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Explicação matemática do problema colocado ao escravo

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Explicação matemática do problema colocado ao escravo 
A resolução do problema proposto por Sócrates ao escravo – como construir um 
quadrado de área dupla de um outro dado, com “dois pés” de comprimento – é 
merecedora de atenção do ponto de vista da matemática (dando-nos uma ideia do 
desenvolvimento das matemáticas Gregas nos finais do século V a.C.). 
Fazendo perguntas precisas e traçando diante dele figuras na areia, Sócrates leva o 
escravo de Ménon a descobrir uma proposição da geometria. O escravo, que nunca 
tinha aprendido matemática, começa por responder erradamente. No entanto, com o 
prosseguimento do diálogo, acaba por dar respostas corretas. Fato que Sócrates 
interpreta como prova evidente de que o escravo possui conhecimentos matemáticos 
sem o saber. 
Estamos, então, na presença, não de uma, mas de duas demonstrações simultâneas: 
• Por um lado, Sócrates demonstra a Ménon que os homens têm em si 
conhecimentos que desconhecem. Para que esta demonstração atinja os seus 
propósitos, requer-se que o interlocutor de Sócrates saiba Grego mas que não 
tenha (ou pense não ter) conhecimentos de geometria. Para cumprir esses 
requisitos é escolhido um escravo; 
• Por outro lado, Sócrates leva o escravo a descobrir a demonstração da 
duplicação da área do quadrado. 
 
Acompanhemos o processo: 
Sócrates – Diz-me, rapaz, sabe que isto é um quadrado? 
 
 
Sócrates desenha certamente 
no chão um quadrado simples. 
Escravo – Sim. 
Sócrates – Se este lado medisse dois pés, e este outro também dois pés, quantos pés 
mediria o todo? 
Escravo – Quatro, Sócrates. 
 
 
 
 
O escravo vê o raciocínio de Sócrates exemplificado pelo esquema e limita-se a realizar 
operações simples: reconhecer segmentos iguais e calcular 2´2. 
 
Sócrates - Não se poderia fazer um espaço duplo deste, mas semelhante, tendo, as suas 
linhas iguais? 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - Quantos pés mediria? 
 
Escravo - Oito. 
 
Sócrates - Vamos, me diga, qual será a grandeza de cada linha do novo quadrado: as deste 
são de dois pés; as do quadrado duplo, de quantos serão? 
 
É notória a intenção de Sócrates: ele pretende que, apenas através de questões, seja o 
próprio escravo a aperceber-se do seu erro. 
 
Escravo - É evidente, Sócrates, que terão o dobro. 
 
Primeira resposta (errada) do escravo ao problema: 
 
 
 
Primeiro erro do escravo ao afirmar que o quadrado duplo poderia ser construído duplicando 
o comprimento do lado do primeiro quadrado. A área do novo quadrado seria então de 8 
pés. Para o escravo, construir um quadrado duplo de um quadrado dado consistiria apenas 
na duplicação do lado. 
 
Área = 4 × 4 = 16 pés (e não 8!) 
 
 
 
O diálogo com o escravo é interrompido. Sócrates reforça junto de Ménon a ideia de que 
nada ensina ao escravo, apenas o interroga. De regresso ao diálogo e apenas através do 
interrogatório, Sócrates consegue que o escravo se aperceba da sua ignorância. 
 
Sócrates - Então, o espaço de oito pés construir-se-á sobre esta nova linha, traçando quatro 
linhas semelhantes? 
 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - Tracemos, então, quatro linhas semelhantes a esta. Chamas a isto um espaço de 
oito pés? 
 
Escravo - Sim. 
 
 
 
Sócrates - Mas este novo quadrado não compreende outros quatro, cada um dos quais é 
igual ao primeiro, que mede quatro pés? 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - Então qual é a grandeza dele? Não é quatro vezes maior? 
 
 
 
Esta figura tem 4 vezes a área do quadrado menor 
Escravo - Sem dúvida. 
 
Sócrates - Mas o que é quatro vezes maior, é duplo? 
 
 
 
Escravo - Não, por Zeus! 
 
 
O escravo começa a duvidar do que pensava conhecer. 
 
 
Sócrates - Então que é? 
 
Escravo - Quádruplo. 
 
Sócrates - Portanto, meu rapaz, com a linha dupla não se forma um espaço duplo, mas sim 
quádruplo. 
 
 
 
Quadrado menor 
 
 
 
 
Quadrado com o quádruplo da área do quadrado menor. 
 
Escravo - É verdade. 
 
Sócrates - Quatro vezes quatro, não são dezesseis? 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates recoloca o problema ao escravo, perguntando-lhe agora se o quadrado duplo não 
terá de lado um valor entre dois e quatro pés: 
 
Sócrates - Não se formará, então com uma linha maior do que essa e menor que aquela? Que 
te parece? 
 
Escravo - Parece-me que sim. 
 
 
 
Sócrates - É necessário, portanto, que a linha do espaço de oito pés seja mais comprida que 
a de dois pés e mais curta que a de quatro. 
 
Escravo - Sim, é necessário. 
 
Sócrates - Vê se me podes dizer qual a sua extensão. 
 
Escravo - Três pés. 
 
Segunda resposta (errada) do escravo ao problema: 
 
 
Três pés 
 
O escravo é levado a concluir que o lado do quadrado desejado, afinal, tem 3 pés de 
comprimento. 
 
Sócrates - Para esta linha medir três pés, teremos que lhe acrescentar metade do seu 
comprimento: quer dizer, um pé aos dois pés. Agora, a este outro lado, juntemos também 
mais um, aos dois pés. Formamos assim o espaço de que falas. 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - Mas se o espaço tem três pés por este lado e três por aquele não será de três 
vezes três pés? 
 
Escravo - Assim parece. 
 
Sócrates - E três vezes três pés quantos são? 
 
Escravo - Nove pés. 
Sócrates faz o escravo ver que a sua resposta daria um quadrado de 9 pés no total 
 
Sócrates - Mas quantos pés deveria ter a superfície, para ser dupla da primeira? 
Escravo - Oito. 
 
Sócrates - Então o espaço de oito pés também se não forma com a linha de três pés? 
 
Escravo - É verdade que não. 
 
 
O escravo reconhece, mais uma vez, o seu erro. 
 
O escravo é, então, de novo “convidado” a tentar encontrar a solução para o comprimento 
do lado do quadrado desejado. 
 
Sócrates - Então com que linha se forma? Trata de não dizer ao certo; e, se não queres 
exprimi-la em números, indica-a na figura. 
 
Escravo - Por Zeus! Sócrates não sei! 
 
Reconhecimento da ignorância por parte do escravo 
 
Segue-se a última interpelação de Sócrates ao escravo: 
 
Sócrates - Observa agora o que, partindo da dúvida, descobrirá comigo, sem eu lhe ensinar 
nada, pois tenciono apenas interrogá-lo. Vê se consegues surpreender-me a ensinar-lhe ou a 
explicar-lhe alguma coisa, em vez de me limitar a pedir a sua opinião. (Ao escravo): Tu, diz-
me: este espaço não é de quatro pés? Compreendes? 
 
Sócrates tenta fazer ver ao escravo que o quadrado maior tem quatro vezes a área do inicial, 
por estarem dentro do maior 4 mais pequenos. 
 
 
 
Área = 4 pés 
 
Sócrates - Tu, diz-me: este espaço não é de quatro pés? Compreendes? 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - Poderemos juntar-lhe mais este, que lhe é igual? 
 
 
 
 
Escravo - Por que não? 
 
Sócrates - E um terceiro, idêntico aos outros dois? 
 
Escravo – Sim. 
 
 
 
 
 
Sócrates - Não podemos completar a figura colocando este outro espaço naquele ângulo? 
 
Escravo - Sem dúvida. 
 
 
 
 
Sócrates - Não teremos assim quatro espaços iguais? 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - E todos juntos, quantas vezes são maiores do que este só? 
 
Escravo - Quatro vezes. 
 
Sócrates - Mas nós queríamos apenas um espaço duplo, lembras-te? 
 
Escravo - Efetivamente. 
 
Sócrates - Estas linhas que vão de um ângulo a outro (diagonalmente) não dividem em dois 
cada um destes espaços? 
Escravo - Sim. 
 
 
 
 
 
 
Sócrates - Não obtemos quatro linhas iguais que limitam um novo espaço? 
 
Escravo - Assim é. 
 
 
 
 
Sócrates - Repara bem. Qual será a grandeza deste espaço? 
 
Escravo - Não sei. 
 
Sócrates - Estas linhas (diagonais) não dividem ao meio cada um dos quatro espaços? Sim, 
ou não? 
 
De fato, cada diagonal divide o quadrado em dois triângulos iguais. 
 
 
 
Escravo - Sim. 
 
Sócrates - Quantos desses espaços semelhantes há no espaço do meio? 
 
 
 
 
 
 
Temos quatro triângulos, cada um com área metade da do quadrado menor, que tinha 4 
pés. Então, cada triângulo tem 2 pés de área. 
 
Escravo - Quatro. 
 
Sócrates - E neste aqui, quantos há? 
 
Escravo - Dois. 
 
Sócrates - Que vem a ser quatro, em relação a dois? 
 
Escravo - O dobro. 
 
Sócrates - Então, quantos pés mede este espaço?Escravo - Oito pés. 
 
Sócrates - E sobre que linha se construiu? 
 
Escravo - Sobre esta. 
 
Sócrates - A linha que vai de um ângulo a outro, no espaço de quatro pés? 
 
Escravo - Sim. 
 
 Resposta final (correta) do escravo ao problema: 
 
 
 
 
É este, de facto, o lado do quadrado duplo que se pretendia. 
 
Sócrates - Pois a esta linha os sofistas chamam diâmetro. Se tal é o seu nome, o espaço 
duplo forma-se, como dizes, escravo de Ménon, sobre o diâmetro. 
 
Escravo - É verdade, Sócrates. 
 
 
Finalmente a solução é atingida com a construção do quadrado de área dupla a partir do 
desenho das diagonais dos quatro quadrados contidos no de área quádrupla. Traçadas as 
quatro linhas, o problema fica resolvido, sem que o escravo tenha de realizar operações 
complicadas. 
 
 
 
Hoje sabemos que o lado do quadrado duplo do inicial média, precisamente, Ö 8. A solução 
atingir-se-ia facilmente utilizando equações do 2º grau. 
 
 
2 pés 
 
 
Para sabermos com exatidão o comprimento do lado, também podemos utilizar o teorema 
de Pitágoras. 
 
Como 22 + 22 = L2. Sai, portanto, que 8 = L Û L = Ö8. 
 
Segundo Sócrates, o escravo precisava errar e reconhecer esse erro para encontrar o 
caminho da verdade através da recordação. Sócrates tem a preocupação de, ao longo de 
toda a demonstração, fazer ver a Ménon que nada ensina ao escravo, mas que apenas o 
interroga. 
 
É certo que a questão da anamnese é delicada. Mas os argumentos a seu favor têm inegável 
consistência. 
 
“Teremos que reconhecer que, mesmo que alguém 
tenha ensinado o escravo de Ménon, ninguém 
ensinou Pitágoras.” 
 
Fonte: https://webpages.ciencias.ulisboa.pt/~ommartins/seminario/platao/exmatprobl.htm

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