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A luta Antiditatorial - Fidel Castro

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I. A LUTA 
ANTIDITATORIAL 
1. A mSTõRIA ME ABSOLVERÁ * 
[16 de outubro de 1953] 
[ ... ] Quando falamos em povo, não nos referimos aos setores aco­
modados e conservadores da nação, aos quais convêm qualquer regime 
de opressão, qualquer ditadura, qualquer despotismo, prostrando-se diante 
do amo de turno até bater a cabeça no chão. Quando falamos em luta, 
entendemos por povo a grande maioria oprimida, à qual todos prometem, 
enganam e traem; aquela que age conforme os anseios ancestrais de 
justiça, por ter sofrido, geração após geração, a injustiça e a zombaria; 
aquela que anseia por grandes e sábias transformações em todos os 
planos e, para consegui-Ias, está disposta a dar até sua última gota 
de sangue, quando acredita em algo ou em alguém, sobretudo quando 
acredita suficientemente em si mesma. A primeira condição da sinceridade 
e da boa-fé num propósito é exatamente fazer o que ninguém faz, isto 
é, falar com absoluta clareza e sem medo. Os demagogos e políticos 
profissionais querem fazer o milagre de estar bem com tudo e com todos, 
enganando necessariamente a todos em tudo. Os revolucionários devem 
proclamar suas idéias com valentia, definir seus princípios e expressar 
suas intenções para que ninguém se engane, nem amigos nem inimigos. 
Chamamos de povo, se se trata de lutar, os 600 000 cubanos que 
estão sem trabalho, desejando ganhar honradamente seu pão, sem ter 
de emigrar da sua pátria em busca de sustento; os 500000 operários 
do campo que vivem em choças miseráveis, que trabalham quatro meses 
por ano e passam fome o resto do tempo, compartilhando com seus 
* Reproduzido de CASTRO, Fidel. La hisloria me absolverá (excertos). La Habana, 
Editora Política, 1983. p. 45-67, 102-9, 131-3. 
filhos a miséria, que não têm uma polegada de terra para semear e cuja 
existência deveria inspirar compaixão, se não houvesse tantos corações de 
pedra; os 400000 operários industriais e braçais, cujos rendimentos 
estão todos desfalcados, cujas conquistas estão sendo arrebatadas, cujas 
"casas são infernais cortiços, cujos salários passam das mãos do patrão 
às do agiota, cujo futuro é a redução do salário e a dispensa do emprego, 
cuja vida é o trabalho eterno e cujo descanso é o túmulo; os 100 mil 
pequenos agricultores, que vivem e morrem trabalhando uma terra que 
não é sua, contemplando-a sempre tristemente, como Moisés à terra 
prometida, até morrer sem chegar a possuí-la, tendo de pagar por seus 
pequenos pedaços de terra, da mesma forma que os servos feudais, 
com uma parte dos seus produtos, não podendo amar essa terra, nem 
melhorá-la, nem embelezá-la, plantar um cedro ou uma laranjeira, por­
que ignoram o dia em que virá um oficial de justiça com a polícia rural 
para lhes dizer que devem sair dali; os 30 mil professores primários e 
outros educadores, tão abnegados, sacrificados e necessários para um 
destino melhor para as futuras gerações, e aos quais se trata e se paga 
tão mal; os 20 mil pequenos comerciantes sufocados pelas dívidas, 
arruinados pela crise e destruídos por uma praga de funcionários aventu­
reiros e venais; os 10 mil jovens profissionais - médicos, engenheiros, 
advogados, veterinários, pedagogos, dentistas, farmacêuticos, jornalistas, 
pintores, escultores etc. - que, ao saírem das escolas com seus diplomas, 
desejosos de lutar e cheios de esperança, se encontram num beco sem 
saída, com todas as portas fechadas, surdas ao clamor e à súplica. Esse 
é o povo, o que sofre todas as infelicidades e é, portanto, capaz de 
combater com toda a coragem! A esse povo, cujos caminhos de angústia 
estão pavimentados de enganos e falsas promessas, não lhe diríamos: 
"Vamos te dar", mas: "Aqui tens; luta agora com todas as tuas forças, 
para que sejam tuas a liberdade e a felicidade!" 
No sumário desta causa devem constar as cinco leis revolucionárias 
que seriam proclamadas imediatamente após a tomada do quartel Mon­
cada e divulgadas por rádio à nação. :e. possível que o coronel Chaviano 
tenha destruído deliberadamente esses documentos, mas, se os destruiu, 
eu os conservo na memória. 
A primeira lei revolucionária devolvia ao povo a soberania e pro­
clamava a Constituição de 1940 como a verdadeira Lei suprema do 
Estado, até que o povo decidisse modificá-la ou mudá-la. Para a sua 
implantação, incluindo o castigo exemplar a todos os que a tinham 
traído, não existindo órgão eleito pelo povo, o movimento revolucionário, 
como encarnação momentânea dessa soberania, única fonte legítima de 
poder, assumiria todas as faculdades que lhe "são inerentes, exceto a 
de modificar a própria Constituição: faculdade de legislar, faculdade de 
executar e faculdade de julgar. 
40 41 
Essa atitude não podia ser mais diáfana e despida de idiotices e 
charlatanismos estéreis: um governo aclamado pela massa de comba­
tentes receberia todas as atribuições necessárias para proceder à implan­
tação efetiva da vontade popular e da verdadeira justiça. A partir desse 
instante, o poder Judiciário, que se colocou desde o 10 de março contra 
a Constituição e fora da Constituição, deixaria de funcionar como tal e 
se procederia à sua imediata e total depuração, antes de assumir nova­
mente as faculdades que lhe concede a Lei suprema da república. Sem 
essas medidas prévias, a volta à legalidade, colocando sua proteção em 
mãos que claudicaram desonrosamente, seria uma fraude, um engano e 
mais uma traição. 
A segunda lei revolucionária concedia a propriedade da terra, sem 
possibilidade de embargo e intransferível, a todos os colonos, subcolonos, 
arrendatários, parceiros e posseiros que ocupassem áreas de cinco ou 
menos caballerías 1 de terra, indenizando o Estado a seus antigos pro­
prietários na base da renda média que receberiam por essas terras no 
curso de dez anos. 
A terceira lei revolucionária outorgava aos operários e empregados 
o direito de participação de 30% nos lucros, em todas as empresas 
industriais, comerciais e mineiras, incluindo as centrais açucareiras. 
Excetuavam-se as empresas exclusivamente agrícolas, devido a outras 
leis de caráter agrário que seriam implantadas. 
A quarta 'lei revolucionária concedia a todos os colonos o direito 
de participar de 55 % do rendimento da cana e a quota mínima de 
40 000 arrobas a todos os pequenos colonos que estivessem estabelecidos 
há três ou mais anos. 
A quinta lei revolucionária ordenava a confiscação total dos bens 
de todos os malversadores de todos os governos e dos seus coniventes 
e herdeiros, tanto dos bens recebidos por testamento quanto de forma 
fraudulenta, sem testamento. Esse confisco se daria através de tribunais 
especiais, com plenas faculdades de acesso a todas as fontes de inves­
tigação, de intervenção nas sociedades anônimas registradas no país, ou 
que nele operem, nas quais possam ocultar-se bens malversados, e de 
solicitação ' aos governos estrangeiros da extradição de pessoas e do 
embargo de bens. A metade dos bens recuperados iria para as caixas 
de aposentadoria dos operários e a outra metade para os hospitais, asilos 
e casas de beneficência. 
Declarava-se, além disso, que a política cubana na América seria 
de estreita solidariedade com os povos democráticos do continente e que 
os perseguidos políticos das sangrentas tiranias que oprimem nações 
irmãs não encontrariam na pátria de MartÍ, como hoje, perseguição, fome 
1 Medida agrária. 1 caballería 13,430 m2. (N. do ed. cubano.) 
e traição, mas asilo generoso, fraternidade e pão. Cuba deveria ser um 
baluarte de liberdade, e não expressão vergonhosa de despotismo. 
Essas leis seriam proclamadas imediatamente e a elas seguiriam, 
uma vez terminada a luta e depois do estudo minucioso do seu conteúdo 
e alcance, outra série de leis e medidas igualmente fundamentais, como 
a reforma agrária, a reforma integral do ensino e a nacionalização do 
truste elétrico e do truste telefônico, a devolução ao povo do excesso 
ilegal que estiveram cobrando em suas tarifas e pagamento de todas as 
quantias que sonegaram à Fazenda pública. 
Todas essase outras medidas estariam inspiradas no cumprimento 
estrito de dois artigos essenciais de nossa Constituição, um dos quais 
determina a proscrição do latifúndio, para o que fixa0 máximo de 
terra que cada pessoa ou entidade pode ter para cada tipo de exploração 
agrícola, adotando medidas que tendam a devolver a terra ao cubano; 
e o outro ordena categoricamente' que o Estado empregue todos os 
meios que estejam ao seu alcance para proporcionar ocupação a todos 
os que dela careçam e assegurar a cada trabalhador manual ou intelec­
tual uma vida decente. Nenhuma dessas medidas poderá, portanto, ser 
qualificada de inconstitucional. . O primeiro governo oriundo de eleição 
popular teria que respeitá-las; não só porque teria um compromisso 
moral com a nação, mas também porque, quando os povos alcançam 
conquistas pelas quais ansiaram por várias gerações, não há força no 
mundo capaz de arrebatá-las. 
O problema da terra, o problema da industrialização, o problema 
habitacional, o problema do desemprego, o problema da educação e o 
problema da saúde do povo: eis os seis pontos para cuja solução, junto 
com a conquista das liberdades públicas e da democracia política, ter­
-se-iam encaminhado resolutamente nossos esforços. 
Talvez esta exposição pareça fria e teórica, se não se conhece a 
espantosa tragédia que está vivendo o país no que se refere a essas seis 
questões, às quais se soma a mais humilhante opressão política. 
85 % dos pequenos agricultores cubanos pagam renda e vivem sob 
a permanente ameaça da expulsão de suas terras. Mais da metade das 
melhores terras cultivadas está em ' mãos estrangeiras. Em Oriente, que 
é a maior província, as terras da United Fruit Company e da West Indian 
unem a costa norte com a costa sul. Há 200 000 ,famílias camponesas 
que não possuem um palmo de terra onde semear alimentos para seus 
filhos famintos, enquanto permanecem sem cultivar, em mãos de interes­
ses poderosos, cerca de 300 000 caballerías de terras produtivas. Se Cuba 
é um país eminentemente agrícola, se sua população é em grande parte 
camponesa, se a cidade depende do campo, se o campo fez a indepen­
dência, se a grandeza e a prosperidade de nossa nação dependem de um 
campesinato saudável e vigoroso, que ame e saiba cultivar a terra, de 
43 42 
um Estado que o proteja e o oriente, como é possível que esse estado 
de coisas continue? 
Salvo umas poucas indústrias alimentícias, madeireiras e têxteis, 
Cuba continua sendo uma feitoria produtora de matérias-primas. Expor­
ta-se açúcar para importar caramelos, exporta-se couro para importar 
sapatos, exporta-se ferro para importar arados ... Todo mundo concorda 
na necessidade urgente de industrializar o país, que são necessárias indús-:- . 
trias metalúrgicas, indústrias de papel, indústrias químicas, que é preciso 
melhorar a criação, os cultivos, a técnica e elaboração de nossas indús­
trias alimentícias, para que possam resistir à concorrência ruinosa que 
fazem as indústrias européias de queijo, leite condensado, licores e azeites 
e as de conservas norte-americanas; que necessitamos de navios mercan­
tes; que o turismo poderia ser uma enorme fonte de riquezas; mas os 
proprietários do capital exigem que os operários se submetam às forcas 
caudinas, que o Estado cruze os braços e a industrialiiação fique para 
as calendas gregas. 
Tão grave ou pior é a tragédia da habitação. Existem em Cí.lba 
200000 barracões e choças; 400000 famílias do campo e da cidade 
vivem amontoadas em barracões, cortiços e porões, sem as mais ele­
mentares condições de higiene e saúde; 2 200 000 pessoas de nossa 
população urbana pagam aluguéis que absorvem entre um quinto e um 
terço dos seus rendimentos; e 2 800000 pessoas de nossa população 
rural e suburbana carecem de luz elétrica. Aqui acontece o mesmo: se 
o Estado se propõe rebaixar os aluguéis, os proprietários ameaçam para­
lisar todas as construções; se o Estado se abstém, constroem enquanto 
podem receber um tipo elevado de renda, depois não põem nenhum tijolo 
mais, ainda que o resto da população viva na intempérie; outro tanto 
faz o monopólio elétrico: estende as linhas até o ponto em que possa 
conseguir um lucro satisfatório, a partir do qual não lhe interessa se as 
pessoas viverão nas trevas pelo resto dos seus dias. O Estado cruza os 
braços, e o povo. continua sem casa e sem luz. 
Nosso sistema de ensino se combina perfeitamente com toda a 
situação descrita. Num campo onde o camponês não é o dono da 
terra, para que se querem escolas agrícolas? Numa cidade onde não 
há indústrias, para que se querem escolas técnicas e industriais? Tudo 
está dentro da mesma lógica absurda: não há nem uma coisa nem outra. 
Em qualquer pequeno país da Europa existem mais de duzentas escolas 
técnicas e de artes industriais; em Cuba não passam de seis, e os jovens 
saem delas com seus diplomas sem ter onde se empregar. As escolinhas 
públicas do campo são freqüentadas por menos da metade das crianças 
em idade escolar - descalças, seminuas e desnutridas - e muitas vezes 
é o professor que tem de adquirir com seu próprio salário o material 
necessário. n assim que se pode construir uma grande pátria? 
De tanta miséria só é possível se livrar com a morte; a isso, sim, o 
Estado ajuda: a morrer. 90% das crianças do campo são devoradas 
pelos parasitas, que nelas se infiltram da terra pelas unhas dos pés 
descalços. A sociedade se comove diante da notícia do seqüestro ou 
do assassinato de um menino, mas permanece criminosamente indife­
rente diante do assassinato em massa que se comete contra milhares e 
milhares de crianças que morrem todos os anos por falta de recursos, 
agonizando nos estertores da dor, cujos olhos inocentes, em que já 
se observa o brilho da morte, parecem olhar para o infinito, como se 
pedissem perdão para o egoísmo humano e para que não caia sobre 
elas a maldição de Deus. E quando um pai de faffil1ia trabalha quatro 
meses no ano, como pode comprar roupas e remédios para seus filhos? 
Crescerão raquíticos, aos trinta anos não terão nenhum dente são na 
boca, terão ouvido dez milhões de discursos e morrerão finalmente de 
miséria e decepção. O acesso aos hospitais do Estado, sempre repletos, 
só é possível mediante a recomendação de um político influente, que 
exigirá do infeliz o seu voto e o de toda a sua família, para que Cuba 
continue sempre igualou pior. 
Com tais antecedentes, como deixar de explicar que, de maio a 
dezembro, um milhão de pessoas não encontram trabalho e que Cuba, 
com uma população de 5 500 000 habitantes, tenha atualmente mais 
desempregados que a França e a Itália, com uma população de mais 
de quarenta milhões cada uma? 
Quando julgais um acusado de roubo, senhores juízes, não lhe 
perguntais há quanto tempo está sem trabalho, quantos filhos tem, em que 
dias da semana comeu e em que dias não; não vos preocupam de forma 
alguma as condições sociais do meio em que vive; vós o enviais à 
prisão sem maiores considerações. Para lá não vão os ricos que queimam 
armazéns e lojas para receber as apólices de seguro - ainda que sejam 
queimados também alguns seres humanos - porque eles têm dinheiro 
de sobra para pagar advogados e · subornar juízes. Enviam à prisão o 
infeliz que rouba por fome, mas nenhum das centenas de ladrões que 
roubaram milhões ao Estado jamais dormiu uma noite no xadrez: ceais 
com eles no fim do ano em algum lugar aristocrático, e merecem o 
vosso · respeito. Em Cuba, quando um funcionário fica milionário da 
noite para o dia e entra para a confraria dos ricos, pode ser recebido 
com as mesmas palavras daquele opulento personagem de Balzac, Tail­
lefer, quando brindou em honra do jovem que acabava de herdar uma 
imensa .fortuna: "Senhores, bebamos ao poder do ouro! O senhor 
Valentim, seis vezes milionário, acaba atualmente de ascender ao trono. 
n ·rei, pode tudo, está por cima de tudo, como acontece com todos os 
ricos. Daqui para frente a igualdade diante da lei, consagrada no 
frontispício da Constituição, será um mito para ele,não estará submetido 
45 44 
às leis, que, ao contrário, se submeterão a ele. Para os milionários não 
existem tribunais nem sanções". 
O . futuro da nação e a solução de seus problemas não pode con­
tinuar dependendo do interesse egoísta de uma dezena de financistas, dos 
frios cálculos sobre os lucros que fazem em seus escritórios com ar 
condicionado dez ou doze magnatas. O país não pode continuar de 
joelhos, implorando os milagres de alguns bezerros de ouro que, · como 
aquele do Antigo Testamento que foi derrubado pela ira do profeta, 
não fazem milagres de nenhum tipo. Os problemas da república só terão 
solução se nos dedicarmos a lutar por ela com a mesma energia, honradez 
e patriotismo que nossos libertadores usaram para criá-la. E não é com 
estatísticas, ao estilo de Carlos Salaçirigas 2, cuja política consiste em 
deixar tudo como está e passar a vida dizendo idiotices sobre a "liber­
dade absoluta de empresa", "garantias ao capital de investimento" e a 
"lei da oferta e da procura", que serão resolvidos esses problemas. 
Num palacete da Quinta Avenida esses ministros podem conversar ale­
gremente até que não sobre nem o pó dos ossos dos que hoje reclamam 
soluções urgentes. E no mundo atual nenhum problema social se resolve 
por geração espontânea. 
Um governo revolucionário, depois de est~belecer em suas parcelas, 
na qualidade de donos, os 100000 pequenos agricultores que hoje pagam 
rendas, procederia à solução definitiva do problema da terra, primeiro: 
estabelecendo, como ordena a Constituição, uma extensão máxima para 
cada tipo de empresa agrícola e adquirindo o excedente por meio de 
expropriação, reivindicando as terras usurpadas ao Estado, secando os 
alagados e terrenos pantanosos, plantando enormes viveiros e reservando 
zonas para o reflorestamento; segundo: repartindo a terra restante dis­
ponível entre as famílias camponesas, com preferência para as mais 
numerosas, fomentando cooperativas de agricultores para a utilização 
comum de equipamentos de custo elevado, de frigoríficos e da mesma 
direção técnico-profissional no cultivo e na criação e facilitando, por fim, 
recursos, equipamentos, proteção e conhecimentos úteis ao campesinato. 
Um governo revolucionário, com o apoio do povo e o respeito da 
nação, depois de limpar as instituições de funcionários venais e cor­
rompidos, iniciaria imediatamente a tarefa de industrializar o país, mobi­
lizando todo o capital inativo, que ultrapassa atualmente 1 500 milhões, 
através do Banco Nacional e do Banco de Fomento Agrícola e Industrial, 
e entregando a magna tarefa ao estudo, direção, planificação e rea­
lização de técnicos de absoluta competência, inteiramente alheios às 
manobras políticas. 
Um governo revolucionário resolveria o problema habitacional re­
duzindo drasticame'nte os aluguéis em 50%, eximindo de todo pagamento 
2 Ministro do primeiro governo de Fulgencio Batista (1940-44). (N. do Org.) 
as casas habitadas pelos seus próprios donos, triplicando os impostos 
sobre as casas alugadas, demolindo os infernais cortiços para erguer 
no seu lugar edifícios modernos de muitos andares e financiando a 
construção de casas em toda a ilha, em escala inédita, com o critério 
de que, se o ideal no campo é que cada família possua seu próprio 
pedaço de terra, o ideal na cidade é que cada família possua sua própria 
casa ou apartamento. Existem material . suficiente e braços de sobra 
para dar a cada família cubana uma casa decente. Mas, se continuarmos 
esperando pelos milagres do bezerro de ouro, passarão mil anos e o 
problema continuará o mesmo. Por outro lado, as possibilidades de 
levar eletricidade até o último rincão da ilha são hoje maiores que nunca, 
porque já é uma realidade a aplicação da energia nuclear a esse ramo 
da indústria, o que barateará enormemente seu custo de produção. 
Com essas três iniciativas e reformas, desapareceria automatica­
mente o problema do desemprego e a profilaxia e a luta contra .as 
doenças seria tarefa muito mais fácil. 
Finalmente, um governo revolucionário realizaria a reforma integral 
do nosso ensino, colocando-o em harmonia com as iniciativas anteriores, 
para preparar devidamente as gerações que estão chamadas a viver numa 
pátria mais feliz. Não se esqueçam das palavras do Apóstolo 3. "Co­
mete-se na América Latina um erro gravíssimo: povos que vivem quase 
que completamente dos produtos do campo são educados exclusiva­
mente para a vida urbana, não sendo preparados para a vida campo­
nesa". "O povo mais feliz é aquele que educa melhor seus filhos, na 
instrução do pensamento e na direção dos sentimentos." "Um povo 
instruído será sempre forte e livre." 
Mas a alma do ensino é o professor, e os educadores em Cuba 
são pagos miseravelmente; não há, no entanto, indivíduo mais apai­
xonado pela sua vocação que o professor cubano. Quem não aprendeu 
suas primeiras letras numa escolinha pública? Já chega de estar pa­
gando esmolas aos homens e mulheres que têm nas mãos a missão mais 
sagrada do mundo de hoje e de amanhã, a de ensinar. Nenhum pro­
fessor primário deve ganhar menos de 200 pesos, assim como nenhum 
professor secundário deve ganhar menos de 350, se quisermos que se 
dediquem inteiramente à sua elevada missão sem terem de viver ator­
mentados por todo tipo de mesquinhas privações. Além disso, deve-se 
conceder aos professores que desempenham sua função no campo o uso 
gratuito dos meios de transporte; e a todos, a cada cinco anos pelo 
menos, férias de seis meses com vencimentos, para que possam assistir 
a cursos especiais no país ou no . exterior, pondo-se em dia com os 
últimos conhecimentos pedagógicos e melhorando constantemente seus 
8 Referência a José Martí, considerado o apóstolo da independência cubana. (N. 
do Org.) 
46 
programas e sistemas. De onde tirar o dinheiro necessário? Quando 
deixarem de roubar, quando não houver funcionários venais que se 
deixem subornar pelas grandes empresas, em detrimento do fisco, quan­
do os imensos recursos da nação forem mobilizados e não se comprarem 
mais tanques, bombardeiros e canhões neste país sem fronteiras, s6 
para guerrear contra o povo, e se quiser educá-lo em vez de matá-lo, 
então haverá dinheiro de sobra. 
Cuba poderia abrigar esplendidamente uma população três vezes 
maior; não há, portanto, razão para que exista miséria entre seus atuais 
habitantes. Os mercados deveriam estar abarrotados de produtos; as 
despensas das casas deveriam estar cheias; todos os braços poderiam 
estar produzindo laboriosamente. Não, isso não é inconcebível. O incon­
cebível é existirem homens que durmam com fome enquanto existir uma 
polegada de terra sem semear; o inconcebível é existirem crianças que 
morrem sem assistência médica; o inconcebível é 30% de nossos cam­
poneses não saberem assinar o próprio nome e 99 % não saberem a 
história de Cuba; o inconcebível é a maioria das famílias de nossos 
campos estar vivendo em piores condições que os índios encontrados 
por Colombo ao descobrir "a terra mais bonita que os olhos humanos 
já viram". Aos que me chamam, por isso, de sonhador, lhes responderei 
como Martí: 
"O verdadeiro homem não olha de que lado se vive melhor, mas de 
que lado está o dever; e esse é o único homem prático cujo sonho de 
hoje será a lei de amanhã, porque quem tenha posto os olhos nas 
entranhas universais e visto ferver os povos, inflamados e ensangüen­
tados, na masseira dos séculos, sabe que o porvir, sem uma única exce­
ção, está do lado do dever". 
[ ... ] 
Vou contar-lhes uma história. Era uma vez uma república. Tinha 
sua Constituição, suas leis, suas liberdades; presidente, Congresso, tri­
bunais; todo mundo podia se reunir, se associar, falar e escrever com 
inteira liberdade. O governo não satisfazia ao povo, mas o povo podia 
mudá-lo, e faltavam só alguns dias para fazê-lo. Existia uma opinião 
pública respeitada e acatada, e todos os problemas de interesse coletivo 
eram discutidos livremente. Havia partidos políticos, horas de doutri­
nação pelo rádio, programaspolêmicos de televisão, atos públicos e 
palpitava no povo o entusiasmo. Este povo havia sofrido muito e, se 
não era feliz, desejava sê-lo e tinha esse direito. Tinha sido enganado 
muitas vezes e olhava o passado com verdadeiro terror. Acreditava 
cegamente que ele não poderia voltar; estava orgulhoso de seu amor à 
liberdade e vivia envaidecido de que ela seria respeitada como coisa 
sagrada; sentia uma nobre confiança na segurança de que ninguém s~ 
atreveria a cometer o crime de atentar contra suas instituições de­
47 
mocráticas. Desejava uma mudança, uma melhoria, um avanço e os 
via próximos. Toda a sua esperança residia no futuro. 
Pobre povo! Certa manhã a população despertou estremecida; nas 
sombra.s da noite, os espectros do passado se haviam conjurado, en­
quanto ela dormia, e agora a tinham agarrado pelas mãos, pelos pés e 
pelo pescoço. Aquelas garras eram conhecidas, aquelas fauces, aquelas 
gadanhas de morte, aquelas botas ... Não; não era um pesadelo; trata­
va-se da triste e terrível realidade: um homem chamado Fulgencio 
Batista acabava de cometer o horrível crime que ninguém esperava. 
Aconteceu então que um humilde cidadão daquele povo, que 
queria acreditar nas leis da república e na integridade de seus magis­
trados, a quem tinha visto muitas vezes enfurecer-se contra os infelizes, 
buscou o Código de Defesa Social para ver · que castigos prescrevia a 
sociedade para o autor de semelhante ato, e encontrou o seguinte: 
"Estará sujeito à privação da liberdade de seis a dez anos aquele 
que executar qualquer ato destinado a modificar, diretamente, no todo 
ou em parte, por meio da violência, a Constituição do Estado ou a 
forma de governo estabelecida". 
"Será privado da liberdade, de três a dez anos, o autor de ato 
destinado a promover um levante de pessoas armadas contra os poderes 
constitucionais do Estado. Se a insurreição for levada a efeito, a pena 
será de privação da liberdade de cinco a vinte anos." 
"Aquele que executar ato com o fim de impedir, no todo ou em 
parte, ainda que temporariamente, o Senado, a Câmara dos Represen­
tantes, o presidente da república, .ou o Supremo Tribunal de Justiça 
de exercerem suas funções constitucionais, incorrerá em pena de privação 
da liberdade de seis a dez anos." 
"Aquele que tratar de impedir ou estorvar a realização de eleições 
gerais incorrerá em pena de privação da liberdade de quatro a oito anos." 
"Aquele que introduzir, publicar, propagar ou tratar de fazer cum­
prir em Cuba despacho, ordem ou decreto [ . . . ] que tenda a provocar 
a inobservância das leis vigentes, incorrerá em pena de privação da 
liberdade de dois a seis anos." 
"Aquele que, sem faculdade legal para tanto, nem ordem do go­
verno, assumir o comando de tropas, praças, fortalezas, postos militares, 
povoações ou navios ou aeronaves de guerra, incorrerá em pena de 
privação da liberdade de cinco a dez anos." 
"Igual penalidade será imposta àquele que usurpar o exercício de 
uma função atribuída pela Constituição como própria de úm dos poderes
do Estado." 
Sem dizer uma palavra a ninguém, com o Código numa mão e os 
documentos na outra, o mencionado cidadão se apresentou no velho 
casarão da capital onde funcionava o tribunal competente, que estava 
na obrigação de instaurar processo e castigar os responsáveis por aquele 
ato, e apresentou um documento denunci-ando os delitos e pedindo para 
Fulgencio Batista e seus dezessete cúmplices a condenação a 108 anos 
49 
48 
de pnsao, como ordenava o Código de Defesa Social, com todas as 
agravantes de reincidência, perfídia e ação na calada da noite. 
Passaram-se os dias e passaram-se os meses. Que decepção! O 
acusado não era molestado, passeava pela república como um amo, 
chamavam-no "honorável senhor" e "general", tirou e pôs magistrados 
e, no dia da abertura dos tribunais, viu-se o réu sentado, nada mais, 
nada menos, que no lugar de honra, entre os augustos e veneráveis 
patriarcas de nossa justiça. 
Passaram-se novamente os dias e os meses. O povo se cansou de 
abusos e de burlas. Os povos se cansam! Veio a luta, e então aquele 
homem que estava fora da lei, que tinha ocupado o poder pela vio­
lência, contra a vontade do povo e violando a ordem legal, torturou, 
assassinou, prendeu e acusou perante os tribunais os que tinham ido 
lutar pela lei e para devolver ao povo sua liberdade. . 
Senhores juízes: eu sou aquele humilde cidadão que um dia se 
apresentou inutilmente perante os tribunais para pedir-lhes que cas­
tigassem os ambiciosos que violaram as leis e fizeram em pedaços as 
nossas instituições, e agora, quando sou eu o acusado de querer derrubar 
esse regime ilegal e restabelecer a Constituição legítima da república, 
sou mantido incomuóicável numa cela por 76 dias, sem falar com nin­
guém nem ver sequer meu filho; sou conduzido pela cidade entre duas 
metralhadoras com tripé, sou transferido a este hospital para ser julgado 
secretamente com toda severidade e um promotor com Código na mão, 
muito solenemente, pede para mim 26 anos de prisão. 
Dir-me-ão que daquela v~ os juízes da república não atuaram 
porque estavam impedidos pela força; confessem-no, então : desta vez 
também a força os obrigará a condenar-me. Da primeira vez, não 
puderam castigar o culpado; da segunda, terão de castigar o inocente. 
A donzela da Justiça, duas vezes violada pela força . 
E quanta charlatanice para justificar o injustificável, explicar o 
inexplicável e conciliar o inconciliável! Até que decidiram finalmente 
afirmar, como razão suprema, que o fato .f;;ria o direito. Isto é, que o 
fato de ter lançado os tanques e os soldados à rua, apoderando-se do 
palácio presidencial, do Tesouro da república e dos demais edifícios 
oficiais, e de apontar as armas para o coração do povo cria o direito de 
governá-lo. O mesmo argumento puderam utilizar os nazistas que ocupa­
ram as nações da Europa e nelas instalaram governos títeres. 
Admito e creio que a revolução seja fonte de direito; mas não se 
poderá chamar jamais de revolução o assalto noturno, à mão armada, 
de 10 de março. Na linguagem vulgar, como disse José Ingenieros, 
costuma-se dar o nome de revolução às pequenas desordens que um 
grupo de insatisfeitos promove para arrancar dos poderosos suas sine­
curas políticas ou suas vantagens econômicas, desembocando geralmente 
em mudanças de uns homens por outros, numa certa nova repartição 
de empregos e benefícios. Esse não é o critério do filosófo da história, 
não pode ser o do Domem estudioso. 
Nem no sentido de modificações profundas no organismo social, 
nem sequer na superfície do pântano público viu-se mover uma onda 
que agitasse a podridão reinante. Se no regime anterior havia politi­
cagem, roubo, pilhagem, e falta de respeito pela vida humana, o regime 
atual multiplicou por dez a pilhagem e multiplicou por cem a falta de 
respeito pela vida humana. 
[ ... ] 
Creio ter justificado suficientemente meu ponto de vista: são mais 
razões que as que esgrimiu o senhor promotor para pedir que · eu seja 
condenado a 26 anos de prisão; todas assistem aos homens que lutam 
pela liberdade e pela felicidade de um povo, nenhuma aos que o 
oprimem, aviltam e saqueiam sem piedade; por isso eu tive de expôr 
muitas razões, e ele não pôde expor uma sequer. Como justificar a 
presença de Batista no poder, onde chegou contra a vontade do povo e 
violando pela traição e pela força as leis da república? Como qualificar 
de legítimo um regime de sangue, opressão e ignomínia? Como chamar 
de revolucionário um governo onde se conjugaram os homens, as idéias 
e os métodos mais retrógrados da vida pública? Como considerar juri­
dicamente válida a alta traição de um tribunal cuja missão era defender 
nossa Constituição? Com que direito enviar à prisão cidadãos que vieram 
para dar seu sangue e sua vida pelo decoro de sua pátria? Isso é 
monstruoso perante os olhos da nação e os princípios da verdadeira 
Justiça! . ­
Mas há uma razão que nos assiste, mais poderosa que todas as 
demais: somos cubanos,e ser cubano implica um dever; não cumpri-lo 
é crime e é traição. Vivemos orgulhosos da história da nossa pátria; 
aprendemo-Ia na escola e crescemos ouvindo falar de liberdade, de 
justiça e de direitos. Ensinaram-nos a venerar desde pequenos o exem­
plo glorioso de nossos heróis e de nossos mártires. Céspedes, Agramonte, 
Maceo, Gómez e Martí foram os primeiros nomes que se gravaram em 
nosso espírito; ensinaram-'Ilos que o Titã 4 havia dito que a liberdade não 
se mendiga, mas se conquista com o fio da espada; ensinaram-nos que, 
para a educação dos cidadãos na pátria livre, escreveu ó Apóstolo em seu 
livro A Idade de Ouro: 
"Um homem que se conforma em obedecer a leis injustas e permite 
que o país em que nasceu seja pisoteado pelos homens que o maltratam, 
não é um homem honrado. .. Rã de haver no mundo certa quantidade 
de decoro, como há de haver certa quantidade de luz. Quando há muitos 
4 Referência a Antonio Maceq, um dos próceres da luta pela independência cubana, 
chamado de "O Titã de Bronze". (N. do Org.) 
50 
homens sem decoro, há sempre outros que têm em si o decoro de 
muitos homens. Esses são os que se rebelam com força terrível contra 
os que roubam aos povos sua liberdade, que é o mesmo que roubar 
aos homens seu decoro. Nesses homens vão milhares de homens, vai 
um povo inteiro, vai a dignidade humana . . . " 
Ensinaram-nos que o 10 de outubro e o 24 de fevereiro ~ são efemérides 
gloriosas e de júbilo patriótico, porque assinalam os dias em que os 
cubanos se rebelaram contra o jugo da tirania infame; ensinaram-nos 
a querer e a defender a linda bandeira da estrela solitária e a cantar 
todas as tardes um hino cujos versos dizem que viver em grilhões é 
viver mergulhado no opróbrio e na infâmia, e que morrer pela pátria é 
viver. Tudo isso aprendemos e não o esqueceremos, ainda que hoje em 
nossa pátria se estejam assassinando e encarcerando os homens por 
praticarem as idéias que lhes ensinaram desde o berço. Nascemos num 
país livre, que nos legaram nossos pais, e a ilha se afundará no mar 
antes que consintamos em ser escravos de alguém. 
Parecia que o Apóstolo ia morrer no ano do seu centenário, que 
sua memória se extinguiria para sempre, tamanha era a afronta! Mas 
vive, não morreu, seu povo é rebelde, seu povo é digno, seu povo é fiel 
à sua memória; há cubanos que caíram defendendo suas doutrinas, há 
jovens que em magnífico desagravo vieram morrer junto ao seu túmulo, 
a dar-lhe seu sangue e sua vida para que ele continue vivendo na alma 
da pátria. Cuba, o que seria de ti se tivesses deixado morrer teu 
Apóstolo! 
Termino minha defesa, mas não o farei como fazem sempre todos 
os advogados, pedindo a liberdade do acusado; não posso pedi-la 
quando meus companheiros já estão sofrendo na ilha de Pinos igno­
miniosa prisão. Mandem-me para junto deles para compartilhar sua 
sorte; é concebível que os homens honrados estejam mortos ou presos 
numa república em que está como presidente um criminoso e um 
ladrão. 
Aos senhores juízes, minha sincera gratidão por terem permitido 
que me expressasse livremente, sem coações mesquinhas. Não lhes guar­
do rancor; reconheço que em certos aspectos foram humanos e sei que 
o presidente deste tribunal, homem de vida limpa, não pode dissimular 
sua repugnância pelo estado de coisas reinante, que o obriga a ditar 
uma sentença injusta. Resta ainda ao tribunal um problema mais 
grave: aí estão as causas iniciadas pelos setenta assassinatos, isto é, o 
maior massacre que conhecemos; os culpados continuam livres, com 
uma arma na mão, que é ameaça perene para a vida dos cidadãos; se 
5 Datas que marcam, respectivamente, o início da primeira e da segunda fase da 
Guerra de Independência em Cuba. (N. do Org.) 
5t 
não cair sobre eles todo o peso da lei, por covardia ou porque o 
impeçam, e todos os juízes não renunciarem em bloco, tenho piedade 
de vossas honras e lamento a mancha sem precedentes que cairá sobre 
o poder Judiciário. 
Quanto a mim, sei que a prisão será dura como nunca foi para 
ninguém, cheia de ameaças, de vis e covardes provocações; mas não 
a temo, como não temo a fúria do tirano miserável que arrancou a 
vida a setenta irmãos meus. Condenem-me, não importa, a história 
me absolverá! 
~) 
11. A GUERRA 
DE GUERRILHAS 
2. MANIFESTO DA SERRA * 
[12 de junho de 1957] 
Da Sierra Maestra, onde nos reuniu o sentido do dever, fazemos 
este chamado a nossos compatriotas. 
Chegou a hora em que a nação pode se salvar da tirania, pela 
inteligência, pelo valor e pelo civismo de seus filhos, pelo esforço de 
todos os que chegaram a sentir profundamente o destino desta terra onde 
temos direito de viver em paz e em liberdade. 
É incapaz a ' nação cubana de cumprir seu alto destino, ou recai 
a culpa de sua impotência na falta de visão de seus dirigentes públicos? 
Será que não se pode oferecer à pátria, em sua hora mais difícil, o 
sacrifício de todas as aspirações pessoais, por mais justas que pareçam, 
de todas as paixões subalternas, das rivalidades pessoais ou de grupo, 
enfim, de todos os sentimentos mesquinhos ou pequenos que impediram 
de se pôr de pé, como um só homem, este povo fornúdável, lúcido e 
heróico, que é o cubano? Ou será que o desejo vaidoso de um candidato 
público vale mais que todo o sangue que custou esta república? 
Nossa maior debilidade foi a divisão, e a tirania, consciente disso, 
promoveu-a por todos os meios em todos os aspectos. Oferecendo solu­
ções pela metade, tentando, algumas vezes, as ambições, outras a boa­
-fé ou ingenuidade de seus adversários, dividiu os partidos em frações 
antagônicas, dividiu a oposição política em linhas diferenciadas e, quando 
mais forte ' e ameaçadora era a corrente revolucionária, tentou opor os 
• Reproduzido de CASTRO, Fidel. Manifiesto de la Sierra. In: ' REBOLLEOO, Adolfo 
Sánchez, org. La Revolucíón Cubana. 3. ed. La Habana, Ediciones Era, 1976, p. 
100-4. 
S3 
políticos aos revolucionários, com o único propósito de, primeiro, der­
rotar a revolução e, depois, enganar os partidos. 
Para ninguém era segredo que, se a ditadura conseguisse derrotar 
o baluarte rebelde da Sierra Maestra e liquidar o movimento clandestino, 
livre, finalmente, do perigo revolucionário, não restariam nem as mais 
remotas possibilidades de eleições honradas, em meio à amargura e ao 
ceticismo geral. 
Suas intenções se evidenciaram, talvez cedo demais, quando, através 
da segunda minoria senatorial, aprovada burlando a Constituição e os 
compromissos contraídos com os próprios delegados oposicionistas, ten­
tava de novo a divisão e preparava o caminho da farsa eleitoral. 
Que a Comissão lnterparlamentar fracassou, reconhece-o o próprio 
partido que a propôs no seio do Congresso; afirmam-no categoricamente 
as sete organizações oposicionistas que dela participaram e hoje de­
nunciam que foi uma fraude sangrenta; afirmam-no todas as instituições 
cívicas; e, sobretudo, afirmam-no os fatos. E estava fadada a fracassar, 
porque se quis ignorar o impulso de duas forças que apareceram na vida 
pública cubana: a nova geração revolucionária e as instituições cívicas, 
muito mais poderosas que qualquer igrejinha. Assim, a manobra inter­
parlamentar só poderia prosperar com base no extermínio dos rebeldes. 
Aos combatentes da Serra não era oferecida outra coisa, nessa mesquinha 
solução, senão a prisão, o exílio ou a morte. Jamais se deveu aceitar 
discutir nessas condições. 
Unir é a única coisa patriótica a fazer nesta hora. Unir o que 
têm em comum todos 'os setores políticos, revolucionários 50Ciais que 
combatem a ditadura. E o que têm em comum todos os part'dos políticos 
de oposição, os setores revolucionários e as instituiçõe cívicas? O 
desejo de pôr fim ao regime de força, às violações aos~os indivi­
duais, aos crimes infames e buscar a paz ,que todos desejamos, pelo 
único caminho possível: o encanúnhamento democrático e constitucional 
do país. 
Será que os rebeldes da Sierra Maestra não queremos eleições livres, 
um regime democrático, um governo constitucional?Porque nos privaram desses direitos estamos lutando desde o 10 de 
março. Por desejá-los mais que ninguém estamos aqui. Para demons­
trá-lo, aí estão nossos combatentes mortos na Serra e nossos compa­
nheiros assassinados nas ruas ou reclusos nos calabouços das prisões; 
lutando pelo belo ideal de uma Cuba livre, democrática e justa. O que 
não fazemos é comungar com a mentira, a farsa e as manobras espúrias. 
Queremos eleições, mas com uma condição: eleições verdadeira­
mente livres, democráticas, imparciais. 
Mas pode haver eleições livres, democráticas, imparciais com todo 
o aparato repressivo do Estado pendendo como uma espada sobre as 
cabeças dos oposicionistas? Será que a atual equipe governante, depois 
55 54 
de tantos enganos ao povo, pode inspirar confiança a alguém, em elei­
ções livres, democráticas, imparciais? 
Não é um contra-senso, um engano para o povo, que vê o que está 
acontecendo aqui todos os dias, afirmar que pode haver eleições livres, 
democráticas, imparciais, sob a tirania, a anti democracia e a parcialidade? 
De que valem o voto direto e livre, a apuração imediata e demais 
concessões, se no dia das eleições não deixam ninguém votar e enchem 
as urnas à ponta de baioneta? Por acaso serviu a comissão eleitoral e 
de liberdades públicas para impedir o fechamento de rádios e as mortes 
misteriosas que continuaram sucedendo? 
De que serviram até hoje as reclamações da opinião pública, as 
exortações à paz, o choro das mães? 
Com mais sangue se quer pôr fim à rebeldia, com mais terror 
se quer pôr fim ao terrorismo, com mais opressão se quer pôr fim ao 
anseio de liberdade. 
As eleições devem ser presididas por um governo provisório, neu­
tro, com o apoio de todos, que substitua à ditadura para propiciar a 
paz e conduzir o país à normalidade democrática e constitucional. 
Esta deve ser a palavra-de-ordem de uma grande frente cívico­
-revolucionária que engloba todos os partidos políticos de oposição, todas 
as instituições cívicas e todas as forças revolucionárias. 
Em conseqüência disso, propomos a todos os partidos políticos 
oposicionistas, a todas as instituições CÍvicas e a todos os setores revo­
lucionários o seguinte: 
1) Formação de uma frente cívico-revolucionária com uma estra­
tégia comum de luta. 
2) Designar desde já uma figura chamada a presidir o governo 
provisório, cuja escolha, com garantia de desinteresse por parte dos 
líderes oposicionistas, e de imparcialidade por parte daquele que termine 
designado, fique a cargo do conjunto de instituições cívicas. 
3) Declarar ao país que, dada a gravidade dos acontecimentos, 
não há outra solução possível senão a renúncia do ditador e a entrega 
do poder à ,figura que conta com a confiança e o apoio majoritário da 
nação, expresso através de suas organizações representativas. 
4) Declarar que a frente cívico-revolucionária não invoca nem 
aceita a mediação ou intervenção de nenhuma outra nação nos as­
suntos internos de Cuba. Que, por outro lado, apóia as denúncias de 
violação dos direitos humanos que os emigrados cubanos fizeram aos 
organismos internacionais e pede ao governo dos Estados Unidos que, 
enquanto persistir o atual regime de terror e ditadura, suspenda todos 
os envios de armas a Cuba. 
5) Declarar que a frente cívico-revolucionária, por tradição repu­
blicana e de independentismo, não aceitaria que governasse provisoria­
mente a república nenhum tipo de junta militar. 
6) Declarar que a frente cívico-revolucionária alberga o propó­
sito de separar o exército da política e garantir a intangibilidade das 
instituições armadas. Que os militares nada têm a temer do povo 
cubano, e sim da camarilha corrupta que os envia para a morte numa 
luta fratricida. 
7) Declarar, sob promessa formal, que o governo provisório ce­
lebrará eleições gerais para todos os cargos do Estado, das províncias 
e dos municípios, no prazo de um ano, sob as normas da Constituição 
de 1940 e do Código Eleitoral de 1943 e entregará imediatamente o 
poder ao candidato que seja eleito. 
8) Declarar que o governo provisório deverá ajustar sua missão ao 
seguinte programa: 
A) Liberdade imediata para todos os presos políticos, civis e mi­
litares. 
B) Garantia absoluta à liberdade de informação, à imprensa radio­
fônica e escrita e de todos os direitos individuais e políticos garantidos 
pela Constituição. 
C) Designação de prefeitos provisórios para todos os municípios, 
conforme consulta às instituições cívicas da localidade. 
D) Supressão do peculato em todas as suas formas e adoção de 
medidas que tendam a incrementar a eficiência de todos os organismos 
do Estado. 
E) Estabelecimento da carreira administrativa. 
F) Democratização da política sindical, promovendo eleições livres ,· 
em todos os sindicatos e federações de indústrias. 
G) Início imediato de uma intensa campanha contra o analfabetis­t
mo e de educação CÍvica, exaltando os deveres e direitos que tem o 
cidadão para com a sociedade e a pátria. 
H) Estabelecer as bases para uma reforma agrária que tenda à 
distribuição das terras baldias e a converter em proprietários todos os 
colonos, parceiros, arrendatários e posseiros que possuam pequenas áreas 
de terra, sejam elas propriedade do Estado ou de particulares, com prévia 
indenização aos antigos proprietários, 
1) Adoção de uma política financeira sã, que resguarde a estabi­
lidade de nossa moeda e tenda a utilizar o crédito da nação em obras 
produtivas. 
J) Aceleração do processo de industrialização e criação de novos 
empregos. _ 
Em dois pontos dessa colocação é preciso insistir especialment~. 
Primeiro: A necessidade de se designar desde já a pessoa chamada 
a presidir o governo provisório da república, para demonstrar perante 
o mundo que o povo cubano é capaz de se unir em torno de uma· 
palavra-de-ordem de liberdade e de apoiar a pessoa que, reunindo con­
dições de imparcialidade, integridade, capacidade e decência, possa 
56 
encarnar essa palavra-de-ordem. Não faltam homens capazes em Cuba 
para presidir a república! 
Segundo: Que essa pessoa seja designada pelo conjunto de insti­
tuições cívicas - por serem essas organizações apolíticas -, cujo 
apoio liberaria o presidente provisório de todo compromisso partidário, 
dando lugar a eleições absolutamente limpas e imparciais. 
Para integrar essa frente, não é preciso que os partidos políticos e 
as instituições cívicas se declarem insurrecionais e venham à Sierra 
Maestra. Basta que neguem todo apoio à manobra eleitoral do regime 
e declarem publicamente ao país, aos institutos armados e à opinião 
pública internacional que, depois de cinco anos de inútil esforço, de 
seguidos enganos e de rios de sangue, em Cuba não há outra saída "­
senão a renúncia de Batista, que já participou, de forma decisiva, em 
duas etapas, durante dezesseis anos, dos destinos do país, e Cuba não 
está disposta a cair na situação da Nicarágua ou de São Domingos. 
Não é preciso vir à Serra discutir, nós podemos estar representados 
em Havana, no México ou onde seja necessário. 
Não é preciso decretar 	a revolução: organize-se a frente que pro­
pomos, e a queda do regime virá por si só, talvez sem que se derrame 
uma gota mais de sangue. É preciso estar cego para não ver que a 
ditadura está com seus 	 dias contados e que este é o momento em 
que todos os cubanos devem empenhar o melhor de sua inteligência e 
de seus esforços. 
Poderá haver outra solução em meio à guerra civil, com um go­
verno que não é capaz de 	garantira vida humana, que já não controla 
nem a ação de suas próprias forças repressivas e cujas contínuas fraudes 
e manobras tomaram 	 completamente impossível a menor confiança 
pública? 
Que ninguém se engane com relação à propaganda governamental 
sobre a situação na Serra. A Sierra Maestra já é um baluarte indestru­
tível da liberdade, que se apropriou do coração de nossos compatriotas, 
e aqui saberemos honrar a fé e a confiança do nosso povo. 
Nosso chamado poderá não ser ouvido, mas a luta não se deterá 
por isSo,e a vitória do 	povo, ainda que muito mais custosa e san­
grenta, não poderá ser impedida por ninguém. Esperamos, no entanto, 
que nosso apelo seja ouvido e que uma verdadeira solução detenha o 
derramamento de sangue cubano e nos traga uma era de paz e liberdade. 
III. DA ETAPA 
DEMOCRA 	
, 
TICO-POPULAR 
AO SOCIALISMO 
3. DISCURSO DE 16 DE ABRIL DE 1961 * 
[ ... ] 
Diferenciamo-nos dos Estados Unidos em que os Estados Unidos 
são um país que explora a outros povos, em que os Estados Unidos 
são um país que se apoderou de uma grande parte dos recursos naturai~ 
do mundo e que faz trabalhar em benefício de sua casta de milionários 
dezenas e dezenas de milhões de trabalhadores em todo o mundo. E 
nós não somos um país qúe. :;e tenha apoderado, nem esteja lutando por 
apoderar-se, dos recursos naturais de outros povos. Não somos um país 
que esteja tratando de fazer trabalhar os operários de outros povos para 
nosso benefício. 
Somos exatamente o contrário: um país que está lutando para que 
seus operários, não tenham de trabalhar para a casta de milionários 
norte-americanos; constituímos um país que está lutando para resgatar 
seus recursos naturais e resgatou seus recursos naturais de mãos da 
casta de milionários norte-americanos. 
Não somos um aís em virtude de cujo sistema uma maioria do 
povó, uma maioria dos operários, das massas do país constituídas pelos 
operários e camponeses, esteja trabalhando para uma minoria explora­
dora e privilegiada de milionários. Não constituímos um país em vir­
tude de cujo sistema grandes massas da população estejam discriminadas 
e preteridas, como estão as massas negras nos Estados Unidos. Não 
constituímos um país em virtude de cujo sistema uma parte minoritária 
* Reproduzido de CASTRO, Fidel. Revolución socialista y democrática (excertos). 
In: REBOLLEOO, Adolfo Sánchez, org., op. cit., p. 315·6, 317-20, 328-9. 
59 
58 
do povo vive parasitàriamenteàs custas do trabalho e do suor da massa 
majoritária do povo . . 
Nós, com nossa revolução, não só estamos erradicando a exploração 
de uma nação por outra nação, mas também a exploração de alguns 
homens por outros homens! Sim, nós decidimos, em assembléia geral 
histórica, condenar a exploração do homem pelo homem e erradicaremos 
em nossa pátria a exploração do homem pelo homem! 
Diferenciamo-nos dos Estados Unidos em que lá um governo de 
castas privilegiadas e poderosas estabeleceu um sistema, em virtude do 
qual essa casta explora o homem dentro dos próprios Estados Unidos e 
essa casta explora o homem fora dos Estados Unidos. 
Os Estados Unidos representam hoje, politicamente, o sistema de 
exploração de outras nações por uma nação e o sistema de exploração 
do homem por outros homens. 
[ ... ] 
Talvez vocês tenham uma idéia do que é o imperialismo. Vocês, 
talvez, já se perguntaram muitas vezes o que era o imperialismo e o 
que significava essa palavra. 
Será que os imperialistas realmente representam algo tão mau? Será 
que existe muita paixão em todas as acusações que se lhes fa,zem? 
Serão produto do sectarismo todas as coisas que ouvimos falar do 
imperialismo norte-americano? Serão certas todas as coisas que se afir­
mam do imperialismo norte-americano? Serão tão sem-vergonhas, como 
se afirma, os imperialistas norte-americanos? Serão tão canalhas e 
malvados quanto se afirma os imperialistas norte-americanos? ~ãO 
tão sanguinários, ruins e .covardes quanto se afirma os imperi listas 
norte-americanos? Ou será exagero? Ou será sectarismo? Ou erá 
excesso de paixão? 
Mas será possível que os imperialistas façam as coisas que se 
afirma que fizeram? Será certo tudo quanto se afirmou sobre seus feitos 
vandálicos, suas provocações, no plano internacional? Foram eles que 
provocaram a Guerra da Coréia? 
Como era difícil saber o que acontecia no mundo, quando a nosso 
país só chegavam notícias norte-americanas! Quanto . engano nos in­
culcariam e de quantas mentiras nos fariam vítimas! Se alguém ainda 
tivesse alguma dúvida, se alguém neste país, de boa-fé - e não falo 
da miserável gusanera 1, mas de homens e mulheres capazes de pensar 
honradamente, ainda que não pensassem como nós -, se alguém tivesse 
ainda alguma dúvida, se alguém ainda acreditasse que há um mínimo de 
1 Gusanera: de gusano, "verme", em castelhano; expressão utilizada pela Revolução 
Cubana para designar os que abandonaram o país depois de 1.0 de janeiro de 
1959, por estarem em desacordo com o rumo dos acontecimentos. (N. do Org.) 
honra na política ianque, se alguém ainda acreditasse que existe um 
mínimo de moral na política ianque, se alguém ainda acreditasse que 
existe um átomo de vergonha e de honradez ou de justiça na política 
ianque, se alguém neste país, neste afortunado país que teve a oportu­
nidade de ver, neste país afortunado que teve a oportunidade de apren­
der, ainda que tenha sido uma aprendizagem sangrenta, mas uma 
aprendizagem de liberdade e uma aprendizagem de dignidade. Se 
alguém neste país, que teve o privilégio de ver se converter todo 
um povo num povo de heróis, num povo de homens dignos e valentes. 
Se alguém neste país, cujo acúmulo de méritos, de heroísmo e de sacri­
fício cresce dia a dia, tivesse pu albergasse ainda alguma dúvida, se 
aqueles que não pensam como l\Ós crêem que hasteiam ou defendem 
. uma bandeira justa e, por acreditar'flisso, são pró-ianques e são defen­
sores do governo dos Estados Unidos - se restar, alguém desses de boa­
-fé em nosso país -, sirvam-lhes estes fatos que vamos analisar para 
não lhes restar mais nenhuma dúvida. 
No dia de ontem, como o mundo todo sabe, aviões de bOlIlbar­
deio, divididos em três grupos, às seis em ponto da manhã penetraram no 
território nacional, procedentes do exterior, e atacaram três pontos do 
território nacional. Em cada um desses pontos os homens se defenderam 
heroicamente, em cada um desses pontos correu o sangue valioso dos 
defensores, em cada um desses pontos houve milhares ou ao menos 
centenas e centenas de testemunhas do que aconteceu ali . Era, além 
diSso, um fato que se esperava. Era algo que todos os dias se estava 
esperando. Era a culminação lógica das queimas de canaviais, das 
centenas de violações do nosso espaço aéreo, das incursões aéreas piratas, 
dos ataques piratas a nossas refinarias por embarcações que se intro­
duzem de madrugada. Era a conseqüência do que todo o mundo sabe. 
Era a conseqüência dos planos de agressão que vêm sendo tramados 
pelos Estados Unidos, em cumplicidade com governos títeres da América 
Central. Era a conseqüência das bases aéreas que todo o povo sabe e 
o mundo todo conhece, porque foram publicadas até pelos próprios 
jornais e agências de notícias norte-americanas; e as próprias agências e 
os ~róprios jornais se cansaram de falar dos exércitos mercenários que 
organizam, dos campos de aviação que têm preparados, dos aviões que 
lhes tinha entregue o governo dos Estados Unidos, dos instrutores ianques 
e das bases aéreas estabelecidas em território guatemalteco. 
Todo o povo de Cuba sabia disso, assim como o mundo todo. 
O ataque aconteceu ontem, em presença de milhares e milhares de 
homens, e o que acham vocês que os governantes ianques disseram 
diante desse fato insólito? Porque já não se trata da explosão do La 
61 
60 
Coubre 2, que se realiza como ato de sabotagem disfarçado e oculto, 
trata-se de um ataque simultâneo a três pontos do território nacional 
com metralhadoras, com bombas, com foguetes, aviões de guerra, que 
todo mundo viu. 
Tratava-se de um fato político, um fato esperado, um fato que se 
via que ia acontecer, o mundo o sabia. 
Para que conste no registro histórico, para que nosSO povo aprenda 
de uma vez por todas - e para que aprenda aquela parte dos povos 
da América, aqueles a quem possa chegar um só raio de luz da verdade 
que seja _, vou explicar ao povo, vou explicar como procedem os 
imperialistas.
Vocês acham que o mundo ia se inteirar do ataque a Cuba, vocês 
acham que o mundo ia se inteirar do acontecido, vocês achamou con­
ceberam que fosse possível tentar apagar no mundo o eco das bombas e 
dos rockets S criminosos que atiraram ontem em nossa pátria? Que isso 
tinha ocorrido a alguém no mundo, que alguém pudesse tratar de enganar 
o mundo inteiro, tratar de ocultar a verdade ao mundo inteiro, tratar 
de lesar o mundo inteiro? Pois bem, no dia de ontem não só atacaram · 
nossa terra, em ataque ardiloso e criminoso preparado e de que o 
mundo todo sabia, e com aviões ianques, e com bombas ianques, e 
com armas ianques, e com mercenários pagos pela Agência Central de 
Inteligência ianque; não somente fizeram isso, e não somente destruíram 
bens nacionais, e não somente destruíram vidas de jovens, muitos dos 
quais não tinham ainda completado nem os vinte anos, mas, além 
disso, o governo dos Estados Unidos tentou no dia de ontem lesar o ~­
do. O governo dos Estados Unidos tentou no dia de ontem lesar o m do 
da maneira mais cínica e mais desavergonhada que se possa conc er. 
Aqui estão as provas de como atua o imperialismo, de toda a---" 
mecânica operativa do imperialismo, de como o imperialismo não so­
mente comete crimes contra o mundo, mas também lesa o mundo. Mas 
que lesa o mundo não somente roubando-lhe o petróleo, os minerais, 
o fruto do trabalho dos povos, mas lesa o mundo moralmente, im­
pingíndo-Ihe mentiras e as coisas mais truculentas que alguém possa 
imaginar.
Aqui estão as provas. Diante do nosso povo vamos ler o que o 
imperialismo disse ao mundo. Vamos mostrar o que o mundo soube 
no dia de ontem, o que disseram ao mundo e o que talvez fizeram crer 
a dezenas e dezenas de milhões de seres humanos, o que publicaram 
ontem milhares e milhares de jornais, o que afirmaram ontem milhares 
2 Navio francês que transportava armamento comprado pelo governo cubano à 
Bélgica e que, por um ato de sabotagem, explodiu no porto de Havana, em março 
de 1960, no momento do desembarque, matando dezenas de pessoas. (N. do Org.) 
S "Foguetes"; em inglês no original. (N. da R) 
e milhares de estações de rádio ou de televisão, sobre o que aconteceu 
em Cuba, o que soube o mundo, ou uma grande parte do mundo, 
uma parte considerável do mundo, através das agências ianques. 
[ ... ] 
Eis, senhores, que quando ainda não se apagou o eco da admiIação 
suscitada no mundo inteiro, para com a União Soviética, pela precisão, 
a técnica elevada e o êxito que para a humanidade significa a façanha 
científica que acabam de realizar, quando ainda não se apagou o eco dessa 
admiração no mundo, paralelamente à façanha da União Soviética o 
governo ianque apresenta a sua façanha: a façanha de bombardear as 
instalações de um país que não tem aviação, nem tem navios nem força 
militar com que responder ao ataque. 
Isto é, comparemos e peçamos ao mundo que compare a façanha 
soviética à façanha imperialista. O júbilo, o alento e a esperança que 
significou para a humanidade a façanha soviética à vergonha, ao asco 
e à repugnância que significa a façanha ianque. Perante a façanha 
científica, que permite levar um homem ao espaço e fazê-lo regressar 
com total segurança, e a façanha ianque, que arma mercenários e os 
paga para que venham assassinar jovens de dezesseis e dezessete anos 
em ataque-surpresa, ardiloso e traiçoeiro em todos os níveis, contra um 
país ao qual não podem perdoar a vergonha, a dignidade, o valor. 
Porque o que não podem nos perdoar os imperialistas é que estejamos 
aqui, o que não podem nos perdoar os imperialistas é a dignidade, a 
inteireza, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o 
espírito revolucionário do povo de Cuba. 
Isso é o que não podem nos perdoar: que estejamos aqui, sob 
o seu nariz, e que tenhamos feito uma revolução socialista sob o próprio 
nariz dos Estados Unidos! 
Esta revolução socialista, nós a defendemos com estes fuzis; esta 
revolução socialista, nós a defendemos com o valor com que ontem 
nossa artilharia antiaérea crivou de balas os aviões agressores. . 
E esta revolução, esta revolução, não a defendemos com mercená­
rios. Nós a defendemos com os homens e mulheres do povo. 
Quem tem as armas? Por acaso as tem o mercenário? Por acaso 
as tem o milionário? Porque mercenários e milionários são a mesma 
coisa. Por acaso as têm os filhinhos dos ricos? 
Por acaso as têm os capatazes? Quem tem as armas? Que mãos 
são essas que levantam as armas? São mãos de amos? São / mãos de 
ricos? São mãos de exploradores? Que mãos são essas que levantam 
essas armas? Não são mãos operárias? Não são mãos camponesas? Não 
são mãos endurecidas pelo trabalho? Não são mãos 'criadoras? Não são 
mãos humildes ·do povo? E quem constitui a maioria do povo? Os milio­
nários ou os humildes? Não têm as armas os privilegiados? Ou as têm 
62 
os humildes? São minoria os privilegiados? São maIOna os humildes? 
:a democrática uma revolução em que os humildes têm as ' armas? 
Companheiros operários e camponeses, esta é a revolução socialista 
e democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes. E 
por esta revolução dos humildes e pelos humildes e para os humildes 
estamos dispostos a dar a vida. 
Operários e camponeses, homens e mulheres humildes da pátria, 
juram defender até a última gota de sangue esta revolução dos humildes, 
pelos humildes e para os humildes? 
Companheiros operários e camponeses da pátria, o ataque de ontem 
foi o prelúdio da agressão dos mercenários. O ataque de ontem custou 
sete vidas heróicas, teve o propósito de destruir nossos aviões em terra, 
mas fracassou. Não nos destruíram os aviões, e o grosso dos aviões 
inimigos foi avariado ou abatido. Aqui, frente ao túmulo dos compa­
nheiros caídos, aqui junto aos restos dos jovens heróicos, filhos de 
operários e filhos de humildes, reafirmemos nossa decisão de que, da 
mesma forma que eles puseram seu peito às balas, da mesma forma 
que eles deram sua vida, quando vierem os mercenários, nós, orgulhosos 
de nossa revolução, orgulhosos de defender esta revolução dos humildes, 
pelos humildes e para os humildes, não vacilaremos, frente a quem seja, 
em defendê-la até nossa última gota de sangue. 
Viva a classe operária! Vivam os camponeses! Vivam os humildes! 
Vivam os mártires da pátria! Vivam eternamente os heróis da Oátri, 
Viva a revolução socialista! Viva Cuba livre! 
Pátria ou Morte! Venceremos! 
Vamos cantar o Hino Nacional, companheiros. 
Companheiros, todas as unidades devem se dirigir para a sede de 
seus respectivos batalhões, de acordo com a mobilização ordenada para 
manter o país em estado de alerta ante a iminência que se deduz de 
todos os fatos das últimas semanas e do covarde ataque de ontem, 
da agressão dos mercenários. Marchemos às casas dos milicianos, for­
mem os batalhões e disponhamo-nos a derrotar o inimigo, com o Hino 
Nacional, com as estrofes do hino patriótico, com o grito de "Ao 
combate!", com a convicção de que "morrer pela pátria é viver" e que 
"em grilhões viver é viver mergulhado no opróbrio e na infâmia". 
Marchemos para nossos respectivos batalhões e ali esperem ordens, 
companheiros. 
4. SEGUNDA DECLARAÇÁO DE HAVANA * 
[4 de fevereiro de 1962] 
Do povo de Cuba aos povos da América e do mundo. 
Às vésperas da sua morte, em carta não terminada porque uma 
bala espanhola atravessou-lhe o coração, no dia 18 de maio de 1895, 
José Martí, apóstolo da nossa independência, escreveu a seu amigo
Manuel Mercado: 
"Já posso escrever ... já estou todos os dias em perigo de dar minha 
vida por meu país e por meu dever [ ...1 de impedir a tempo, com a 
independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendam pelas Anti­
lhas e caiam, com essa força mais, sobre nossas terras da América. 
Tudo o que fiz até hoje, e farei, é para isso [ ... 1. As próprias obrigações 
menores e públicas dos povos, mais vitalmente interessados em impedir 
que em Cuba se abra, pela anexação dos imperialistas, o caminho que 
haveremos de cortar, e com nosso sangue estamos cortando, da anexação 
dos povos da nossa América ao Norte violento e brutal que os despreza, 
lhes teriam impedidoa adesão ostensiva e a ajuda patente a este sacri­
fício que se faz pelo bem imediato deles próprios. Eu vivi no monstro 
e conheço suas entranhas; e minha funda é a de Davi". 
Já Martí, em 1895, apontou o perigo que ameaçava a América 
e chamou o imperialismo pelo nome: imperialismo. Aos povos da 
América advertiu que eles estavam mais que ninguém interessados em 
que Cuba não sucumbisse à cobiça ianque depreciadora dos povos 
latino-americanos. E com seu próprio sangue, vertido por Cuba e pela 
• Reproduzido de CASTRO, Fidel. II Declaración de La Habana (excertos). In: 
REBOLLEDO, Adolfo Sánchez, org., op. cit., p. 464-85. 
65 
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América, rubricou as palavras póstumas que em homenagem à sua re­
cordação o povo de Cuba faz suas no começo desta Declaração. 
Transcorreram 67 anos. Porto Rico foi convertido em colônia e é 
ainda uma colônia saturada de bases militares. Cuba também caiu nas 
garras do imperialismo. Suas tropas · ocuparam nosso território. A 
emenda Platt foi imposta à nossa primeira Constituição, como cláusula 
humilhante que consagrava o odiosO direito de intervenção estran­
geira. Nossas riquezas passaram a suas mãos, nossa história foi falseada, 
nossa administração e nossa política moldadas inteiramente aos inte­
resses dos interventores; a nação submetida a sessenta anos de asfixia 
política, econômica e cultural. 
Mas Cuba se levantou, Cuba pôde redimir a si mesma da tutelagem 
bastarda. Cuba rompeu as cadeias que atavam sua sorte ao império 
opressor, resgatou suas riquezas, reivindicou sua cultura e hasteou a 
bandeira soberana de Território e Povo Livre da América. 
Os Estados Unidos já não poderão mais cair sobre a América com 
a força de Cuba, mas, em vez disso, dominando a maioria dos Estados 
da América Latina, os Estados Unidos pretendem cair sobre Cuba 
com a força da América. 
O que é a história de Cuba senão a história da América Latina? 
E o que é a história da América Latina senão a história da Ásia, 
África e Oceania? E o que é a hist6ria de todos esses povos senão a 
história da exploração mais implacável e cruel do imperialismo no mundo 
inteiro? .~ 
No final do século passado e começo deste, um punhadO' de na 
ções economicamente desenvolvidas tinha concluído a repartiça o 
mundo, submetendo a seu domínio econômico e político dois terços 
da humanidade, que, dessa forma, se viu obrigada a trabalhar para as 
classes dominantes do grupo de países de economia capitalista desen­
volvida.. 
As circunstâncias históricas que permitiram a certos pàíses europeus 
e aos Estados Unidos da América do Norte um alto nível de desenvol­
vimento industrial situaram-nos em condições de poder submeter a seu 
domínio e exploração o resto do mundo. 
Que motivos impulsionaram essa expansão das potências industria­
lizadas? Foram razões de tipo moral, "civilizadoras", como eles alegavam? 
Não: foram razões de tipo econômico. 
Desde a descoberta da América, que lançou os conquistadores 
europeus através doS mares, a ocupar e explorar as terras e os habitantes 
de outros continentes, o afã de riqueza foi o móvel fundamental de sua 
conduta. A própria descoberta da América se realizou na busca de rotas 
mais curtas para o Oriente, cujas mercadorias eram regiamente pagas 
na Europa. 
Uma nova classe social - os comerciantes e os produtores de 
artigos manufaturados para o ,comércio - surge do seio da sociedade 
feudal de senhores e servos no final da Idade Média. 
A sede de ouro foi o que moveu os esforços dessa nova classe. O 
afã de lucro foi o incentivo de sua conduta através de sua história. Com 
o desenvolvimento da indústria manufatureira e do comércio, foi cres­
cendo sua influência social. As novas forças produtivas que se desen­
volviam no seio da sociedade feudal se chocavam cada vez mais com 
as relações de servidão próprias do feudalismo, suas leis, suas institui­
ções, sua filosofia, sua moral, sua arte e sua ideologia política. 
Novas idéias filosóficas e políticas, novos conceitos do Direito e 
do Estado foram proclamados pelos representantes intelectuais da classe 
burguesa, os quais, para responder às novas necessidades da vida social, 
pouco . a pouco conscientizaram as massas exploradas. Eram então 
idéias revolucionárias diante das idéias caducas da sociedade feudal. 
Os camponeses, os artesãos e os operários das manufaturas, encabeçados 
pela burguesia, liquidaram a ordem feudal, sua filosofia, suas idéias, suas 
instituições, suas leis e os privilégios da classe dominante, isto é, a 
nobreza hereditária. 
A burguesia, então, considerava justa e necessária a revolução. Não 
pensava que a ordem feudal podia e devia ser eterna, como pensa agora 
da sua ordem capitalista. Alentava os camponeses a se libertarem da 
servidão feudal, alentava os artesãos contra as relações gremiais e reivin­
dicava o direito ao poder político. Os monarcas absolutos, a nobreza e 
o alto clero defendiam tenazmente seus privilégios de classe, proclamando 
o direito divino da coroa e a intangibilidade da ordem social. Ser liberal, 
proclamar as idéias de Voltaire, Diderot ou Jean-Jacques Rousseau, 
porta-vozes da filosofia burguesa, constituía então, para as classes domi­
nantes, um delito tão grave como é hoje para a burguesia ser socialista 
e proclamar as idéias de Marx, Engels e Lenin. 
Quando a burguesia conquistou o poder político e estabeleceu sobre 
as ruínas da sociedade feudal seu modo capitalista de produção, sobre 
esse modo de produção erigiu seu Estado, suas leis, suas idéias e insti­
tuições. Essas instituições consagravam em primeiro lugar a essência de 
sua dominação de classe: a propriedade privada. A nova sociedade 
baseada na propriedade privada dos meios de produção e na livre compe­
tição ficou assim dividida em duas classes fundamentais: uma possuidora 
dos meios de produção, cada vez mais modernos e eficientes, a outra 
desprovida de toda a riqueza, possuidora somente de sua força de tra­
balho, obrigada a vendê-la no mercado, como unia mercadoria a mais, 
para poder subsistir. 
Rompidos os entraves do .feudalismo, as forças produtivas se desen­
volveram extraordinariamente. Surgiram as grandes fábricas, onde se 
acumulava um número cada vez maior de operários. 
67 
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As fábricas mais modernas e tecnicamente eficientes iam substi­
tuindo no mercado os competidores menos eficientes. O custo dos equipa­
mentos industriais ficava cada vez mais alto; era preciso acumular somas 
cada vez maiores de capital. Uma parte importante da produção foi 
sendo acumulada em um menor número de mãos. Surgiram assim as 
grandes empresas capitalistas e, mais adiante, as associações de grandes 
empresas através de cartéis, sindicatos, trustes e consórcios, conforme o 
grau e o caráter da associação, controlados pelos possuidores da maioria 
das ações, isto é, pelos mais poderosos senhores da indústria. A livre 
concorrência, característica do capitalismo na sua primeira fase, deu 
lugar aos monopólios que estabeleciam acordos entre si e controlavam 
os mercados.
De onde saíram as colossais somas de recursos que permitiram a 
um punhado de monopolistas acumular bilhões de dólares? Simples­
mente, da exploração do trabalho humano. Milhões de homens obrigados 
a trabalhar por um salário de subsistência produziram com seu esforço 
os gigantescos capitais dos monopólios. Os trabalhadores acumularam 
as fortunas das classes privilegiadas, cada vez mais ricas, cada vez mais 
.poderosas. Através das instituições bancárias elas chegaram a dispor não 
somente de seu próprio dinheiro, mas também do dinheiro de toda a 
sociedade. Assim se produziu a fusão dos bancoS com a grande indústria 
e nasceu o capital financeiro. O que fazer então com os grandes exce­
dentes de capital que em quantidades maiores se iam acumulando? Invadir 
com eles o mundo. Sempre na busca de lucro, começ·aram a se a odera ' 
das riquezas naturais de todos os países economicamente débei e a 
ex:plorar o trabalho humano de seus habitantes com salários muito maIS 
miseráveis queos que se viam obrigados a pagar aos operários da 
própria metrópole. Iniciou-se assim a repartição territorial e econômica 
do mundo. Em 1914, oito a dez países imperialistas tinham submetido 
a seu domínio econômico e político fora de suas fronteiras territórios 
cuja extensão ascendia a 83 700 mil quilômetros quadrados, com uma 
população de 970 milhões de habitantes. Tinham simplesmente repartido 
o mundo entre si.
Mas, como o mundo era limitado em extensão, depois de repartido 
até o último rincão do globo, veio o choque entre os diferentes países 
monopolistas, e surgiram as pugnas por novas repartições, originadas 
na distribuição não-proporcional ao poder industrial e econômico que 
os diferentes países monopolistas em desenvolvimento desigual tinham al­
cançado. Estouraram as guerras imperialistas que custariam à humanidade 
cinqüenta milhões de mortos, dezenas de milhões de inválidos e incal­
culáveis riquezas materiais e culturais destruídas. Isso ainda não havia 
acontecido, e Marx já escrevia que "o capital recém-nascido transpirava 
sangue e lama por todos os poros, dos pés à cabeça". 
O sistema capitalista de produção, uma vez tendo dado de si tudo 
de que era capaz, converteu-se num abismal obstáculo ao progresso da 
humanidade. Mas a burguesia, desde a sua origem, levava em si mesma 
seu contrário. Em seu seio se desenvolveram gigantescos instrumentos 
produtivos, mas, por sua vez, desenvolveu-se uma nova e vigorosa força 
social: o proletariado, chamado a mudar o sistema social já velho e 
caduco do capitalismo por uma forma econômico-social superior e de 
acordo com as possibilidades históricas da sociedade humana, conver­
tendo em propriedade de toda a sociedade esses gigantescos meios de 
produção que , os povos, e tão-somente os povos, com seu trabalho, 
tinham criado eacumulado. Com tal grau de desenvolvimento das forças 
produtivas, passava a ser absolutamen'te caduco e anacrônico um regime 
que postulava a propriedade privada e, com isso, a subordinação da 
economia de milhões e m.ilhões de seres humanos aos ditados de uma 
exígua minoria social. 
Os interesses da humanidade reclamavam o término da anarquia 
na produção, do desperdício, das crises econôm.icas e das guerras de 
rapina, próprias do sistema capitalista. As recentes necessidades do 
gênero humano e a possibilidade de satisfazê-las exigiam o desenvolvi­
mento planificado da econom.ia e a utilização racional de seus meios 
de produção e recursos naturais. 
Era inevitável que o imperialismo e o colonialismo entrassem em 
profunda e insuperável crise. A crise geral iniciou no princípio da Pri­
meiJ:!i Guerra Mundial, com a revolução dos operários e camponeses 
que ' derrubou o império czarista da Rússia e implantou, em dificílimas 
condições de cerco e agressão capitalista, o primeiro Estado socialista 
do mundo, iniciando uma nova era na história da humanidade. Desde 
então até nossos dias, a crise e a decomposição do sistema imperialista 
se acentuaram incessantemente. 
A Segunda Guerra Mundial desencadeada pelas potências imperia­
listas, que arrastou a União Soviética e outros povos da Europa e da 
Ásia, criminosamente invadidos, a uma sangrenta luta de libertação, 
culminou na derrota do fascismo, na formação do campo mundial do 
socialismo e na luta pela soberania dos povos coloniais e dependentes. 
Entre 1945 e 1957, mais de um bilhão e duzentos m.ilhões de seres 
humanos conquistaram sua independência, na Ásia e na África. O sangue 
vertido pelos povos não foi em vão. 
O movimento dos povos dependentes e colonizados é um fenômeno 
de caráter universal que agita o mundo e marca a crise final do impe­
rialismo. 
Cuba e a América Latina fazem parte do mundo. Nossos problemas 
fazem parte dos problemas que se engendram da crise geral do impe­
rialismo e da luta dos povos subjugados; do choque entre o mundo que 
nasce e o mundo que morre. A odiosa e brutal campanha desencadeada 
http:econom.ia
69 68 
contra nossa pátria expressa o esforço tão desesperado quanto inútil 
que os imperialistas fazem para evitar a libertação dos povos. Cuba 
dói de maneira especial aos imperialistas. O que se esconde por trás 
do ódio ianque à Revolução Cubana? O que explica racionalmente a 
conjura que reúne no mesmo pro"pósito agressivo a potência imperialista 
mais rica e poderosa do mundo contemporâneo e as oligarquias de todo 
um continente, que, juntas, supõem representar uma população de 
350 milhões de seres humanos, contra um pequeno povo de somente 
7 milhões de habitantes, economicamente subdesenvolvido, sem recursos 
financeiros nem militares para ameaçar nem a segurança nem a economia 
de qualquer país? O medo os une e os concita. O medo é a explicação. 
Não o medo da Revolução Cubana; o medo da revolução latino-ame­
ricana. Não o medo dos operários, camponeses, estudantes, intelectuais 
e setores progressistas das camadas médias que tomaram revolucionaria­
mente o poder em Cuba; mas o medo de que os operários, camponeses, 
estudantes, intelectuais e setores progressistas das camadas médias tomem 
revolucionariamente o poder nos países oprimidos, famintos e explorados 
pelos monopólios ianques e a oligarquia reacionária da América; o medo 
de que os povos saqueados do continente arrebatem as armas a seus 
opressores e se declarem, como Cuba, povos livres da América. 
Liquidando a Revolução Cubana acreditam dissipar o medo que 
os atormenta, o fantasma da revolução que os ameaça. Liquidando a 
Revolução Cubana, acreditam liquidar o espírito revolucionário dos 
povos. Pretendem, em seu delírio, que Cuba é exportadora de revoluções. 
Em suas mentes de negociantes e usurários insones cabe a idéia de que 
as revoluções se podem comprar ou vender, alugar, emprestar, ~porta 
ou importar como se fossem mais uma mercadoria. Ignorantes das leis 
objetivas que regem o desenvolvimento das ~ociedades humanas, 
ditam que seus regimes monopolistas, capitalistas e seroifeudais são 
eternos. Educados na sua própria ideologia reacionária, mistura de supers­
tição, ignorância, subjetivismo, pragmatismo e outras aberrações do 
pensamento, têm uma imagem do mundo e da marcha da história acomo-' 
dada a seus interesses de classes exploradoras. Supõem que as revoluções 
nascem ou morrem no cérebro dos indivíduos, ou como efeito das leis 
divinas, e que, além disso, os deuses estão do seu lado. Sempre acredi­
taram nas mesmas coisas, desde os devotos pagãos patrícios na Roma 
escravista, que lançavam os cristãos primitivos aos leões do circo, e os 
inquisidores na Idade Média, que, como guardiães do feudalismo e da 
monarquia absoluta, imolavam na fogueira os primeiros representantes 
do pensamento liberal da nascente burguesia, até os bispos que, hoje, 
em defesa do regime burguês e monopolista, anatematizam as revoluções 
proletárias. Todas as classes reacionárias, em todas as épocas históricas, 
quando o antagonismo entre exploradores e explorados chega à sua 
máxima tensão, pressagiando o advento de um novo regime social, se 
utilizaram das piores armas da repressão e da calúnia contra seus adver­
sários. Acusados de incendiar Roma e de sacrificar crianças em seus 
altares, os cristãos primitivos foram levados ao martírio. Acusados de 
,hereges, foram levados à fogueira pelos inquisidores filósofos como 
Giordano Bruno, reformadores como Hus e milhares daqueles que não 
mais se conformavam com a ordem feudal. Sobre os lutadores proletários 
se abate hoje a perseguição e o crime, precedidos das piores calúnias 
na imprensa monopolista e burguesa. Em qualquer época histórica as 
classes dominantes sempre assassinaram invocando a "defesa da socieda­
de, da ordem, da pátria: sua sociedade de minorias privilegiadas sobre 
maiorias exploradas, sua ordem classista", que mantêm a sangue e fogo 
sobre os despossuídos, "a pátria" que eles desfrutam sozinhos, privando 
desse desfrute o resto do povo, para reprimir os revolucionários que 
aspiram a uma sociedade nova, uma ordem justa, uma pátria verdadeira 
para todos. 
Mas o desenvolvimento

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