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A revolução industrial - Jose Jobson de Andrade Arruda

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O mátodo júnguiano
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Estrutura da personslidads
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- O Sist6mà lntêrnacionrl
do Lrnidad.s
Romeu C Rochê Filho
Linguâgem ê ideologia
Conlrontos 6 contrastôs
Fláv a d€ BaÍos Carone
Ernost H6mingway
Ju ian Nazar o
NoÍma Musco Mendes
P€squisa da mcrcâdo
MâÍina RuitêÍ 6
SerióÍio Augusto de Abreu
Burgu.sia e capiialismo no
B.â3il
Anlonro Cêr os Mazzeo
Sistemss dê comunicaçáo
Evolução biolôEic.
- Controvársiâ3
Celso Pledemonte de Lima
Pedro Pêulo Abr6u Funar
À,4aíia Coel Cãmp€dêll I
Raquel Rapone Gâ dzlnsk
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Beniamin Abdala Junlor
SamiÍa YousseÍ CamPedelli
Preparação do toxlo
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CooÍdônaçáo do composlçáo
(P.oduçaolPlgln.çlo am Yid.o)
Nelde Hiíomi Toyota
CaPa
Ary Normanha
Antonio ublÍaiaÍa Domiêncio
rsBN 85 08 03082 7
1988
Todos os direitos ÍêsêÍvados
Editora Átice S.A. - Rua BeÍâo de lguape, 110Tel.: (PABX) 278.9322 - Calxa Postal 8656
End. TelegÍáÍico "BomlivÍo" - São Paulo
Sumário
1. O conceito de Revoluçáo lndustrial
O leque das explicações
Continuidade e ruptura
O lugar da Revoluçào Industrial
Corte e recorte
2. Capital mercantil e manufatura:
a precondiçâo
A preponderância do capital mercantil _24
As contradições da manufatura 27
As condições da superação 3l
3. Revoluçáo lnglesa e Revoluçâo lndustrial _tt
A nova estrutura do poder 33
A transformação agrária: os ceÍcâmentos _35
A conquista do mercado mundial 37
4. A grande transformação no processoprodutivo_39
Impasses teóricos: mercado e produção _39
A força do mercado interno 42
O papel decisivo do mercado externo _44
A transição da manufatura à maquinofatura _47
As duas vias de passagem 47
A introdução da máquina-ferramenta _4E
A revolução do processo produtivo
A transformaçâo do processo de trabalho _51
A questão das invenções e inovaçôes _54
A questão social e demográfica
A questão dos capitais
5. A grande transÍormaçâo social
As novas condições de vida
1
t
l3
t7
t9
u
í)
st
60
u
&
65A concentraçâo urbana e fabril
As condiçôes de vida nas fábricas
Os problemas imediatos da classe trabalhadora-
A reaçâo da classe trabalhadora
A luta contrâ as máquinas-
A Lei Speenhamland e o mercado de trabalho -Os movimentos luditas
O movimento Swing e o carlismo
A questão da consciência de claise
6. Gonclusão
7. Vocabulário crítico
8. Bibliografia comentada
óE
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74
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76
17
79
t2
t6
88
90
1
O conceito de
Revolução Industrial
Mesmo quando comparada à Revoluçâo Neolítica que
a antecedeu ou à "Revolução Energética" que se desenrolou
na esteira de suas transformações, até a propalada "Revolu-
ção Cibernetica" dos dias atuais, a Reyolz ção Induslrial foi
uma das mais importantes entre todas as revoluções verifica-
das no decurso do processo histórico. Isto porque transfor-
mou radicalmente a história mundial.
A industrializaçâo da Inglaterra no final do seculo XVIII
foi um fenômeno singular, unívoco. Trata-se de uma socie-
dade precocemente amadurecida para a assimilação do pro-
gresso técnico, processo este que se dá em condiçôes "capi-
talistas", plenamente realizado e isento de interferências por
parte de países previamente industrializados. Nestes teÍmos,
um exemplo ímpar e ao mesmo tempo clássico que nâo pode
erigir-se em "modelo" por esta mesma singularidade. Isto
é, nenhum outro processo de industrialização ulterior pode-
ria verificar-se nas mesmas condições.
A especificidade desta Revoluçâo Industrial tem que s€r
buscada no quadro mais amplo da formaçâo da sociedade
capitalista e, no plano mais restrito, das revoluçôes burgue-
sas do mundo ocidental. Neste prisma, a Revoluçâo [ndus-
t
trial é o complemento direto da Revolução Inglesa do século
XVII, que cria as condiçôes básicas para a eclosão do ma-
quinismo no final do seculo XVIII, consolidando a ideia de
Revolução lnglesa como célula-mâe da Era das Revoluçôes
Burguesas, por destravar as forças produtivas rumo à Revo-
luçâo lndustrial. Lato sensu, a Revolução Industrial é a cul-
minância de um processo secular, com suas raízes fundidas
na crise do sistema feudal, que consolida o modo de produ-
ção capitalista, instaurando um sistema econômico-social,
com sua forma peculiar de Estado e ideologia específica. No
momento da Revoluçâo Industrial, cristaliza-se o capitalis-
mo e é nesta perspectiva que procutaremos delinear a eclo-
são da sociedade industrial, de modo a esubelecermos uma
relaçâo dialética entre a Revoluçâo [ndustrial e o capitalismo.
O leque das explicações
Arthur Young, em 1778, já falava de uma revoluçâo em
marcha. Até o século XVI[[ a expressão "revolução" era um
vocábulo da ciência astronômica. Claude Fohlen insiste que
a generalização do conceito é de origem francesa, citando o
jornal Moniteur Universel, de l7 de agosto de 1827, onde apa-
rece o título "Grande Revolution Industrielle". A pesquisa-
dora americana Anne Bezançon, no s€u artigo "The early use
of the term Industrial Revolution", p. 343-9, dedectou o uso
generalizado da palavra na segunda decada do seculo XIX,
na França. Foi, porém, entre os escritores socialistas da dé-
cada de 40 e, especialmente, em 1845, com a publicação por
Engels do livro A situação das classes trabalhadoras na In-
glaterra, que o termo adquiriu toda sua dimensão social da-
da a ênfase na emergência do proletariado industrial. De uma
forma mais generalizada, contudo, durante o seculo XIX, o
termo se definia mais por sua conotaçâo política do que
econômica.
9
No final do século XlX, a expressão deixou de ser utili-
zada esporadicamente, para se converter num tema central
à historiografia econômica. Em 1882, A. J. Toynbee, pro-
fessor da Universidade de Oxford, deu um curso sobre o te-
ma Lectures on the Industrial Revolution of the eighteenth
century in England, publicado posrumamente, em 1884. Ti-
nha início o debate em torno da Revolução Industrial de for-
ma mais acadêmica. Destaca o papel do aumento populacio-
nal, das transformações agrícolas, mas sobreleva a substitui-
ção das regulamentações típicas do sistema corporativo de
produção pela competição, sem a qual nenhum progresso po-
deria ser atingido. Uma explicação perfeitamente enquadra-
da no pensamento liberal. No mesmo ano de 1882, W. J. Ash-
ley centrava suas explicações no aumento populacional, re-
sultante das melhorias ocorridas na agricultura.
Esta mesma linha de explicações, que salientava o pa-
pel do crescimento demográfico na Revolução Industrial, te-
ve continuidade pelas decadas seguintes do século XX. Em
1932, E. Cilboy dctacava o crescimento populacional e a mo-
bilidade social aliados a uma alteração nos padrôes de con-
sumo, ao que A. H. John, em 1950, agregava as modifica-
ções na agricultura. P. Deane e W. E. Cole, em 1962, rejei-
tavam peremptoriamente o papel do comércio internacional
como promotor do desenvolvimento econômico, salientan-
do o papel do crescimento populacional e agrÍcola, no cres-
cimento industrial do século XVIII.
A ênfase no papel da agricultura é o tema centÍal dos
trabalhos de Paul Bairoch, especialmente no texto Reyolu-
ção Industrial e subdqenvolvimezÍo, onde estabelece uma re-
lação direta'entre os insutnos de ferro requeridos pela pro-
duçâo de arados e a dinamizaçâo industrial, ao mesmo tem-
po que explica os tropeçós àos países subdesenvolvidos no
plano da industrialização em virtude das características pe-
culiares de suas agriculturas.
As discussões em torno do papelda demoEafia e da agri-
cultura abriram novas perspectivas, que encaminharam o de-
l0
bate para a melhoria nos padrôes de consumo, que por sua
vez realçava a questão essencial da determinação dos salá-
rios reais, seu poder aquisitivo efetivo, a questão da poupança
e do investimento. Neste contexto, vinha à baila o problema
do proÍit inÍlatioz, ou seja, as possibilidades de ganho do ca-
pital ampliadas pela defasagem entre os salários pagos pelos
empresários e o custo das mercadorias produzidas, cujos pre-
ços eram inchados pela inflação, resultando numa margem
extra de sobrelucro apropriado pelos empresários. Tal me-
canismo econômico teorizâdo por Keynes foi utilizado em ter-
mos de aplicaçâo prática por J. H. Hamilton no estudo da
Revolução lndustrial do século XVIII.
Por outro lado, concomitantemente, corria outra linha
explicativa, já apontada por W. Cunningham, em 1882, se-
gundo a qual o avanço econômico da Inglaterra no século
XVIII se devia à expansão dos mercados e à acumulação de
capitais. Em 1905 surgia o clássico trabalho de Paul Man-
toux, la Révolution Industrielle au XVII siàcle. Essai sur
le commencement de la gronde industrie moderne en Angle'
terre, para quem a Revoluçâo Industrial foi um fenômeno
essencialmente comercial, tendo sido preparada e acompa-
nhada pela expansão do comércio e do crédito, sendo o sur-
gimento da maquinaria o resultado inevitável do desenvolvi-
mento comercial (op. cit., p. 117). Proposições estas reitera-
das em 1925 por W. Bowden, para o qual o século XVIII in-
glês se diferenciava do anterier, exatamente, pela maciça pro-
cura por mercadorias inglesas no plano do mercado interno
e externo, resultante do controle dos oceanos pelos ingleses.
Em 1931, A. Redford referendava estas afirmações, ao su-
gerir que a transformação tecnica foi a decorrência imediata
dos extensos mercados mundiais controlados pelo ingleses,
mercado este que E. Lipson, em 1949, matizou, definindo-o
em termos de mercado continental e colonial, especialmen-
te, America, África e Ásia.
Em 1963, P. Deane e H. J. Habakkuk rejeitavam dras-
ticamente o papel do crescimento populacional, das inova-
It
ções técnicas e do aumento da taxa de investimentos, como
promotores da Revolução Industrial, destacando o papel exer-
cido pelo comércio internacional como elemento dominan-
te. Se nos recordarmos que a mesma P. Deane, associada a
W. E. Cole, num texto de 1962, havia afirmado exatamenre
o contrário, concluímos não pela falta de firmeza na posição
dos debatedores, mas pela complexidade do fenômeno que
gera estas hesitações.
A tendência manifesta na historiografia era a eleição de
razões preponderantes, com uma alternativa, nâo menos di-
fundida, que era a somatória de todas as variáveis possiveis
e imagináveis. Exemplo bem característico desta rendência é
o pequeno, mas inquietante, livro de T. S. Ashton, de 1948,
para o qual "A conjugaçâo de oferta crescente de terra, tra-
balho e capital, tornou possível a expansâo da indústria; car-
vâo e vapor forneceram o combustÍvel e a energia para a pro-
duçâo manufatureira em larga escala; baixa taxa de juros,
alta de preços e elevada expectativa de lucro ofereceram in-
centivo. Mas atrfu e além destes fatores materiais e econô-
micos, estava algo mais. O comércio com o estrangeiro am-
pliou os horizontes humanos e a ciência a sua concepção do
universo: a Revoluçâo Industrial foi também uma revoluçâo
das idéias, em particular, a Riqueza das Nações inspirou no-
vas atitudes, e foi sob sua influência que a idéia de um volu-
me de comércio mais ou menos determinado, dirigido e re-
gulado pelo Estado, foi abandonada gradualmente e com mui-
tos retrocessos, em favor do progresso ilimitado numa eco-
nomia livre e expansionista" (The Industrial Revolution
1760-1830, p. 2l). O ecletismo de Ashton se completa de for-
ma cabal ao dizer: "Se procurarmos por um único fator em
funçâo do qual o passo do desenvolvimento econômico foi
acelerado na metade do século XVIII, seria para a baixa ta-
xa de juros pela qual o capiral poderia ser obtido que deve-
ríamos olhar"(ibidem). Nâo escapou, portanto, nem mesmo
a linha de interpretação ancagônica que procura realçar uma
t2
explicaçâo dominante. Interessante notar que esta forma de
abordagem aparece, recoÍrentemente, até mesmo em auto-
res com posição crítica em relação àrs interpretações mais tra-
dicionais, a exemplo de Valério Castronovo.
Segundo R. M. Hartwell, num preciso inventário das
"causas" da Rwolução Industrial, os historiadores e econo-
mistas identificaram uma imprecisa cadeia de fatores, mas
foram incapazes de determinar a impórtância relativa destas
forças, ou como elas operatam conj untamente num proces-
so de mudanças econômicas ("The causes of the Industrial
Revolution. An essay in methodology", p. l?9).
Uma terceira tendência veio juntar-se às anteriores, ou
seja, a tentativa, a nosso ver insuficiente para dar conta da
problemática, de dividir em fatores endógenos e exógenos as
condições determinantes da Revoluçâo Industrial. C. Fohlen
relaciona técnica e tecnologia, invenção e inovações, acumu-
laçâo de capital e investimentos e papel dos empresários co-
mo condicionantes inteÍnos; revolução agrícola, crescimen-
to populacional e ação do Estado, como determinantes ex-
ternos. Efetivamente, pouco resulta, pois tende a atomizar
o processo e, nestes tetmos, impede a apreensão da totalida-
de, único caminho pelo qual se poderia dar conta da ques-
tão. A mais, o que significa fatores internos e externos a um
determinado processo histórico? Se o crescimento populacio-
nal é considerado um fator externo, o trabalhador, essência
mesma deste crescimento, também o é?
A preocupaçâo dos economistas em estabelecer uma re-
lação entre a Revolução Industrial e o crescimento econômi-
co no mundo ocidental levou à utilização de conceitos cria-
dos pela moderna teoria econômica pÍua a tentativa de com-
preensão do processo de gestação industrial, daí resultando
as tentativas de equacionamento do problema em termos de
crescimento desequilibrado ot equilibrado. No primeiro ca-
so, um setor de ponta, dinâmico, ativa-se e aciona o restante
da economia, atraves de laços tradicionais e mecanismos de
l3
difusão técnica, que têm impacto geral sobre toda a econo-
mia. Um exemplo clássico seria a ativaçâo da indústria do
algodâo e seu impacto sobre o conjunto da economia ingle-
sa, acelerando o progresso técnico, a mineração, a siderur-
gia etc. No segundo caso, uma instituiçâo ou, mais propria-
mente, o Estado orientaria os investimentos em diferentes se-
tores da economia de modo a conseguir um crescimento equi-
librado.
Colocando-se estas questões, R. M. Hartwell pergunta
se, apesar da nâo ingerência do Estado inglês no processo de
industrialização, o crescimento econômico ali verificado no
século XVIII não teria sido equilibrado, considerando-se a
racionalização das atitudes sociais, participação crescente na
educação, disponibilidade de capitais, baixa taxa de juros,
flexibilidade no mecanismo de preços, suprimento de mão-
de-obra, de matéria-prima, melhores transportes e um certo
protecionismo às indristrias nascentes, tais como linho e seda.
Todas as dimensões até aqui analisadas não podem ser
consideradas como partes independentes e sim manifestaçôes
efetivas do próprio processo histórico, cujo núcleo precisa
ser captado numa dimensâo que não se reduza ao econômi-
co, mas que englobe a estrutura da sociedade na sua mais am-
pla significação. Nestes termos, sobreleva o papel da Revo-
luçâo lnglesa do século XVII, na preparaçâo dos pré-
requisitos fundamentais para a industrializaçâo. O equacio-
namento do tema nestes termos pressupõe, para além da aná-
lise das explicaçôes do fenômeno, a definição do processo em
termos do recorte histórico.
Corúinuidade o ruptura
Retomamos a historiografia da Revoluçâo Industrial,
agoÍa com vistas à demarcação do recorte do processo histó-
rico em questâo. Para muitos historiadores ou economistas
t{
voltados para o campo da história, não houvepropriamente
uma Revoluçâo lndustrial e sim uma lenta evolução, que dá
seus primeiros sinais de alento nos fins da ldade Média e se
completa ao hnal do século XlX. Nesse caso nâo haveria mu-
danças abruptas, rupturas violentas, nem, muito menos, pro-
fundos conflitos e tensões sociais.
Esta perspectiva da Revolução Industrial, ou seria me-
lhor dizer da Evolução Industrial, surge de forma indelével
no texto de J. U. Nef, Iâe rise of Brttish industry, de 1932'
no qual identifica o industrialismo inglês com um longo pro-
cesso que remonta aos meados do seculo XVI e se estende
até o final do século XVIII e inícios do século XIX. Em 1948'
no já citado texto de T. S. Ashton, considera-se impróprio
o termo Revolução Industrial, pois as mudanças não teriam
sido apenas econômicas, mas também sociais e culturais, além
do que as mudanças repentinas não seriam atributo dos pro-
cessos econômicos, e o fenômeno chamado capitalismo -
que está identificado à Revoluçâo Industrial - teve início
muito antes de l?60 e completou-se muito depois de 1830.
O economista Alfred Marshall, em 1949, corroborava
estas afirmações ao dizer: "Os quatro ou cinco decênios nos
quais se desenvolveu com maior intensidade a primazia da
Inglaterra se designam àrs vezes como os decênios da 'revolu-
çâo industrial', quando, na verdade, o que se verificou en-
Éo não foi uma revolução, senâo que simplesmente uma eta-
pa de uma evolução que vinha se desenrolando durante cen-
tenas de anos, quase sem interrupção" (Obras escogidas, p.
l?). Mais recentemente, Arthur Birnie na súa Histótia eco'
nômica da Europa conclui no mesmo sentido, afirmando que
a Revolução Industrial não foi súbita nem catastrófica. Foi
um movimento que se difundiu por um período de 150 anos
e suas origens podem ser claramente discernidas em forças
ativamente em ação desde o fim da ldade Média. Nem mes-
mo um historiador do porte de Paul Mantoux escapou a'o do-
mínio desta visão, pois, depois de afirmar que as mudanças
r5
havidas na Inglaterra foram tão velozes desde o seu início e
tiveram tais conseqüências que permitiriam compará-las com
uma revolução, volta atrás para afirmar que, por mais rápi-
da que pareça ter sido, a revolução estava relacionada com
causas remotzls.
Na década de 50 o termo revolução foi aprisionado na
contenda gerada pela guerra fria, o que levou o historiador
americano H. L. Beales a afirmar que ..o termo revolução
é sempre desconcertance. Nâo somente possui uma certa co-
notação vermelha, bem como sugere uma mudança sob pres-
são das condições estabelecidas. Conquanto o teimo revolu-
ção possa parecer apropriado no campo politico, parece ina-
propriado no campo econômico,' (The Industrial Revolution,
p. 2). Assim mesmo, entre os historiadores-economistas, o
termo foi reintroduzido com um significado especifico, re-
velador dos momentos decisivos no quadro do irescimento
econômico, que poderiam provocff mudanças estruturais na
sociedade. Alexander Cerschenkron, em 1957, afirmava que
se por "revolução" entendemos nada mais do que um salto
repentino para cima de todas as taxas de incremento da pro_
duçâo industrial, então, somente com grande dificuldade o
historiador da economia poderia ignorar a existência de re-
voluções industriais.
W. W. Rostow, na mesma epoca, identificava a revolu-
çâo como "um período no qual a escala da atividade produ-
tiva alcança um nível crítico e produz mudanças que levam
a uma maciça e progressiva transformação estrutural nas eco-
nomias e nas sociedades das quais fazem parte, mudanças de-
finitivas, mais qualitativas do que quantitativas', (..The take-
off into self-sustained growrh", p. 25). A revolução está, por-
tanto, identificada com o salto dos indicadores quantitativos
que revelam pontos decisivos no processo de crescimento eco-
nômico, a partir do que se poderia, na perspectiva de Ros-
tow, entender as mudanças qualitativas, propriamente sociais.
Desde 1946, com a publicação do livro de M. Dobb SÍz-
dies in the development oJ capitalism, que a perspectiva da
l6
í
I
t
i
,lRevolução lndustrial nos padrões equacionados por Marx vi-
nha se renovando. Para Dobb, "no século XIX, o ritmo da
alteração econômica no referente à estrutura da indústria e
das relações sociais, o volume de produçâo e a extensão e a
variedade do comércio, mostrou-se anormal..' Uma era de
alterações técnicas que rapidamente aumentava a produtivi-
dade do trabalho, testemunhando tâmbem um aumento anor-
malmente rápido nas fileiras do proletariado" ' A essência da
transformaçào estava na alteração do caráter da produção"
(p. 25ó). O significado mais amplo da Revoluçâo lndustrial
tinha sido precisamente delineado por Marx, para quem esta
revoluçâo maÍcara a separação entre a propriedade e o tra-
balho e a concentração da riqueza imobiliária havia encerra-
do definitivamente a sociedade dominada ainda por formas
de propriedade e produção feudais, inaugurando uma nova
,o.i.d"a., com novÍls formas de propriedade dos meios de
produçâo, novas relaÇôes sociais decorrentes do processo de
produção caPitalista.
A historiografia sobre a Revoluçâo Industrial divide-se,
pois, em duas grandes ramificações que se desdobram, final-
mente, em três grandes vertentes. A perspectiva da continuü
dade, da rupturo quantitativa e da ruptura qualitativa' Evi-
dentemente, estas diferenças de perspectivas revelam diferen-
tes posicionamentos diante da própria história. Para os adep-
tos da continuidade o fluir histórico se daria sem cortes, sem
nrptuÍas evidentes, obscurecendo-se o papel das lutas de clas-
ses no "progresso" histórico. A rupturo qualitaÍiva, pelo con-
trário, enfatiza exatamente os momentos de ruptura, de mu-
danças profundas nas relaçôes sociais que, por sua vez, de-
terminariam o salto dos indicadores quantitativos'
Maurice Dobb nega a possibilidade do desenvolvimen-
to econômico ser mensurado apenas e exclusivamente a par-
tir de agregados quantitativos, quaisquer que sejam eles, po'
pulação, produtividade, comércio exterior' divisão do traba-
iho ou e.toqr. de capital. Para ele, o processo histórico en-
l7
gendra pontos decisivos no curso do desenvolvimento eco-
nômico, nos quais "o ritmo se acelera além do normal, e nos
quais a continuidade é rompida, no sentido de uma mudan-
ça abrupta de direçâo na corrente dos acontecimentos', (Ca-
pitalismo, crecimiento económico y subdesarrollo, p. 2g).
Observadas em conjunto, as perspectivÍs de continui-
dade e ruptura quantiutiva revelam pressupostos subjacen-
tes, nem sempre visíveis à primeira visca. Já se observou que
para os adeptos da continuidade é evidence a recusa em ver
os grandes momentos de transformação, na medida em que
são acompanhados de convulsões sociais, de intensidade va-
riada. No fundo, sua visâo de história é o resultado de um
proceso cumulativo, gradual, lento, num fluxo entendido co-
mo natural. Na perspectiva da ruptura quantitativa, a rup-
tura é entendida em termos puÍamente econométricos, ocor-
rendo as revoluções nos momentos em que se adensam os vo-
lumes e as proporções. Nessa proposta rostowiana, percebe-
mos uma nitida compartimentação do real que privilegia uma
única evidência, bem como uma visão tecnocrática da histó-
ria, manifesta na sua concepçâo de desenvolvimento econô-
mico alcançado em ternos de quantidades de magnitude con-
siderável.
O lugar da Revolução Induatrial
Nâo se pode negaÍ que, numa certa perspectiva, existe
uma continuidade nos acontecimentos, pois não existe even-
to que não se possa ligar de uma maneira racional aos even-
tos anteriores e posteriores. Nessa medida, o devir histórico
é gradual e contínuo. Porém, se nos colocarmos no nível mais
profundo das estruturas, conseguiremos perceber as ruptu-
ras, as grandes transformações, que marcam os momentos
decisivos da história da humanidade, os momentos de tran-
siçào. Tais momentos se revelam, no nível dos eventos, por
l8
uma contraçâo do tempo histórico, isto é, pelo aceleramento
dos acontecimentos mais importantes que se sucedem numa
cadeiaininterrupta e avassaladora, demonstrando que, por
detrás das aparências necessárias dos eventos, as relações so-
ciais estâo em completa ebuliçâo. Era isto' pensamos' que
Eric Hobsbawm queria dizer ao afirmar que "o sintoma de-
cisivo da Revolução lndustrial é o salto brusco' imprevisto
e franco, de todas as curvas de indicadores econômicos cu-
jas estatísticas possuímos, e o fato de que por trás deste salto
o desenvolvimento continua com um ritmo novo e sem pre-
cedentes" (En torno a los origenes de la Revolución Indus'
trial, p. 26).
Ritmo novo e sem precedentes, qualitativamente distin-
to, diferente na sua própria natureza da estrutura dominan-
te no momento anterior. A ruptura não ocorre como o resul-
tado puro e simples da explosão de agregados quantificáveis,
num estágio de massa critica, mas sim porque este crescimento
revela transformações substanciais na estrutura da socieda-
de como um todo. Exclui-se, portanto, uma visâo parcelar
da história. Busca-se, pelo contrário, a captação do todo, ou
da forma pela qual as transformações sào frutos da dinâmi-
ca global da sociedade, alterando-a no seu conjunto. Assume-
se, pois, a impossibilidade de segmentaçâo da história, que
pressupõe a análise do processo histórico com base no con-
ceito de modo de produção.
Assim, a Revolução tndustrial pode ser mensurada a par-
tir de um crescimento evidenciado quântitativamente, porém,
tal crescimento e o sintoma de transformações mais profun-
das vividas pela sociedade inglesa na segunda metade do sé-
culo XVIII. A partir deste momento as relações sociais são
redefinidas em seu conjunto, os conflitos sociais são redese-
nhados num espaço determinado, cuja ultrapassagem signi-
ficaria uma nova ruptura, uma nova revolução. Nestes ter-
mos, a Revoluçâo Industrial é determinada e determinante
de uma sociedade com feições e estrutura completamente no-
l9
vas. A Revoluçâo Industrial é uma síntese que culÍnina um pe-
riodo de trânsição e dá nâscimento ao capitalismo pleno, su-
p€rando a fase de acumulaçâo primitiva do capital, nesta me-
dida é uma ruptura e uma consolidaçâo, porque consolida de-
finitivamente o modo de produçâo capitalista, modo de pro-
dução este que passa a estar identificado ao mundo da indus-
trialização. A Revoluçâo Industrial "completa o processo de
forma{ão do sistema de produçâo capitalista e maÍca uma eta-
pa decisiva de transição a partir de um estágio incomplao, pré-
capitalista, para um estado em que as características funda-
mentais do capiulismo se impõem: progresso técnico conti-
nuado, capitais mobilizados para o lucro, separaçâo mais cla-
ra entre uma burguesia possuidora dos bens de produção e dos
assalariados" (J. P. Rioux, A Revolução Industial, p.9).
A essência da transformação, segundo Marx, foi a subs-
tituição de ferramentas acionadas pela energia humana por má-
quinas movidas a energia motriz. "A máquina da qual parte
a revolução industrial substitui o trabalhador que maneja uma
única ferramenta por um mecanismo que, ao mesmo tempo,
opera com certo número de ferramentas idênticas ou seme-
lhantes àquela, e é acionado por uma única foÍça motú, qual-
quer que seja a sua forma... O aumento do tamaúo da
máquina-ferramenta e do número de instrumentos com que
opera âo mesmo tempo exige um motor mais possante que,
para vencer a própria resistência, precisa de uma força motriz
superior à força humana" (O capitol, Livro l, p. 428-9). Esta
mudança técnica faz-se acompanhar por uma mudança vital
nas relações sociais de produção, pois cria-se o trabalhador
coletivo no sistema de fábricas em substituiçâo ao trabalha-
dor parcelar da velha manufatura. Estava aí o ponto de vira-
gem decisivo, condiçâo mesma da Revolução Industrial.
Gorte e r€oorte
Tomando como ponto de partida a utilização de dife-
rentes formas de energia, numa perspectiva vulgar da com-
2l)
partimentação do processo da Revoluçâo lndustrial, adotou-
se a seguinte divisão: Primeira Revolução entre o final do sé-
culo XVIII e início do século XlX, definida pela utilização
da máquina a vapor e do carvão como combustível básico;
Segunda Revoluçâo, no final do século XlX, caracterizada
pelo motoÍ de cxplosâo e a utilização da energia elétrica; Ter-
ceira Revolução, em cuÍso no seculo XX, marcada pela di-
fusão da energiâ atômica. Chega'se mesmo a falar numa Re-
voluçâo Cibernética, resultante da difusâo dos computado-
res e da ciência da informática.
Grosso modo, portanto, a "primeira" e efetivamente
"única" Revolução lndustrial teve lugar entre 1750 e 1E50.
T. S. Ashton demarca entre os anos de 1760 e 1830' periodi-
zação que foi adotada de forma mais ou menos generaliza-
da. Contudo, os economistas e historiadores preocupados
com a mensuÍação do crescimento econômico, na linha da
história econômica quantitativa, procuraram determinar com
maior precisâo o momento do arra nque, o take'off, paÍa usar
a expressâo consagrada por W. W. Rostow, ou simplesmen-
te decolagem, termo preferido pelos historiadores franceses.
Rostow localiza no período que vai de t?90 a lEl5 um rápi-
do crescimento da produção, tanto na indústria quanto na
agricultura, um incremento substancial nas importações e ex-
portações, bem como a elevaçâo da taxa de juros e dos pre-
ços, com tendência à baixa dos sakirios reais (The British eco'
nomy of the nineteenth century, p. l3). Segundo W. Hoff-
man "o ano de 1780 é a data aproximada na qual a taxa per-
centual anual de crescimento industrial foi, pela primeira vez,
superior a dois, um nível no qual permaneceu por mais de
um século" (British industry, p. 30). Peter Mathias prefere
o ano de 1783, com o fim da Guerra Americana de indepen-
dência, momento no qual os valores relativos ao comércio
exterior cÍesceram significativamente. Com base nestes índi-
ces, o crescimento econômico concentrou-se em dois perío-
2t
dos: entre 1730 e 1760, quando o valor das exportações bri-
tânicas praticamente dobrou; entre 1785 e 1800, quando
verificou-se uma nova duplicação.
Com segurança, podemoe afirmar que os anos 80 assis-
tiram à mudança brusca na taxa de crescimento em diferen-
tes setorcs da economia, tais como o nivel de investimento
em transportes, ritmo de expansão do sistema bancário, ocor-
rência de invenções técnicas cruciais na tecelagem do algo-
dâo, na indústria metalúrgica e na produçâo de energia a
vapor.
O recorte histórico deste processo particular que foi a
Revolução Industrial, agora numa perspectiva que leve em
consideração as transformações qualitativas operadas no seio
da sociedade, de certa forma coincide com as delimitaçôes
realizadas por via da mensuraçâo quantitativa. para Marx,
a Revolução Industrial foi anunciada quando, em 1735, John
Wyatt inventou a máquina de har. Paul Mantoux assume a
demarcação inicial proposta por Arnold Toynbee, 1760, mas
restringe o marco final do processo aos primeiros anos do
seculo XIX. De fato, para Mantoux, nesse momento os gran-
des inventos técnicos, inclusive a própria máquina a vapor,
entram no domínio da prática; as fábricas já siio suficiente-
mente numeÍosas e, com exceção de detalhes, os instrumen-
tos silo próximos das indústrias modernas; tem início a for-
mação de grandes conglomerados industriais, surgindo o pro-
letariado fabril, com a destruição parcial das antigas regula-
mentações. A lei que inaugura a legislaçào das fábricas data
de 1802 (op. cit., p. 2l).
Há, pois, uma certa coincidência no nível da demarca-
ção cronológica, quantitativa e qualitativa, definindo-se uma
cronologia mais czrÍa para demarcar a Revoluçâo Industrial,
delimitada entre os anos de 1780 e l8@, no que diz respeito
à transformaçâo vital, momento alem do qual a estrutura mais
íntima da sociedade inglesa ctaria üsceralmente transforma-
da. Estes são, efetivamente, os anos "revolucionários".
22
Esta visão de Revolução Industrial, que rompe brutal-
mente com as antigas relaçôes sociais de produção, instau-
rando o domínio completo da máquina e do capiul sobre a
sociedade, está distante da visão romântica da Revolução In-dustrial, preconizada, por exemplo, pelos Hammonds, que
a identificam com o materialismo e o barbarismo. Lewis Mun-
ford considera-a um verdadeiro retrocesso da humanidade
quando comparada aos idílicos momentos da ldade Média'
nos quais a produçâo artesanal era considerada a forma ideal
e estabilizadoÍa da condiçâo do homem, livre das desgraças
e pressões da sociedade industrial. Ou ainda, as visões mais
otimistas, presentes na obra de T. S. Ashton, para o qual os
males outorgados à Revolução lndustrial sâo anteriores a ela
que, pelo contrário, elevou o padrÍio geral de vida, nivelando-
o, ao mesmo tempo que evitou a catástrofe que resultaria do
crescimento demográfico sem a mudança revolucionária da
produção industrial.
Não menos distante das explicaçõ€s tecnicistas, que apa-
recem até mesmo em autores de peso como David Landes -
nos quais se dá à técnica a capacidade de transformar os di-
versos setores da produção num momento determinado -,
identificando-se o fluxo histórico com um caudal de inven-
ções e inovações aplicadas de forma intensiva ao ptoc€sso pro-
dutivo. Tal como o fazem alguns desavisados que, ao remon-
tarem o processo de avanço tecnológico à primeira utiliza-
çâo do fogo controlada pelo homem ou à invenção da roda,
perdem de vista o elemento essencial da transformação so-
cial que ambienta as acumulações tecnicas, determinando não
apeÍras a sua gestação mas, e principalmente, o momento pro-
pício de sua utilizaçâo e efetiva apropriação pelo conjunto
da sociedade. Perde-se de vista, essencialmente, o câráter 8Ía-
dual e contínuo do progresso técnico, não havendo um só in-
vento que não se possa ligar a uma criação anterior e poste-
rior. Bem a propósito, Nino Salamone diz: "É claro que tu-
do isto não pode significar mais que a perda de conteúdo do
23
pÍóprio conceito de Revolução Industrial entre as mâos de
quem tenta defini-lo" (Causas sociois da Revolução Indus-
trial, p. 16\.
Observações estas também cabíveis quando p€nsamos a
proposta de Revoluçâo Industrial entendida em termos de
continuidade, proposta esta que desvanece o conceito de Re-
volução lndustrial, aplaina o processo histórico. Não que se
pense aborrecida uma história sem revoluções; mas é impos-
sível negar o aceleramento do tempo histórico em pontos de-
terminados do processo. É óbvio que tais aceleramentos se
traduzem em alteraçiio de medidas, volumes, proporções, que
devidamente mensurados se constituem em excelentes indi-
cadores da transformação mais global operada no interior da
sociedade. Porem, nâo podem ser transformados em elemen-
tos explicativos em si, capazes de dar conta da totalidade das
mudanças, ate mesmo das mudanças qualitativas, pois isto
seria permanecer no nível mais imediato da manifestação do
fenômeno e nâo em suas determinações.
Não basta também partir de categorias explicativas de-
finidas o priori, mesmo que tal categoria seja o modo de pro-
dução, para que seja possível a apreensão da Revolução In-
dustrial, pois estaríamos privilegiando uma categoria lógico-
formal que estruturaliza o processo, idealiza-o no limite. É
necessário historicizar o conceito; enchê-lo de vida e, portan-
to, de concreticidade histórica.
)Zt
Capital mercantil e
manufaturai a precondição
A fase que medeia entre a crise do sistema feudal e a
Revolução Industrial é dominada pelo capital mercantil, pe-
lo processo de acumulaçâo originária de capitais e a coexis-
tência de formas diversas e antagônicas de produção, dentre
as quais, a forma mais avançada é a manufatura. O conjun-
to destes elementos constitui a transição e a sua superação
seria condição sin e qua non para a passagem do modo de pro-
duçâo feudal ao modo de produçâo capitalista.
A preponderância do capital mercantal
Marx entende que o capital mercantil é um pressuposto
histórico à constituiçâo do modo capitalista de produção, pois
é condição necessária para a emergência do capital industrial,
ao mesmo tempo que guarda uma relaçâo de dominaçâo em
relação à esfera produtiva do sistema. Nestes termos, a ex-
pansão do capital mercantil agiliza a produçâo de valores de
troca, elemento precípuo da transformação da força de tra-
balho em mercadoria. Porem, a simples expansâo do capital
mercantil é insuficiente para revolucionar a esfera produtiva
25
sobre a qual se sustém, conservando um sistema produtivo
e um regime de trabalho com insuficiente base técnica à au-
todeterminação do modo de produção capitalista. De qual-
quer forma, a ação do capital mercantil estimula a produção
de mercadorias, acelera o processo de divisão sociãl do tra-
balho, ampliando a organização do sistema produtivo sem,
contudo, revolucioná-la. Em síntese, constituem faces de um
mesmo processo o desenvolvimento do capital mercantil, o
incremento da produçâo de valores de troca, a divisão social
do trabalho. Se, por um lado, ..o capital comercial acentua
a divisão social do trabalho e a especialização da produçào,
estes fatores, por sua vez, impulsionam a valorização do ca-
pital comercial, já que sua reproduçâo ampliada exige o cons-
tante incremento da produção mercantil" (Carlos Àonso B.
de Oliveira, Considerações sobre a formação do capitalismo,
p. 9). A extensâo e os limites da capacidade do capital mer-
cantil em transformar as antigas formas de produçâo, sobre
as quais se sustenta, dependem da natureza mesma destes mo-
dos de produçâo. Por isso, o capital mercantil tenderá a per-
meÍrr e articular as antigas formas de produção, assumindo,
destarte, uma posição reacionária, em termos do desenvolvi-
mento econômico, na medida em que se apega a seus privilé-
gios e lucros excepcionais. De elemento dinamizador do
sistema produtivo, o capital mercantil transforma-se em con-
dição de bloqueio do capitalismo.
Identifica-se a fase de preponderância do capital mer-
cantil com a acumulação primitiva de capitais. primitiva por-
que é a forma primeira, que antecede de imediato o modo
de produção capitalista, engendrando o trabalho assalaria-
do e o capital-dinheiro. Mas também pÍimitiva porque, se-
gundo Carlos Alonso, realiza-se de forma violenta, seja na
expropriação dos camponeses, das colônias via sistema colo-
nial e mesmo da mais-valia absoluta. No limite, violenta pe-
la inger&rcia coercitiva do Estado, que gaÍante a acumulação
do capital mercantil, que assegura a reprodução, mesmo nas
áreas de produçâo mais caracteristicamente capitalistas.
26
O capital mercantil gangliona um amplo y'on Í de mo-
dos de produção, na maior parte dos casos antagônicos em
sua própria natureza. Assim, é a coexistência do p«lueno pro-
dutor agrícola independente, dos pequenos rendeiros' dos
grandes rendeiros capitalistas que arregimentam o trabalho
assâlariado, o artesanato, o mestre-manufatureiro, a indús-
tria doméstica Qrutting'out ot Verlagl ott mesmo a manufá-
brica ou, propriamente, manufatura, com seu relacionamento
assalariado de produçâo. A articulação deste conjunto extre-
mamente heterogêneo, que envolve ainda as formas de pro-
dução dominantes na periferia do sistema, especialmente nas
áreas coloniais, onde preponderam formas compulsórias de
trabalho, é realizada pelo capital mercantil.
Para considerarmos apenas as formas de produçâo mais
diretamente ligadas à produção industrial, lembramos que o
artesanato corresponde à antiga indústria medieval integra-
da no sistema corporativo, na qual a unidade de produçâo
é familiat, possuindo o produtor os meios de produçâo, as
ferramentas, a mâtéria-prima e a oficina e uma rígida hie-
rarquia que vai dos jornaleiros - diaristas excepcionais -
aos mestres, passando pelos aprendizes e oficiais. Nesta for-
ma de produção o produtor não vende a sua força de traba-
tho, vende o produto do seu trabalho.
A forma mais avanÇada do mestre-manufatureiro apa-
rece onde quer que, pela dinamizaçâo do circuito mercantil,
a produção seja dinamizada a ponto de o mestre integrar um
número crescente de jornaleiros, assalariados, transformando-
se num pequeno empresário que assalaria trabalho fornecendo
os meiosde produção, mas preserva as aparências da antiga
unidade doméstica de produçâo que dá ao conjunto produti-
vo uma certa solidariedade.
O comerciante-manufatureiro surge quando comercian-
tes, detentores de capital mercantil, investem na pÍodução'
permanecendo seu capital essencialmente comercial, não se
definindo como empresários produtores. Geralmente, come-
27
çam pelas etapas finais do produto, isto é, pelo tingimento
dos tecidos, penetrando progressivamente nas demais etapas
da produçâo, tecelagem, fiação, preparaçâo da matéria-pri-
ma, até assenhorear-se completamente da produção indus-
trial. Esta forma de produçâo, a manufatura, poderia estar
concentrada, com todos os trabalhadores reunidos sob o mes-
mo teto, a manufábrica, ou geograficamente dispersa, com
o fornecimento de matéria-prima e instrumentos indispensá_
veis à produçâo pelo comerciante-manufatureiro, que previa-
mente fixava o valor a ser pago pelo trabalho. Este era o novo
sistema domestico de produção, diferente do antigo modo do-
méstico de produçâo assentado na forma artesanal de pro-
duçâo ou no trabalho de mestres-manufatureiros. Guardamos
para o novo sistema doméstico a denominação putting_out,
correspondente ao sistema Verlo g, denominaçâo reconheci-
da na Alemanha.
A manufatura é a forma mais evoluída, mais acabada
e dinâmica no quadro do antigo sistema produtivo, mas não
era a forma mais generalizada, que correspondia à produção
artesanal. Mas é exatamente nesta forma mais progressista,
que tendia a dominar as demais, que centraremos a análise
em busca de suas contradiçôes mais intimas.
As contradições da manüÍatuÍa
A manufatura e uma forma mais evoluída porque in-
tensifica a divisâo do trabalho, desqualiÍicando-o relativamen-
te ao trabalhador do artesanato. Contudo, é ainda a partir
da habilidade dos trabalhadores parciais que determinará o
nÍvel técnico da produção, em função da proporcionalidade
das tarefas distribuídas entre os trabalhadores e o tempo so-
cialmente necessário à execução das tarefas. Implica, pois,
uma limitação técnica insuperável nos quadros da manufa-
tura. Nestes termos, já se produziu uma separaçâo entre o
2t
trabalhador e os meios de produção, já transformados em
capital. Porém, esta transformação é formal. O trabalhador
não está efetivamente submetido ao controle do capital. Ele
domina ainda os elementos objetivos do processo de produ-
ção, tem o controle dos instrumentos manipulados num tem-
po social por ele determinado. Cria-se, pois, um trabalhador
resistente, que impõe limites à reduçâo da força de trabalho.
Ainda mais, existe uma limitação orgânica, natural' para a
expansão da capacidade produtiva, o que impede o aumento
da produtividade. A exploração da força de trabalho exigia'
pois, a extração de mais-valia absoluta, restringindo'se a mais-
valia relativa, que demandaria a implantaçâo de um sistema
efetivamente capitalista. "O capital constante utilizado na
acumulaçâo cresce muito lentamente em relaçâo ao capital
variável. tsto signiFrca que a demanda de força de trabalho
no mercado cresce praticamente na mesma proporçâo que a
acumulaçâo de capital. Por isso mesmo, a manufatura e in-
capaz de destruir as formas pretéritas de organizaçâo da pro-
dução... pela incapacidade de proletarizar produtores inde-
pendentes... porque necessita de força de trabalho qualifica-
da" (Carlos Alonso B. de Oliveira, op. cit., p. 23). Disto tu-
do resulta um lento crescimento da composição orgânica do
capital.
Como o princípio característico da manufatura é a ex-
trema divisão do trabalho, resulta o isolamento das diferentes
fases da produção e a independência relativa entre os traba-
lhadores, pois, "para manter a conexâo entre as diferentes fun-
ções isoladas, é necessilrio o transpoÍte ininterrupto do artigo
de uma mâo para outra e de um pÍocesso para outro" (K.
Marx, O capital, Livro I, p. 395). Por esta Íazão, o problema
dos transportes passa a se constituir num sério entrave à ex-
pansâo da produção, do mesmo modo que a criação de tra-
balhadores especializados cria uma resistência no nível do
trabalho, zelosamente garantida por sete anos de aprendiza-
gem, responsável pela "insubordinação do trabalho".
29
A manufatura resulta, pois, numa inadequação comple-
xa. "Nâo podia assenhorear-se da produção social em toda
a sua extensão, nem revolucionáJa em seu cerne. Como obra
de arte econômica atingiu seu apogeu apoiada na extensa base
constituída pelos ofícios das cidades e pela indústria domés-
tica rural. Mas, seu estreito fundamento técnico, ao atingir
ela certo estágio de desenvolvimento, entrou em conflito com
as necessidades de produçâo que ela mesma criou" (idem,
ibidem, p. 395). "Em ourras palavras, no primeiro estágio
do capitalismo, o trabalho tradicional do anesâo é subdivi-
dido em suas tarefas constituintes e executado em série por
uma cadeia de trabalhadores parcelados, de modo que o pro-
cesso muda pouco; o que alterou foi a organizaçâo do traba-
lho" (Harry Braverman, Trabalho e capital monopolista, p.
t48). Fundamentalmente, estamos diante de um individuo que
domina o seu zrsÍer e controla os meios de produção mesmo
sem ter a sua propriedade e, por isso mesmo, determina o
curso do ciclo produtivo. Este controle é exercido de modo
objetivo, pois o limite da produçâo é dado pela capacidade
física do artesâo, e subjetivo, pois o trabalhador aciona o ins-
trumento que é uma extensâo de suas mãos, segundo sua pró-
pria vontade. Os limites naturais da força humana impõem
limites à produçâo, tanto no nível da procura por mercado-
rias, quanto da acumulação de capital, que é o cerne dinâmi-
co do sistema capitalista, cujas flutuações determinam uma
parada imediata no processo de desenvolvimento resultando,
portanto, numa crise.
As contradições se ampliam, pois, segundo Armando de
Palma, se o trabalhador tinha a cuscódia da matéria-prima,
a única forma disponível para o empregador controlá-lo se-
ria pagarJhe o minimo indispensável à sua subsistência. Do
contrário, se o remunerasse acima deste limite, os artesâos
tenderiam a diminuir o seu desempenho, caindo necessaria-
mente o nível de produtividade. Some-se a isto a tendência
dos produtores a incrementar os seus ganhos marginais pelo
30
roubo da matéria-prima fornecida pelo comerciante-manu-
fatureiro, utilizando-a em benefício próprio. David Landes
lembra, oportunamente, que durante o século XVIII
evidenciou-se um esforço do poder no sentido de conter o rou-
bo de matéria-prima, dando-se aos empresários e represen-
tantes do poder direitos especiais para revistar, apreender
mercadorias, para as quais seus possuidores não tivessem uma
adequada explicação, com severas penalidades para os infra-
tores (IIre unbound Prometheus, p.59).
No conjunto, resultava que o controle do empregador
sobre o trabalhador era maior num mercado recessivo. Nos
momentos de expansão da demanda, a indisciplina tendia a
agravar os conflitos endêmicos do sistema. Em primeiro lu-
gar, tendia a ampliar quantitativamente a produção pela in-
corporaçâo de novas áreas ao sistema produtivo, o que
esbarrava e(n obstáculos de natureza geográfica, pois os cus-
tos de produçâo tendiam a crescer aceleradamente quando
a ampliação da produção impunha a ultrapassagem de obs-
táculos naturais mais penosos, e isto levava à tentativa de au-
mentar a produtividade dentÍo da zona de operação. A
simples expansão geográfica envolvia, ademais, o aumento
do custo dos transportes. A compulsão do trabalho é prati-
camente impossível, pois o artesão é dono de seu tempo e pos-
sui uma concepção rígida do que significa uma vida decente
para a sua condiçâo social e, tâo logo atinja este limite, in-
terrompe o trabalho, usando o tempo livre em lazer. Assim,
"quanto mais altos os salários, menos tinha que fazer para
atingir este ponto" (David Landes, op. cit., p. 58-9). Veja-
se, pois, o entrave biisico da manufatuÍa: exatamente nos mo-
mentos em que as possibilidades de lucro aumentavam para
o empregador, cresciam suas frustrações por uma verdadei-ra inversâo nas leis do comportamento econômico, pois a
oferta de trabalho diminuía na proporçâo que aumentavam
os preÇos e, portanto, as oportunidades de ganho. um exem-
plo de como o sistema produtivo assentado na manufatura
3r
apresentava um lento evoluir e podia, até mesmo, provccâr
uma crise gerâl do sistema é dado por A. D. Lublinskaya,
ao relacionar a inércia do sistema manufatureiro com a crise
geral do seculo XVII (La crisis del siglo XVII y la sociedad
del absolutismo, p. 87).
As condições da superação
Em que condiçôes se poderia superar estas graves contÍa-
diçôes do sistema produtivo manufatureiro? euais os impul-
sos necessários para transformar a estreita base tecnica da
manufatura? Eric Hobsbawm pro@ três condiçôes essenciais:
uma limitação extema para a expansâo dos velhos métodos (eia-
se manufatura) que tornavam difícil aumentar a produção além
de um certo ponto com os métodos existentes; uma perspecti-
va de expansâo do mercado, cão ampla que justiÍicàsse a di-
versificação e o aperfeiçoamento dos métodos antigos; uma
expansâo tâo rápida do mercado que a simples modiÍicaçào dos
antigos maodos de produçâo não lhe pudesse fazer frente (Ez
torno a los origene.s..., cit., p. 104).
Como bem lembra Nino Salamone, o que e significativo
na manufatura enquanto precondiçâo para o desenvolvimento
posterior é a sua maturidade ainda irlperfeita, enquanto modo
de produçâo capitalista, ou seja, a sua caracterizaçâo como mo-
do de produçâo dominante no seio de uma formação social de
transição. Constata-se, pois, uma não-correspondência no in-
terior da manufatura, entre ils relaçôes sociais e o desenvolvi-
mento das forças produtivas, pois, "na fase de trar»içâo há uma
antecipaçâo das relaçôes de produção (que no setor da manu-
fatura já sâo capitrliscas, embora só formalmente) relativamente
às forças produtivas, cuja estrutura e ainda condicionada, em
grande medida, pela forma das antigas relaçôes de produção,
em vias de desaparecimento" (C. La Grassa, Sulla formazione
sociale di transizione. In: -. In volore e formazione sociale.Roma, 1975. p. 227).
32
A readequaçâo entre as relaçôes sociais de produção e o
nivel de desenvolvimento das forças produtivas se dará com a
introdução das máquinas acionadas por energia não-humana
e não-animal, definindo-se a subordinação real do pÍodutor ao
dominio do capital. Neste processo de rearticulação das forças
sociais, encontra-se a trânsformação prévia da estrutura do Es-
tado, da ideologia de dominaçâo, das relações de propriedade
no campo e da diúmica do mercado mundial, consubstancia-
da na Revolução lnglesa do secr-rlo XVII.
3
Revolução
e Revolução
Inglesa
Industrial
A nova ostrutura do poder
A Revolução Inglesa de 1640 transformou a estrutura
política, social e econômica da Inglaterra. Destruiu o antigo
aparelho de Estado, impondo limites ao poder do parlamen-
to, destruindo o Conselho Privado, a Câmara Estrelada, o
Tribunal de Alta Comissão e os poderes locais baseados nos
Juízes de Paz. Eliminou a autonomia financeira do poder real,
confiscando-lhes as propriedades e transformando o próprio
conceito de propriedade, surgindo então a noçâo de proprie-
dade individual e absoluta, baseada na noção de maior inre-
resse, atribuída à pessoa que detinha a propriedade, seu uso
efetivo, destruindo virtualmente a idenrificaçâo entre proprie-
dade real e propriedade pessoal.
O poder mudara efetivamente de mâos. Ele, que fora
exercido até t 640 pelo Rei em termos pessoais e pela aristo-
cracia por delegação, passava agora aos domínios da peque-
na nobreza rural, a gezrry, identificada com a burguesia
mercantil. Efetivamente, se a Revolução de 1640 lançou as
bases do poder político da burguesia, sem dúvida nâo lhe deu
34
o poder diretamente, pois o predomínio econômico da bur-
guesia desenvolveu-se, a princípio, sob o domínio político da
nobreza proprietária, para mais tarde a burguesia atingir o
poder sob a hegemonia da nobreza e, finalmente, chegar à
hegemonia do bloco do poder após 1832. O Parlamento "con-
centra por excelência o poder da fração hegemônica do blo-
co no poder, porque ele consegue igualmente' e ao mesmo
tempo, concentrar em si o papel político-ideológico do Esta-
do com relação às classes dominadas" (Nicos Poulantzas, O
Estado em crise, P. 21).
No plano ideológico, a Revolução Inglesa abriu espaço
para um novo comportâmento político dos puritanos, a emer-
gência do liberalismo, a afirmação do individualismo e o de-
senvolvimento da teoria do contrato social. Pela primeira vez'
num processo revolucionário, a burguesia tinha assumido o
poder e implantado seu projeto político, derrubando pela for-
ça o poder constituído, com o indispensável apoio das mas-
sas rurais e urbanas, que se fizeram presentes nos momentos
mais agudos deste processo revolucionário.
A nível social, transformara-se radicalmente a velha aris-
tocracia, cujos bens foram confiscados ou severamente ta-
xados, obrigando-os a alienarem parte de suas antiSas
propriedades, das quais conservaram uma pequena porção.
O desenvolvimento econômico arrastou a antiga nobreza feu-
dal estimulando-a a produzir para o mercado, mercado este
sensivelmente dilatado no plano interno pela incorporaçào
definitiva da Escócia e da lrlanda, resultando numa radical
transformaçâo de seus horizontes mentais. O antigo clero an-
glicano, de tão fundamental importância para a sustentaÇâo
do absolutismo, foi privado de seus bens e, em decorrência,
de sua tradicional autonomia. A reconstituiçâo da hierarquia
anglicana é uma vitória dos presbiterianos contra o movimen-
to anárquico das seitas radicais. Trata-se, porém, de um no-
vo clero, um clero funcionário do Estado. As terras colocadas
35
à venda no mercado ou simplesmente hipotecadas expandi-
ram os horizontes econômicos d,a gentry, que poderia se lo-
cupletar ainda mais com o avanço dos cercamentos das ter-
ras. Este processo, contudo, não se faria sem enormes per-
das em termos de bens e de posição social para a antiga
yeomonry, a classe que efetivamente fez a revolução e que
por ela foi destruída. As leis de 1646, que aboliram os direi-
tos feudais, davam aos nobres proprietários direitos de pro-
priedade individual sobre suas posses. Em contraposição, as
leis de 1660e 1677 impediram aos copyholden e aos freehold-
ers o direito de confirmar suas propriedades, representando
uma verdadeira expropriaçâo. Somem-se a isto os efeitos dos
cercamentos e entenderemos o virtual desaparecimento da
classe dos yeoraea, mecanismo que redunda em proletariza-
çâo das relaçôes de produçâo nos campos ingleses. Nada mais
cristalino do que as disposições legislativas sobre a proprie-
dade no sentido de revelar o caráter social da Revoluçâo In-
glesa como Revoluçâo Burguesa.
A transÍoÍmação agrária: oa cercamentoa
Uma das manifestações mais fortes da nova configura-
çâo do poder, que resultava das relaçôes de classe posras pe-
la Revolução lnglesa, é o processo de transformaçâo da
estrutura agrária, uma verdadeira revolução na distribuiçâo
do poder fundiário que se seguiu à revolução, vulgarmente
denominada cercamentos (enclosnres), e que atinge o seu cli-
max exatamente nos decênios que precedem ao arranque in-
dustrial das duas décadas finais do século XVIII. De fato,
o antigo protecionismo dispensado pelos reis aos campone-
ses, impedindo os cercamentos, caiu por terra. Foram cerca-
dos os open Jields e as common lanó, criando-se em seu lugar
grandes propriedades nas quais se faziam investimentos ca-
3ó
pitalistas, proletarizando as relaçôes de trabalho no cam-
po, intensificando a divisão social da produção, dinamizan-
do os procedimentos técnicos. Este processo rompe a famo-
sa dualidade camponesa, isto é, a identificaçâo entre o tra-
balho artesanal, realizado nos campos, e o trabalho agríco-
la. A especialização do trabalhador na agricultura limita a
ofena de mão-de-obra para o artesanato e a manufatura,
constrangendo a oferta de produtos e determinando, em úl-
tima instância, a imperiosidade demudança no modo de pro-
dução. Com a transformação na estrutura agrária rompe-se
o bloqueio estrutural, imanente desde o primeiro momento
da crise do sistema feudal e a emergência do capital mercan-
til, que resulura na crise de crescimento do seculo XVII, des-
travando as forças produtivas rumo à industrialização do
século XVIII.
O ônus social da partilha e expropriação é mais do que
evidente. Marx detecta aí, por volta de 1750, o completo de-
saparecimento da classe social que fora o sustentáculo da Re-
volução Inglesa. Tal classe, contudo, ao contrário do que
pensaÍa Marx, não se desloca imediatamente para os centros
urbanos engrossando o exército de trabalhadores industÍiais.
"A migração rural para as cidades da lnglaterra não foi cau-
sada pelos cercamentos das terras e as migrações patecem es-
tar relacionadas ao crescimento da populaçâo rural"
(Lawrence J. White, Enclosures and population movements
in England. Explorations in Entrepreneurial History, (l):185,
1968). O outro lado da história, seu contraponto necessário,
é a modernizaçâo da agricultura que passa a suprir a indús-
tria com alimentos e materia-prima, força de trabalho, terra
e capital, ao mesmo tempo que atua como mercado para os
produtos industrializados, constituindo-se no limite num po-
deroso elemento de formaçâo de capital para a economia
urbana.
37
A conquista do mercado mundial
Se de um lado a transformação da estrutura agrária cor-
respondia diretamente aos interesses da gezÍry, classe que efe-
tivamente apropriou-se da Revolução Inglesa, do outro, os
interesses da burguesia mercantil foram atendidos pela des-
truição dos privilegios corporativos, criando-se novas condi-
çôes para a expansão das atividades industriais nos centros
urbanos até entâo dominados pelas corporações. A elimina-
ção das companhias privilegiadas, com exceção da Compa-
nhia das Índias Orientais, inaugurava a preponderância do
princípio de liberdade de acesso a riquezas do mercado ex-
terno a todos os detentores de capital. Exatamente neste ponto
vislumbra-se o sentido social mais profundo da Revolução
lnglesa como Revoluçâo Burguesa. O Ato de Navegação bai-
xado por Cromwell em 165l - bem como todos os demais
atos que se seguiram - continha o elixir detonante de uma
agressiva politica de expansâo rumo ao controle do mercâdo
externo. Destinado, inicialmente, a combater os holandeses,
sua finalidade última revelou-se muito mais arnbiciosa, pois
foi acompanhado por uma diplomacia eficiente, combinada
com guerras de conquista, que levaram os ingleses a um am-
plo assalto aos mercados mundiais e, sobretudo, coloniais.
Paradoxalmente, a rápida expansão da demanda no merca-
do externo, agora controlado pelos ingleses, coincidia com
a saturaçâo da capacidade produtiva a nível interno, em vir-
tude da ruptura da dualidade camponesa resultante dos cer-
camentos. Agravava-se, destarte, a contradição fundamental
que inviabilizava o aumento da produção na estrutura vigente,
sobretudo pela escassez de mâo-de-obra que tendia a fixar-
se como proletariado agrícola. Impunha-se a transformaçâo
da estrutura técnica da produção para atender as impulsões
do mercado mundial, conduzindo a Inglaterra, a curto pra-
zo, para a Revolução Industrial.
3t
Uma das mudanças mais significativas e caracterizado-
ras desse período é a alteração na composição da pauta de
exportaçâo e importação da Inglaterra, sobretudo sua com-
posição espacial. A Inglaterra desvincula-se gradativamente
do mercado europeu em direçâo ao mercado da África, Á'sia
e América, equivalendo dizer, rumo ao mercado colonial.
4
A grande transformação
no processo produtivo
tmpasses teóricos: mercado e produção
O problema central que se coloca na determinação da
gênese da Revolução Industrial é o da relação entre a impul-
sâo do mercado e a impulsão da produção. Esta questâo co-
loca problemas complexos, menos no nível teórico, que pode
ser abrangido com uma certa tranqüilidade, mas de difícil
equacionamento quando se passa ao nível propriamente his-
tórico.
Partimos da colocaçâo de Marx, quando pensa a rela-
ção polar entre produção e consumo, quando diz: "a produ-
çâo não cria somente um objeto pàra o sujeito, mas também
um sujeito para o objeto. Logo a produção gera o consumo:
l9) fornecendo-lhe a sua matéria; 29) determinando o modo
de consumo; 39) criando no consumidor a necessidade de pro-
dutos que começaram por simples objetos. Produz, por con-
seguinte, o objeto do consumo, o modo de consumo, o
instinto do consumo. De igual modo, o consumo engendra
a vocaçâo do produtor, solicitando-lhe a finalidade da pro-
duçào, sob a forma de uma necessidade determinada" (Con'
tribuiçao à crítica da economia política, p. 210). Vê-se' pois,
!()
um circuito integrado, que revela uma certa circularidade,
um movimento mais próximo do pendular, que realiza um
movimento completo quando parte da produção, e incom-
pleto, quando parte da circulaçâo.
Parece perfeito quando pensamos o capitalismo mono-
polista, o capitalismo maduro, no qual, indubitavelmente, a
produção cria o seu próprio mercado para sua realização, em
termos de movimento ampliado pelo processo de reproduçâo
das mercadorias, do próprio capital, equivale dizer, das con-
dições de reprodução. A relação de determinação se inverte
completamente, entreunto, quando passamos à fase pré-
capitalista. Com clareza, Marx diz: "Hoje em dia, a supre-
macia industrial traz a supremacia comercial. No período ma-
nufatureiro, ao contrário, é a supremacia comercial que
proporciona o predomínio industrial" (O capital, Livro I, p.
872). Noutro passo, retoma a mesma idéia, com mais vigor.
"O produto ai se torna mercadoria por meio do comércio. Aí
é o comércio que leva os produtos a se transformarem em mer-
cadoria; não e a mercadoria que, movimentando-se, forma o
comércio. Aí o capital mesmo apÍrece, primeiramente, no pro-
cesso de circulação. É no processo de circulação que o dinhei-
ro vira capital. É na circulaçâo que o produto se torna valor
de troca, mercadoria e dinheiro" (ibidem, Livro tll, p. 378).
Há, portanto, uma nítida clivagem entre dois momen-
tos distintos: antes da transformaçâo vital que revoluciona
o modo de produção, e depois. No primeiro momento o mer-
cado comanda a produção; no segundo, a produção coman-
da o mercado. Mas, há um terceiro momento, o momento
exato da transformaçâo, isto e, aqueles 20 anos decisivos nos
quais se dá a transformaçâo fundamental, que em nosso modo
de entender, parece orientar-se pelas determinantes do mer-
cado e não da produçâo, pois que esta ainda nâo se consti-
tuiu como modo de produçâo capitalista.
De uma forma candente, este problema perpassa a obra
de Eric Hobsbawm. Num texto de 196l diz que "sob as con-
4l
diçôes do desenvolvimento capitalista, antes da Revoluçâo ln-
dustrial, é mais viável que o impulso venha do exterior. Por
esta razão é cada vez mais claro que as origens da Revolução
Industrial na Grà-Bretanha nâo podem ser estudadas exclu-
sivamente em termos de história britânica" (En torno a los
origenes..., cit., p. 104). Segue-se uma brilhante demonstração
do papel desempenhado pela indústria do algodão, carro-
chefe da industrializaçào, nitidamente ligada ao mercado ex-
terno. Porem, em 1965, partindo de uma invocaçâo de Marx,
sugere que "a industrializaçâo capiralista somente pode ter
lugar, num certo sentido, quando a forma do consumo, quer
dizer, quando o mercado é função da capacidade produtiva,
ao invés da capacidade produtiva ser função do mercado"
("Recientes estudios sobre la industrialización en Cran Bre-
tanha", p. la9). Quando passa à consratação histórica, po-
rém, afirma que a industrializaçâo, em termos de empresas
privadas, somente pode ter lugar nas indústrias que já tenham
uma demanda reconhecida e preexistente. Somente quando
o mercado para tais indústrias se expande, de uma forma tí-
pica e a taxas determinadas, e que terão lugar as mudanças
revolucionárias. Conclui que seria praticamente impossível
pensar-se um país em processo de industrializaçâo,sem um
mercado externo amplo e em expansâo, definido por seu ca-
ráter exportador. E mais, que somente o estímulo do merca-
do externo cria condiçôes para a existência de um amplo meÍ-
cado interno, que produza para a exportaçâo, mas amplia
o mercado interno, que suporta o processo nos momentos
de retraçâo do mercado externo. Em 1968, sem qualquer re-
serva, passava a afirmar: "Entre 1700 e 1750 as indústrias
domésticas aumentaram suâ produção 790; as indústrias de
exportaçâo l79o;entre 1750e1770... outros 790 e 1890, res-
pectivamente. A demanda interna cresceu, mas a demanda
externa multiplicou-se. Se uma centelha era necessária, da-
qui ela se originou" (Industry and empire, p. 48). Evidencia-
se, pois, uma flagrante indecisâo, fruto, exatamente, da com-
plexidade que a questão revela.
42
A Íorça do mercado interno
Sem cair nessas vacilaçôes, M. Dobb remete a explica-
ção do arranque industrial para o mercado interno, afirmando
que a expansão do mercado foi o resultado conjunto das in-
venções, intensificaçâo da divisão do trabalho, aumento da
produtividade e crescimento demográfico. Em apoio desta po-
sição, alinham-se pesquisadores conceituados tais como R.
M. Hartwell, Paul Bairoch e Ralph Davies. Este último afir-
ma que o mercado externo teve importância no modesto cres-
cimento industrial que precede à revolução; sua contribuição
maior se dá após a industrializaçâo. Decisivo mesmo, para
ele, teria sido o papel das pequenas indústrias que desde os
inícios do século XVIII dedicavam-se à produção de quin-
quilharias de metal, manufaturas de linho e seda, louças,
construção naval, manufaturas de vidro e algodâo. A impor-
tância que se pretende conferir à indústria do algodão não
encontra respaldo na expansão do mercado externo, porque
suas exportaçôes em direção à África e Índias Ocidentais ocor-
reram num momento em que as dificuldades nas Índias im-
pediram o afluxo de tecidos para o Ocidente, entre 1750 e
1760. Tào logo se normalizou o mercado a tecelagem do al-
godâo feneceu. Pelo contrário, foi a indústria do algodâo que
cresceu à sombra do mercado interno, dinamizando, por sua
vez, a tecelagem da lã e as indústrias metálicas, antes mesmo
do mercado externo tornaÍ-se significativo. Foi no setor da
tecelagem de algodâo que se verificaram os inventos decisi-
vos de Hargreaves, Arkwright e Crompton (The Industrial
Revolution and British overseas trade, p.64). Eis o proble-
ma central, a relaçâo entre o avanço tecnológico e a indus-
trializaçâo, pois os inventos técnicos citados nâo revolucio-
naram as relaçôes de produçào, porque não trazem em si a
mudança<have que é o aparecimento da máquina-ferramenta
acionada a energia motriz. Os inventos citados sâo ainda acio-
nados pela energia humana e, em vez de revolucionarem o
43
sistema produtivo, contribuem para a cristalizaçâo do anti-
go modo de produção, assentado na manufatura. São má-
quinas simples que ampliam a capacidade fisiológica do
organismo humano.
A ênfase no papel decisivo do mercado interno foi de-
senvolvida por alguns autores, de forma mais sistemática.
Num artigo raro, E. W. Gilboy analisou o papel da deman-
da na Revoluçâo Industrial. Partiu do pressuposto que o al-
cance e a difusão às mudanças industriais nâo poderiam
ocorrer, a nâo ser em sociedades cujas demandas e consu-
mos padronizados tivessem passado por mudanças e reajus-
tamentos radicais. Tal sociedade seria caracterizada pela
mobilidade social entre as camadas, pela introduçâo de no-
vas mercadorias criadoras de novas necessidades, e por um
crescimento nos rendimentos reais da população como um
todo. Desta proposta teórica, a autora passou à constatação
de que, na [nglaterra, os salários reais, medidos em termos
de capacidade aquisitiva de artigos da dieta comum dos tra-
balhadores, aumentaram particularmente nas regiões indus-
triais, economicamente mais expansivas. A baixa dos preços
dos cereais ocorre de forma levemente acentuada na primei-
Ía parte do século XvIlI, invertendo-se a tendência na se-
gunda metade. Outros elementos, tais como a alimentação,
vestuário e condições gerais de vida dos trabalhadores, per-
mitem um ganho líquido em capacidade de consumo no fi-
nal do século. Assim, conclui que as "mudanças na demanda
desempenharam um importante papel nos inícios da Revolu-
çâo Industrial. Mudanças nos padrões de consumo, no cres-
cimento populacional e na mobilidade social. A elevação dos
salários reais prodigalizou um estímulo à expansão industrial
que não pode ser subestimado" (Demand as a factor in the
Industrial Revolution... In: R. M. Hartwell, org. The couses
oÍ the Industrial Revolution in England, p. 137).
Observamos, primeiramente, que as condições de sub-
sistência da população inglesa variaram, consideravelmente,
4
em termos espaciais e temporais. Considerando-se, especifi-
camente, o caso da região londrina, pode-se dizer que os sa-
lários subiram no fim dos anos 30 e fim dos anos 60. Além
disso, seu poder aquisitivo, expresso em cereais, aumentou
mais intensamente na primeira parte do século XVIII. Já no
norte do país, a tendência ascensional foi mais marcante no
início dos anos 60. Todavia, as crises cíclicas de seca e fome,
que se sucederam com uma c€rta regularidade durante o trans-
correr de todo o século XVlll, certamente erodiram os salá-
rios reais. Com certeza absoluta, somente se pode afirmar
que os salários reais subiram nos l2 anos anteriores a 1813,
portanto, no transcurso das guerras com a França. Além do
mais, devemos nos recordar que a elevação dos salários reais
não necessariamente precisa significar a ampliaçâo da deman-
da efetiva, pois, se o número de trabalhadores empregados
diminuir, contrai-se a massa global dos gastos de consumo
com a conseqüente retraÇão da demanda geral.
O papel decisivo do mercado oxteÍno
Sem descuidarmos da importância do mercado interno,
que deve ser apropriadamente nuançada e à qual voltaremos
no passo seguinte desta análise, retomamos as consideraçôes
em torno da importância decisiva do mercado externo. W.
E. Minchinton fala do efeito multiplicador do comércio ex-
terior sobre a economia inglesa. Admite que, "por seus re-
flexos no suprimento de fatores de produção, na procura por
manufaturas inglesas, na alocaçâo de recursos financeiros e
industriais, no desenvolvimento urbano, na gestaçâo de ren-
das, o comércio exterior teve uma contribuiçâo necessária e
vital no sentido de impulsionar o crescimento econômico do
século XVllI" (The growth oÍ the Enelish overseas trade, p-
,M). Na mesma linha de argumentação, Deane e Cole afir-
mam a inequivocabilidade da determinância do mercado mun-
dial, visÍvel numa comparação entre o crescimento das indús-
45
trias ligadas ao setor exportador, as indústrias que produziam
para o consumo doméstico, a produção agrícola e â renda
nacional. O crescimento das indústrias ligadas ao mercado
interno foi apenas moderado, o mesmo sucede com a produ-
ção agricola. As indústrias de exportação, porém, tiveram
crescimento signiÍicativamente acelerado, com impulsão es-
tupenda no último decênio. A taxa de crescimento das indús-
trias de exportaçâo foi de 4,690 no período de 1780 a lg00
e o produto nacional cresceu 2,lgo. Como neste período o
crescimento dos demais setores - produçâo interna e agrí-cola - foi levemente moderado, deve-se concluir que o se-tor exportador foi o maior responsável pelo acrescimo
significativo da renda nacional e, porranto, do take-off d,a
economia inglesa. Os produtos destinados à exportação tive-
ram uma taxa de crescimento espanÍosa, particularmente os
têxteis, com l4,lgo no período de 1780 a 1800, ferro e aço,
5,190 e outros metais trabalhados, em média, 5go.
Considerando-se a taxa de crescimento modesto da produ-
ção agrícola, o consumo no mercado interno teria que sofrer
sérias limitaçôes, nâo comportando o desenvolvimento ace-
lerado das forças produtivas que pudessem assimilar a pro-
duçâo doméstica (British economic grov,th, 1688-1959, p.
28-68).
Um exemplo marcante do dinamismo das indústrias li-
gadasao setor exportador e a tecelagem do algodão. Segun-
do dados de Hobsbawm e possível concluir-se pela primazia
que esta indústria desempenhou na industrialização da Ingla-
terra. Enquanto as exportaçôes inglesas cresciam apenas mo-
deradamente, no perÍodo de 1750 a 1770, as exportações das
manufaturas de algodão aumentaram 90090. Ainda mais, é
preciso considerar que as estimativas sobre a produçâo de te-
cidos de algodão se baseiam, geralmente, nos índices de im-
portação da maréria-prima, esquecendo-se que os tecidos de
algodâo continham urdidura de linho e trama de algodâo,
resultando, portanto, que as importações da matéria-prima
6
cobriam apenas meude da quantidade realmente utilizada pe-
la produçâo. A importância desta indúscria na economia in-
glesa nâo parou de crescer. Era responsável por 590 da renda
nacional em t80l-1803 e 7,590 em lSll-1813, tendo substi-
tuido a lâ como primeira indústria britânica, superaçâo esta
que se deu, exatamente, no ano de 1802. Considerando-se a
totalidade da produçâo, a parcela correspondente ao algo-
dão era de 3690 em 1170, 40010 em t800 e 5090 em l8l l. Nâo
se pode esquecert evidentemente, que os produtos de algo-
dão destinavam-se ao mercado externo' especialmente áreas
coloniais e semicoloniais.
É necessário, contudo, superar esta clivagem entre mer-
cado interno e externo, pela qual perpassa um certo mani-
queísmo, alçando a questão para um patamar mais elevado,
isto é, uma diolética entre o mercado interno e colonial, na
determinaçâo da Revolução Industrial, no aceleramento dos
anos decisivos. Nessa perspectiva, nâo necessariamente se teria
que estabelecer uma cesura absoluta entre demanda interna
e mercado externo. Efetivamente, no plano da produçâo' nâo
há como geÍar as mercadorias para a exportaçâo sem a am-
pliaçâo da demanda interna, seja de fatores de produçâo, se-
ja de condições para a reprodução da própria força de
trabalho. Impensável a Revoluçâo lndustrial sendo determi-
nada pela pressâo do mercado externo, com um mercado in-
terno absolutamente estagnado ou recessivo. Inversamente,
não se pode pensar a industrialização da Inglaterra sem os
mercados consumidores das mercadorias que o mercado in-
terno produzia.
De uma forma mais ampla, entendemos que a supera-
çâo das contradiçôes presentes na manufatura foram agudi-
zadas pelo papel decisivo do capital mercantil na gestação do
mercado mundial. Ainda mais, que o processo de transmu-
tação tecnológica, que se consubstanciará no sistema fabril,
é sua criação. E, finalmente, se no capitalismo pleno a pro-
duçâo funda o seu próprio mercado, o mesmo não se pode
41
afirmar quando pensamos o momento mesmo da transfor-
maçâo, quando se revoluciona o antigo modo de produçâo,
quando, efetivamente, a pressào do mercado mundial deter-
minou o ritmo da transformaçâo da estrutura técnica da
produçâo.
A transição da manufatuÍa à maquinoÍatura
A transiçâo do anrigo modo de produção à moderna ma-
quinofatura faz-se por dois caminhos essenciais: o produtor
torna-se mestre-manufatureiro, e com isto comerciante e ca-
pitalista, opondo-se à economia de base narural e agrícola,
bem como ao trabalho manual organizado pelas antigas cor-
poraçôes, isto é, o artesanato propriamente dito; o comer-
ciante-manufatureiro apodera-se da produçào, mas preserva
o antigo modo de produçâo artesanal que se desenvolve a do-
micílio, o putting-ou! system. Neste caso nâo ocorre a revo-
lução do antigo modo de produção, apenas no primeiro,
quando temos, para usar a denominaçâo de Marx, a ,.via real-
mente revolucionária".
As duas vias de passagem
Comentando estas duas vias de passagem, Ciuliano Pro-
cacci diz que, na primeira, formam-se unidades de produção,
nos seculos XVI e XVII, fundadas no trabalho assalariado.
Tais empresas sào limitadas e surgem dos aÍtesãos diretamente
egressos do antigo artesanato: são camponeses isolados e ar-
tesâos. Constituem a parcela mais avançada da burguesia, os
mais diretamenre interessados na destruiçâo completa do mo-
do de produção feudal. Tratava-se de uma relaçâo direta en-
tre o empreendedor e o "trabalhador livre". Aqui, um pro-
dutor-capitalista, produzindo para o mercado que deseja am-
pliar, baixa os custos de produção, desliga-se da sujeição ao
,a
capital comercial, ao mesmo tempo que procura suboÍdiú-lo
ao capital industrial. Neste caso, o lucro já é plenamente capi-
talista, realizado sobre o trabalho excedente dos trabalhadores
"livres". No segundo cirso, os mercadores e os sêgmentos mer-
cantis controlavam e dirigiam a produçâo industrial na forma
existente. Aqui o produtor não es!á separado dos seus meios
de produçâo, encontra-se diante do mercâdortapitalista, o qual
produz dentro dos limites do universo mercantil, subordinan-
do sua atividade produtora à atividade mercantil, continuando
o capital comercial a dominar o capital industrial, verificando-
se um lucro de "alienação", típico do capital mercantil e da
sociedade feudal, que decorre da existência de diferalças no
mercado, por razôes particulaÍes, entre preços de compra e pre-
ços de venda (Do Íeudalismo ao capitalismo, p. 59\.
Estamos, neste caso, diante da grande transição. Não
se trata da transição do regime de trabalho servil para os pro-
dutores independentes, camponeses ou artesãos, trata-se, is-
so sim, da passagem dos produtores independentes, ou
formalmente subordinados ao capital, para a produção ca-
pitalista com subordinaçâo real dos produtores ao domínio
do capital. Completa-se assim a fase de transiçâo, superando-
se o predomínio do capital mercantil sobre o capital indus-
trial e, finalmente, encerrando a fase antropológica do capi-
tal, com a ultrapassagem da manufatura como modo de
produção dominante.
A introdução da máquina-ÍeÍÍamenta
Parafraseando Marx, na manufatura, o ponto de parti-
da para revolucionar o modo de produçâo é a força de tra-
balho. Na indústria moderna, o instrumental de trabalho.
Esta mudança essencial dá-se com a introdução da máquina,
em substituiçâo às ferramentas.
A máquina simples nada mais é do que uma combina-
ção de instrumentos. Paul Mantoux a define como um me-
,:,,
t
,l
49
canismo que sob o impulso de uma força motriz simples exe-
cuta os movimentos compostos de uma operaçâo tecnica, an-
tes efetuada por vários homens. A maquinaria desenvolvida,
contudo, apresentava três paÍes distintas: o motor, a tÍans-
missâo e a máquina-ferramenta ou miiquina de trabalho. É
desta pane da maquinaria, a máquina-ferramenta, que parte
a Revoluçâo Industrial do século XVIII. Ela se constitui num
mecanismo que, ao lhe seÍ transmitido o movimento adequa-
do, realiza com suas próprias ferramentas as mesmas opera-
ções mecânicas que eram, anteriormente, realizadas pelo
trabalhador, o artesão, com ferramenra( semelhantes. O nú-
mero de ferramentas com que opera simultaneâmente a
máquina-ferramenta extrapola a barreira orgânica que a fer-
Íamenta manual acionada por um artesão não pode ultrapas-
sar. O exemplo da máquina de fiar, denominada jenny, é
característico, pois, enquanto o artesâo manipulando uma roca
fiava apenas um fuso de cada vez, e apenas os exímios arte-
sâos eram capazes de fiar dois ao mesmo tempo, a spinning
Jerrnl começou fiando de 12 a 18 fusos de uma só vez.
Com a introdução da máquina-ferramenta, impõe-se a
substituiçâo da energia humana pela energia motriz,
tornando-se indispensável uma revoluçâo na produção de
energia, surgindo em decorrência a máquina a vapor. Quan-
do o homem passa a atuar apenâs como força motriz numa
máquina-ferramenta, ao inves de atuar com a ferramenta so-
bre o objeto de seu trabalho, pode ser substituído pela força
do vento, da água, do vapor, passando o emprego da ener-
gia humana a ser meÍamente acidental. Tal mecanismo de-
termina as grandes modificaçôes tecnicas realizadas num
mecanismo destinado, previamente, a ser impulsionado pela
força humana e a multiplicá-la. A máquina da qual nasce a
Revoluçâo Industrial substitui o trabalhador que manipula
apenas uma ferramenta, por um mecanismo que pode

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