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Desenvlvimento Humano e Social (1)

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DESENVOLVIMENTO HUMANO
E SOCIAL
CAPÍTULO 1 - INSTITUIÇÕES SOCIAIS,
INDIVÍDUO E EXCLUSÃO: DE QUE
FORMAS OS HOMENS SE
DESENVOLVEM EM SOCIEDADE E QUE
DESAFIOS POSSUEM?
Elaine Borges da Silva Tardin
 
INICIAR
Introdução
Os seres humanos organizam-se em sociedade há milênios. Em um primeiro
momento, você até pode achar que essa associação se deu de uma forma
natural, mas não foi, e uma das ferramentas para analisarmos a sociedade
com um olhar científico e isento de nossas pré-noções e preconceitos é por
meio do método sociológico. Neste capítulo, você terá a oportunidade de
olhar a realidade social de forma diferente, compreendendo melhor o seu
papel social enquanto indivíduo inserido nessa realidade. Compreenderá
também que há camadas sociais que sofrem exclusão social, pois nem todos
os seres humanos são tratados da mesma forma, uma vez que há uma série
de barreiras que precisam ser superadas para vivermos em uma sociedade
mais igualitária.
Em um segundo momento, você terá a oportunidade de refletir sobre a
influência que as instituições sociais como a escola, a família e a igreja
possuem sobre nós. Você se perguntará: até que ponto as decisões que eu
tomo são exclusivamente minhas, e não influenciadas pela sociedade?
Outro ponto para reflexão é sobre o que é o Estado, suas principais
características, os teóricos que se debruçaram a entender tal conceito, como
os contratualistas, os pensadores Max Weber e Immanuel Kant, e   refletir
sobre a relação intrínseca do Estado com o poder,   o que nos leva a nos
perguntar: quem limita o poder do Estado? Essa é uma questão urgente no
contexto atual, já que participamos diretamente da comunidade política.
Em nosso último tópico, vamos entender o conceito e a trajetória do mundo
do trabalho, como algo inerente ao ser humano, mas que se modificou
através da história. Na atualidade, o trabalho é uma fonte de prazer ou de
tristeza para o homem? O que pode ser feito para que o trabalho não seja
visto como um fardo? É sobre essas e outras questões que convidamos você
a refletir em nosso capítulo. Bons estudos! 
1.1 Indivíduo, sociedade e exclusão:
conceitos e enquadramentos
O desenvolvimento humano e social não se deu de uma forma aleatória, mas
sim por um processo contínuo e inacabado. Você já pensou de que forma os
indivíduos se desenvolvem em sociedade e passam a adquirir uma
consciência coletiva? A partir de tal questão justifica-se a exclusão de grupos
com características específicas, alheias à pretensão homogênea da
sociedade? Que mecanismos legais asseguram a manifestação das
expressões culturais de grupos historicamente excluídos? A intenção deste
tópico é fazer você refletir sobre esses (e outros) pontos tão importantes
para adquirirmos uma consciência crítica sobre os processos sociais.
Você ainda acompanhará - neste tópico a respeito do que as leis brasileiras
normatizam quando há casos de exclusão social, o direito por uma
identidade própria e a representatividade de grupos historicamente excluídos
em nosso país. 
1.1.1 O indivíduo e a consciência coletiva 
Muitas vezes, ao nos depararmos com os fenômenos sociais cotidianos,
podemos pensar que estudá-los tendo por base o método científico pode ser
perda de tempo. Afinal, acabamos por naturalizar desde o nosso nascimento
até as regras das instituições sociais, como   escola, família, igreja, além do
convívio com nossa comunidade, nosso bairro, nossos amigos. Então, por
qual motivo estudaríamos tais fenômenos cientificamente?
De acordo com o sociólogo Anthony Giddens (2012, p. 1), a Sociologia é o
“estudo social da vida humana”, mas não de forma desordenada e acidental.
Pensar sociologicamente é despir-se de nossas convicções pessoais, tendo
em mente  o que pensávamos ser meramente uma manifestação individual é
na verdade parte de algo maior, muito além de suas pretensões internas.
Assim, este tópico tem o objetivo de nos fazer pensar sociologicamente
como os homens se desenvolvem em sociedade e adquirem uma consciência
coletiva e como se tem pensado a superação da exclusão social de certos
grupos.
Diferentes pensadores refletiram sobre a relação existente entre indivíduo e
sociedade, e aqui destacamos a visão do pai da disciplina sociológica, Émile
Durkheim (1858-1957), pensador francês que afirmava que possuímos duas
consciências: a individual e a coletiva. No primeiro caso, estão as ações que
se referem somente a nós, às nossas escolhas pessoais, às ações que nos
tornam únicos. No segundo caso, há a influência de ideias, crenças, práticas,
tradições e opiniões coletivas sobre nós. O difícil é conseguir perceber até
que ponto a sociedade, ou a consciência coletiva, nos influencia enquanto
indivíduos. Em outras palavras, até que ponto uma ação pode ser
considerada meramente individual? 
Em seu livro “O suicídio” (DURKHEIM, 1982), publicado originalmente em
1897, Durkheim analisa como uma ação tão pessoal, que a princípio
significaria uma escolha individual, na verdade representa algo para além das
escolhas pessoais, com ligações diretas com o meio social em que o
indivíduo vive, influenciando assim, diretamente, o ato suicida. Uma ótima
leitura para entendermos melhor sobre os limites da sociedade em nossa
consciência individual.
Analisar sobre a influência da sociedade em nossa vida, é pensar em um
conceito de Durkheim (1974): o de solidariedade, ou aquilo que unia os
indivíduos em sociedade, podendo ser de diferentes formas no decorrer do
tempo histórico, inclusive com avanços e retrocessos. Nas sociedades mais
simples, pré-capitalistas (mas não somente), havia a solidariedade mecânica.
Nesse caso, as escolhas individuais eram diminuídas em detrimento das
escolhas do grupo. Logo, o todo fala mais alto que o individual, dando ao
indivíduo um maior sentido, ulterior a ele. Há a força das crenças, das
tradições, dos costumes e da ação moral do indivíduo pautado por algo que
lhe é externo.
VOCÊ QUER LER?
Já nas sociedades capitalistas, contemporâneas a Durkheim, o indivíduo já
não se sente tanto parte do todo, mas busca a sua satisfação pessoal. O
autor a chamou de solidariedade orgânica. Vale ressaltar que os tipos de
solidariedade estudados por Durkheim não são estanques no tempo nem
seguem um mesmo padrão. No passado e no presente há sociedades que se
caracterizam de uma forma ou de outra, ou seja, não há uma regra pré-
determinada para as sociedades.
Como vivemos em constante relação com o outro em sociedade, certos
grupos podem criar identidades específicas e a partir daí excluir o outro, por
meio de mecanismos seletivos e excludentes, que podem ser econômicos,
políticos ou sociais, ou todos ao mesmo tempo. No próximo tópico, vamos
estudar o que significa a exclusão social e como ela simboliza um
impedimento da convivência em uma sociedade mais igualitária. 
1.1.2 A exclusão social e seus desafios 
De acordo com Giddens (2012, p. 325), entende-se por exclusão social as
“formas pelas quais os indivíduos podem ser afastados do pleno
envolvimento na sociedade”. Tal exclusão pode ser percebida pelo viés
econômico, social ou político, ou ainda abranger os três. Vamos tomar como
exemplo dois grupos historicamente excluídos do pleno desenvolvimento da
sociedade brasileira: os indígenas e os afro-brasileiros. 
VOCÊ SABIA?
O dia 20 de novembro é considerado Dia da Consciência
Negra no Brasil, em homenagem ao líder do quilombo dos
Palmares, Zumbi, que teria sido assassinado nessa data no
ano de 1695. A data, em alguns estados e, aproximadamente,
mil cidades é declarada feriado nacional, para se refletir sobre
a luta nos negros no país.
O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2006), em sua obra “O povo
brasileiro”, aponta que somos formados enquanto povo e nação pelas
matrizes indígena, portuguesa e africana, porém, esse processo de formação
foi repleto de violência e exclusão social, tanto no passado quanto no
presente. A história do Brasil não é uma história de integração étnica, cultural
ou social, ao contrário, representou a exaltação de uma cultura em
detrimento de outras. Inicialmentepelos portugueses e, desde a
Independência, em 1822, pelos próprios brasileiros, os índios e os afro-
brasileiros têm sofrido até os dias atuais com exclusão econômica (tanto em
relação à produção ou ao acesso aos bens de consumo); política (no passado,
pelo regime de escravidão e impedimento de obterem cidadania, no presente
pela ainda escassa representatividade); e social (acesso aos direitos sociais
prejudicado – trabalho, moradia, saúde, educação, entre outros).  
Quando nos referimos à presença da matriz afro-brasileira em nossa
sociedade precisamos abordar um conceito muito utilizado e com
permanência ainda hoje: o de raça. O geneticista italiano Guido Barbujani
(2007) desconstrói uma visão até então muito difundida – a de que os seres
humanos estão divididos por raças – branca, negra, indígena, asiática, dentre
outras.   O autor propõe repensar tal conceito, afirmando que as diferenças
genéticas entre os seres humanos devem ser encaradas como um dado
social, e não meramente biológico. Na verdade, todos nós fazemos parte de
Figura 1 - Uma das manifestações culturais de raiz afro-brasileira mais
importantes no Brasil é a capoeira, reconhecida como Patrimônio Cultural
da Humanidade pela UNESCO. Fonte: Val Thoermer, Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
uma única espécie, a humana, logo, o preconceito e a exclusão social são
reproduzidos pelos homens em sociedade e é exatamente por isso que
podem ser modificadas e alteradas. 
No livro “O espetáculo das raças” (SCHWARCZ, 1993), você poderá refletir
sobre o conceito de raça no Brasil na virada do século XIX para o XX, no
contexto em que o conceito era hierarquizado e excludente, e assim
descobrir como um país de ampla população negra como o nosso se
projetava para o mundo.
Ao falarmos que as populações indígenas e afro-brasileiras ainda são
socialmente excluídas, você pode pensar que é uma afirmação equivocada,
uma vez que na atualidade a Constituição Federal de 1988, em seu artigo V,
garante a igualdade de todos perante a lei, inclusive com o racismo sendo
considerado um crime inafiançável e imprescritível (BRASIL, 2002). Porém,
somente uma lei pode garantir o bom funcionamento da vida em sociedade?
Certamente que não.
A lei é o resultado das demandas e das transformações sociais do seio da
sociedade, logo, é uma via de mão dupla: enquanto a sociedade não agir
contra a exclusão dos grupos historicamente excluídos, a lei será meramente
uma ferramenta teórica. Mesmo assim, vale observar de que forma a
Constituição Federal de 1988 visa assegurar a manifestação cultural e a
preservação da identidade indígena e afro-brasileira no Brasil, como vamos
acompanhar a seguir.
1.1.3 As manifestações culturais e a legislação brasileira 
Para o exercício de reflexão sobre como a exclusão social acaba por gerar
cada vez mais um abismo social entre cidadãos no Brasil, é preciso,
inicialmente, abordar o conceito de cultura e identidade.
VOCÊ QUER LER?
De acordo com o antropólogo Clifford Geertz (1978, p. 15), a cultura pode
ser compreendida como “uma teia de significados tecida pelo homem”. Esta
teia acaba por orientá-lo por um sistema de símbolos que ele mesmo
construiu, mas que está além dele. Assim, as crenças, os valores e as normas
variam de cultura para cultura, e não são estáticas nem inseridas dentro de
um mesmo contexto cultural: as práticas culturais que possuíamos no
passado podem não ser as mesmas na atualidade. Como exemplo, poder
escolher o futuro esposo ou esposa, uma vez que o casamento servia para
garantir o direito da posse e da herança, e somente a partir do século XIX,
nas sociedades ocidentais, surgiu com mais destaque a prática do casamento
romântico, em que a escolha amorosa era colocada em questão. 
CASO
Isabella é uma adolescente que sonha em ser uma
importante empresária na área de exportação. Estuda
muito, dia após dia, e tem as melhores notas na escola.
Ao final do terceiro ano, aos 17 anos de idade, Isabella é
surpreendida quando várias pessoas de sua família e de
seu círculo de amizades repetem a mesma frase: “uma
mulher só é completa se for casada e com filhos, desista
de estudar.”
Isabella não dá ouvidos aos conselhos externos,
continua a estudar, se forma e consegue um emprego
em uma grande multinacional. Muda-se para o Japão.
Torna-se uma mulher bem-sucedida e feliz em seu
trabalho. Porém, todo ano, ao visitar os amigos e a
família, ouve a mesma pergunta: “por que não se casa e
tem filhos?” Isabella todo ano sorri e diz: “ah, sociedade,
por que vocês querem colocar um padrão em algo que
pode ser livremente escolhido por mim, um indivíduo
autônomo?”
A sociedade não entende Isabella, mas ela continua
sendo feliz por exercer suas escolhas livremente.
Se há mudanças culturais pelas quais uma sociedade passa no decorrer dos
tempos, o que definiria, então, uma identidade cultural? É sentir-se
pertencente a uma rede específica de um grupo social, ligado pela tradição,
ancestralidade, costumes e crenças. Em uma sociedade cada vez mais
orgânica, individualista e globalizante manter a identidade cultural de um
grupo pode ser deveras desafiante. 
Ao pensarmos sobre identidades coletivas, imediatamente precisamos
refletir a respeito da proteção sobre tais identidades, de quais mecanismos
são utilizados para que sejam resguardadas. A identidade e as manifestações
culturais dos indígenas e dos afro-brasileiros são protegidas pelo Estado.
Mas o que teriam esses povos de diferente que possam justificar tal
proteção? Durante séculos de colonização e escravidão, esses povos, tão
heterogêneos entre si, mas que eram vistos uniformemente, viram sua
Figura 2 - A cultura é uma rede de significados que acabam interligando
os indivíduos, dando-lhes um sentido ulterior. Fonte: Rawpixel.com,
Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
cultura ser diminuída ou mesmo calada pelos detentores do poder: o homem
branco colonizador. Os costumes culturais indígenas e africanos, suas danças
e manifestações religiosas eram considerados pecados por uma lógica
eurocêntrica cristã que eliminava qualquer alternativa à fé portuguesa, a fé
católica. Assim, manter viva a cultura nativa e africana era possuir uma
atitude de resistência. Os quilombos, antigos redutos para escravos fugitivos,
são uma forte expressão da resistência negra no Brasil, desmistificando a
ideia de que os antigos escravizados aceitavam passivamente sua situação
de escravos.
Os descendentes dos ex-escravizados que se autodefinem a partir da
relação que possuem com o território, com uma ligação com seus ancestrais
e suas tradições formam as comunidades quilombolas. No Brasil, existem 220
títulos emitidos, regularizando 754.811,0708 hectares em benefício de 152
territórios, 294 comunidades e 15.910 famílias quilombolas, segundo dados do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, órgão
responsável pela titulação das terras quilombolas (INCRA, 2017). Assim,
busca-se a preservação cultural desses grupos étnicos que durante séculos
viram sua cultura tentar ser destruída, direta ou indiretamente.
O Estado brasileiro, por meio de sua Constituição Federal de 1988, assegura
a preservação cultural, material e imaterial dos povos indígenas e afro-
brasileiros, conforme se pode observar pelo parágrafo 1º do artigo 215:
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional (BRASIL, 2002, p.126). 
Em relação aos patrimônios culturais, o artigo 216 refere-se àqueles que
possuem referências identitárias, incluindo os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, como é o caso das comunidades quilombolas.
No âmbito educacional, temos a lei 10.639, de 2003 (BRASIL, 2003) que
determina que a História e cultura afro-brasileira sejam componentes
obrigatórios na educação básica, nos ensinos fundamental e médio. Assim,
os alunos poderão ter acesso a uma história das raízes brasileiras muitas
vezes não contada pela história oficial, tradicionalmenteeurocêntrica.
Perceba, portanto, como os grupos historicamente excluídos, apesar do
Estado assegurar suas manifestações culturais, ainda sofrem pela falta de
representatividade e pela exclusão social. A luta identitária é, sobretudo, uma
luta constante pelo reconhecimento e campos de poder, no qual demandas
específicas devem ser tratadas com seriedade e urgência, tanto pelo Estado,
quanto pela sociedade. 
1.2 O processo de socialização e as
instituições sociais
As primeiras instituições que temos contato desde criança são a família, a
escola e as instituições religiosas. A partir da interação com os membros da
sociedade, formamos nossos costumes, crenças e valores. Muitas vezes, ao
discordarmos de certas normas ou dogmas, acreditamos que estamos
rompendo com uma verdade absoluta, mas é preciso ter em mente que há
uma construção social que envolve o indivíduo.
Assim, neste tópico, você irá aprender sobre um dos assuntos mais
estudados pelas ciências humanas: as instituições sociais e suas influências
na vida do indivíduo. Você verá que desde cedo somos inseridos em um
contexto social mais amplo, e que as instituições acabam por determinar
certas regras e costumes que muitas vezes nos parecem naturais, mas que
na realidade foram construídas socialmente. 
1.2.1 As instituições sociais humanas 
As instituições sociais são fruto da curiosidade científica no passado e no
presente, uma vez que tratam diretamente de nossa vida em sociedade.
Alguns sociólogos, como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber pensaram
em ferramentas que pudessem nos ajudar a entender como estamos
inseridos em sociedade. Um estudo mais aprofundado sobre as instituições
merece destaque, para que possamos melhor compreender as estruturas e
consequências da vida em sociedade. .
Uma instituição pode ser entendida como uma estrutura criada pela
sociedade com características específicas e que serve aos seus próprios
interesses. A primeira ideia que precisamos nos lembrar é que as instituições
não são estáticas,e passam por profundas transformações no decorrer dos
tempos, uma vez que a própria sociedade também passa por mutações.
Pense no surgimento da sociedade capitalista burguesa, a partir do século
XIX, por exemplo. Naquele contexto, com a vitória do capitalismo no cenário
internacional e o advento de uma sociedade mais mecanizada, as instituições
tradicionais, com destaque para a família, passaram por profundas
transformações. Velhos conceitos foram abandonados e novos surgiram,
assim também ocorre na atualidade, em que as instituições estão
constantemente passando por transformações e redefinições a cada dia. No
tópico anterior, você viu como Émile Durkheim refletia acerca da conjunção
indivíduo/sociedade, e a respeito das instituições, o autor afirma que: 
ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a elas; elas
comandam e nós as queremos; elas nos constrangem, e nós encontramos
vantagem em seu funcionamento e no próprio constrangimento. (...) Talvez
não existam práticas coletivas que deixem de exercer sobre nós esta ação
dupla, a qual, além do mais, não é contraditória senão na aparência
(DURKHEIM, 1974, p. 30). 
Vamos a um exemplo prático partindo da lógica de Durkheim: uma criança de
9 anos, ainda no ensino fundamental, se recusa a usar o uniforme escolar.
Porém, os pais, concordando com as normas da instituição escolar, não
oferecem alternativa à criança a não ser obedecer, explicando que ela não
pode se diferenciar dos demais colegas da escola, ou seja, não pode exercer
sua individualidade em um lugar de convivência coletiva. Assim, para
Durkheim, a consciência coletiva se sobrepõe à individual. 
Outro pensador clássico que reflete sobre as ações individuais e coletivas e
como isso pode ser estudado cientificamente é Max Weber (1864-1920).
Divergindo de Durkheim, Weber acredita que a sociedade não é formada a
partir de uma síntese, ou em outras palavras, a consciência coletiva não
precede o indivíduo, ao contrário, o indivíduo realiza suas ações sociais
dotado de um sentido ao mesmo tempo racional e subjetivo e, portanto,
anterior às instituições. De uma forma mais direta, Weber (2009, p.22) assim
 Figura 3 - A escola
é um exemplo de instituição que molda e normatiza o indivíduo, e a figura
do professor é vista como aquele que deve conduzir o conhecimento ao
aluno. Fonte: Royalty-Free/Corbis, Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
define as instituições: “não são outra coisa que desenvolvimentos e
entrelaçamentos de ações específicas de pessoas individuais, já que apenas
elas podem ser sujeitos de uma ação orientada pelo seu sentido”.
Logo, para Weber, é a própria ação social que dá origem às instituições, e a
relação social se dá a partir do compartilhamento recíproco de conteúdos
que possuem significância inicialmente para o indivíduo e somente depois
para os demais membros da sociedade.
A seguir, vamos acompanhar de perto os caminhos e descaminhos das
principais instituições sociais que persistem apesar das mudanças do mundo
pós-moderno. 
1.2.2 As instituições e os indivíduos: a família enquanto primeira
instituição social do homem
A primeira instituição com a qual temos contato desde o nosso nascimento é
a familiar. Nela, recebemos as referências culturais como nossa língua, e
somos orientados a seguir esta ou aquela religião, enfim, a família nos molda
a partir de suas próprias pré-noções e crenças. Como vimos, nenhuma
instituição está alheia às mudanças sociais que as cercam e, no caso da
família, é perceptível ver na atualidade os novos arranjos existentes. Por fim,
nos perguntamos: com tantas mudanças sociais, como poderíamos definir a
família? De acordo com Outhwaite (1996, p. 297-298): 
o próprio conceito – a família – , portanto, não pode captar a extensão e a
diversidade de experiência que muitos hoje definem como sua. A família – na
realidade, muitas famílias diferentes – veio ‘para ficar’. A família é uma
elaboração ideológica e social. Quaisquer tentativas de defini-la como uma
instituição delimitada, com características universais em qualquer local ou
tempo, necessariamente fracassarão. 
Note como a própria definição de família não permite um enquadramento
pré-existente. Se assim fosse, retornaríamos a um passado que somente um
tipo de família era permitido, aquele composto por um casal heterossexual
com prole constituída. Na realidade atual, pós-moderna, percebemos um
amplo caleidoscópio de arranjos familiares: pais ou mães solteiros, netos
sendo criados pelos avós, casais homoafetivos adotantes, tantas as
possibilidades que não seria possível descrevê-las neste capítulo.
No filme Minhas mães e meu pai (CHOLODENKO, BLUMBERG, 2010), você
pode acompanhar a história da família atípica de Jules e Nic, duas lésbicas
que no passado fizeram inseminação artificial e agora se veem às voltas com
seus dois filhos adolescentes que buscaram e encontraram seu pai biológico. 
Cabe aqui refletir se os preceitos morais da família em que crescemos
excluem  outros arranjos familiares ou outros membros da sociedade, seja
por sua condição social,  cor, orientação sexual, entre outros. Exatamente por
ser a primeira instituição com a qual temos contato, a desnaturalização dos
conceitos apreendidos no seio familiar é um exercício árduo, porém
necessário. Ao vivermos em sociedade, temos que ter em mente que há um
campo de disputas de representações, onde cada grupo em particular exige
cada vez mais demandas pelo seu reconhecimento, tanto pela sociedade
quanto pelo Estado. Sendo assim, é de direito que as minorias sociais
busquem cada vez mais o reconhecimento e a representatividade no meio
social e político. 
1.2.3 Moldando o ser humano: as instituições religiosas e a escola
Após refletir sobre nossa primeira instituição, a família, a próxima instituição
que vamos destacar e que molda o indivíduo ainda em sua infância é a
religiosa, em suas diversas manifestações. Dificilmente haverá uma
sociedade na história que não possua alguma ligação com o sagrado e com
símbolos, mitos,crenças e tradições. Algumas religiões resistiram às
situações tempestuosas, passaram por modificações e readaptações, e
permanecem na atualidade, mesmo que tenha havido certa perda da
identidade na pós-modernidade.
Apesar da existência de tantas expressões religiosas diferentes, Giddens
(2012) nos auxilia a compreender as características em comum que as
religiões teriam: 
VOCÊ QUER VER?
As características que todas as religiões parecem, de fato, partilhar são as
seguintes. As religiões implicam um conjunto de símbolos que invocam
sentimentos de reverência ou de temor, ligados a rituais ou cerimônias (como
os serviços religiosos) realizados por uma comunidade de crentes (GIDDENS,
2012, p. 535).  
Assim, ao fazer parte de uma religião, o indivíduo torna-se pertencente a
uma comunidade que partilha as mesmas crenças. A partir daí, o indivíduo
não é mais indivíduo, mas parte de algo maior. 
Por dar um significado maior ao indivíduo, a religião pode ser um instrumento
perigoso de poder, pois pode ser manipulável por aqueles que assumem
posições de mando. Outro cuidado em relação à religião, é compreender que
o sistema de crenças somente diz respeito àqueles que acreditam em
determinado dogma.
Uma crença religiosa, seja ela qual for, não pode ser determinante e imposta
para toda uma sociedade, a não ser que o regime político em questão seja o
teocrático (teo: Deus; cracia: governo), como ocorre na Arábia Saudita ou
Figura 4 - A religião traz ao homem o sentimento de pertencimento, de
crença em comum, lhe dá sentido. Fonte: Quick Shot, Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
Paquistão, por exemplo. Nas sociedades democráticas, valer-se de preceitos
religiosos para o impedimento ao acesso de direitos políticos e/ou sociais dos
grupos minoritários, é em si uma própria controvérsia da gênese da
democracia, que deve assegurar que os direitos da minoria não sejam
incluídos pelos da maioria. Assim como no caso da família, desnaturalizar as
crenças e convicções religiosas que nos tentaram moldar desde a infância
não é uma tarefa fácil, porém é crucial que possamos desnaturalizar tal
atitude a fim de convivermos senão em harmonia, ao menos em uma
sociedade justa.
A terceira instituição com a qual temos contato ainda criança é a escola, que
pode ser tanto um espaço socializador de forma positiva ou ser um espaço
de exclusão. Na sua opinião, a escola pode integrar ao mesmo tempo que
pode excluir? Vamos refletir sobre esse ponto. A educação brasileira
tradicionalmente seguia um viés conservador, herdeira de uma educação
jesuítica que privilegiava aspectos quantitativos em detrimento dos
qualitativos. Tanto essa vertente quanto a tecnicista, privilegiava os
resultados, não a emancipação do educando e sua compreensão do mundo
em que vive. O maior educador brasileiro, Paulo Freire (1921-1997), sugere
que abandonemos a “concepção bancária da educação” (FREIRE, 2011, p.
33), onde alunos são meros receptáculos do conteúdo dado por um professor
que deteria todo o conhecimento, e passemos a lutar por uma educação
humanista e libertadora e, sobretudo, política, onde o professor reconheça
que a todo o momento pode aprender com o aluno. Assim, ambos constroem
o conhecimento mutuamente, sem hierarquizar saberes. A escola enquanto
espaço excludente é aquela que rejeita e oprime as minorias sociais, sejam
elas de qualquer forma: de cor, religião ou orientação sexual, ou outras aqui
não citadas, apartando-as do processo socioeducativo, que deve ser
construído com toda a comunidade, para além dos rumos da instituição. Na
Constituição Federal (BRASIL, 2002, p. 123), artigo 205, a educação é
referida como “direito de todos e dever do Estado e da família”, inclusive
sendo “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho". Portanto, a instituição escolar não está
apartada de outras instituições, como a família.
O tipo de escola que queremos reflete-se no tipo de sociedade que temos. Se
a escola assume uma postura excludente, preconceituosa, tecnicista ou que
privilegia a memorização em detrimento da consciência crítica, é porque a
sociedade e o poder público não fiscalizam ou investigam o que deveria ser
cumprido obrigatoriamente, visto que é lei (BRASIL, 2002) que tenhamos um
ensino pautado pelos princípios de igualdade, liberdade e pluralismo de
ideias e concepções pedagógicas. A construção de uma educação que ensine
de forma crítica, política e construtiva depende de uma sociedade
verdadeiramente atenta para que tais posturas ocorram de fato. 
No próximo tópico, vamos estudar a instituição que exerce poder sobre todos
os indivíduos habitantes de um território em comum: o Estado. 
Figura 5 - A inclusão deve ser palavra de ordem de toda e qualquer
escola. Se a escola for excludente, é porque toda a sociedade também o
é. Fonte: Nelosa, Shutterstock, 2018.
1.3 O Estado e suas representações
sociais 
Você deve ter percebido até aqui como as instituições sociais nos imputam
crenças, valores e normas, porém, é preciso conhecer outra instituição que
exerce poder sobre nós. O pertencimento a esta instituição não é opcional,
pois ao nascermos já estamos inseridos em sua lógica. Vamos refletir como o
Estado nos obriga, nos limita e possui diferentes formas de atuação.
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Então, neste tópico, você irá se aprofundar a respeito de como o Estado,
instituição que regula, normatiza e administra a vida em sociedade, pode ser
pensado de forma crítica. Vamos levantar os questionamentos a respeito da
legitimação, do uso da força física e a representação que o Estado
proporciona a seus cidadãos. Também vamos conhecer mais sobre a divisão
do poder dentro do próprio Estado.  
1.3.1 Por uma definição de Estado 
Existem diversas teorias a respeito da necessidade da fundação do Estado.
Na Grécia antiga, o filósofo Aristóteles acreditava que o Estado seria uma
sociedade natural a partir de sua concepção de que o homem é um animal
político. Em “O príncipe”, escrito em 1532, Nicolau Maquiavel afirma que o
Estado seria a expressão de uma comunidade política soberana. No século
XVII, pensadores políticos europeus, denominados de contratualistas
(Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau) defendiam a ideia
do surgimento da sociedade civil a partir do cumprimento de um contrato
social que daria autoridade a um governante de forma legítima. A assinatura
simbólica do contrato pressupunha o mútuo acordo entre governantes e
governados, e havia a ideia da necessidade do governante, que naquele
contexto detinha todo o poder em si, para controlar as paixões humanas por
meio da formalização de regras, normas e obrigações. 
Thomas Hobbes (1588-1679) foi um teórico, filósofo, e matemático inglês
que defendia a ideia de que o Estado era uma instituição criada
artificialmente pelo homem para conter as paixões humanas, e por isso
defendia o absolutismo. A partir do surgimento do Estado, após a assinatura
do contrato social, havia leis civis, controle social e o fim de uma guerra até
infinda entre os homens. Para mais informações, você pode ler a obra
“Leviatã” (HOBBES, 1997).
VOCÊ O CONHECE?
A Europa passou por importantes transformações a partir do século XVIII
dentre elas o fato de que o Estado não mais se limitava a um governante, a
partir da divisão dos poderes, para que houvesse o equilíbrio. Da Europa para
o mundo ocidental, o Estado foi se modificando e delimitando seus meios, até
o formato dos dias atuais.
O sociólogo Max Weber, em “A política como vocação” (2004), afirma que o
Estado não pode ser definido por seus fins, mas por seus meios: o monopólio
legítimo da força física. Para o autor, o Estado seria uma “comunidade
humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de
território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica
o monopólio do uso legítimo da violência física” (WEBER, 2004, p. 98), ou
seja, o Estado é o único quedetém o uso exclusivo e legítimo da violência.
Porém, há a necessidade de mecanismos que delimitem tal poder, pois caso
contrário, o Estado agirá de forma autoritária e acabará por desrespeitar os
direitos mais básicos dos cidadãos, sejam eles civis, políticos ou sociais. Se o
Estado não cumpre com suas prerrogativas, cabe aos cidadãos exigirem sua
reformulação, compatível com novas realidades.
A concepção tradicional de Estado de Direito provém do filósofo Immanuel
Kant (1724-1778), para quem a ideia de que os interesses do Estado devem
estar vinculados às garantias individuais e à proteção da propriedade
privada. Defendendo que o Estado deveria ser subordinado ao direito, Kant
(1998) afirma que a razão deve reger a sociedade, em leis que devem ser
válidas universalmente. Há uma discussão muito mais ampla a respeito da
definição jurídica de Estado, porém cabe ressaltar que o Estado é uma
organização coletiva que visa à manutenção da ordem pública com a
legitimidade dada por todos os seus membros. O princípio da legalidade é
uma das bases em que se funda o Estado, pois somente após passar pelo
crivo do que foi instituído como legal é que uma lei deve ser respeitada e
cumprida.
Partindo das concepções sociológicas e jurídicas do Estado, vamos agora
para a busca da compreensão sobre o papel e a função desta instituição nas
sociedades ocidentais. 
1.3.2 As ações do Estado na vida social 
Agora que você já entendeu que o Estado é instituição criada pelo homem e
possui como características o uso da força física, a normatização de leis e a
defesa dos direitos mais básicos dos cidadãos, vamos para algumas ações do
Estado em nossa vida cotidiana.
Um dos conceitos básicos ligados ao Estado é o de poder. Para o já citado
sociólogo Max Weber, o poder pressupõe uma relação de submissão (o
domínio de um homem ou de um grupo sobre os demais), e quem o possui
em primeiro lugar deve obtê-lo de forma legítima e ser detentor dos meios
materiais de organização. Ou seja, o Estado precisa do reconhecimento de
sua legitimidade por parte dos cidadãos.
Um tipo legítimo de poder é a dominação, só existindo quando há motivos
suficientemente fortes para assegurar a obediência, e não somente pelo uso
da força. Em nossa relação com o Estado, há variados exemplos que
demonstram a submissão dos cidadãos a ele, do contrário, estaríamos indo
de encontro às leis, normas e obrigações. Por exemplo, no Brasil, o voto é
obrigatório dos 18 aos 70 anos de idade. Se optarmos por não votar,
estaremos descumprindo um dos princípios básicos da cidadania e, por conta
disso, sofreremos uma série de represálias, como ter o título cassado e,assim,
o impedimento de participar de concursos públicos, de retirar passaporte ou
carteira de identidade, de não renovar matrícula em estabelecimentos de
ensino público oficial, dentre outras sanções Em resumo, ao pertencemos a
uma comunidade social subordinada ao Estado, há certos deveres e
obrigações implícitos, assim como direitos. Quando nascemos, já há uma
constituição vigente, leis trabalhistas, um código penal e as demais normas e
somos enquadrados previamente em toda essa lógica. 
1.3.3 As formas de ação e organização do Estado 
No decorrer da história da humanidade, o Estado assumiu diversas formas,
mas para que nosso estudo fique mais delimitado vamos tomar como
exemplo a constituição do Estado brasileiro.
Antes de sermos Brasil, éramos colônia de Portugal, isto é, não tínhamos
qualquer tipo de organização político-administrativa autônoma, éramos
súditos, não cidadãos. Isso quer dizer que o Estado brasileiro não existia?
Exatamente. O Estado passou somente a existir a partir da proclamação de
independência de Portugal e com nossa primeira constituição, em 1824. Não
deixamos de ser Brasil, mas desde o nosso nascimento, enquanto Estado
Nação, passamos por diversos governos: império, república oligárquica,
ditadura civil, república democrática, ditadura civil-militar e por fim o retorno
à democracia (desde 1985). Os governos mudaram, mas o Estado
permaneceu. 
VOCÊ SABIA?
Estado e governo são diferentes? Sim. O Estado é
permanente, é a instituição que centraliza em torno de si o
poder e possui códigos, normas e sistemas. Os governos se
alternam, são mutáveis, como vimos no exemplo do Estado
brasileiro. Quer saber mais sobre isso? Recomendamos o livro
“Dicionário de política” (BOBBIO, 1998), do historiador e
filósofo político Norberto Bobbio. 
Desde o século XIX, a maioria dos Estados ocidentais adotou a forma de
república como governo. A palavra república é oriunda do latim, res publica –
coisa pública, um governo republicano pressupõe rotatividade no poder, a
escolha dos representantes do povo e a divisão do poder em três:  executivo,
legislativo e judiciário.
A teoria da divisão do poder em três vertentes foi mais bem formulada pelo
filósofo Charles de Montesquieu em “O espírito das leis” (1979),   obra que
influenciou governos republicanos posteriores. Assim, o poder não seria
centralizado nas mãos de um único governante, mas seria equilibrado a
partir da função que cada um dos três setores exerceria de forma
independente, porém em harmonia entre si. 
O poder executivo tem a função de governar, ou de executar as leis previstas
na Constituição, carta máxima dos países. O chefe do executivo, geralmente
um presidente, possui algumas atribuições que, sobretudo, devem zelar pelo
bem-estar da população. Ele tem o poder de vetar ou sancionar os projetos
de lei formulados pelo poder legislativo, mas não tem o poder de criar as leis,
 Figura 6 -
Montesquieu (1689-1755) foi um dos mais importantes teóricos políticos
do mundo, influenciando diversos processos revolucionários no mundo
ocidental. Fonte: Shutterstock, 2018.
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pois essa é uma função do poder legislativo. Além disso, é o poder legislativo
que fiscaliza o Executivo, vota leis orçamentárias e em casos excepcionais,
até mesmo julga seus próprios membros ou os do poder executivo.
Cabe ao poder judiciário promover a justiça levando em consideração as leis
e as regras constitucionais pré-estabelecidas. Sua hierarquia é formada pelas
chamadas instâncias, e a primeira instância é o primeiro local em que uma
ação é analisada e julgada, as  instâncias confirmam ou refutam as decisões
tomadas anteriormente.
Entre os três poderes, há o princípio de checks and ballances, ou freios e
contrapesos, a fim de que o poder seja equilibrado, para que nenhum poder
supere o outro. Dessa forma, assegurando a harmonia e a independência em
um Estado democrático.
Perceba, portanto, como é importante que o poder seja equilibrado e não
defenda somente os interesses de uma parte da população. Quando há
vigência de um Estado democrático de direito, o governo tem que ser para
todos, não somente para uma parcela da população. Assegurar que a lei seja
cumprida e que a justiça seja feita, independente de classe, raça, orientação
sexual ou qualquer distinção, é o princípio básico de qualquer sociedade que
se diz democrática e justa. Nenhum dos poderes é estático, logo, a vigilância
por parte de toda sociedade é crucial para que não haja desarmonia e
desigualdades. No próximo tópico, você vai refletir sobre a correlação entre
trabalho, sociedade e economia e que de forma isso influencia sua vida em
sociedade. 
1.4 Trabalho, sociedade e economia – I 
No presente tópico, vamos refletir sobre o conceito de trabalho, produção
social e de que forma nossa vida produtiva influencia nossos papéis sociais, e
ainda vamos analisar a evolução do conceito de trabalho e suas diferentes
relações no decorrer do tempo. A forma com que os homens produzem no
decorrer da história se alterou profundamente, assim como as relações entre
os seres humanos O exercício de olhar para o passado nos possibilita
enxergar a nossa realidade de uma forma crítica, ao percebermos as
desigualdades e exclusões no mundo do trabalho e no meio social, uma vez
que o trabalho é uma atividade inerentemente humana.  
1.4.1 O trabalho numa perspectiva ontológica 
Areflexão sobre o trabalho deveria partir de todo indivíduo, uma vez que a
escolha de uma profissão e seu exercício é uma das decisões mais
importantes que tomamos em nossa vida. A filosofia nos ajuda a questionar
conceitos e a ontologia, significa o estudo do ser enquanto ser, ou seja, que
explora suas características, seus princípios e natureza. Portanto, pensar no
trabalho numa perspectiva ontológica é refletir sobre suas origens, natureza,
percurso e transformações sócio-históricas.
A primeira relação que deve ser estabelecida é entre o homem e seu
trabalho, pois as formas com que os homens produzem influenciam toda a
vida social.   Devemos nos questionar, por exemplo, porque os homens
produzem, se o trabalho é necessariamente uma fonte de opressão e refletir
sobre o que sua trajetória tem a nos dizer.  
Um dos teóricos mais conhecidos, por tratar o trabalho como objeto de
estudo, é o alemão Karl Marx (1818-1883). Para o autor, é impossível
separar o homem do trabalho, uma vez que: 
como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma
condição de existência do homem, independente de todas as formas de
sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre
homem e natureza e, portanto, da vida humana (MARX, 2011, p. 167). 
Assim sendo, independente do tipo de Estado, governo ou tempo histórico, a
relação do homem com o trabalho permanece. O homem é o único que,
diferentemente dos animais, consegue planejar previamente, criar metas,
objetivos e alterar a natureza a seu redor. Um animal, por melhor que
produza, continua a produzir da mesma forma que fazia há milênios, pois é
guiado por seus instintos. Já o homem, cria os próprios meios para a sua
sobrevivência, e essa ação de alterar a natureza em prol de sua própria
necessidade é o que se chama de trabalho.
Vamos usar como exemplo uma galinha, ela produz ovos, e assim sua
espécie tem feito há milênios. Uma galinha não visa aumentar sua produção,
não faz hora extra nem coloca um logotipo em seus ovos. São os homens
que, pensando em seu próprio lucro, tornam os galinheiros lugares cada vez
mais insipientes para que elas produzam mais, com o uso de luz artificial,
adição de proteína e cálcio. A galinha não deixa de ser galinha, mas o
homem, ao acrescentar meios artificiais aos naturais para aumentar a
produção, acaba por alterar toda uma natureza. O trabalho é, portanto, a
alteração da natureza pelo homem com o fim de suprir suas próprias
necessidades. No próximo tópico, você refletirá sobre a história do trabalho
no decorrer do tempo histórico. 
1.4.2 O trabalho através da história 
Uma das questões mais importantes sobre o trabalho, uma vez que já entendemos
que o homem produz alterando o meio em que vive a partir de sua própria ação, é
analisar sua trajetória, e para isso vamos retornar, mais uma vez, a Karl Marx. O
autor  parte da análise da sociedade capitalista do século XIX, e identifica um
profundo abismo entre trabalhador e o fruto do seu trabalho, uma verdadeira
impessoalidade ou, conforme o autor chamava, alienação. Essa lógica rompia
abruptamente com o que ocorria anteriormente na Idade Média, época em que
havia as corporações de ofício, as associações que regulamentavam as profissões,
e cada homem sabia sua profissão e seu exercício.  A partir de uma divisão lógica
do trabalho, o trabalhador perde o elo que tinha com o resultado de seu próprio
trabalho, e isso o torna mais mecanizado e alienado. 
Para melhor entender a realidade do século XIX, Marx olha para o passado a
fim de investigar como era a relação dos homens com o trabalho, e formula o
conceito de modo de produção, que significa como os homens se organizam
socialmente, formado pela junção daquilo que se produz (forças produtivas) e
pelas relações de produção. Marx (2011) afirma que no decorrer da história
da humanidade tivemos cinco distintos modos de produção:
 Figura 7 - Karl Marx
(1813-1883), um dos teóricos mais importantes a respeito da análise do
mundo do trabalho. Fonte: Nicku, Shutterstock, 2018.
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1. modo de produção primitivo: no início da sociedade humana, ainda não
havia a instituição do Estado ou de leis que limitassem a vida humana em
sociedade. Também não havia propriedade privada, assim como não havia
uma relação de produção dividida entre proprietários e empregados, pois os
bens coletivos eram divididos entre todos.
2. modo de produção escravista: extremamente desigual e violento, esse
modo de produção estabelecia uma relação de dominação em que o senhor
tudo detinha (os meios de produção   - terra, materiais -   e a força de
trabalho), pois ao se tornar o escravo o homem não mais pertencia a si, mas
ao outro, que poderia vendê-lo, alugá-lo e obrigá-lo a trabalhar até o fim de
sua vida. Houve casos em que a escravidão era por dívida, por tempo
determinado ou indeterminado, mas o que se precisa destacar é que a
condição de escravo despersonalizava o homem e o transformava em
mercadoria.
3. modo de produção asiático: presente na China, Egito, parte da África e
Índia, esse modo foi marcado pela presença soberana do Estado, que
controlava a economia, a política e mesmo a religião. Era utilizado trabalho
escravo e servil, símbolo de grande desigualdade e abismo social que
imperava.
4. modo de produção feudal: também marcado pela desigualdade social, a
sociedade era dividida, sobretudo, entre senhores (que detinham os meios de
produção) e servos, que diferentemente dos escravos, não eram propriedade
do senhor, mas estavam presos à terra. Os servos deviam fidelidade ao
senhor, e assim ocorreu por muito tempo. A desagregação do mundo feudal
ocasionou o surgimento do modo de produção ainda vigente no mundo atual.
5. modo de produção capitalista: ainda em vigência e tendo passado por
ciclos, é caracterizado pela presença da propriedade privada e pelas relações
assalariadas de produção, visando sempre maior lucro.
 
Em seu início, na primeira fase capitalista, a classe social que detinha os
meios de produção era a burguesia, e os trabalhadores eram chamados de
proletariados. Apesar de não serem escravos nem servos, o proletário via-se
às voltas com um verdadeiro “exército de reserva”, ou seja, uma profunda
concorrência entre aqueles que também precisavam sobreviver em uma
realidade tão dura. As demais fases do capitalismo são chamadas de
comercial, industrial e financeiro, ainda em vigência nos dias atuais.
Você não deve esquecer que o modo de produção capitalista não é linear,
mas os países sofrem seus processos de forma particular e em seu próprio
ritmo. A concorrência e a busca pelo lucro continuam sendo uma máxima
capitalista, e os empresários e profissionais donos do meio de produção
ainda fazem uma mesma pergunta: de que forma posso lucrar mais gastando
o mínimo possível? Durante séculos, os direitos trabalhistas foram ignorados,
pois o poder sempre pendia para o lado do patrão. Porém, graças à
militância, greves e lutas, os direitos trabalhistas foram conquistados ao
redor do mundo, o que não quer dizer que não existam casos análogos a
escravidão ainda nos dias atuais. Não há um modo de produção ideal, pois
mesmo que se considere este ou aquele menos desigual é necessário
permanecer fiscalizando em prol de uma sociedade mais equilibrada. O
trabalho deve ser pensado de forma crítica, não mais mecanizada ou
manipulada, e é o que vamos ver a seguir. 
1.4.3 Pensando o trabalho criticamente
Na atual fase do modo de produção capitalista, ainda é muito presente a
pressão pela escolha de uma profissão que traga retorno financeiro e
imediato, porém, um jovem, ao escolher sua profissão, não deve fazê-lo
simplesmente pelo lucro, mas deve entender que a profissão que escolher
significará alterar a sociedade em que vive.
Um conceito básico para refletirmos sobre o trabalho atual é o de autonomia.
Ser autônomo significa pensar por si, não se deixar alienar pelo resultado de
um trabalho que você nunca terá acesso. é se perceber participante de toda
uma lógica social, e que ao alterara natureza para sua própria sobrevivência,
tudo ao seu redor consequentemente muda, não somente em termos
econômicos.
Conceitos como consciência ambiental, trabalho humanizado e
responsabilidade social devem estar na pauta de grandes empresas, que
nem sempre agiram assim pelo curso da história. A atualidade traz consigo
novos e importantes desafios e você acompanhará essas novas consciências
melhor nos próximos capítulos. Desde o surgimento do capitalismo, o lucro é
o que mais se busca por parte de quem detém os meios de produção, mas há
mecanismos que emergem da própria sociedade civil que regulamentam o
trabalho para que ele não seja degradante.   É importante que novas
consciências e direitos surjam para que o trabalho tenha cada vez mais um
significado positivo, para o mercado, mas, principalmente, para os
trabalhadores. 
Síntese
Concluímos o primeiro capítulo da disciplina. Agora, já podemos refletir sobre
as questões sociais que muitas vezes passavam despercebidas. Você pôde
entender que a sociologia pode te oferecer as ferramentas para observar a
realidade com outro olhar, o científico. 
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
refletir sobre o debate entre indivíduo e consciência coletiva em diferentes
perspectivas;
analisar como a exclusão social é uma realidade no Brasil ainda na
atualidade, principalmente para as matrizes étnicas que formaram nosso
país: indígenas e afro-brasileiros;
observar os mecanismos legais que garantem a preservação cultural e
identitária desses povos;
refletir sobre o papel das instituições sociais na vida do indivíduo, como
família, escola e instituições religiosas;
entender o conceito de Estado, seus mecanismos de poder e sua divisão;
aprender sobre o conceito de trabalho e sua evolução através dos tempos,
assim como as relações entre os homens. 
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DESENVOLVIMENTO HUMANO
E SOCIAL
CAPÍTULO 2 - DESENVOLVIMENTO,
CAPITALISMO E TERRA: A PRODUÇÃO
NA ERA GLOBAL PRECARIZA O
TRABALHO?
Marcone Costa Cerqueira
 
INICIAR
Introdução
A dinamicidade com a qual o sistema capitalista se adapta às crises e se
autorreestrutura torna o processo produtivo cada vez mais dependente de
novas tecnologias e de mão de obra mais qualificada. Conforme a tecnologia
avança, principalmente por meio da automação, a força de trabalho humana
se torna dispensável? Essa alteração no processo produtivo impulsionou uma
exponencial capacidade de se alcançar níveis cada vez maiores de produção
e, assim, alcançar também um mercado maior de consumidores.
A globalização só poderia ser possível por conta dessa alteração no processo
produtivo, com cifras jamais imaginadas a partir dos processos antigos de
produção? Nesse contexto, a questão se torna o papel do trabalhador, que
traz inúmeros reflexos na organização político-social, em especial, nos
grandes centros urbanos.
Ao analisar a questão do campo, nos questionamos sobre como a produção
agrícola sofreu o impacto da revolução tecnológica dos processos
produtivos? Sabemos que o agronegócio é impulsionado pela automação de
várias partes da produção no campo, da semeadura até a colheita. E que a
produção agrícola também gera impactos no quadro social, principalmente
nas classes menos favorecidas como o campesinato, os povos indígenas e as
comunidades quilombolas.
Neste capítulo, vamos abordar essas questões para compreender o
desenvolvimento humano e a organização social atual. Vamos entender os
reflexos da tecnologia produtiva no cenário social, compreender o problema
das políticas econômicas que direcionam a atual organização produtiva e sua
inserção na organização político-social. E também vamos estudar a questão
agrária a partir das políticas de organização e a temática social de
reconhecimento e garantia dos direitos dos povos originários e quilombolas.
Acompanhe com atenção e bons estudos! 
2.1 Trabalho, sociedade e economia - II
No moderno processo de produção, a tecnologia alcançou extrema importância.
No entanto, as consequências desta realidade são sentidas em todos os âmbitos
da organização social. Lançando nossa atenção para os paradoxos advindos desse
processo, vemos ao mesmo tempo uma alavancagem nas formas de organização
da produção e um aumento da desigualdade social nos grandes centros urbanos.
Tal paradoxo não se dá apenas em termos regionais ou locais, a produção cada vez
mais automatizada é a impulsionadora da formação de um mercado global. Dessa
forma, países mais ricos contrastam com países onde a pobreza é extrema. Nos
grandes centros urbanos, podemos ver bairros com enormes mansões ao lado de
comunidades com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) comparável ao de
países pobres da África. A partir desse cenário, vamos tratar da questão da
tecnologia no processo produtivo, sua importância para a globalização e seus
reflexos nas expressões das diversas questões sociais.
2.1.1 As constantes “revoluções industriais” e o processo
autodestrutivo da tecnologia
Ao pensar sobre a história humana no decorrer dos séculos, vemos um enorme
esforço do homem em moldar a natureza, modificá-la e extrair o necessário para a
sua sobrevivência e segurança. Por muito tempo, esse esforço dependeu somente
da força física empreendida no trabalho e na utilização de tração animal. O que
mudou o quadro de esforço primitivo foi a utilização de máquinas alimentadas por
fontes diversas de energia.
Desde as rodas d’água, passando por moinhos, até o advento das máquinas a
vapor, o homem tem aperfeiçoado a forma de se beneficiar da energia de fontes
da natureza para potencializar seu trabalho. A chamada RevoluçãoIndustrial,
ocorrida no final do século XVIII e início do século XIX na Europa, foi uma
importante etapa nesse processo. O maquinário movido pela energia a vapor
transformou a rústica produção artesanal em dinâmica produção industrial.
O processo de aperfeiçoamento do uso de maquinários determina um tipo de
evolução tecnológica, ou seja, a busca de tecnologias modernas e capazes de
aumentar a produção industrial tem tornado o processo produtivo uma corrida
determinada pela inovação.
“O passar da invenção de um novo produto ou processo para a sua utilização
comercial é chamado inovação” (SANTOS, 1987, p. 17). Dessa forma, uma nova
tecnologia, seja no processo de produção ou de uso pessoal, tem a característica
de se tornar obsoleta, ou pelo menos, ultrapassada, em relação à tecnologia
anterior, o que altera a própria relação de produção e a concorrência entre as
empresas. Para compreender a evolução dos processos produtivos e das crises
pelas quais o capitalismo passava, Schumpeter (1997) propôs que os ciclos de
altos e baixos existentes no processo de produção capitalista e suas subsequentes
crises estavam diretamente relacionados à alternância de tecnologias utilizadas
na produção. 
Por essa perspectiva, quem tem o melhor maquinário e a tecnologia mais
avançada tem condições para uma melhor produção, proporcionando diminuição
nos custos e uma baixa nos preços finais do produto, o que, obviamente, deixa o
produto mais competitivo no mercado. Essa lógica de competição na inovação do
processo produtivo por meio da evolução tecnológica cria as constantes
revoluções industriais. 
Figura 1 - A inovação tecnológica e sua implementação é o fator
primordial para a modernização da produção no capitalismo. Fonte:
Olivier Le Moal, Shutterstock, 2018.
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A obra “Teoria do desenvolvimento econômico” (SCHUMPETER, 1997) trata
de maneira ampla a questão do desenvolvimento nos primeiros ciclos do
capitalismo industrial. A percepção é a de que o cerne da capacidade de
evolução do processo capitalista é exatamente a possibilidade de se criar
infinitamente novas tecnologias, sendo as antigas tornadas obsoletas.
Isso é a marca do moderno modo de produção capitalista, no qual novos
processos de produção e novas fontes de energia estão constantemente sendo
buscadas. Com esse cenário, vemos surgir o fenômeno da globalização, a inovação
tecnológica não só impulsiona o processo produtivo como também permite uma
maior distribuição dos produtos e a interação nos mercados do mundo inteiro.
Vamos tratar desse tema no próximo item. 
2.1.2 Globalização e processo produtivo: o mundo é uma grande
indústria
Sabemos que uma das bases do modo de produção capitalista é o excedente de
produção, ou seja, a possibilidade de produzir mais, tendo menos custos para
acumular lucro e capital. Para que isso funcione, é necessário ‘escoar’ o excedente
de produção, alcançar mercados consumidores que possam absorver a produção
dos produtos e, assim, gerar o ciclo econômico que alimenta o próprio processo
produtivo. A partir dessa lógica, quanto mais diversificado for o mercado
consumidor, mais chances o produtor tem de ‘escoar’ sua produção, gerando mais
capital e possibilitando o aumento no próprio fluxo de produção. 
VOCÊ QUER LER?
Quanto mais avançada a tecnologia de produção, maior é a capacidade produtiva
e as empresas têm necessidade de expandir seus negócios para além dos
mercados locais, geograficamente próximos, pois eles não são mais suficientes
para absorver toda a produção. Então, parte-se para a busca de mercados
estrangeiros como um fator de alavancagem para o aumento dos lucros. 
Essa busca ligou os diversos mercados consumidores, em países diferentes,
proporcionando a chamada globalização de mercado. No entanto, o processo de
globalização vai além da lógica de se produzir em um país e consumir em outro.
Podemos afirmar que a globalização é um fenômeno político-econômico, uma vez
que interfere não somente no quadro financeiro dos grandes centros urbanos, mas
também na organização social. Nesse sentido, a globalização não se vincula
apenas ao processo produtivo, mas também a um processo ideológico-cultural
que dá substrato à formação de mercados consumidores. Sklair (1995) nos aponta
que:
Figura 2 - A globalização proporciona o aumento nas relações financeiras
entre os diversos países, eliminando as dificuldades causadas pelos
limites geográficos. Fonte: EM Karuna, Shutterstock, 2018.
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a criação de necessidades depende de estruturas e dinâmicas de camadas
múltiplas que fazem a conexão das características individuais do
consumidor com os processos que operam em nível social. O sistema
capitalista global propaga uma cultura e uma ideologia do consumismo
integradas através da manipulação das necessidades de consumo já
existentes e da criação de novas necessidades (SKLAIR, 1995, p. 98). 
A globalização, portanto, gera demandas de consumo que na verdade são
direcionadas pelas necessidades induzidas pelas grandes indústrias ao
inserirem seus produtos em um novo mercado. Esse processo também inclui
a ampla divisão da produção, ou seja, grandes indústrias multinacionais
implantam suas fábricas em diferentes regiões ou países, utilizando mão de
obra mais barata, criando pontos estratégicos de produção para escoamento,
gerando,assim, a possibilidade de aumento dos lucros. Por exemplo, uma
montadora multinacional europeia de veículos automotores pode produzir
seus motores e peças em um país europeu, mas ter uma linha de montagem
em um país asiático, e a comercialização do automóvel ser feita em outro
continente.
Esse formato de divisão internacional da produção transforma o planeta em
um grande conglomerado industrial, interligado para atender à demanda de
mercados globalizados.
Com isso, há o impacto gerado na organização político-econômica dos
grandes centros urbanos, principalmente em relação ao trabalhador. Esse é o
nosso ponto de estudo a seguir.
2.1.3 O trabalhador frente à globalização da produção
A evolução dos processos produtivos ocorrida nas últimas décadas nos leva a
pensar na condição do trabalhador e nas consequências da globalização da
produção em relação à vida dos indivíduos nos grandes centros urbanos. O
processo que o capitalismo tem percorrido nos últimos 100 anos vem
transformando as relações de trabalho e a forma como o trabalhador é inserido no
sistema. Em sentido amplo, as contradições sociais geradas pelo processo de
produção capitalista se aprofundaram, com o sentido de obsolescência que
passou a afetar a mão de obra humana nos processos produtivos cada vez mais
mecanizados.
Com a constante inovação tecnológica dos processos de produção,
principalmente proporcionadas pela automação e gestão integrada de máquinas,
a mão de obra foi sendo reduzida na linha de produção.
Como consequência da mecanização, o contingente de trabalhadores
desempregados foi aumentando, os postos de trabalho foram mudando e para
esses novos postos, a mão de obra convencional não é considerada mais
qualificada. Como a maioria desses trabalhadores pertence às classes sociais mais
vulneráveis e proveem uma importante parte do sustento de suas famílias, temos
aqui um grande impacto na realidade social. Observe como os reflexos da
inovação tecnológica refletem na realidade político-econômica, ao considerarmos
a questão social do desemprego. Vemos também que o processo de globalização,
tanto da produção quanto da comercialização, também influencia diretamente a
questão social em uma cadeia. 
Figura 3 - A automação dos processos de produção é um dos fatores de
aumento nos lucros, uma vez que diminui a necessidade de mão de obra
humana. Fonte: archetype, Shutterstock, 2018.
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As maiores empregadoras são as grandes indústrias multinacionais que possuem
tecnologia mais avançada e competitividade, porém estão reduzindo seus
quadros de funcionários, justamente por adquirirem tecnologia mais autônoma.
Por outro lado, essas multinacionaistornam a concorrência insustentável para
indústrias pequenas e de médio porte, que ao fecharem as portas, dispensam
milhares de funcionários, contribuindo para o aumento de trabalhadores
desempregados. 
As multinacionais, em geral, buscam estabelecer seus pátios de produção em
países onde a mão de obra é mais barata e o escoamento por meio de portos é
mais fácil. No entanto, a riqueza gerada pela produção é, muitas vezes,
direcionada para suas sedes localizadas nos países desenvolvidos. Dessa forma, a
globalização da produção em muitos casos não contribui para o desenvolvimento
político-econômico dos países subdesenvolvidos nos quais as multinacionais se
instalam.
Na realidade, esse cenário de competitividade entre as empresas e o excesso de
mão de obra ociosa, acaba por criar subempregos, ou seja, situações nas quais o
trabalhador aceita receber pouco, ou trabalha apenas algumas horas por dia ou
semana, ou ainda trabalha sem direitos garantidos. É preciso entender que dentro
do processo produtivo, da matéria-prima até o produto final, o que gera riqueza é
a manufatura do produto, sua construção enquanto bem de consumo. Sendo
assim, os empregos gerados nos demais setores da cadeia econômica, tais como
de serviços e vendas, por exemplo, são dependentes desse elo inicial da cadeia.
Todo o arranjo político-econômico tem o Estado, suas agências reguladoras e de
assistência social como fontes de regulação que atuam desde as leis sobre
produção, importação, exportação e comercialização, até o que os trabalhadores,
empregados ou não, recebem do poder público. 
Com isso, vamos agora discutir a questão das políticas econômicas e suas
implicações.
2.2 Trabalho, sociedade e economia -
III
Como vimos, o processo produtivo desenvolvido pelo modo de produção
capitalista gerou inúmeras mudanças políticas e econômicas, como os avanços
tecnológicos e as desigualdades sociais em países menos desenvolvidos. As
políticas públicas de regulação do setor produtivo e do comércio procuram
diminuir os impactos de tais questões na vida social dos indivíduos,
principalmente os que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social.
Diante disso, é preciso entender qual é o direcionamento político hegemônico no
mundo atualmente e quais suas diretrizes para a questão econômica e social. É
necessário ainda compreender como se formam os blocos econômicos entre os
diversos países e suas influências nos demais. Vamos entender esses pontos a
seguir.
2.2.1 Do liberalismo ao neoliberalismo: as políticas econômicas
hegemônicas
Ao estabelecer uma discussão sobre a questão da produção nos moldes do
capitalismo moderno, é preciso pensar nas questões políticas que dão substrato a
essa realidade. Os países chamados desenvolvidos, nos quais a produção
industrial é vigorosa, possuem políticas de governo que se pautam pelas
necessidades produtivas das grandes empresas. Na realidade, esse processo não é
novo, pois surgiu antes mesmo da Revolução Industrial. 
Podemos entender isso com as teorias políticas mais alinhadas à produção
capitalista, que surgem após a Revolução Industrial. Uma delas, a teoria do
liberalismo econômico, cujo principal autor é Adam Smith, defende que o Estado,
enquanto ente político, não deve interferir nas relações econômicas. A economia é
regulada por uma espécie de ‘mão invisível’, equilibrada pelos interesses destes
mesmos indivíduos em sustentar as relações econômicas (SMITH, 1996). Ao Estado
cabe proteger a posse privada e criar leis que regulem as relações econômicas.
A teoria do liberalismo econômico se tornou a base do capitalismo industrial,
alinhado à compreensão do que seria uma organização política ideal para o
desenvolvimento do comércio e da riqueza das nações. 
Devemos lembrar que essa é uma questão ideológica, na qual o sistema capitalista
defende um entendimento político que privilegie sua livre atuação, independente
das questões sociais. 
No século XX, o que vemos é um neoliberalismo político-econômico, derivado do
liberalismo clássico, e mais alinhado aos interesses das classes dominantes
capitalistas e das grandes empresas. Esse pensamento político-econômico se
tornou hegemônico dentro do moderno cenário globalizado, serve de diretriz para
muitos países desenvolvidos e, inclusive, subdesenvolvidos. Essa posição
relacionada também aos países subdesenvolvidos, muitos com economia mista,
foi defendida pelo chamado Consenso de Washington, apoiado pelo FMI e pelo
Banco Mundial de que “não existe país subdesenvolvido, mas apenas país
malcomportado. Ou seja, país que não obedece aos preceitos do neoliberalismo.
Desregulamentada, privatizada e aberta a economia, basta o Estado cruzar os
braços para que estimule o desenvolvimento” (Magalhães, 2000, p. 17). 
Aqui, percebemos que o Estado não deve, nem mesmo, intervir nas questões
relativas às instituições sociais básicas, tais como educação, saúde, moradia,
transportes. Tudo isso deve ficar a cargo da iniciativa privada, até mesmo a
produção de energia, abastecimento e comércio. Assim, qualquer investimento do
Estado em políticas públicas limita a iniciativa privada, onera a máquina pública e
causa o subdesenvolvimento político e econômico. É uma ideologia político-
econômica que nega a luta de classes e as desigualdades sociais, enquanto
problemas do Estado, e privilegia, exclusivamente, a ação do grande capital. 
No próximo tópico, vamos entender como essa ideologia influencia a organização
global do comércio. 
2.2.2 A globalização do mercado e as livres áreas de comércio: U.E,
Mercosul e Na�a
Na dinâmica de interação entre países produtores e consumidores, países mais
desenvolvidos e os menos desenvolvidos, vigora a mesma lógica neoliberal que
influencia a política interna de muitos dos países industrializados do mundo.
Significa que é hegemônica a visão de que é necessário deixar “livre” o mercado
para que se autorregule e para que a competição entre as empresas crie o arranjo
necessário para o desenvolvimento econômico. 
Por esse prisma, percebemos qual é a lógica por trás da criação de áreas de livre
comércio. Essas áreas tendem a deixar as relações econômicas entre mercados
internos de diversos países menos restritas, facilitando a importação e exportação
de bens de consumos, serviços e demais produtos comercializáveis, e isso ocorre
por meio da diminuição de taxas de importação e restrições nas tributações
financeiras de movimentação. De certo modo, esse processo aumenta a
concorrência interna no mercado econômico dos países integrantes da área de
livre comércio, privilegiando as grandes indústrias e empresas que apresentam
produtos mais competitivos. 
CASO
Em um determinado país, vamos chamá-lo de X,
existem determinadas leis trabalhistas que limitam a
ação de rotatividade da mão de obra, determinam
regras para o comércio de produtos importados e
Figura 4 - A busca do livre comércio entre os vários mercados internos e
externos é o objetivo da formação dos chamados ‘blocos econômicos’.
Fonte: chombosan, Shutterstock, 2018.
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mantêm sob poder do Estado as principais decisões
sobre questões econômicas. O país Y deseja implantar
uma fábrica no país X, e o prepara para receber seus
produtos. No entanto, as barreiras impostas pelo país X
são, no entendimento da empresa Y, demasiadas para
sua expectativa de lucros. Isso representa um obstáculo
para a interação comercial e inviabiliza, em grande
parte, o processo de globalização comercial.
Existem diversas áreas de livre comércio ao redor do mundo, muitas delas
baseadas em acordos bilaterais entre dois ou mais países. Há três áreas, em três
continentes, que se destacam. A União Europeia, na Europa, que se tornou uma
área de livre comércio, com abrangência também na interação entre instituições
educacionais, turismo e demais setores. Na América Latina, o Mercosul, área de
livre comércio que visa integrar vários países deste continente. Já na América
Central e do Norte, há o Na�a, acordo econômico entre México, Canadá e Estado
Unidos.
Todas essasáreas de comércio visam proporcionar uma ampliação de mercado
para suas empresas internas, seguindo uma lógica de abertura de mercado e
diminuição nas restrições econômicas sobre a comercialização de produtos e
serviços.
 “O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI” (FRIEDMAN, 2014)
apresenta de forma clara, e amplamente embasada, a maneira como o
processo de globalização da economia tem aproximado as diversas culturas.
Ao chamar a atenção para o surgimento desse processo, o autor o
demonstra ser um processo inevitável e sem volta. 
VOCÊ QUER LER?
Como vimos, a visão neoliberal de comércio prega a doutrina do chamado ‘Estado
mínimo”, que tem sido hegemônica.  No entanto, é imprescindível pensar a
questão social a partir dessa lógica de mercado, e para isso, vamos, a seguir,
entender melhor a distribuição de renda.  
2.2.3 Dos mais pobres aos mais ricos: a questão social frente à
distribuição de renda
A lógica político-econômica do neoliberalismo pode até ser hegemônica dentre os
países capitalistas, mas mesmo assim, a sociedade não é homogênea, pois não
estão todos na mesma condição de disputa social pela subsistência e pela
aquisição de bens de consumo e serviços.
A renda gerada pela produção de riquezas se concentra na mão de uma minoria
que controla os meios de produção ou dos capitais financeiros que não produzem
bens de consumo, mas lucram com a especulação econômica. Já a maior parte da
população, depende de sua força de trabalho e da disponibilidade de empregos
para se sustentar.
O tema da desigualdade social, principalmente a extrema pobreza de
pessoas que subsistem com aquilo que é descartado pela sociedade, é tema
do documentário Ilha das Flores (FURTADO, 1989). Ele busca mostrar os
traços da desigualdade social desde a produção até o descarte dos produtos,
mostrando uma cadeia social que exprime bem as contradições do sistema
capitalista.
Observe aqui que esse cenário opõe duas ideias: a do Estado Liberal, ou de
‘meritocracia’, que beneficia a minoria e quer o máximo de independência, e o
chamado Estado de ‘bem-estar social’, que supre as necessidades da maioria
da população.
VOCÊ QUER VER?
Dentro do chamado Estado de bem-estar social, os indivíduos em situação
de risco social são atendidos pelas políticas públicas assistenciais, em todas
as áreas. O Estado de bem-estar social ganhou força após a Segunda Guerra
Mundial, principalmente por conta do enfraquecimento do liberalismo e pela
devastação causada pelo conflito. 
Após meados de década de 1970, houve um novo fortalecimento do Estado
Liberal, ou neoliberal, principalmente a partir das políticas da Inglaterra e dos
Estados Unidos. Segundo Santos (1987), o capitalismo consegue impor sua
lógica de Estado mínimo e disputa livre de comércio quando não há uma
crise prolongada ou quando não há uma situação de desemprego em massa.
No entanto, em vista das crises prolongadas e dos momentos de extremo
desemprego ou arrefecimento da economia, o capitalismo conta com o
Estado de bem-estar social para solucionar os problemas surgidos na
condição de manutenção da força de trabalho, o trabalhador que depende da
política assistencial do Estado para manter sua subsistência básica.
Figura 5 - O Estado de bem-estar social visa fornecer assistência em
diversas áreas aos indivíduos em situação de risco social. Fonte: addkm,
Shutterstock, 2018.
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Em vista disso, é preciso pensar um Estado que possa direcionar os recursos
necessários para a assistência social aos indivíduos em situação de risco
social, dando também condições de mercado para o fortalecimento de
empresas nacionais que gerem emprego, mas que não submeta a geração de
riqueza aos interesses do grande capital estrangeiro. Esse quadro de
globalização da economia e disputa das classes menos favorecidas pela
subsistência não se dá apenas no cenário urbano, mas ocorre também no
âmbito agrário. Vamos nos deter na análise da questão agrária no próximo
tópico.
2.3 O desenvolvimento humano social
no Brasil: a questão da terra - I
Ao analisar a história de exploração e disputa de terras e riquezas que envolve o
Brasil, podemos vislumbrar a complexidade e assimetria desse processo. É preciso
entender como se organizou a divisão das terras, seus problemas sociais e
políticos que ainda hoje reverberam na organização rural e urbana do país.
Essas questões serão nosso objeto de estudo e análise neste tópico, por isso,
vamos abordá-las de maneira crítica, buscando compreender os meandros
constitutivos da questão agrária no Brasil.
2.3.1 Propriedade agrária no Brasil: das capitanias aos grandes
latifúndios
Durante sua história recente, enquanto colônia de exploração, a ocupação do
Brasil foi não foi por vias de uma divisão igualitária das terras. A primeira divisão
de terras visava prover riquezas para a metrópole, Portugal, em forma de
matérias-primas vegetais e minerais.
O processo começou de forma gradual nas faixas litorâneas do país e se ampliando
para dentro da região ainda inóspita do interior. Essas primeiras faixas de terra
destinadas aos indivíduos indicados pela coroa de Portugal, para serem
mandatários, eram chamadas de capitanias hereditárias. O que nos interessa
compreender é que essa lógica de apropriação da terra é uma lógica de
dominação de poucos sobre muitos. Uma estrutura de poder social que já vinha
delineada dos resquícios feudais que ainda se perpetuavam nas práticas de
dominação e exploração social.
VOCÊ SABIA?
A maioria dos países chamados ‘subdesenvolvidos’ hoje
partilham o mesmo passado colonial, ou seja, foram colônias
de grandes nações mercantilistas, ou até pouco tempo, de
nações industrializadas. Isso os fez atrasar o processo de
implantação industrial e criou uma dependência político-
econômica em relação aos países chamados ‘desenvolvidos’
(SINGER, 1988).
Essa lógica de apropriação e exploração da terra, por meio de estruturas
sociais de dominação, se manteve por praticamente todo o processo de
expansão das áreas de ocupação nas terras ainda não desbravadas. A posse
da terra pelos europeus se deu junto com a submissão forçada dos povos
indígenas e africanos.
Com o fim da escravidão, as mudanças políticas no Brasil e o início acanhado
da industrialização, a apropriação da terra passou a ser feita por pressão
econômica.
Os proprietários de grandes áreas de terra forçavam pequenos produtores e
arrendatários a venderem suas terras por preços insignificantes, ou levava-os
a perderem suas posses por meios fraudulentos. Essas práticas mascaravam
um processo inescrupuloso com aparências de aquisição válida.
Os grandes latifúndios que marcaram o período áureo da produção agrícola e
da pecuária no país, antes da industrialização, traziam em suas gêneses os
traços de uma dominação social, econômica e política, uma vez que os
grandes produtores influenciavam diretamente a política.
Na esteira desse processo desigual e violento, foi se formando uma questão
social que não se esgotaria com o fortalecimento da industrialização. Na
realidade, a questão agrária ganha força exatamente a partir do momento em
que os grandes produtores rurais, latifundiários, começam a perder força e
influência política para a elite burguesa industrial. Nesse sentido, podemos
dizer que as disputas agrárias começam a se tornar um ponto de inflexão
social a partir da década de 1930, não só no Brasil, mas em todo o
continente sul-americano. Os governos tiveram que responder à tensão
crescente no campo, traçando política para essa área e delimitando regras e
diretrizes para a ocupação da terra. A discussão da reforma agrária,
enquanto tentativa de reverter, ou ao menos diminuir, a desigualdade no
campo, passou a ser um ponto de análise do poder público. Em vista disso,
vamos tratar a questão no próximo item.
2.3.2 A reforma agrária como problema social e político
Quando falamos em problema social e político, de certa forma, estamos
separando dois âmbitos distintos que se coadunam na composição do tecido
sociopolítico. Indicamos, então, que existe

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