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I. A LUTA ANTIDITATORIAL 1. A mSTõRIA ME ABSOLVERÁ * [16 de outubro de 1953] [ ... ] Quando falamos em povo, não nos referimos aos setores aco modados e conservadores da nação, aos quais convêm qualquer regime de opressão, qualquer ditadura, qualquer despotismo, prostrando-se diante do amo de turno até bater a cabeça no chão. Quando falamos em luta, entendemos por povo a grande maioria oprimida, à qual todos prometem, enganam e traem; aquela que age conforme os anseios ancestrais de justiça, por ter sofrido, geração após geração, a injustiça e a zombaria; aquela que anseia por grandes e sábias transformações em todos os planos e, para consegui-Ias, está disposta a dar até sua última gota de sangue, quando acredita em algo ou em alguém, sobretudo quando acredita suficientemente em si mesma. A primeira condição da sinceridade e da boa-fé num propósito é exatamente fazer o que ninguém faz, isto é, falar com absoluta clareza e sem medo. Os demagogos e políticos profissionais querem fazer o milagre de estar bem com tudo e com todos, enganando necessariamente a todos em tudo. Os revolucionários devem proclamar suas idéias com valentia, definir seus princípios e expressar suas intenções para que ninguém se engane, nem amigos nem inimigos. Chamamos de povo, se se trata de lutar, os 600 000 cubanos que estão sem trabalho, desejando ganhar honradamente seu pão, sem ter de emigrar da sua pátria em busca de sustento; os 500000 operários do campo que vivem em choças miseráveis, que trabalham quatro meses por ano e passam fome o resto do tempo, compartilhando com seus * Reproduzido de CASTRO, Fidel. La hisloria me absolverá (excertos). La Habana, Editora Política, 1983. p. 45-67, 102-9, 131-3. filhos a miséria, que não têm uma polegada de terra para semear e cuja existência deveria inspirar compaixão, se não houvesse tantos corações de pedra; os 400000 operários industriais e braçais, cujos rendimentos estão todos desfalcados, cujas conquistas estão sendo arrebatadas, cujas "casas são infernais cortiços, cujos salários passam das mãos do patrão às do agiota, cujo futuro é a redução do salário e a dispensa do emprego, cuja vida é o trabalho eterno e cujo descanso é o túmulo; os 100 mil pequenos agricultores, que vivem e morrem trabalhando uma terra que não é sua, contemplando-a sempre tristemente, como Moisés à terra prometida, até morrer sem chegar a possuí-la, tendo de pagar por seus pequenos pedaços de terra, da mesma forma que os servos feudais, com uma parte dos seus produtos, não podendo amar essa terra, nem melhorá-la, nem embelezá-la, plantar um cedro ou uma laranjeira, por que ignoram o dia em que virá um oficial de justiça com a polícia rural para lhes dizer que devem sair dali; os 30 mil professores primários e outros educadores, tão abnegados, sacrificados e necessários para um destino melhor para as futuras gerações, e aos quais se trata e se paga tão mal; os 20 mil pequenos comerciantes sufocados pelas dívidas, arruinados pela crise e destruídos por uma praga de funcionários aventu reiros e venais; os 10 mil jovens profissionais - médicos, engenheiros, advogados, veterinários, pedagogos, dentistas, farmacêuticos, jornalistas, pintores, escultores etc. - que, ao saírem das escolas com seus diplomas, desejosos de lutar e cheios de esperança, se encontram num beco sem saída, com todas as portas fechadas, surdas ao clamor e à súplica. Esse é o povo, o que sofre todas as infelicidades e é, portanto, capaz de combater com toda a coragem! A esse povo, cujos caminhos de angústia estão pavimentados de enganos e falsas promessas, não lhe diríamos: "Vamos te dar", mas: "Aqui tens; luta agora com todas as tuas forças, para que sejam tuas a liberdade e a felicidade!" No sumário desta causa devem constar as cinco leis revolucionárias que seriam proclamadas imediatamente após a tomada do quartel Mon cada e divulgadas por rádio à nação. :e. possível que o coronel Chaviano tenha destruído deliberadamente esses documentos, mas, se os destruiu, eu os conservo na memória. A primeira lei revolucionária devolvia ao povo a soberania e pro clamava a Constituição de 1940 como a verdadeira Lei suprema do Estado, até que o povo decidisse modificá-la ou mudá-la. Para a sua implantação, incluindo o castigo exemplar a todos os que a tinham traído, não existindo órgão eleito pelo povo, o movimento revolucionário, como encarnação momentânea dessa soberania, única fonte legítima de poder, assumiria todas as faculdades que lhe "são inerentes, exceto a de modificar a própria Constituição: faculdade de legislar, faculdade de executar e faculdade de julgar. 40 41 Essa atitude não podia ser mais diáfana e despida de idiotices e charlatanismos estéreis: um governo aclamado pela massa de comba tentes receberia todas as atribuições necessárias para proceder à implan tação efetiva da vontade popular e da verdadeira justiça. A partir desse instante, o poder Judiciário, que se colocou desde o 10 de março contra a Constituição e fora da Constituição, deixaria de funcionar como tal e se procederia à sua imediata e total depuração, antes de assumir nova mente as faculdades que lhe concede a Lei suprema da república. Sem essas medidas prévias, a volta à legalidade, colocando sua proteção em mãos que claudicaram desonrosamente, seria uma fraude, um engano e mais uma traição. A segunda lei revolucionária concedia a propriedade da terra, sem possibilidade de embargo e intransferível, a todos os colonos, subcolonos, arrendatários, parceiros e posseiros que ocupassem áreas de cinco ou menos caballerías 1 de terra, indenizando o Estado a seus antigos pro prietários na base da renda média que receberiam por essas terras no curso de dez anos. A terceira lei revolucionária outorgava aos operários e empregados o direito de participação de 30% nos lucros, em todas as empresas industriais, comerciais e mineiras, incluindo as centrais açucareiras. Excetuavam-se as empresas exclusivamente agrícolas, devido a outras leis de caráter agrário que seriam implantadas. A quarta 'lei revolucionária concedia a todos os colonos o direito de participar de 55 % do rendimento da cana e a quota mínima de 40 000 arrobas a todos os pequenos colonos que estivessem estabelecidos há três ou mais anos. A quinta lei revolucionária ordenava a confiscação total dos bens de todos os malversadores de todos os governos e dos seus coniventes e herdeiros, tanto dos bens recebidos por testamento quanto de forma fraudulenta, sem testamento. Esse confisco se daria através de tribunais especiais, com plenas faculdades de acesso a todas as fontes de inves tigação, de intervenção nas sociedades anônimas registradas no país, ou que nele operem, nas quais possam ocultar-se bens malversados, e de solicitação ' aos governos estrangeiros da extradição de pessoas e do embargo de bens. A metade dos bens recuperados iria para as caixas de aposentadoria dos operários e a outra metade para os hospitais, asilos e casas de beneficência. Declarava-se, além disso, que a política cubana na América seria de estreita solidariedade com os povos democráticos do continente e que os perseguidos políticos das sangrentas tiranias que oprimem nações irmãs não encontrariam na pátria de MartÍ, como hoje, perseguição, fome 1 Medida agrária. 1 caballería 13,430 m2. (N. do ed. cubano.) e traição, mas asilo generoso, fraternidade e pão. Cuba deveria ser um baluarte de liberdade, e não expressão vergonhosa de despotismo. Essas leis seriam proclamadas imediatamente e a elas seguiriam, uma vez terminada a luta e depois do estudo minucioso do seu conteúdo e alcance, outra série de leis e medidas igualmente fundamentais, como a reforma agrária, a reforma integral do ensino e a nacionalização do truste elétrico e do truste telefônico, a devolução ao povo do excesso ilegal que estiveram cobrando em suas tarifas e pagamento de todas as quantias que sonegaram à Fazenda pública. Todas essase outras medidas estariam inspiradas no cumprimento estrito de dois artigos essenciais de nossa Constituição, um dos quais determina a proscrição do latifúndio, para o que fixa0 máximo de terra que cada pessoa ou entidade pode ter para cada tipo de exploração agrícola, adotando medidas que tendam a devolver a terra ao cubano; e o outro ordena categoricamente' que o Estado empregue todos os meios que estejam ao seu alcance para proporcionar ocupação a todos os que dela careçam e assegurar a cada trabalhador manual ou intelec tual uma vida decente. Nenhuma dessas medidas poderá, portanto, ser qualificada de inconstitucional. . O primeiro governo oriundo de eleição popular teria que respeitá-las; não só porque teria um compromisso moral com a nação, mas também porque, quando os povos alcançam conquistas pelas quais ansiaram por várias gerações, não há força no mundo capaz de arrebatá-las. O problema da terra, o problema da industrialização, o problema habitacional, o problema do desemprego, o problema da educação e o problema da saúde do povo: eis os seis pontos para cuja solução, junto com a conquista das liberdades públicas e da democracia política, ter -se-iam encaminhado resolutamente nossos esforços. Talvez esta exposição pareça fria e teórica, se não se conhece a espantosa tragédia que está vivendo o país no que se refere a essas seis questões, às quais se soma a mais humilhante opressão política. 85 % dos pequenos agricultores cubanos pagam renda e vivem sob a permanente ameaça da expulsão de suas terras. Mais da metade das melhores terras cultivadas está em ' mãos estrangeiras. Em Oriente, que é a maior província, as terras da United Fruit Company e da West Indian unem a costa norte com a costa sul. Há 200 000 ,famílias camponesas que não possuem um palmo de terra onde semear alimentos para seus filhos famintos, enquanto permanecem sem cultivar, em mãos de interes ses poderosos, cerca de 300 000 caballerías de terras produtivas. Se Cuba é um país eminentemente agrícola, se sua população é em grande parte camponesa, se a cidade depende do campo, se o campo fez a indepen dência, se a grandeza e a prosperidade de nossa nação dependem de um campesinato saudável e vigoroso, que ame e saiba cultivar a terra, de 43 42 um Estado que o proteja e o oriente, como é possível que esse estado de coisas continue? Salvo umas poucas indústrias alimentícias, madeireiras e têxteis, Cuba continua sendo uma feitoria produtora de matérias-primas. Expor ta-se açúcar para importar caramelos, exporta-se couro para importar sapatos, exporta-se ferro para importar arados ... Todo mundo concorda na necessidade urgente de industrializar o país, que são necessárias indús-:- . trias metalúrgicas, indústrias de papel, indústrias químicas, que é preciso melhorar a criação, os cultivos, a técnica e elaboração de nossas indús trias alimentícias, para que possam resistir à concorrência ruinosa que fazem as indústrias européias de queijo, leite condensado, licores e azeites e as de conservas norte-americanas; que necessitamos de navios mercan tes; que o turismo poderia ser uma enorme fonte de riquezas; mas os proprietários do capital exigem que os operários se submetam às forcas caudinas, que o Estado cruze os braços e a industrialiiação fique para as calendas gregas. Tão grave ou pior é a tragédia da habitação. Existem em Cí.lba 200000 barracões e choças; 400000 famílias do campo e da cidade vivem amontoadas em barracões, cortiços e porões, sem as mais ele mentares condições de higiene e saúde; 2 200 000 pessoas de nossa população urbana pagam aluguéis que absorvem entre um quinto e um terço dos seus rendimentos; e 2 800000 pessoas de nossa população rural e suburbana carecem de luz elétrica. Aqui acontece o mesmo: se o Estado se propõe rebaixar os aluguéis, os proprietários ameaçam para lisar todas as construções; se o Estado se abstém, constroem enquanto podem receber um tipo elevado de renda, depois não põem nenhum tijolo mais, ainda que o resto da população viva na intempérie; outro tanto faz o monopólio elétrico: estende as linhas até o ponto em que possa conseguir um lucro satisfatório, a partir do qual não lhe interessa se as pessoas viverão nas trevas pelo resto dos seus dias. O Estado cruza os braços, e o povo. continua sem casa e sem luz. Nosso sistema de ensino se combina perfeitamente com toda a situação descrita. Num campo onde o camponês não é o dono da terra, para que se querem escolas agrícolas? Numa cidade onde não há indústrias, para que se querem escolas técnicas e industriais? Tudo está dentro da mesma lógica absurda: não há nem uma coisa nem outra. Em qualquer pequeno país da Europa existem mais de duzentas escolas técnicas e de artes industriais; em Cuba não passam de seis, e os jovens saem delas com seus diplomas sem ter onde se empregar. As escolinhas públicas do campo são freqüentadas por menos da metade das crianças em idade escolar - descalças, seminuas e desnutridas - e muitas vezes é o professor que tem de adquirir com seu próprio salário o material necessário. n assim que se pode construir uma grande pátria? De tanta miséria só é possível se livrar com a morte; a isso, sim, o Estado ajuda: a morrer. 90% das crianças do campo são devoradas pelos parasitas, que nelas se infiltram da terra pelas unhas dos pés descalços. A sociedade se comove diante da notícia do seqüestro ou do assassinato de um menino, mas permanece criminosamente indife rente diante do assassinato em massa que se comete contra milhares e milhares de crianças que morrem todos os anos por falta de recursos, agonizando nos estertores da dor, cujos olhos inocentes, em que já se observa o brilho da morte, parecem olhar para o infinito, como se pedissem perdão para o egoísmo humano e para que não caia sobre elas a maldição de Deus. E quando um pai de faffil1ia trabalha quatro meses no ano, como pode comprar roupas e remédios para seus filhos? Crescerão raquíticos, aos trinta anos não terão nenhum dente são na boca, terão ouvido dez milhões de discursos e morrerão finalmente de miséria e decepção. O acesso aos hospitais do Estado, sempre repletos, só é possível mediante a recomendação de um político influente, que exigirá do infeliz o seu voto e o de toda a sua família, para que Cuba continue sempre igualou pior. Com tais antecedentes, como deixar de explicar que, de maio a dezembro, um milhão de pessoas não encontram trabalho e que Cuba, com uma população de 5 500 000 habitantes, tenha atualmente mais desempregados que a França e a Itália, com uma população de mais de quarenta milhões cada uma? Quando julgais um acusado de roubo, senhores juízes, não lhe perguntais há quanto tempo está sem trabalho, quantos filhos tem, em que dias da semana comeu e em que dias não; não vos preocupam de forma alguma as condições sociais do meio em que vive; vós o enviais à prisão sem maiores considerações. Para lá não vão os ricos que queimam armazéns e lojas para receber as apólices de seguro - ainda que sejam queimados também alguns seres humanos - porque eles têm dinheiro de sobra para pagar advogados e · subornar juízes. Enviam à prisão o infeliz que rouba por fome, mas nenhum das centenas de ladrões que roubaram milhões ao Estado jamais dormiu uma noite no xadrez: ceais com eles no fim do ano em algum lugar aristocrático, e merecem o vosso · respeito. Em Cuba, quando um funcionário fica milionário da noite para o dia e entra para a confraria dos ricos, pode ser recebido com as mesmas palavras daquele opulento personagem de Balzac, Tail lefer, quando brindou em honra do jovem que acabava de herdar uma imensa .fortuna: "Senhores, bebamos ao poder do ouro! O senhor Valentim, seis vezes milionário, acaba atualmente de ascender ao trono. n ·rei, pode tudo, está por cima de tudo, como acontece com todos os ricos. Daqui para frente a igualdade diante da lei, consagrada no frontispício da Constituição, será um mito para ele,não estará submetido 45 44 às leis, que, ao contrário, se submeterão a ele. Para os milionários não existem tribunais nem sanções". O . futuro da nação e a solução de seus problemas não pode con tinuar dependendo do interesse egoísta de uma dezena de financistas, dos frios cálculos sobre os lucros que fazem em seus escritórios com ar condicionado dez ou doze magnatas. O país não pode continuar de joelhos, implorando os milagres de alguns bezerros de ouro que, · como aquele do Antigo Testamento que foi derrubado pela ira do profeta, não fazem milagres de nenhum tipo. Os problemas da república só terão solução se nos dedicarmos a lutar por ela com a mesma energia, honradez e patriotismo que nossos libertadores usaram para criá-la. E não é com estatísticas, ao estilo de Carlos Salaçirigas 2, cuja política consiste em deixar tudo como está e passar a vida dizendo idiotices sobre a "liber dade absoluta de empresa", "garantias ao capital de investimento" e a "lei da oferta e da procura", que serão resolvidos esses problemas. Num palacete da Quinta Avenida esses ministros podem conversar ale gremente até que não sobre nem o pó dos ossos dos que hoje reclamam soluções urgentes. E no mundo atual nenhum problema social se resolve por geração espontânea. Um governo revolucionário, depois de est~belecer em suas parcelas, na qualidade de donos, os 100000 pequenos agricultores que hoje pagam rendas, procederia à solução definitiva do problema da terra, primeiro: estabelecendo, como ordena a Constituição, uma extensão máxima para cada tipo de empresa agrícola e adquirindo o excedente por meio de expropriação, reivindicando as terras usurpadas ao Estado, secando os alagados e terrenos pantanosos, plantando enormes viveiros e reservando zonas para o reflorestamento; segundo: repartindo a terra restante dis ponível entre as famílias camponesas, com preferência para as mais numerosas, fomentando cooperativas de agricultores para a utilização comum de equipamentos de custo elevado, de frigoríficos e da mesma direção técnico-profissional no cultivo e na criação e facilitando, por fim, recursos, equipamentos, proteção e conhecimentos úteis ao campesinato. Um governo revolucionário, com o apoio do povo e o respeito da nação, depois de limpar as instituições de funcionários venais e cor rompidos, iniciaria imediatamente a tarefa de industrializar o país, mobi lizando todo o capital inativo, que ultrapassa atualmente 1 500 milhões, através do Banco Nacional e do Banco de Fomento Agrícola e Industrial, e entregando a magna tarefa ao estudo, direção, planificação e rea lização de técnicos de absoluta competência, inteiramente alheios às manobras políticas. Um governo revolucionário resolveria o problema habitacional re duzindo drasticame'nte os aluguéis em 50%, eximindo de todo pagamento 2 Ministro do primeiro governo de Fulgencio Batista (1940-44). (N. do Org.) as casas habitadas pelos seus próprios donos, triplicando os impostos sobre as casas alugadas, demolindo os infernais cortiços para erguer no seu lugar edifícios modernos de muitos andares e financiando a construção de casas em toda a ilha, em escala inédita, com o critério de que, se o ideal no campo é que cada família possua seu próprio pedaço de terra, o ideal na cidade é que cada família possua sua própria casa ou apartamento. Existem material . suficiente e braços de sobra para dar a cada família cubana uma casa decente. Mas, se continuarmos esperando pelos milagres do bezerro de ouro, passarão mil anos e o problema continuará o mesmo. Por outro lado, as possibilidades de levar eletricidade até o último rincão da ilha são hoje maiores que nunca, porque já é uma realidade a aplicação da energia nuclear a esse ramo da indústria, o que barateará enormemente seu custo de produção. Com essas três iniciativas e reformas, desapareceria automatica mente o problema do desemprego e a profilaxia e a luta contra .as doenças seria tarefa muito mais fácil. Finalmente, um governo revolucionário realizaria a reforma integral do nosso ensino, colocando-o em harmonia com as iniciativas anteriores, para preparar devidamente as gerações que estão chamadas a viver numa pátria mais feliz. Não se esqueçam das palavras do Apóstolo 3. "Co mete-se na América Latina um erro gravíssimo: povos que vivem quase que completamente dos produtos do campo são educados exclusiva mente para a vida urbana, não sendo preparados para a vida campo nesa". "O povo mais feliz é aquele que educa melhor seus filhos, na instrução do pensamento e na direção dos sentimentos." "Um povo instruído será sempre forte e livre." Mas a alma do ensino é o professor, e os educadores em Cuba são pagos miseravelmente; não há, no entanto, indivíduo mais apai xonado pela sua vocação que o professor cubano. Quem não aprendeu suas primeiras letras numa escolinha pública? Já chega de estar pa gando esmolas aos homens e mulheres que têm nas mãos a missão mais sagrada do mundo de hoje e de amanhã, a de ensinar. Nenhum pro fessor primário deve ganhar menos de 200 pesos, assim como nenhum professor secundário deve ganhar menos de 350, se quisermos que se dediquem inteiramente à sua elevada missão sem terem de viver ator mentados por todo tipo de mesquinhas privações. Além disso, deve-se conceder aos professores que desempenham sua função no campo o uso gratuito dos meios de transporte; e a todos, a cada cinco anos pelo menos, férias de seis meses com vencimentos, para que possam assistir a cursos especiais no país ou no . exterior, pondo-se em dia com os últimos conhecimentos pedagógicos e melhorando constantemente seus 8 Referência a José Martí, considerado o apóstolo da independência cubana. (N. do Org.) 46 programas e sistemas. De onde tirar o dinheiro necessário? Quando deixarem de roubar, quando não houver funcionários venais que se deixem subornar pelas grandes empresas, em detrimento do fisco, quan do os imensos recursos da nação forem mobilizados e não se comprarem mais tanques, bombardeiros e canhões neste país sem fronteiras, s6 para guerrear contra o povo, e se quiser educá-lo em vez de matá-lo, então haverá dinheiro de sobra. Cuba poderia abrigar esplendidamente uma população três vezes maior; não há, portanto, razão para que exista miséria entre seus atuais habitantes. Os mercados deveriam estar abarrotados de produtos; as despensas das casas deveriam estar cheias; todos os braços poderiam estar produzindo laboriosamente. Não, isso não é inconcebível. O incon cebível é existirem homens que durmam com fome enquanto existir uma polegada de terra sem semear; o inconcebível é existirem crianças que morrem sem assistência médica; o inconcebível é 30% de nossos cam poneses não saberem assinar o próprio nome e 99 % não saberem a história de Cuba; o inconcebível é a maioria das famílias de nossos campos estar vivendo em piores condições que os índios encontrados por Colombo ao descobrir "a terra mais bonita que os olhos humanos já viram". Aos que me chamam, por isso, de sonhador, lhes responderei como Martí: "O verdadeiro homem não olha de que lado se vive melhor, mas de que lado está o dever; e esse é o único homem prático cujo sonho de hoje será a lei de amanhã, porque quem tenha posto os olhos nas entranhas universais e visto ferver os povos, inflamados e ensangüen tados, na masseira dos séculos, sabe que o porvir, sem uma única exce ção, está do lado do dever". [ ... ] Vou contar-lhes uma história. Era uma vez uma república. Tinha sua Constituição, suas leis, suas liberdades; presidente, Congresso, tri bunais; todo mundo podia se reunir, se associar, falar e escrever com inteira liberdade. O governo não satisfazia ao povo, mas o povo podia mudá-lo, e faltavam só alguns dias para fazê-lo. Existia uma opinião pública respeitada e acatada, e todos os problemas de interesse coletivo eram discutidos livremente. Havia partidos políticos, horas de doutri nação pelo rádio, programaspolêmicos de televisão, atos públicos e palpitava no povo o entusiasmo. Este povo havia sofrido muito e, se não era feliz, desejava sê-lo e tinha esse direito. Tinha sido enganado muitas vezes e olhava o passado com verdadeiro terror. Acreditava cegamente que ele não poderia voltar; estava orgulhoso de seu amor à liberdade e vivia envaidecido de que ela seria respeitada como coisa sagrada; sentia uma nobre confiança na segurança de que ninguém s~ atreveria a cometer o crime de atentar contra suas instituições de 47 mocráticas. Desejava uma mudança, uma melhoria, um avanço e os via próximos. Toda a sua esperança residia no futuro. Pobre povo! Certa manhã a população despertou estremecida; nas sombra.s da noite, os espectros do passado se haviam conjurado, en quanto ela dormia, e agora a tinham agarrado pelas mãos, pelos pés e pelo pescoço. Aquelas garras eram conhecidas, aquelas fauces, aquelas gadanhas de morte, aquelas botas ... Não; não era um pesadelo; trata va-se da triste e terrível realidade: um homem chamado Fulgencio Batista acabava de cometer o horrível crime que ninguém esperava. Aconteceu então que um humilde cidadão daquele povo, que queria acreditar nas leis da república e na integridade de seus magis trados, a quem tinha visto muitas vezes enfurecer-se contra os infelizes, buscou o Código de Defesa Social para ver · que castigos prescrevia a sociedade para o autor de semelhante ato, e encontrou o seguinte: "Estará sujeito à privação da liberdade de seis a dez anos aquele que executar qualquer ato destinado a modificar, diretamente, no todo ou em parte, por meio da violência, a Constituição do Estado ou a forma de governo estabelecida". "Será privado da liberdade, de três a dez anos, o autor de ato destinado a promover um levante de pessoas armadas contra os poderes constitucionais do Estado. Se a insurreição for levada a efeito, a pena será de privação da liberdade de cinco a vinte anos." "Aquele que executar ato com o fim de impedir, no todo ou em parte, ainda que temporariamente, o Senado, a Câmara dos Represen tantes, o presidente da república, .ou o Supremo Tribunal de Justiça de exercerem suas funções constitucionais, incorrerá em pena de privação da liberdade de seis a dez anos." "Aquele que tratar de impedir ou estorvar a realização de eleições gerais incorrerá em pena de privação da liberdade de quatro a oito anos." "Aquele que introduzir, publicar, propagar ou tratar de fazer cum prir em Cuba despacho, ordem ou decreto [ . . . ] que tenda a provocar a inobservância das leis vigentes, incorrerá em pena de privação da liberdade de dois a seis anos." "Aquele que, sem faculdade legal para tanto, nem ordem do go verno, assumir o comando de tropas, praças, fortalezas, postos militares, povoações ou navios ou aeronaves de guerra, incorrerá em pena de privação da liberdade de cinco a dez anos." "Igual penalidade será imposta àquele que usurpar o exercício de uma função atribuída pela Constituição como própria de úm dos poderes do Estado." Sem dizer uma palavra a ninguém, com o Código numa mão e os documentos na outra, o mencionado cidadão se apresentou no velho casarão da capital onde funcionava o tribunal competente, que estava na obrigação de instaurar processo e castigar os responsáveis por aquele ato, e apresentou um documento denunci-ando os delitos e pedindo para Fulgencio Batista e seus dezessete cúmplices a condenação a 108 anos 49 48 de pnsao, como ordenava o Código de Defesa Social, com todas as agravantes de reincidência, perfídia e ação na calada da noite. Passaram-se os dias e passaram-se os meses. Que decepção! O acusado não era molestado, passeava pela república como um amo, chamavam-no "honorável senhor" e "general", tirou e pôs magistrados e, no dia da abertura dos tribunais, viu-se o réu sentado, nada mais, nada menos, que no lugar de honra, entre os augustos e veneráveis patriarcas de nossa justiça. Passaram-se novamente os dias e os meses. O povo se cansou de abusos e de burlas. Os povos se cansam! Veio a luta, e então aquele homem que estava fora da lei, que tinha ocupado o poder pela vio lência, contra a vontade do povo e violando a ordem legal, torturou, assassinou, prendeu e acusou perante os tribunais os que tinham ido lutar pela lei e para devolver ao povo sua liberdade. . Senhores juízes: eu sou aquele humilde cidadão que um dia se apresentou inutilmente perante os tribunais para pedir-lhes que cas tigassem os ambiciosos que violaram as leis e fizeram em pedaços as nossas instituições, e agora, quando sou eu o acusado de querer derrubar esse regime ilegal e restabelecer a Constituição legítima da república, sou mantido incomuóicável numa cela por 76 dias, sem falar com nin guém nem ver sequer meu filho; sou conduzido pela cidade entre duas metralhadoras com tripé, sou transferido a este hospital para ser julgado secretamente com toda severidade e um promotor com Código na mão, muito solenemente, pede para mim 26 anos de prisão. Dir-me-ão que daquela v~ os juízes da república não atuaram porque estavam impedidos pela força; confessem-no, então : desta vez também a força os obrigará a condenar-me. Da primeira vez, não puderam castigar o culpado; da segunda, terão de castigar o inocente. A donzela da Justiça, duas vezes violada pela força . E quanta charlatanice para justificar o injustificável, explicar o inexplicável e conciliar o inconciliável! Até que decidiram finalmente afirmar, como razão suprema, que o fato .f;;ria o direito. Isto é, que o fato de ter lançado os tanques e os soldados à rua, apoderando-se do palácio presidencial, do Tesouro da república e dos demais edifícios oficiais, e de apontar as armas para o coração do povo cria o direito de governá-lo. O mesmo argumento puderam utilizar os nazistas que ocupa ram as nações da Europa e nelas instalaram governos títeres. Admito e creio que a revolução seja fonte de direito; mas não se poderá chamar jamais de revolução o assalto noturno, à mão armada, de 10 de março. Na linguagem vulgar, como disse José Ingenieros, costuma-se dar o nome de revolução às pequenas desordens que um grupo de insatisfeitos promove para arrancar dos poderosos suas sine curas políticas ou suas vantagens econômicas, desembocando geralmente em mudanças de uns homens por outros, numa certa nova repartição de empregos e benefícios. Esse não é o critério do filosófo da história, não pode ser o do Domem estudioso. Nem no sentido de modificações profundas no organismo social, nem sequer na superfície do pântano público viu-se mover uma onda que agitasse a podridão reinante. Se no regime anterior havia politi cagem, roubo, pilhagem, e falta de respeito pela vida humana, o regime atual multiplicou por dez a pilhagem e multiplicou por cem a falta de respeito pela vida humana. [ ... ] Creio ter justificado suficientemente meu ponto de vista: são mais razões que as que esgrimiu o senhor promotor para pedir que · eu seja condenado a 26 anos de prisão; todas assistem aos homens que lutam pela liberdade e pela felicidade de um povo, nenhuma aos que o oprimem, aviltam e saqueiam sem piedade; por isso eu tive de expôr muitas razões, e ele não pôde expor uma sequer. Como justificar a presença de Batista no poder, onde chegou contra a vontade do povo e violando pela traição e pela força as leis da república? Como qualificar de legítimo um regime de sangue, opressão e ignomínia? Como chamar de revolucionário um governo onde se conjugaram os homens, as idéias e os métodos mais retrógrados da vida pública? Como considerar juri dicamente válida a alta traição de um tribunal cuja missão era defender nossa Constituição? Com que direito enviar à prisão cidadãos que vieram para dar seu sangue e sua vida pelo decoro de sua pátria? Isso é monstruoso perante os olhos da nação e os princípios da verdadeira Justiça! . Mas há uma razão que nos assiste, mais poderosa que todas as demais: somos cubanos,e ser cubano implica um dever; não cumpri-lo é crime e é traição. Vivemos orgulhosos da história da nossa pátria; aprendemo-Ia na escola e crescemos ouvindo falar de liberdade, de justiça e de direitos. Ensinaram-nos a venerar desde pequenos o exem plo glorioso de nossos heróis e de nossos mártires. Céspedes, Agramonte, Maceo, Gómez e Martí foram os primeiros nomes que se gravaram em nosso espírito; ensinaram-'Ilos que o Titã 4 havia dito que a liberdade não se mendiga, mas se conquista com o fio da espada; ensinaram-nos que, para a educação dos cidadãos na pátria livre, escreveu ó Apóstolo em seu livro A Idade de Ouro: "Um homem que se conforma em obedecer a leis injustas e permite que o país em que nasceu seja pisoteado pelos homens que o maltratam, não é um homem honrado. .. Rã de haver no mundo certa quantidade de decoro, como há de haver certa quantidade de luz. Quando há muitos 4 Referência a Antonio Maceq, um dos próceres da luta pela independência cubana, chamado de "O Titã de Bronze". (N. do Org.) 50 homens sem decoro, há sempre outros que têm em si o decoro de muitos homens. Esses são os que se rebelam com força terrível contra os que roubam aos povos sua liberdade, que é o mesmo que roubar aos homens seu decoro. Nesses homens vão milhares de homens, vai um povo inteiro, vai a dignidade humana . . . " Ensinaram-nos que o 10 de outubro e o 24 de fevereiro ~ são efemérides gloriosas e de júbilo patriótico, porque assinalam os dias em que os cubanos se rebelaram contra o jugo da tirania infame; ensinaram-nos a querer e a defender a linda bandeira da estrela solitária e a cantar todas as tardes um hino cujos versos dizem que viver em grilhões é viver mergulhado no opróbrio e na infâmia, e que morrer pela pátria é viver. Tudo isso aprendemos e não o esqueceremos, ainda que hoje em nossa pátria se estejam assassinando e encarcerando os homens por praticarem as idéias que lhes ensinaram desde o berço. Nascemos num país livre, que nos legaram nossos pais, e a ilha se afundará no mar antes que consintamos em ser escravos de alguém. Parecia que o Apóstolo ia morrer no ano do seu centenário, que sua memória se extinguiria para sempre, tamanha era a afronta! Mas vive, não morreu, seu povo é rebelde, seu povo é digno, seu povo é fiel à sua memória; há cubanos que caíram defendendo suas doutrinas, há jovens que em magnífico desagravo vieram morrer junto ao seu túmulo, a dar-lhe seu sangue e sua vida para que ele continue vivendo na alma da pátria. Cuba, o que seria de ti se tivesses deixado morrer teu Apóstolo! Termino minha defesa, mas não o farei como fazem sempre todos os advogados, pedindo a liberdade do acusado; não posso pedi-la quando meus companheiros já estão sofrendo na ilha de Pinos igno miniosa prisão. Mandem-me para junto deles para compartilhar sua sorte; é concebível que os homens honrados estejam mortos ou presos numa república em que está como presidente um criminoso e um ladrão. Aos senhores juízes, minha sincera gratidão por terem permitido que me expressasse livremente, sem coações mesquinhas. Não lhes guar do rancor; reconheço que em certos aspectos foram humanos e sei que o presidente deste tribunal, homem de vida limpa, não pode dissimular sua repugnância pelo estado de coisas reinante, que o obriga a ditar uma sentença injusta. Resta ainda ao tribunal um problema mais grave: aí estão as causas iniciadas pelos setenta assassinatos, isto é, o maior massacre que conhecemos; os culpados continuam livres, com uma arma na mão, que é ameaça perene para a vida dos cidadãos; se 5 Datas que marcam, respectivamente, o início da primeira e da segunda fase da Guerra de Independência em Cuba. (N. do Org.) 5t não cair sobre eles todo o peso da lei, por covardia ou porque o impeçam, e todos os juízes não renunciarem em bloco, tenho piedade de vossas honras e lamento a mancha sem precedentes que cairá sobre o poder Judiciário. Quanto a mim, sei que a prisão será dura como nunca foi para ninguém, cheia de ameaças, de vis e covardes provocações; mas não a temo, como não temo a fúria do tirano miserável que arrancou a vida a setenta irmãos meus. Condenem-me, não importa, a história me absolverá! ~) 11. A GUERRA DE GUERRILHAS 2. MANIFESTO DA SERRA * [12 de junho de 1957] Da Sierra Maestra, onde nos reuniu o sentido do dever, fazemos este chamado a nossos compatriotas. Chegou a hora em que a nação pode se salvar da tirania, pela inteligência, pelo valor e pelo civismo de seus filhos, pelo esforço de todos os que chegaram a sentir profundamente o destino desta terra onde temos direito de viver em paz e em liberdade. É incapaz a ' nação cubana de cumprir seu alto destino, ou recai a culpa de sua impotência na falta de visão de seus dirigentes públicos? Será que não se pode oferecer à pátria, em sua hora mais difícil, o sacrifício de todas as aspirações pessoais, por mais justas que pareçam, de todas as paixões subalternas, das rivalidades pessoais ou de grupo, enfim, de todos os sentimentos mesquinhos ou pequenos que impediram de se pôr de pé, como um só homem, este povo fornúdável, lúcido e heróico, que é o cubano? Ou será que o desejo vaidoso de um candidato público vale mais que todo o sangue que custou esta república? Nossa maior debilidade foi a divisão, e a tirania, consciente disso, promoveu-a por todos os meios em todos os aspectos. Oferecendo solu ções pela metade, tentando, algumas vezes, as ambições, outras a boa -fé ou ingenuidade de seus adversários, dividiu os partidos em frações antagônicas, dividiu a oposição política em linhas diferenciadas e, quando mais forte ' e ameaçadora era a corrente revolucionária, tentou opor os • Reproduzido de CASTRO, Fidel. Manifiesto de la Sierra. In: ' REBOLLEOO, Adolfo Sánchez, org. La Revolucíón Cubana. 3. ed. La Habana, Ediciones Era, 1976, p. 100-4. S3 políticos aos revolucionários, com o único propósito de, primeiro, der rotar a revolução e, depois, enganar os partidos. Para ninguém era segredo que, se a ditadura conseguisse derrotar o baluarte rebelde da Sierra Maestra e liquidar o movimento clandestino, livre, finalmente, do perigo revolucionário, não restariam nem as mais remotas possibilidades de eleições honradas, em meio à amargura e ao ceticismo geral. Suas intenções se evidenciaram, talvez cedo demais, quando, através da segunda minoria senatorial, aprovada burlando a Constituição e os compromissos contraídos com os próprios delegados oposicionistas, ten tava de novo a divisão e preparava o caminho da farsa eleitoral. Que a Comissão lnterparlamentar fracassou, reconhece-o o próprio partido que a propôs no seio do Congresso; afirmam-no categoricamente as sete organizações oposicionistas que dela participaram e hoje de nunciam que foi uma fraude sangrenta; afirmam-no todas as instituições cívicas; e, sobretudo, afirmam-no os fatos. E estava fadada a fracassar, porque se quis ignorar o impulso de duas forças que apareceram na vida pública cubana: a nova geração revolucionária e as instituições cívicas, muito mais poderosas que qualquer igrejinha. Assim, a manobra inter parlamentar só poderia prosperar com base no extermínio dos rebeldes. Aos combatentes da Serra não era oferecida outra coisa, nessa mesquinha solução, senão a prisão, o exílio ou a morte. Jamais se deveu aceitar discutir nessas condições. Unir é a única coisa patriótica a fazer nesta hora. Unir o que têm em comum todos 'os setores políticos, revolucionários 50Ciais que combatem a ditadura. E o que têm em comum todos os part'dos políticos de oposição, os setores revolucionários e as instituiçõe cívicas? O desejo de pôr fim ao regime de força, às violações aos~os indivi duais, aos crimes infames e buscar a paz ,que todos desejamos, pelo único caminho possível: o encanúnhamento democrático e constitucional do país. Será que os rebeldes da Sierra Maestra não queremos eleições livres, um regime democrático, um governo constitucional?Porque nos privaram desses direitos estamos lutando desde o 10 de março. Por desejá-los mais que ninguém estamos aqui. Para demons trá-lo, aí estão nossos combatentes mortos na Serra e nossos compa nheiros assassinados nas ruas ou reclusos nos calabouços das prisões; lutando pelo belo ideal de uma Cuba livre, democrática e justa. O que não fazemos é comungar com a mentira, a farsa e as manobras espúrias. Queremos eleições, mas com uma condição: eleições verdadeira mente livres, democráticas, imparciais. Mas pode haver eleições livres, democráticas, imparciais com todo o aparato repressivo do Estado pendendo como uma espada sobre as cabeças dos oposicionistas? Será que a atual equipe governante, depois 55 54 de tantos enganos ao povo, pode inspirar confiança a alguém, em elei ções livres, democráticas, imparciais? Não é um contra-senso, um engano para o povo, que vê o que está acontecendo aqui todos os dias, afirmar que pode haver eleições livres, democráticas, imparciais, sob a tirania, a anti democracia e a parcialidade? De que valem o voto direto e livre, a apuração imediata e demais concessões, se no dia das eleições não deixam ninguém votar e enchem as urnas à ponta de baioneta? Por acaso serviu a comissão eleitoral e de liberdades públicas para impedir o fechamento de rádios e as mortes misteriosas que continuaram sucedendo? De que serviram até hoje as reclamações da opinião pública, as exortações à paz, o choro das mães? Com mais sangue se quer pôr fim à rebeldia, com mais terror se quer pôr fim ao terrorismo, com mais opressão se quer pôr fim ao anseio de liberdade. As eleições devem ser presididas por um governo provisório, neu tro, com o apoio de todos, que substitua à ditadura para propiciar a paz e conduzir o país à normalidade democrática e constitucional. Esta deve ser a palavra-de-ordem de uma grande frente cívico -revolucionária que engloba todos os partidos políticos de oposição, todas as instituições cívicas e todas as forças revolucionárias. Em conseqüência disso, propomos a todos os partidos políticos oposicionistas, a todas as instituições CÍvicas e a todos os setores revo lucionários o seguinte: 1) Formação de uma frente cívico-revolucionária com uma estra tégia comum de luta. 2) Designar desde já uma figura chamada a presidir o governo provisório, cuja escolha, com garantia de desinteresse por parte dos líderes oposicionistas, e de imparcialidade por parte daquele que termine designado, fique a cargo do conjunto de instituições cívicas. 3) Declarar ao país que, dada a gravidade dos acontecimentos, não há outra solução possível senão a renúncia do ditador e a entrega do poder à ,figura que conta com a confiança e o apoio majoritário da nação, expresso através de suas organizações representativas. 4) Declarar que a frente cívico-revolucionária não invoca nem aceita a mediação ou intervenção de nenhuma outra nação nos as suntos internos de Cuba. Que, por outro lado, apóia as denúncias de violação dos direitos humanos que os emigrados cubanos fizeram aos organismos internacionais e pede ao governo dos Estados Unidos que, enquanto persistir o atual regime de terror e ditadura, suspenda todos os envios de armas a Cuba. 5) Declarar que a frente cívico-revolucionária, por tradição repu blicana e de independentismo, não aceitaria que governasse provisoria mente a república nenhum tipo de junta militar. 6) Declarar que a frente cívico-revolucionária alberga o propó sito de separar o exército da política e garantir a intangibilidade das instituições armadas. Que os militares nada têm a temer do povo cubano, e sim da camarilha corrupta que os envia para a morte numa luta fratricida. 7) Declarar, sob promessa formal, que o governo provisório ce lebrará eleições gerais para todos os cargos do Estado, das províncias e dos municípios, no prazo de um ano, sob as normas da Constituição de 1940 e do Código Eleitoral de 1943 e entregará imediatamente o poder ao candidato que seja eleito. 8) Declarar que o governo provisório deverá ajustar sua missão ao seguinte programa: A) Liberdade imediata para todos os presos políticos, civis e mi litares. B) Garantia absoluta à liberdade de informação, à imprensa radio fônica e escrita e de todos os direitos individuais e políticos garantidos pela Constituição. C) Designação de prefeitos provisórios para todos os municípios, conforme consulta às instituições cívicas da localidade. D) Supressão do peculato em todas as suas formas e adoção de medidas que tendam a incrementar a eficiência de todos os organismos do Estado. E) Estabelecimento da carreira administrativa. F) Democratização da política sindical, promovendo eleições livres ,· em todos os sindicatos e federações de indústrias. G) Início imediato de uma intensa campanha contra o analfabetist mo e de educação CÍvica, exaltando os deveres e direitos que tem o cidadão para com a sociedade e a pátria. H) Estabelecer as bases para uma reforma agrária que tenda à distribuição das terras baldias e a converter em proprietários todos os colonos, parceiros, arrendatários e posseiros que possuam pequenas áreas de terra, sejam elas propriedade do Estado ou de particulares, com prévia indenização aos antigos proprietários, 1) Adoção de uma política financeira sã, que resguarde a estabi lidade de nossa moeda e tenda a utilizar o crédito da nação em obras produtivas. J) Aceleração do processo de industrialização e criação de novos empregos. _ Em dois pontos dessa colocação é preciso insistir especialment~. Primeiro: A necessidade de se designar desde já a pessoa chamada a presidir o governo provisório da república, para demonstrar perante o mundo que o povo cubano é capaz de se unir em torno de uma· palavra-de-ordem de liberdade e de apoiar a pessoa que, reunindo con dições de imparcialidade, integridade, capacidade e decência, possa 56 encarnar essa palavra-de-ordem. Não faltam homens capazes em Cuba para presidir a república! Segundo: Que essa pessoa seja designada pelo conjunto de insti tuições cívicas - por serem essas organizações apolíticas -, cujo apoio liberaria o presidente provisório de todo compromisso partidário, dando lugar a eleições absolutamente limpas e imparciais. Para integrar essa frente, não é preciso que os partidos políticos e as instituições cívicas se declarem insurrecionais e venham à Sierra Maestra. Basta que neguem todo apoio à manobra eleitoral do regime e declarem publicamente ao país, aos institutos armados e à opinião pública internacional que, depois de cinco anos de inútil esforço, de seguidos enganos e de rios de sangue, em Cuba não há outra saída " senão a renúncia de Batista, que já participou, de forma decisiva, em duas etapas, durante dezesseis anos, dos destinos do país, e Cuba não está disposta a cair na situação da Nicarágua ou de São Domingos. Não é preciso vir à Serra discutir, nós podemos estar representados em Havana, no México ou onde seja necessário. Não é preciso decretar a revolução: organize-se a frente que pro pomos, e a queda do regime virá por si só, talvez sem que se derrame uma gota mais de sangue. É preciso estar cego para não ver que a ditadura está com seus dias contados e que este é o momento em que todos os cubanos devem empenhar o melhor de sua inteligência e de seus esforços. Poderá haver outra solução em meio à guerra civil, com um go verno que não é capaz de garantira vida humana, que já não controla nem a ação de suas próprias forças repressivas e cujas contínuas fraudes e manobras tomaram completamente impossível a menor confiança pública? Que ninguém se engane com relação à propaganda governamental sobre a situação na Serra. A Sierra Maestra já é um baluarte indestru tível da liberdade, que se apropriou do coração de nossos compatriotas, e aqui saberemos honrar a fé e a confiança do nosso povo. Nosso chamado poderá não ser ouvido, mas a luta não se deterá por isSo,e a vitória do povo, ainda que muito mais custosa e san grenta, não poderá ser impedida por ninguém. Esperamos, no entanto, que nosso apelo seja ouvido e que uma verdadeira solução detenha o derramamento de sangue cubano e nos traga uma era de paz e liberdade. III. DA ETAPA DEMOCRA , TICO-POPULAR AO SOCIALISMO 3. DISCURSO DE 16 DE ABRIL DE 1961 * [ ... ] Diferenciamo-nos dos Estados Unidos em que os Estados Unidos são um país que explora a outros povos, em que os Estados Unidos são um país que se apoderou de uma grande parte dos recursos naturai~ do mundo e que faz trabalhar em benefício de sua casta de milionários dezenas e dezenas de milhões de trabalhadores em todo o mundo. E nós não somos um país qúe. :;e tenha apoderado, nem esteja lutando por apoderar-se, dos recursos naturais de outros povos. Não somos um país que esteja tratando de fazer trabalhar os operários de outros povos para nosso benefício. Somos exatamente o contrário: um país que está lutando para que seus operários, não tenham de trabalhar para a casta de milionários norte-americanos; constituímos um país que está lutando para resgatar seus recursos naturais e resgatou seus recursos naturais de mãos da casta de milionários norte-americanos. Não somos um aís em virtude de cujo sistema uma maioria do povó, uma maioria dos operários, das massas do país constituídas pelos operários e camponeses, esteja trabalhando para uma minoria explora dora e privilegiada de milionários. Não constituímos um país em vir tude de cujo sistema grandes massas da população estejam discriminadas e preteridas, como estão as massas negras nos Estados Unidos. Não constituímos um país em virtude de cujo sistema uma parte minoritária * Reproduzido de CASTRO, Fidel. Revolución socialista y democrática (excertos). In: REBOLLEOO, Adolfo Sánchez, org., op. cit., p. 315·6, 317-20, 328-9. 59 58 do povo vive parasitàriamenteàs custas do trabalho e do suor da massa majoritária do povo . . Nós, com nossa revolução, não só estamos erradicando a exploração de uma nação por outra nação, mas também a exploração de alguns homens por outros homens! Sim, nós decidimos, em assembléia geral histórica, condenar a exploração do homem pelo homem e erradicaremos em nossa pátria a exploração do homem pelo homem! Diferenciamo-nos dos Estados Unidos em que lá um governo de castas privilegiadas e poderosas estabeleceu um sistema, em virtude do qual essa casta explora o homem dentro dos próprios Estados Unidos e essa casta explora o homem fora dos Estados Unidos. Os Estados Unidos representam hoje, politicamente, o sistema de exploração de outras nações por uma nação e o sistema de exploração do homem por outros homens. [ ... ] Talvez vocês tenham uma idéia do que é o imperialismo. Vocês, talvez, já se perguntaram muitas vezes o que era o imperialismo e o que significava essa palavra. Será que os imperialistas realmente representam algo tão mau? Será que existe muita paixão em todas as acusações que se lhes fa,zem? Serão produto do sectarismo todas as coisas que ouvimos falar do imperialismo norte-americano? Serão certas todas as coisas que se afir mam do imperialismo norte-americano? Serão tão sem-vergonhas, como se afirma, os imperialistas norte-americanos? Serão tão canalhas e malvados quanto se afirma os imperialistas norte-americanos? ~ãO tão sanguinários, ruins e .covardes quanto se afirma os imperi listas norte-americanos? Ou será exagero? Ou será sectarismo? Ou erá excesso de paixão? Mas será possível que os imperialistas façam as coisas que se afirma que fizeram? Será certo tudo quanto se afirmou sobre seus feitos vandálicos, suas provocações, no plano internacional? Foram eles que provocaram a Guerra da Coréia? Como era difícil saber o que acontecia no mundo, quando a nosso país só chegavam notícias norte-americanas! Quanto . engano nos in culcariam e de quantas mentiras nos fariam vítimas! Se alguém ainda tivesse alguma dúvida, se alguém neste país, de boa-fé - e não falo da miserável gusanera 1, mas de homens e mulheres capazes de pensar honradamente, ainda que não pensassem como nós -, se alguém tivesse ainda alguma dúvida, se alguém ainda acreditasse que há um mínimo de 1 Gusanera: de gusano, "verme", em castelhano; expressão utilizada pela Revolução Cubana para designar os que abandonaram o país depois de 1.0 de janeiro de 1959, por estarem em desacordo com o rumo dos acontecimentos. (N. do Org.) honra na política ianque, se alguém ainda acreditasse que existe um mínimo de moral na política ianque, se alguém ainda acreditasse que existe um átomo de vergonha e de honradez ou de justiça na política ianque, se alguém neste país, neste afortunado país que teve a oportu nidade de ver, neste país afortunado que teve a oportunidade de apren der, ainda que tenha sido uma aprendizagem sangrenta, mas uma aprendizagem de liberdade e uma aprendizagem de dignidade. Se alguém neste país, que teve o privilégio de ver se converter todo um povo num povo de heróis, num povo de homens dignos e valentes. Se alguém neste país, cujo acúmulo de méritos, de heroísmo e de sacri fício cresce dia a dia, tivesse pu albergasse ainda alguma dúvida, se aqueles que não pensam como l\Ós crêem que hasteiam ou defendem . uma bandeira justa e, por acreditar'flisso, são pró-ianques e são defen sores do governo dos Estados Unidos - se restar, alguém desses de boa -fé em nosso país -, sirvam-lhes estes fatos que vamos analisar para não lhes restar mais nenhuma dúvida. No dia de ontem, como o mundo todo sabe, aviões de bOlIlbar deio, divididos em três grupos, às seis em ponto da manhã penetraram no território nacional, procedentes do exterior, e atacaram três pontos do território nacional. Em cada um desses pontos os homens se defenderam heroicamente, em cada um desses pontos correu o sangue valioso dos defensores, em cada um desses pontos houve milhares ou ao menos centenas e centenas de testemunhas do que aconteceu ali . Era, além diSso, um fato que se esperava. Era algo que todos os dias se estava esperando. Era a culminação lógica das queimas de canaviais, das centenas de violações do nosso espaço aéreo, das incursões aéreas piratas, dos ataques piratas a nossas refinarias por embarcações que se intro duzem de madrugada. Era a conseqüência do que todo o mundo sabe. Era a conseqüência dos planos de agressão que vêm sendo tramados pelos Estados Unidos, em cumplicidade com governos títeres da América Central. Era a conseqüência das bases aéreas que todo o povo sabe e o mundo todo conhece, porque foram publicadas até pelos próprios jornais e agências de notícias norte-americanas; e as próprias agências e os ~róprios jornais se cansaram de falar dos exércitos mercenários que organizam, dos campos de aviação que têm preparados, dos aviões que lhes tinha entregue o governo dos Estados Unidos, dos instrutores ianques e das bases aéreas estabelecidas em território guatemalteco. Todo o povo de Cuba sabia disso, assim como o mundo todo. O ataque aconteceu ontem, em presença de milhares e milhares de homens, e o que acham vocês que os governantes ianques disseram diante desse fato insólito? Porque já não se trata da explosão do La 61 60 Coubre 2, que se realiza como ato de sabotagem disfarçado e oculto, trata-se de um ataque simultâneo a três pontos do território nacional com metralhadoras, com bombas, com foguetes, aviões de guerra, que todo mundo viu. Tratava-se de um fato político, um fato esperado, um fato que se via que ia acontecer, o mundo o sabia. Para que conste no registro histórico, para que nosSO povo aprenda de uma vez por todas - e para que aprenda aquela parte dos povos da América, aqueles a quem possa chegar um só raio de luz da verdade que seja _, vou explicar ao povo, vou explicar como procedem os imperialistas. Vocês acham que o mundo ia se inteirar do ataque a Cuba, vocês acham que o mundo ia se inteirar do acontecido, vocês achamou con ceberam que fosse possível tentar apagar no mundo o eco das bombas e dos rockets S criminosos que atiraram ontem em nossa pátria? Que isso tinha ocorrido a alguém no mundo, que alguém pudesse tratar de enganar o mundo inteiro, tratar de ocultar a verdade ao mundo inteiro, tratar de lesar o mundo inteiro? Pois bem, no dia de ontem não só atacaram · nossa terra, em ataque ardiloso e criminoso preparado e de que o mundo todo sabia, e com aviões ianques, e com bombas ianques, e com armas ianques, e com mercenários pagos pela Agência Central de Inteligência ianque; não somente fizeram isso, e não somente destruíram bens nacionais, e não somente destruíram vidas de jovens, muitos dos quais não tinham ainda completado nem os vinte anos, mas, além disso, o governo dos Estados Unidos tentou no dia de ontem lesar o ~ do. O governo dos Estados Unidos tentou no dia de ontem lesar o m do da maneira mais cínica e mais desavergonhada que se possa conc er. Aqui estão as provas de como atua o imperialismo, de toda a---" mecânica operativa do imperialismo, de como o imperialismo não so mente comete crimes contra o mundo, mas também lesa o mundo. Mas que lesa o mundo não somente roubando-lhe o petróleo, os minerais, o fruto do trabalho dos povos, mas lesa o mundo moralmente, im pingíndo-Ihe mentiras e as coisas mais truculentas que alguém possa imaginar. Aqui estão as provas. Diante do nosso povo vamos ler o que o imperialismo disse ao mundo. Vamos mostrar o que o mundo soube no dia de ontem, o que disseram ao mundo e o que talvez fizeram crer a dezenas e dezenas de milhões de seres humanos, o que publicaram ontem milhares e milhares de jornais, o que afirmaram ontem milhares 2 Navio francês que transportava armamento comprado pelo governo cubano à Bélgica e que, por um ato de sabotagem, explodiu no porto de Havana, em março de 1960, no momento do desembarque, matando dezenas de pessoas. (N. do Org.) S "Foguetes"; em inglês no original. (N. da R) e milhares de estações de rádio ou de televisão, sobre o que aconteceu em Cuba, o que soube o mundo, ou uma grande parte do mundo, uma parte considerável do mundo, através das agências ianques. [ ... ] Eis, senhores, que quando ainda não se apagou o eco da admiIação suscitada no mundo inteiro, para com a União Soviética, pela precisão, a técnica elevada e o êxito que para a humanidade significa a façanha científica que acabam de realizar, quando ainda não se apagou o eco dessa admiração no mundo, paralelamente à façanha da União Soviética o governo ianque apresenta a sua façanha: a façanha de bombardear as instalações de um país que não tem aviação, nem tem navios nem força militar com que responder ao ataque. Isto é, comparemos e peçamos ao mundo que compare a façanha soviética à façanha imperialista. O júbilo, o alento e a esperança que significou para a humanidade a façanha soviética à vergonha, ao asco e à repugnância que significa a façanha ianque. Perante a façanha científica, que permite levar um homem ao espaço e fazê-lo regressar com total segurança, e a façanha ianque, que arma mercenários e os paga para que venham assassinar jovens de dezesseis e dezessete anos em ataque-surpresa, ardiloso e traiçoeiro em todos os níveis, contra um país ao qual não podem perdoar a vergonha, a dignidade, o valor. Porque o que não podem nos perdoar os imperialistas é que estejamos aqui, o que não podem nos perdoar os imperialistas é a dignidade, a inteireza, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário do povo de Cuba. Isso é o que não podem nos perdoar: que estejamos aqui, sob o seu nariz, e que tenhamos feito uma revolução socialista sob o próprio nariz dos Estados Unidos! Esta revolução socialista, nós a defendemos com estes fuzis; esta revolução socialista, nós a defendemos com o valor com que ontem nossa artilharia antiaérea crivou de balas os aviões agressores. . E esta revolução, esta revolução, não a defendemos com mercená rios. Nós a defendemos com os homens e mulheres do povo. Quem tem as armas? Por acaso as tem o mercenário? Por acaso as tem o milionário? Porque mercenários e milionários são a mesma coisa. Por acaso as têm os filhinhos dos ricos? Por acaso as têm os capatazes? Quem tem as armas? Que mãos são essas que levantam as armas? São mãos de amos? São / mãos de ricos? São mãos de exploradores? Que mãos são essas que levantam essas armas? Não são mãos operárias? Não são mãos camponesas? Não são mãos endurecidas pelo trabalho? Não são mãos 'criadoras? Não são mãos humildes ·do povo? E quem constitui a maioria do povo? Os milio nários ou os humildes? Não têm as armas os privilegiados? Ou as têm 62 os humildes? São minoria os privilegiados? São maIOna os humildes? :a democrática uma revolução em que os humildes têm as ' armas? Companheiros operários e camponeses, esta é a revolução socialista e democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes. E por esta revolução dos humildes e pelos humildes e para os humildes estamos dispostos a dar a vida. Operários e camponeses, homens e mulheres humildes da pátria, juram defender até a última gota de sangue esta revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes? Companheiros operários e camponeses da pátria, o ataque de ontem foi o prelúdio da agressão dos mercenários. O ataque de ontem custou sete vidas heróicas, teve o propósito de destruir nossos aviões em terra, mas fracassou. Não nos destruíram os aviões, e o grosso dos aviões inimigos foi avariado ou abatido. Aqui, frente ao túmulo dos compa nheiros caídos, aqui junto aos restos dos jovens heróicos, filhos de operários e filhos de humildes, reafirmemos nossa decisão de que, da mesma forma que eles puseram seu peito às balas, da mesma forma que eles deram sua vida, quando vierem os mercenários, nós, orgulhosos de nossa revolução, orgulhosos de defender esta revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes, não vacilaremos, frente a quem seja, em defendê-la até nossa última gota de sangue. Viva a classe operária! Vivam os camponeses! Vivam os humildes! Vivam os mártires da pátria! Vivam eternamente os heróis da Oátri, Viva a revolução socialista! Viva Cuba livre! Pátria ou Morte! Venceremos! Vamos cantar o Hino Nacional, companheiros. Companheiros, todas as unidades devem se dirigir para a sede de seus respectivos batalhões, de acordo com a mobilização ordenada para manter o país em estado de alerta ante a iminência que se deduz de todos os fatos das últimas semanas e do covarde ataque de ontem, da agressão dos mercenários. Marchemos às casas dos milicianos, for mem os batalhões e disponhamo-nos a derrotar o inimigo, com o Hino Nacional, com as estrofes do hino patriótico, com o grito de "Ao combate!", com a convicção de que "morrer pela pátria é viver" e que "em grilhões viver é viver mergulhado no opróbrio e na infâmia". Marchemos para nossos respectivos batalhões e ali esperem ordens, companheiros. 4. SEGUNDA DECLARAÇÁO DE HAVANA * [4 de fevereiro de 1962] Do povo de Cuba aos povos da América e do mundo. Às vésperas da sua morte, em carta não terminada porque uma bala espanhola atravessou-lhe o coração, no dia 18 de maio de 1895, José Martí, apóstolo da nossa independência, escreveu a seu amigo Manuel Mercado: "Já posso escrever ... já estou todos os dias em perigo de dar minha vida por meu país e por meu dever [ ...1 de impedir a tempo, com a independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendam pelas Anti lhas e caiam, com essa força mais, sobre nossas terras da América. Tudo o que fiz até hoje, e farei, é para isso [ ... 1. As próprias obrigações menores e públicas dos povos, mais vitalmente interessados em impedir que em Cuba se abra, pela anexação dos imperialistas, o caminho que haveremos de cortar, e com nosso sangue estamos cortando, da anexação dos povos da nossa América ao Norte violento e brutal que os despreza, lhes teriam impedidoa adesão ostensiva e a ajuda patente a este sacri fício que se faz pelo bem imediato deles próprios. Eu vivi no monstro e conheço suas entranhas; e minha funda é a de Davi". Já Martí, em 1895, apontou o perigo que ameaçava a América e chamou o imperialismo pelo nome: imperialismo. Aos povos da América advertiu que eles estavam mais que ninguém interessados em que Cuba não sucumbisse à cobiça ianque depreciadora dos povos latino-americanos. E com seu próprio sangue, vertido por Cuba e pela • Reproduzido de CASTRO, Fidel. II Declaración de La Habana (excertos). In: REBOLLEDO, Adolfo Sánchez, org., op. cit., p. 464-85. 65 64 América, rubricou as palavras póstumas que em homenagem à sua re cordação o povo de Cuba faz suas no começo desta Declaração. Transcorreram 67 anos. Porto Rico foi convertido em colônia e é ainda uma colônia saturada de bases militares. Cuba também caiu nas garras do imperialismo. Suas tropas · ocuparam nosso território. A emenda Platt foi imposta à nossa primeira Constituição, como cláusula humilhante que consagrava o odiosO direito de intervenção estran geira. Nossas riquezas passaram a suas mãos, nossa história foi falseada, nossa administração e nossa política moldadas inteiramente aos inte resses dos interventores; a nação submetida a sessenta anos de asfixia política, econômica e cultural. Mas Cuba se levantou, Cuba pôde redimir a si mesma da tutelagem bastarda. Cuba rompeu as cadeias que atavam sua sorte ao império opressor, resgatou suas riquezas, reivindicou sua cultura e hasteou a bandeira soberana de Território e Povo Livre da América. Os Estados Unidos já não poderão mais cair sobre a América com a força de Cuba, mas, em vez disso, dominando a maioria dos Estados da América Latina, os Estados Unidos pretendem cair sobre Cuba com a força da América. O que é a história de Cuba senão a história da América Latina? E o que é a história da América Latina senão a história da Ásia, África e Oceania? E o que é a hist6ria de todos esses povos senão a história da exploração mais implacável e cruel do imperialismo no mundo inteiro? .~ No final do século passado e começo deste, um punhadO' de na ções economicamente desenvolvidas tinha concluído a repartiça o mundo, submetendo a seu domínio econômico e político dois terços da humanidade, que, dessa forma, se viu obrigada a trabalhar para as classes dominantes do grupo de países de economia capitalista desen volvida.. As circunstâncias históricas que permitiram a certos pàíses europeus e aos Estados Unidos da América do Norte um alto nível de desenvol vimento industrial situaram-nos em condições de poder submeter a seu domínio e exploração o resto do mundo. Que motivos impulsionaram essa expansão das potências industria lizadas? Foram razões de tipo moral, "civilizadoras", como eles alegavam? Não: foram razões de tipo econômico. Desde a descoberta da América, que lançou os conquistadores europeus através doS mares, a ocupar e explorar as terras e os habitantes de outros continentes, o afã de riqueza foi o móvel fundamental de sua conduta. A própria descoberta da América se realizou na busca de rotas mais curtas para o Oriente, cujas mercadorias eram regiamente pagas na Europa. Uma nova classe social - os comerciantes e os produtores de artigos manufaturados para o ,comércio - surge do seio da sociedade feudal de senhores e servos no final da Idade Média. A sede de ouro foi o que moveu os esforços dessa nova classe. O afã de lucro foi o incentivo de sua conduta através de sua história. Com o desenvolvimento da indústria manufatureira e do comércio, foi cres cendo sua influência social. As novas forças produtivas que se desen volviam no seio da sociedade feudal se chocavam cada vez mais com as relações de servidão próprias do feudalismo, suas leis, suas institui ções, sua filosofia, sua moral, sua arte e sua ideologia política. Novas idéias filosóficas e políticas, novos conceitos do Direito e do Estado foram proclamados pelos representantes intelectuais da classe burguesa, os quais, para responder às novas necessidades da vida social, pouco . a pouco conscientizaram as massas exploradas. Eram então idéias revolucionárias diante das idéias caducas da sociedade feudal. Os camponeses, os artesãos e os operários das manufaturas, encabeçados pela burguesia, liquidaram a ordem feudal, sua filosofia, suas idéias, suas instituições, suas leis e os privilégios da classe dominante, isto é, a nobreza hereditária. A burguesia, então, considerava justa e necessária a revolução. Não pensava que a ordem feudal podia e devia ser eterna, como pensa agora da sua ordem capitalista. Alentava os camponeses a se libertarem da servidão feudal, alentava os artesãos contra as relações gremiais e reivin dicava o direito ao poder político. Os monarcas absolutos, a nobreza e o alto clero defendiam tenazmente seus privilégios de classe, proclamando o direito divino da coroa e a intangibilidade da ordem social. Ser liberal, proclamar as idéias de Voltaire, Diderot ou Jean-Jacques Rousseau, porta-vozes da filosofia burguesa, constituía então, para as classes domi nantes, um delito tão grave como é hoje para a burguesia ser socialista e proclamar as idéias de Marx, Engels e Lenin. Quando a burguesia conquistou o poder político e estabeleceu sobre as ruínas da sociedade feudal seu modo capitalista de produção, sobre esse modo de produção erigiu seu Estado, suas leis, suas idéias e insti tuições. Essas instituições consagravam em primeiro lugar a essência de sua dominação de classe: a propriedade privada. A nova sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção e na livre compe tição ficou assim dividida em duas classes fundamentais: uma possuidora dos meios de produção, cada vez mais modernos e eficientes, a outra desprovida de toda a riqueza, possuidora somente de sua força de tra balho, obrigada a vendê-la no mercado, como unia mercadoria a mais, para poder subsistir. Rompidos os entraves do .feudalismo, as forças produtivas se desen volveram extraordinariamente. Surgiram as grandes fábricas, onde se acumulava um número cada vez maior de operários. 67 66 As fábricas mais modernas e tecnicamente eficientes iam substi tuindo no mercado os competidores menos eficientes. O custo dos equipa mentos industriais ficava cada vez mais alto; era preciso acumular somas cada vez maiores de capital. Uma parte importante da produção foi sendo acumulada em um menor número de mãos. Surgiram assim as grandes empresas capitalistas e, mais adiante, as associações de grandes empresas através de cartéis, sindicatos, trustes e consórcios, conforme o grau e o caráter da associação, controlados pelos possuidores da maioria das ações, isto é, pelos mais poderosos senhores da indústria. A livre concorrência, característica do capitalismo na sua primeira fase, deu lugar aos monopólios que estabeleciam acordos entre si e controlavam os mercados. De onde saíram as colossais somas de recursos que permitiram a um punhado de monopolistas acumular bilhões de dólares? Simples mente, da exploração do trabalho humano. Milhões de homens obrigados a trabalhar por um salário de subsistência produziram com seu esforço os gigantescos capitais dos monopólios. Os trabalhadores acumularam as fortunas das classes privilegiadas, cada vez mais ricas, cada vez mais .poderosas. Através das instituições bancárias elas chegaram a dispor não somente de seu próprio dinheiro, mas também do dinheiro de toda a sociedade. Assim se produziu a fusão dos bancoS com a grande indústria e nasceu o capital financeiro. O que fazer então com os grandes exce dentes de capital que em quantidades maiores se iam acumulando? Invadir com eles o mundo. Sempre na busca de lucro, começ·aram a se a odera ' das riquezas naturais de todos os países economicamente débei e a ex:plorar o trabalho humano de seus habitantes com salários muito maIS miseráveis queos que se viam obrigados a pagar aos operários da própria metrópole. Iniciou-se assim a repartição territorial e econômica do mundo. Em 1914, oito a dez países imperialistas tinham submetido a seu domínio econômico e político fora de suas fronteiras territórios cuja extensão ascendia a 83 700 mil quilômetros quadrados, com uma população de 970 milhões de habitantes. Tinham simplesmente repartido o mundo entre si. Mas, como o mundo era limitado em extensão, depois de repartido até o último rincão do globo, veio o choque entre os diferentes países monopolistas, e surgiram as pugnas por novas repartições, originadas na distribuição não-proporcional ao poder industrial e econômico que os diferentes países monopolistas em desenvolvimento desigual tinham al cançado. Estouraram as guerras imperialistas que custariam à humanidade cinqüenta milhões de mortos, dezenas de milhões de inválidos e incal culáveis riquezas materiais e culturais destruídas. Isso ainda não havia acontecido, e Marx já escrevia que "o capital recém-nascido transpirava sangue e lama por todos os poros, dos pés à cabeça". O sistema capitalista de produção, uma vez tendo dado de si tudo de que era capaz, converteu-se num abismal obstáculo ao progresso da humanidade. Mas a burguesia, desde a sua origem, levava em si mesma seu contrário. Em seu seio se desenvolveram gigantescos instrumentos produtivos, mas, por sua vez, desenvolveu-se uma nova e vigorosa força social: o proletariado, chamado a mudar o sistema social já velho e caduco do capitalismo por uma forma econômico-social superior e de acordo com as possibilidades históricas da sociedade humana, conver tendo em propriedade de toda a sociedade esses gigantescos meios de produção que , os povos, e tão-somente os povos, com seu trabalho, tinham criado eacumulado. Com tal grau de desenvolvimento das forças produtivas, passava a ser absolutamen'te caduco e anacrônico um regime que postulava a propriedade privada e, com isso, a subordinação da economia de milhões e m.ilhões de seres humanos aos ditados de uma exígua minoria social. Os interesses da humanidade reclamavam o término da anarquia na produção, do desperdício, das crises econôm.icas e das guerras de rapina, próprias do sistema capitalista. As recentes necessidades do gênero humano e a possibilidade de satisfazê-las exigiam o desenvolvi mento planificado da econom.ia e a utilização racional de seus meios de produção e recursos naturais. Era inevitável que o imperialismo e o colonialismo entrassem em profunda e insuperável crise. A crise geral iniciou no princípio da Pri meiJ:!i Guerra Mundial, com a revolução dos operários e camponeses que ' derrubou o império czarista da Rússia e implantou, em dificílimas condições de cerco e agressão capitalista, o primeiro Estado socialista do mundo, iniciando uma nova era na história da humanidade. Desde então até nossos dias, a crise e a decomposição do sistema imperialista se acentuaram incessantemente. A Segunda Guerra Mundial desencadeada pelas potências imperia listas, que arrastou a União Soviética e outros povos da Europa e da Ásia, criminosamente invadidos, a uma sangrenta luta de libertação, culminou na derrota do fascismo, na formação do campo mundial do socialismo e na luta pela soberania dos povos coloniais e dependentes. Entre 1945 e 1957, mais de um bilhão e duzentos m.ilhões de seres humanos conquistaram sua independência, na Ásia e na África. O sangue vertido pelos povos não foi em vão. O movimento dos povos dependentes e colonizados é um fenômeno de caráter universal que agita o mundo e marca a crise final do impe rialismo. Cuba e a América Latina fazem parte do mundo. Nossos problemas fazem parte dos problemas que se engendram da crise geral do impe rialismo e da luta dos povos subjugados; do choque entre o mundo que nasce e o mundo que morre. A odiosa e brutal campanha desencadeada http:econom.ia 69 68 contra nossa pátria expressa o esforço tão desesperado quanto inútil que os imperialistas fazem para evitar a libertação dos povos. Cuba dói de maneira especial aos imperialistas. O que se esconde por trás do ódio ianque à Revolução Cubana? O que explica racionalmente a conjura que reúne no mesmo pro"pósito agressivo a potência imperialista mais rica e poderosa do mundo contemporâneo e as oligarquias de todo um continente, que, juntas, supõem representar uma população de 350 milhões de seres humanos, contra um pequeno povo de somente 7 milhões de habitantes, economicamente subdesenvolvido, sem recursos financeiros nem militares para ameaçar nem a segurança nem a economia de qualquer país? O medo os une e os concita. O medo é a explicação. Não o medo da Revolução Cubana; o medo da revolução latino-ame ricana. Não o medo dos operários, camponeses, estudantes, intelectuais e setores progressistas das camadas médias que tomaram revolucionaria mente o poder em Cuba; mas o medo de que os operários, camponeses, estudantes, intelectuais e setores progressistas das camadas médias tomem revolucionariamente o poder nos países oprimidos, famintos e explorados pelos monopólios ianques e a oligarquia reacionária da América; o medo de que os povos saqueados do continente arrebatem as armas a seus opressores e se declarem, como Cuba, povos livres da América. Liquidando a Revolução Cubana acreditam dissipar o medo que os atormenta, o fantasma da revolução que os ameaça. Liquidando a Revolução Cubana, acreditam liquidar o espírito revolucionário dos povos. Pretendem, em seu delírio, que Cuba é exportadora de revoluções. Em suas mentes de negociantes e usurários insones cabe a idéia de que as revoluções se podem comprar ou vender, alugar, emprestar, ~porta ou importar como se fossem mais uma mercadoria. Ignorantes das leis objetivas que regem o desenvolvimento das ~ociedades humanas, ditam que seus regimes monopolistas, capitalistas e seroifeudais são eternos. Educados na sua própria ideologia reacionária, mistura de supers tição, ignorância, subjetivismo, pragmatismo e outras aberrações do pensamento, têm uma imagem do mundo e da marcha da história acomo-' dada a seus interesses de classes exploradoras. Supõem que as revoluções nascem ou morrem no cérebro dos indivíduos, ou como efeito das leis divinas, e que, além disso, os deuses estão do seu lado. Sempre acredi taram nas mesmas coisas, desde os devotos pagãos patrícios na Roma escravista, que lançavam os cristãos primitivos aos leões do circo, e os inquisidores na Idade Média, que, como guardiães do feudalismo e da monarquia absoluta, imolavam na fogueira os primeiros representantes do pensamento liberal da nascente burguesia, até os bispos que, hoje, em defesa do regime burguês e monopolista, anatematizam as revoluções proletárias. Todas as classes reacionárias, em todas as épocas históricas, quando o antagonismo entre exploradores e explorados chega à sua máxima tensão, pressagiando o advento de um novo regime social, se utilizaram das piores armas da repressão e da calúnia contra seus adver sários. Acusados de incendiar Roma e de sacrificar crianças em seus altares, os cristãos primitivos foram levados ao martírio. Acusados de ,hereges, foram levados à fogueira pelos inquisidores filósofos como Giordano Bruno, reformadores como Hus e milhares daqueles que não mais se conformavam com a ordem feudal. Sobre os lutadores proletários se abate hoje a perseguição e o crime, precedidos das piores calúnias na imprensa monopolista e burguesa. Em qualquer época histórica as classes dominantes sempre assassinaram invocando a "defesa da socieda de, da ordem, da pátria: sua sociedade de minorias privilegiadas sobre maiorias exploradas, sua ordem classista", que mantêm a sangue e fogo sobre os despossuídos, "a pátria" que eles desfrutam sozinhos, privando desse desfrute o resto do povo, para reprimir os revolucionários que aspiram a uma sociedade nova, uma ordem justa, uma pátria verdadeira para todos. Mas o desenvolvimento
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