Bernardo Carvalho abre um 
campo de especulação na mente do leitor, não somente sobre os 
motivos que ocasionaram a morte de Buell Quain, mas 
principalmente sobre o significado e as conseqüências da 
transferência de um jovem norte-americano para o interior das 
florestas brasileiras. O autor junta habilmente a realidade e a 
ficção, o romance e a investigação que desenvolveu sobre os 
índios e sobre o antropólogo. Como nos diz o próprio autor nos 
agradecimentos é uma combinação de memória e imaginação, - 
como todo o romance, em maior ou menor grau, de forma mais 
ou menos direta. 
 
Em outras palavras, Nove Noites é um excelente exemplo do nem 
sempre salutar choque cultural. 
 
 
 
 Nove Noites desconstrói as estratégias da narrativa realista e 
propõe um jogo com o real, jogo no qual, além de desconstruir as 
estratégiasda narrativa realista, este romance desafia os modos 
nos quais a cultura de massas "consome" realidade. 
 
A história de Quain é verdadeira. O autor soube dela por um 
artigo no "Jornal de Resenhas", da "Folha de S. Paulo", escrito 
pela antropóloga Mariza Corrêa, em que o caso era citado de 
passagem. 
 
A história do escritor, ao menos em parte, também procede: na 
orelha do livro há uma foto de Carvalho, aos seis anos, ao lado de 
um índio do Xingu, região onde seu pai de fato fora proprietário 
de terras. O resto permanece em suspense - e nem o próprio 
autor parece disposto a separar fato de ficção.

Continue navegando