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ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. As dobras do dizer: Da (im) possibilidade da história oral. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru: Edusc, 2007. “Talvez seja necessário iniciar estas palavras pedindo silêncio. Silêncio que permite o som, que permite a voz fazer sentido. Silêncio para que se fale um texto escrito e para que se faça uma reflexão sobre a relação de complementaridade e distanciamento que há entre texto, escritura e fala, voz, oralidade. Silêncio para falar de um processo de silenciamento, aquele que no Ocidente moderno nasceu do trabalho das instituições e aparelhos escrituarísticos, que isolaram o ‘povo’ e silenciaram suas ‘vozes’. Silêncio para falar da História, uma história que se diz oral, mas que se faz por escrito. Silêncio, pois, para falar, talvez, de uma impossibilidade, desta impossibilidade, a de fazer história oral sob o império da sociedade escrituarística” (p. 229). “O oral não deve ser oposto dicotomicamente ao escrito, como duas realidades distintas e distantes, mas como formas plurais que se contaminam permanentemente, pois haverá sempre um traço de oralidade riscando a escritura e as falas sempre carregarão pedaços de textos” (p. 230). “Dos anos 1950 em diante, emerge um novo populismo, aquele que busca na ‘cultura popular’, no ‘povo’, os rastros da revolução, do descontentamento, da resistência ao poder e ao capital. O povo deixa de ser visto como tradicionalista, do espírito regional, do caráter local, para ser visto como portador de falas dissidentes, de interpretações alternativas da cultura e da sociedade, como portador de uma inconsciente experiência libertária, contestatória, rebelde. Agora, como antes, trata-se de colocar nas mãos do profissional da escritura, do intelectual, de preferência o orgânico, de vanguarda, o universal, a tarefa de resgatar estas vozes perdidas, estes discursos dissidentes, de fazer falar novamente estas vozes vencidas, submetidas ao silêncio da dominação de classe e da (p. 231) censura do Estado e da ciência burguesa” (p. 232). “Mas a torturante questão que se colocava então e ainda se coloca para nós historiadores, quando tentamos ouvir as vozes do ‘povo’, as vozes do ‘passado’, é que estas nos chegam por escrito, censuradas de toda a teatralidade que os saberes orais implicam. Estas vozes nos chegam sem corpo, estas falas nos chegam sem gestos, estas narrativas nos chegam amputadas de rostos, de ritos, de sinais, de mímicas, de suores, de cheiros e toques. Estas vozes nos chegam traduzidas pelas instituições e pelos aparelhos de poder e de escrita” (p. 232). “Dos anos 1970 para cá, estas diabolices pareciam finalmente ter chegado ao fim. Os historiadores descobrem o gravador e se dão conta de que podem escutar pessoas vivas, afinal os antropólogos já faziam isso há um século. O povo pode ser encarado, suas vozes podem ser registradas e, finalmente, circular no espaço sagrado da Universidade” (p. 232). “Consolo-me, no entanto, já que o entrevistado falou livremente a partir do roteiro que levei. Ele narrou sua história de vida. Mas será que o meu roteiro não interferiu na sua fala? Não a fabricou de certa maneira? Será que ele não preparou uma versão de sua adequada àquela que ele acha ser a minha expectativa? Se a fala foi produzida num momento de interação comigo, eu não estarei implicado nesta fala? E por que no texto que vou produzir devo fingir que não? Por que o historiador nunca aparece como personagem de fala de seus entrevistados, no máximo avisa que esteve lá na introdução do trabalho, confessa até que chorou, que se emocionou, mas depois nada disso tem implicação em seu texto? Depois de dias de conversa com os entrevistados, fabricando suas fontes, o historiador retira-se para seu gabinete e se faz novamente silêncio ao seu redor, até as crianças devem ser mandadas ao colégio, seu corpo se retira para a margem do texto que está sendo produzido, as memórias parcimoniosamente vão sendo introduzidas na escritura, torturadas pelo método, sobreditas pelos conceitos, recortadas pelas citações, ressignificadas pelo método, sobreditas pelos conceitos, recortadas pelas citações, ressignificadas pelo contexto de inscrição, violadas pelas regras de produção do saber acadêmico. Resta, no fim um vagido daquela fala conquistada a golpes de questionários; capturada, agora, magneticamente; domada pela escritura e suas regras; censurada pelas regras acadêmicas. No final, a reafirmação do poder do que escrevem, dos que dominam a escrita sobre os que apenas falam, os que apenas verbalizam seus conhecimentos, suas experiências. A História é mais um artefato que reafirma a dominação dos que escrevem sobre os que falam. Embora esteja hoje aberta aos perigos da fala, aos perigosos que falam e falaram no e sobre o passado, continua fechada a possibilidade de violação de suas regras, apegada que está ao fato de que é um saber por escrito” (p. 233). “Indefinida entre uma técnica, um método, uma postura teórica no campo da historiografia, a história oral faz de sua (in)definição ou de (im)possibilidade o seu charme, o seu encanto, a sua produtividade” (p. 234).
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