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Bloc Moreira - Esboço de uma fenomenologia clínica dos transtornos alimentares inspirada ou com base na filosofia de Merleau-Ponty

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1 
 
Esboço de uma fenomenologia clínica dos transtornos alimentares 
com base na filosofia de Merleau-Ponty1 
Lucas Bloc 
Virginia Moreira 
 
Resumo 
Este artigo tem como objetivo propor um esboço de uma fenomenologia clínica dos 
transtornos alimentares inspirada na fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty. 
Inicialmente, descrevemos a fenomenologia do corpo, mostrando como as discussões sobre 
hábito e sobre aambiguidade entre ser e ter um corpo podem contribuir para elucidar os 
transtornos alimentares. Em seguida, discutimos a noção de esquema corporal como 
reveladora da arquitetônica da corporeidade e como via de organização do modo particular de 
ser corpo nos transtornos alimentares. Por último, exploramos a noção de carne como via de 
aprofundamento da corporeidade nos transtornos alimentares. O esboço de uma 
fenomenologia clínica dos transtornos alimentares coloca em cena o modo de ser corpo em 
seu enraizamento no mundo. Ao focar a experiência, ressaltamos a alteração do modo de se 
experienciar o corpo nos transtornos alimentares que se instaura a partir da dinâmica 
intersubjetiva. Trata-se de uma experiência corporal que se compõe a partir dos hábitos, que 
revela uma objetificação do corpo que conduz a um desequilíbrio entre o corpo sujeito e o 
corpo objeto, que se (des)organiza intercorporalmente através do esquema corporal e que se 
constitui em sua carnalidade marcada pela (in)visibilidade, pelo espelho e pelo circuito 
interminável de incorporações. 
Palavras-chave: fenomenologia clínica, transtornos alimentares, Merleau-Ponty. 
 
Introdução 
 O interesse pela fenomenologia filosófica teve inicio quando psiquiatras identificaram 
que, através da fenomenologia filosófica, seria possível ter uma nova atitude clínica. Assim, a 
partir da década de 1920, o campo clínico começou a ser explorado e expandido, inicialmente 
inspirado nas contribuições de Husserl e Heidegger. Psiquiatras como Karl Jaspers, Ludwig 
Binswanger, Eugene Minkowski, Medard Boss, Erwin Strauss, Viktor von Gebsattel, 
Hubertus Tellenbach, Arthur Tatossian, entre outros, entenderam e se utilizaram da 
fenomenologia para uma melhor compreensão dos transtornos mentais. Assim, a 
 
1 Este capítulo é a tradução do seguinte artigo : Bloc, L. & Moreira, V. (2018). Outline of clinical 
phenomenology for eating disorders inspired by Merleau-Ponty philosophy. Thaumàzein, 6, 116-137. 
 
 
 2 
fenomenologia clínica rapidamente se desenvolveu a partir do desejo de um "diálogo" aberto 
entre fenomenologia e psiquiatria (Dastur, 2014). 
A opção de utilizar aqui o termo fenomenologia clínica advém de uma tomada de 
posição, tanto teórica quanto prática, combinando duas dimensões que não estão ligadas de 
forma clara. Por um lado, a fenomenologia se apresenta no campo filosófico com sua 
especificidade e se mostra capaz de atingir vários domínios de acordo com sua amplitude, seu 
potencial no nível metodológico e sua diversidade. Por outro lado, a clínica corresponde, em 
particular, ao domínio psi (psiquiatria, psicopatologia, psicologia e psicoterapia) e ao contato 
com os sujeitos que sofrem com seus modos de existir e de adoecer. A fenomenologia 
filosófica é utilizada como uma inspiração, fornecendo possíveis ferramentas clínicas para 
uma melhor compreensão das diferentes experiências patológicas e de intervenções clinicas 
que venham a contribuir para a melhora de quem sofre com estas experiências. Ela nos 
fornece direções e fontes para desvelar e compreender os fenômenos, bem como para estar 
presente no encontro clínico. 
A maior parte dos trabalhos em psicopatologia fenomenológica são voltados para as 
psicoses, em especial para a esquizofrenia. No entanto, consideramos que a fenomenologia 
filosófica pode servir de inspiração para uma abordagem original e crítica capaz de compor 
uma fenomenologia clínica dos transtornos alimentares. Acreditamos que a filosofia de 
Merleau-Ponty, referencial utilizado neste artigo, traz contribuições significativas que 
ultrapassam o campo filosófico e podem atingir o campo clínico de forma fecunda em suas 
diversas possibilidades. Assim como Husserl e Heidegger, que tradicionalmente forneceram 
as bases de inspiração para a fenomenologia clínica, consideramos que a fenomenologia de 
Merleau-Ponty pode se apresentar efetivamente como interlocução e fonte de inspiração para 
se compreender os transtornos alimentares. 
 Consideramos que a fenomenologia de Merleau-Ponty tem este lugar como fonte de 
inspiração para a clínica dos transtornos alimentares devido, principalmente, à importância, 
de suas contribuições acerca da noção de corpo, permitindo uma reflexão e uma "ampliação" 
desse conceito. A articulação, mas também a ruptura, que Merleau-Ponty estabelece entre a 
noção de corpo e outras noções, como as de esquema corporal e de carne, nos convida a uma 
exploração mais ampla e, na medida do possível, mais capaz de alcançar a unidade de seu 
pensamento. Nossa hipótese aqui é que o trabalho de Merleau-Ponty pode se apresentar como 
uma ferramenta de trabalho essencial para a compreensão dos transtornos alimentares, uma 
vez que nos permite abordar, ao mesmo tempo, a experiência sensível do sujeito e a 
constituição mundana de sua experiência. Sua abordagem pode contribuir na medida em que 
 3 
se constitui como uma ferramenta primordial para a compreensão da experiência de corpo no 
tecido carnal de nossa existência. 
 Este artigo tem como objetivo propor um esboço de uma fenomenologia clínica dos 
transtornos alimentares inspirada na fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty. Inicialmente 
descrevemos a fenomenologia do corpo, mostrando como as discussões sobre hábito e sobre a 
ambiguidade entre ser e ter um corpo podem contribuir para elucidar os transtornos 
alimentares. Em seguida, discutimos a noção de esquema corporal como reveladora da 
arquitetônica da corporeidade e como via de organização do modo particular de ser corpo nos 
transtornos alimentares. Finalmente, exploramos a noção de carne como via de 
aprofundamento da corporeidade nos transtornos alimentares através de três elementos 
fundamentais: (in)visibilidade e invasão, espelho e incorporação. 
 
A fenomenologia do corpo em Merleau-Ponty 
 
 A palavra "corpo" tem muitos significados que dependem das bases que tomamos 
como referência e seu uso muda de acordo com elementos culturais e históricos associados. A 
abordagem do corpo mobiliza várias ciências que usam diversas técnicas e modos de 
expressão próprios, incluindo métodos, epistemologias e várias formas de estudar as 
sensações (Corbin, Courtine & Vigarello, 2010). Merleau-Ponty ocupa um lugar importante 
na discussão fenomenológica sobre o corpo e integra em sua obra várias noções, como corpo 
próprio, corpo vivido ou mesmo corporeidade, enfatizando a experiência do corpo, em seu 
caráter perceptivo, mas também sensível. Em relação ao esquema corporal e à imagem do 
corpo - noções amplamente utilizadas em psiquiatria e neurologia - Merleau-Ponty lhes 
confere um status específico ao reconhecer seu papel de organização da experiência 
(inter)corporal. Parece, portanto, que a intenção filosófica de Merleau-Ponty é relevante e 
fértil porque dá ao corpo um papel que lhe permite superar as tentativas de objetivação, 
envolvendo-o amplamente na experiência. É um "processo de subjetivação do ser humano que 
faz parte da estrutura do corpo" (Sichère, p. 1982, p. 202). 
 
 
 O corpo como hábito primordial 
 
 Nas obras de Merleau-Ponty, o hábito está presente de maneira recorrente. No 
Fenomenologia da percepção, aparece uma espécie de definição do hábito como o «poder que 
temos para dilatar nosso ser-no-mundo, ou para mudar a existência, anexando novos 
 4 
instrumentos” (Merleau-Ponty, 1945/2010, p. 827). Não é nem um conhecimento nem um 
automatismo – «Trata-se de um conhecimento que está nas mãos, que sóé dado ao esforço 
corporal e não pode ser traduzido em uma designação objetiva" (p. 827). Merleau-Ponty cita 
vários exemplos, como o hábito de dirigir ou digitar. Tudo isso inclui um "conhecimento de 
familiaridade" e "nos convida a reformular nossa noção de ‘compreensão’ e nossa noção de 
corpo" (p. 828). Carregamos um hábito que torna a familiaridade possível e atravessa todo o 
nosso olhar e posição em relação a nós mesmos e ao mundo. O hábito expressa, assim, o 
modo de ser corpo no encontro de nosso ser com o mundo em uma dimensão comum. 
 Merleau-Ponty admite a existência de uma generalidade de nossos hábitos e de nossas 
funções corporais. O hábito pode ser entendido como nossa capacidade de nos expandir 
diante do que é novo, mas também como o resultado de uma experiência cotidiana que 
permite ou não anexar uma maneira própria, habitual. Podemos dizer que há uma positividade 
com a expansão, com a abertura de possibilidades, mas também uma negatividade quando 
estamos presos em um hábito e quando ele se torna a única possibilidade que permanece para 
nós. As funções corporais são o caminho para nos relacionarmos com os objetos, expressando 
um movimento da existência (Merleau-Ponty, 1945/2010). 
 O ato de comer comporta uma generalidade adquirida muito cedo e que pode mudar 
durante a vida; é, ao mesmo tempo, um hábito e uma função corporal. No entanto, essas duas 
dimensões também podem se alterar. O não reconhecimento de uma função do corpo, por 
exemplo, não permite a criação de um hábito porque não há movimento, como podemos 
observar, por exemplo, em pacientes com anorexia que destituem de importância o ato de 
comer e as suas funções como elemento vital, passando a focar de forma acentuada no corpo 
como objeto. Perde-se a cotidianidade do comer que tende a dificultar o caráter habitual, e 
necessário, do ato de comer. Já no caso da hiperfagia a centralidade do ato de comer, 
evidenciada pela função que exerce na vida destas pessoas, (re)cria os hábitos, altera o modo 
de funcionar de um sujeito que não consegue não comer. 
 Existe um movimento dialético entre habito e função corporal que, no caso dos 
transtornos alimentares, é freqüentemente alterado ou desequilibrado. Trata-se de um 
distanciamento entre o modo se relacionar com o corpo, com o ato de comer como 
movimento próprio da existência e a constituição de um estilo através de hábitos que vão 
sendo criados ao longo da vida. Comer vai além de uma função nutricional e, ao longo da 
vida, os hábitos vão sendo criados e recriados. As funções corporais desempenham um papel 
na significação intencional para o mundo e, neste caso, para a alimentação, tornando possível 
a constituição de um hábito. O hábito permite o fluxo dessas funções corporais e torna efetivo 
 5 
um modo de ser, um estilo existencial. Se o hábito é a comunhão de um ato e de um saber que 
nos mostra um estilo pessoal (Saint Aubert, 2013), também construído no mundo, o ato de 
comer vai além de um simples comportamento na medida em que carrega também um estilo 
pessoal construído por um “conhecimento” imposto e exposto pelo sujeito e pelo mundo. Na 
medida em que somos nosso corpo, (re)vivemos diariamente nossos hábitos cheios de sentido 
e de (im)possibilidades, sempre entre mudança e permanência. Os atos alimentares evocam, 
em sua cotidianidade indispensável, o movimento da própria existência. 
 
 Ser e ter um corpo : a ambiguidade e o equilíbrio necessários 
 
 Quase dez anos antes da defesa de sua tese em 1945 e marcado pela influência de 
Gabriel Marcel (Saint Aubert, 2005), Merleau-Ponty escreve sobre um corpo que não pode 
ser tido nem como objeto nem como um conjunto de qualidades e características. Ao 
considerar que «eu sou o meu corpo», Merleau-Ponty acentua um corpo em que fazemos 
causa comum, indo além de algo que apenas se tem. Trata-se de uma perspectiva situada entre 
o que eu tenho e o que sou, pois «se meu corpo é mais do que um objeto que eu possuiria, não 
se pode mais dizer que ele seja eu-mesmo: ele está na fronteira do que eu sou e do que eu 
tenho » (Merleau-Ponty, 1936/1997, p. 39), no limite do ser e do ter. Merleau-Ponty vê aí um 
movimento entre o «ser» e o «ter» que define a condição humana. Enquanto que ele é meu 
corpo, ele não é como o dos outros. Ele é um ser ambíguo, uma coisa que, ao mesmo tempo, é 
nossa e que também nós somos (Barbaras, 2005). 
 O corpo próprio tem seu «modo de existir particular» (Barbaras, 2008, p. 69) para 
além de uma objetificação. O corpo próprio é o nosso corpo e o é no sentido da intimidade 
com o corpo que vivemos, sentimos e experienciamos como nosso. Merleau-Ponty propõe 
uma fenomenologia do próprio corpo que enfatiza a realidade ambígua do corpo que é, ao 
mesmo tempo, sentiente e sentinte, objeto e sujeito, tocante e tocado. Até mesmo o termo 
corpo é ambíguo, pois é, ao mesmo tempo, um corpo como os outros (Körper), mas também 
um corpo vivido (Leib) que se distingue dos outros pelo fato de destacar a experiência vivida 
em sua habitação sempre corporal. Essa orientação está presente de maneira significativa em 
diversos trabalhos posteriores de Merleau-Ponty e nos conduz à distinção entre o corpo objeto 
e o corpo sujeito. 
 Vivido em primeira pessoa, o corpo sujeito conduz à experiência mesma do corpo, ao 
vivido na sua dimensão sensível, particular e espaço-temporal encarnada no mundo, sempre 
movido pela intencionalidade e pela subjetividade. Já o corpo objeto remete ao «modo de ser 
 6 
de uma coisa» (Dupond, 2007, p. 38), podendo ser decomposto, estudado pelas ciências e 
observado pelos outros e por nós mesmos. Dizer que temos um corpo não significa ignorar a 
condição de sujeito. O corpo próprio é, necessariamente, ao mesmo tempo, sujeito e objeto. 
Entretanto, Merleau-Ponty considera que «a distinção do sujeito e do objeto é embaralhada no 
meu corpo» (Merleau-Ponty, 1960, p. 166). Há uma inversão e uma mistura constante dos 
papéis de sujeito e de objeto no corpo (Barbaras, 2005, p. 207). A ambiguidade encarnada no 
vivido corporal pode parecer natural, especialmente se considerarmos o equilíbrio entre o que 
temos e o que somos. No entanto, um desequilíbrio pode existir e abrir um espaço para 
experiências psicopatológicas. 
 A relação entre o corpo e a alimentação é complexa, pois, para o homem, esse ato tem 
um significado que vai além do próprio alimento e que está ancorado no próprio corpo. Há 
sempre uma posição "pessoal" em relação ao comer, o que significa dizer que cada um de nós 
tem um estilo particular resultante da relação com o mundo, com os outros e com a própria 
comida. 
 Compreendendo o transtorno alimentar como uma "forma de existência" (Merleau-
Ponty, 1945/2010, p.787) cujo corpo é a via de expressão, na experiência anoréxica poder-se-
ia-se dizer que o corpo objeto é evidenciado. Os atos de comer estão muito relacionados com 
a mudança do corpo, com a possibilidade de o sujeito engordar e com a visão que outros 
carregam dele: é o corpo para os outros. Ainda que o sujeito tenha fome, comer é uma 
ameaça e, por vezes, não é o acontecimento desejado. A fome propriamente dita é imposta 
por este sujeito a si mesmo, é uma necessidade cujas implicações ultrapassam a necessidade 
propriamente dita. Na anorexia experiencia-se a fome, luta-se contra ela, impedindo que ela 
seja suficiente para impor o ato de comer. Ter ou não ter fome não é uma escolha que o 
sujeito possa controlar constantemente. Quando o sujeito come ele "se confronta com a 
alteridade do que ele não é" (Legrand & Taramasco, 2016, p. 310), pois se trata de uma 
injunção que ele não quer se assujeitar. Pode-se dizer que as experiências de comer ou mesmo 
de sentir fome são vivenciadas pelo corpo sujeito e "posicionam inevitavelmente o sujeito 
diante do outro" (p. 311), sentido originário desde o nascimento. A ação de não comer o 
suficiente na anorexia demonstra o papel simbólicodo comer e a ameaça que vai além do seu 
valor nutricional. Além disso, em casos mais graves, há uma distorção da própria imagem do 
corpo. O desequilíbrio entre o corpo sujeito e o corpo objeto parece criar essa distorção, uma 
distância, entre o que é visto e aquele que vê e é a marca da ambiguidade do corpo e da sua 
constituição mundana. A evidência é colocada no corpo objeto e o corpo sujeito, ainda 
presente, é dissonante, pois o olhar do outro desempenha um papel crescente. 
 7 
 No caso da experiência hiperfágica, poderíamos sugerir que existe uma supressão 
momentânea do caráter próprio do corpo. O sujeito perde o controle sobre o ato de comer e 
vive a intensidade de um ato marcado pelo desejo de comer. Há uma espécie de curto-circuito 
na experiência corporal que se constitui no desequilíbrio entre corpo sujeito e corpo objeto. 
De um lado, há uma dificuldade em experienciar os sentimentos corporais diante do 
distanciamento do vivido corporal e também do outro. O sujeito perde, momentaneamente, 
sua via de ligação, de contato com os outros e consigo mesmo, que lhe forneceria a 
possibilidade de um controle em relação ao comer. Visa-se o ato de comer, “é preciso” comer 
de forma imediata. A reaparição, em seguida, do corpo objeto é a condição de possibilidade 
da culpabilidade por vezes vivida. Ela existe em função de uma vulnerabilidade que se 
instaura a partir do olhar do outro ou mesmo simplesmente da iminência deste olhar na sua 
dimensão antropológica: « os comportamentos alimentares são carregados pelas imagens do 
corpo e as imagens do mundo » (Charbonneau & Moreira, 2013, p. 537). 
 Reconhecendo a ambiguidade do corpo, é possível perceber, através das contribuições 
de Merleau-Ponty, o risco de se perder o equilíbrio entre o corpo que somos e o corpo que 
temos. No caso dos transtornos alimentares, a circularidade originária e simplificada fome-
alimentação-saciedade não é evidente e esta dinâmica se torna a origem ou mesmo o índice de 
muito sofrimento. Não se pode reduzir toda a problemática dos transtornos alimentares ao 
“comer”. No entanto, se as alterações se referem a essa experiência, ela tem um significado. 
Devemos manter nossa atenção no corpo, mas sabendo que esse corpo é sujeito e também 
objeto no mundo e para o mundo; faz parte de uma história e a compõe ao desempenhar um 
papel sempre ambíguo. Tudo o que acabamos de descrever está ancorado no próprio corpo; 
entender o (des)equilíbrio entre ser e ter um corpo nos parece fundamental no caso dos 
transtornos alimentares. 
 
O esquema corporal: a arquitetônica da corporeidade 
 
 Do Fenomenologia da percepção aos últimos escritos, Merleau-Ponty critica, discute, 
explora e define a noção de esquema corporal que se mostrou fecunda para a construção de 
outros conceitos como o da carne. Ele teve o mérito de ter introduzido na filosofia 
fenomenológica essa noção (Petit, 2010), até então, usada apenas por neurologistas e 
psiquiatras. Esta noção se tornou cada vez mais importante e mais explorada por Merleau-
Ponty, seja para a definição de seu percurso teórico, seja para a elaboração e sedimentação de 
 8 
outros conceitos. Trata-se de um instrumento teórico indispensável para a germinação do 
projeto ontológico de Merleau-Ponty (Veríssimo, 2012). 
 Desde o início de sua obra Merleau-Ponty se distancia das definições cognitivistas do 
esquema corporal como representação para abordar uma compreensão pré-reflexiva, 
expressiva e sempre ligada ao mundo. Ele considera que o esquema corporal é "uma maneira 
de expressar que meu corpo está no mundo" (Merleau-Ponty, 1945/2010, p. 780). O esquema 
corporal "diz respeito a todo o corpo, a todas as suas dimensões vitais, suas possibilidades de 
expressão e relação com o mundo" (Saint Aubert, 2013, p. 84), ele está em interação consigo 
mesmo e com o mundo. Tendo um papel de organização, o esquema corporal é, para 
Merleau-Ponty, "a arquitetônica de uma corporeidade que arquitetura o mundo" (Saint 
Aubert, 2013, p. 18) e isso se dá através de um tecido relacional que envolve o corpo, o 
mundo e outros. 
 Nos cursos realizados na Sorbonne, Merleau-Ponty aborda o caráter intersubjetivo do 
esquema corporal. Ele se interessa pela gênese da percepção do outro, utilizando diferentes 
aportes da psicologia, encontrados, em particular, nos trabalhos de Wallon e Piaget (Saint 
Aubert, 2013). Em seu curso Estrutura e conflito da consciência infantil, Merleau-Ponty 
defende a existência de uma unidade do corpo sempre em relação com o mundo. Trata-se de 
uma dimensão sensível vivida em um espaço de experiência que transcende as fronteiras de 
nós mesmos e alcança o mundo. O esquema corporal está "ligado a todo o campo da 
expressividade animal e humana" (Saint Aubert 2013, p. 73). Desde a infância, essa 
expressividade apresenta-se como condição de abertura original ao mundo, polarizada pela 
relação com os outros. O esquema corporal é «portador de significações» (Merleau-Ponty, 
1953/2011, p. 162). A partir de um processo de adaptação, ele «se adapta ao mundo para se 
transfigurar e para transfigurá-lo no mesmo movimento; corpo e mundo se transfiguram 
mutuamente, se configurando um ao outro» (Saint Aubert, 2013, p. 108). Trata-se de uma 
metamorfose mútua, de uma dupla afetação, uma invasão de um sobre o outro. 
 Em seu curso sobre O Mundo Sensível e o Mundo da Expressão (1953), Merleau-
Ponty considera o esquema corporal como um esquema inter-corporal. A influência do 
trabalho de Schilder sobre o seu pensamento tornou-se importante e se apresenta, a partir daí, 
como a base da sua posição filosófica: "o esquema corporal tem uma estrutura libidinal e é 
habitado em profundidade pelas questões da relação com os outros" (Saint Aubert 2013, p. 
121). Essa estrutura libidinal tem uma dimensão importante que afeta nossa relação com o 
mundo. Em outras palavras, a libido é "o princípio animador do esquema corporal" (p. 123). 
Este corpo tem sentidos e sempre deseja. Deve-se notar que Merleau-Ponty substitui a libido 
 9 
pelo desejo e insiste na dimensão verdadeiramente relacional do esquema corporal. Tal 
evolução implica cada vez mais na articulação entre a vida sensório-motora e a vida 
desejante. A explicitação do esquema corporal revela uma relação consigo mesmo, mas ainda 
associada a uma relação com os outros. Existe um componente afetivo mais importante que 
reflete a instalação de uma relação com os outros. 
 O caminho audacioso proposto por Schilder seduziu Merleau-Ponty. Para ambos, o 
esquema corporal nunca está isolado; existem trocas permanentes, um comércio incessante 
apoiado por sua capacidade de "destruir-se e construir-se". Merleau-Ponty não abandona a 
dimensão motora que se tornou importante, especialmente, no Fenomenologia da percepção, 
mas, a partir de 1953, intensifica a orientação de seu pensamento para o desejo e a relação do 
corpo com o mundo. É o esquema corporal que é responsável pela tessitura relacional e 
possibilita a relação com o mundo. Nos cursos sobre A Natureza, Merleau-Ponty revela 
plenamente sua reflexão sobre o esquema corporal, sobre a intercorporeidade e sobre a 
questão do outro. Assim, esse progresso e aprofundamento ao longo de suas obras abrem a 
possibilidade de novas perspectivas sobre a questão dos transtornos alimentares. 
 Retomando aqui sua tese de 1945, Merleau-Ponty defende nesse trabalho o caráter 
intencional do esquema corporal e enfatiza a dinâmica vivida, a experiência propriamente. 
Isso indica que há uma experiência vivida no corpo e pelo corpo que leva à construção do 
esquema corporal. Essa dimensão intencional implica uma abertura que é construída na 
relação entre o corpo e o mundo. Os significados são produzidos nessa relação e são vividos 
corporalmente. A unidade não diz respeito apenas ao corpo, resulta do (co)pertencimento do 
corpo e do mundo. Esta unidade não significa necessariamente harmonia, pois setrata de uma 
intensa (co)relação em movimento. Essa composição tem uma tensão dialética que tende a 
estabelecer um movimento de trocas e a ausência desse movimento pode não ser, poderíamos 
dizer, saudável na medida em que pode produzir um modo desorganizado de ser-no-mundo. 
 Embora o estudo dos transtornos alimentares nunca tenha sido o objetivo de Merleau-
Ponty, a concepção que ele propõe sobre o esquema corporal pode ser muito útil para 
compreendê-los, sendo considerados como uma espécie de falha ou mesmo uma distorção 
desse processo de significação. O esquema corporal é parte dessa construção que é aberta e 
não se limita apenas ao próprio corpo, ao indivíduo. Vivenciar um transtorno alimentar está 
associado a uma operação existencial ancorada na adesão sujeito e mundo, corpo e mundo. O 
esquema corporal não é uma simples construção individual, os sintomas não são produções de 
um sujeito isolado e não podem ser considerados como tais, mas como aquilo que permite 
revelar a instalação do corpo no mundo. 
 10 
 A percepção do próprio corpo e a percepção exterior compõem nosso esquema 
corporal, não podem ser isolados também nos transtornos alimentares. O olhar sobre o mundo 
e sobre os outros corpos torna possível e molda a maneira como olhamos para nós mesmos e 
para o mundo. É preciso, então, ir além do comportamento, sem ignorá-lo, e abordar os 
significados sustentados pelo esquema corporal. Vários comportamentos, como aqueles 
presentes na experiência anoréxica, por exemplo, quando não se quer comer mesmo quando 
há fome, na experiência bulímica em que se vomita após um episodio hiperfágico, na 
experiência obesa em que podem existir episódios de ingestão alimentar significativos ao 
longo de um episódio de perda de controle do ato de comer, sustentados pela ação do 
esquema corporal que permite a instalação e organização do corpo no mundo. É uma 
dinâmica que, nesse caso, não é "positiva", não é regulada e pode levar à produção de 
sofrimento no sujeito: é o esquema corporal que dá condição para a ação. Existe de fato um 
desejo na gênese desses modos de ser, mesmo que esse modo de ser seja patológico, como 
nos exemplos citados; esse desejo se organiza, se apresenta e é produzido de modo 
intercorporal. 
 O esquema corporal permite implantar o espaço expressivo enquanto incorpora um 
certo número de coisas que se tornam familiares através do hábito. Integrar tudo não significa, 
necessariamente, integrar bem ou ainda significar bem. Vivemos um circuito de incorporação. 
Estamos acostumados a comer desde o nascimento de acordo com um processo de regulação 
e de "evolução". Mas isso não é tão simples quanto parece, porque cada indivíduo tem sua 
própria dinâmica condicionada pela necessidade, mas também pelo desejo. As pessoas que 
sofrem de transtornos alimentares também têm um modo singular de ser e é o esquema 
corporal que opera essa dinâmica, organiza-a em relação ao mundo e, neste caso, em relação à 
alimentação. O esquema corporal merleau-pontyano está sempre procurando uma 
organização, um equilíbrio a partir dos significados e o desejo sempre intervém. Ele se 
organiza intercorporalmente em um movimento dialético entre o sujeito e o mundo, seu 
mundo, e isso implica que a problemática dos transtornos alimentares não deve ser abordada 
apenas como um modo de (des)organização do esquema corporal na esfera individual, mas 
como uma alteração sempre instituída nessa radicalidade de trocas sujeito e mundo, entre 
corpos no plural. 
 
A potência da carne: um aprofundamento da corporeidade 
 
A noção de carne permite que se vá "em direção ao sentido mais profundo da 
 11 
corporeidade" (Saint Aubert, 2013, p. 16). Nas palavras de Merleau-Ponty «é através da carne 
do mundo que se pode finalmente entender o próprio corpo» (Merleau-Ponty, 1964, p. 299). 
Seu poder está ligado à sua ousadia na medida em que sinaliza e enfatiza a radicalidade de 
nossa (co)existência no mundo e de nosso (co)pertencimento. Na medida em que possibilita a 
compreensão e o aprofundamento do corpo próprio, a carne nos permite considerar as 
experiências psicopatológicas de maneira mais ampla. Encoraja-nos a procurar nesse tecido 
carnal as fontes desses modos de sofrimento. Trata-se de compreender aqui os transtornos 
alimentares de uma maneira que radicaliza nossas relações e a ausência de fronteiras rígidas 
entre o sujeito, o mundo, os outros e a cultura. 
A noção de carne torna-se um conceito, e até mesmo uma categoria ontológica 
fundamental, pois Merleau-Ponty se dá conta da insuficiência do que está expresso no 
Fenomenologia da percepção sobre a unidade do corpo fenomenal e do corpo objetivo. Para 
Dupond (2001), ao invés de diferenciar corpo sujeito e corpo objeto, a noção de carne 
permite escapar do sentido habitualmente atribuído ao corpo, instituindo a carne como 
matéria comum que assegura a inseparabilidade do corpo vidente e do mundo sensível. 
 
(In)visibilidade e invasão: a ancoragem corporal da carne 
 
As principais referências quando a discussão diz respeito à noção de carne são O 
visível e invisível, juntamente com suas notas de trabalho. Desde o início desta obra 
inacabada, Merleau-Ponty se concentra no visível. Na medida em que o mundo é o que 
vemos, "temos que aprender a vê-lo" (Merleau-Ponty, 1964, p. 18), afirma o filósofo. Seu 
objetivo é descobrir o sentido de ser no mundo. Esse sentido se dá no mundo em uma 
intersecção originária com o universo dos outros. Nosso ser é sempre atingido pela visão que 
os outros têm de nós (Merleau-Ponty, 1960; Saint Aubert, 2013). Nosso mundo é visual e tem 
um campo e um alcance aberto e inesgotável, tornando concreta a atmosfera de nossas vidas. 
O homem está essencialmente no mundo por sua corporeidade, isto é, graças a essa condição 
mundana do corpo, ele pode ter acesso ao mundo e se institui como ser (in)visível. 
A carne se apresenta de modo quiasmático em seu caráter eminentemente ambíguo 
que não deixa espaço para dicotomias. Como “estilo de ser” (Saint Aubert, 2013, p. 111), a 
carne é, ao mesmo tempo, um modo de habitar o mundo e de considerá-lo como um "modo 
singular de ser um corpo cuja característica mais essencial e existencial é de ser capacidade de 
abertura a outrem e ao mundo" (Saint Aubert, 2016, p. 324-325). Isso evoca uma "experiência 
de nossa condição" (Saint Aubert, 2004b, p. 201), instituída como uma troca “entre carnes” - 
 12 
um comércio constituído na invasão entre "eu e o mundo percebido, entre eu e os outros" (p. 
201). Como um modo de expressão, a carne expressa o ser e é animada pelo desejo em sua 
ancoragem corporal. Estamos no mundo, com nosso corpo, sendo do mundo, isto é, da mesma 
carne. 
A noção de carne expande a noção de corpo. Se evocamos a carne neste artigo, é 
porque consideramos que tal noção pode permitir uma melhor compreensão dos transtornos 
alimentares na medida em que permite o reconhecimento da radicalidade e o caráter 
obrigatório de nossa inserção no mundo em seu caráter intersubjetivo. Ficar doente 
vivenciando um transtorno alimentar não é uma atribuição individual, não é apenas um ato 
comportamental, mas um modo de estar no mundo cujas condições de possibilidades também 
são fornecidas por este mundo. Este corpo de carne não deixa de afetar o mundo e de ser 
afetado por ele em sua profundidade. 
O corpo é uma marca, ou um sinal, da invasão que assombra a relação do corpo com o 
mundo. Se o corpo fenomenal implica na experiência vivida de um sujeito em seu corpo e se 
o corpo objetivo permite a intersubjetividade e a dupla experiência de ser visto e de se ver, 
apesar da separação didática, eles giram em torno de si ou ainda invadem-se mutuamente na 
dinâmica corporal (Merleau-Ponty, 1964). No entanto, a violência da invasão pode levar a 
condições que permitem um desequilíbrio entre o corpo que somos e o corpo que temos (ou 
deveríamos) ter. O que é vivido no e pelocorpo (nosso corpo) é invadido pelos outros e pelo 
mundo que não cessam de nos transgredir, de nos invadir. Esta invasão da carne, que marca a 
relação corpo e mundo, (des)apropria a dimensão própria do corpo na medida em que esta 
suposta dimensão própria não cessa de ser, ao mesmo tempo, usurpada e instituída nessa 
tessitura carnal – uma ligação inalienável, ativa e passiva. 
As formas corporais, o olhar dos outros e de nós mesmos, os julgamentos, para 
mencionar apenas alguns exemplos, revelam a impossibilidade de sair da dinâmica atual que 
coloca o corpo no centro das preocupações do sujeito contemporâneo. Os transtornos 
alimentares podem ser vistos, ao mesmo tempo, como um sinal e como um resultado dessa 
invasão que coloca o corpo como alvo e "produz" um sujeito, muitas vezes, perdido em sua 
própria dinâmica corporal. Para reconhecer essa invasão, precisamos de uma outra maneira de 
enxergar que possa, ao mesmo tempo, compreender esses modos de existência em sua 
dimensão particular e identificar suas raízes em um tecido carnal que transgride e marca essa 
subjetividade. 
 
 
 13 
O fenômeno do espelho como extensão da relação com o corpo 
 
Nas Notas de trabalho do livro O visível e o invisível, Merleau-Ponty afirma: "a carne 
é um fenômeno do espelho e o espelho é a extensão da minha relação com o meu corpo" 
(Merleau-Ponty, 1964, p. 309). Esta frase ilustra a posição recorrente que ele assume em 
seus últimos escritos em relação ao "espelho", uma figura frequentemente evocada na 
psicanálise, e a base sobre a qual o conceito de carne é forjado. O espelho destaca o fato de 
que a fenomenalidade da carne pode confundir o corpo objetivo e o corpo fenomenal. Uma 
comunidade é estabelecida entre o corpo vivido e sua imagem "exterior", revelando a 
condição dual da carne (de estar aqui e ali, dentro e fora). Podemos dizer que, segundo 
Merleau-Ponty, a carne é um "fenômeno do espelho" que revela nossos modos de ser-no-
mundo e também a visibilidade que nos sustenta e estabelece a ligação (ou mesmo por vezes 
a mistura) entre o corpo objeto e o corpo sujeito. 
O espelho, de fato, além de evocar a visibilidade do corpo próprio, introduz uma 
problemática na medida em que nos obriga a enfrentar nosso corpo e também nossas relações 
com os outros e com o mundo: ele revela a fenomenalidade da carne. Evidentemente, este 
espelho que nos coloca em “cena” como "eu" desde a infância, como Wallon, Lacan, 
Merleau-Ponty e muitos outros demonstraram, continua a moldar-nos e a engajar-nos em 
nossa condição de mudança, de inacabamento e de vulnerabilidade ao longo de nossas vidas. 
A leitura de Wallon permitiu a Merleau-Ponty compreender que o esquema corporal 
desde sua origem investe e é investido por outros esquemas e que isso é revelado pela 
experiência do espelho (Verissimo, 2012), mostrando o caminho proposto para a 
representação simbólica do corpo próprio e também sua unificação. Merleau-Ponty, no 
entanto, critica, apesar de tudo, essa dimensão waloniana que lhe parece demasiado 
intelectualista, na medida em que, na sua opinião, a criança frente ao espelho, quando 
consegue estabelecer uma distância sobre a sua imagem, vive uma reestruturação de sua 
experiência. Com o processo de individualização do corpo próprio, atrelado às experiências 
especulares e concordando com o que a psicanálise subsequentemente lhe trouxe, 
especialmente os aspectos defendidos por Lacan, Merleau-Ponty vê a possibilidade de 
progresso na questão do espelho e suas implicações. 
O estágio do espelho lacaniano mostra o processo de "descentralização" da criança e, 
além disso, sua abertura para o mundo (Verissimo, 2012). Esta ideia convém a Merleau-Ponty 
na medida em que alcança as "relações do ser com o mundo, com os outros" (Merleau-Ponty, 
1997, p. 204). Assim, uma função narcisista se instala, ao mesmo tempo, que a intrusão do 
 14 
outro, do mundo. Há uma tensão, "uma reestruturação do esquema corporal" (Merleau-Ponty, 
2001), o que demonstra a importância da imagem especular no desenvolvimento infantil e na 
aprendizagem. No entanto, isso vai além do cognitivo. Uma frase de Merleau-Ponty chama a 
atenção: "Reconhecer sua imagem no espelho, é para ele (a criança) aprender que pode haver 
aí um espetáculo de si mesmo (...) ele se torna capaz de ser um espectador de si mesmo. Com 
a aquisição da imagem especular, a criança percebe que é visível, para si e para os outros" 
(Merleau-Ponty, 1997, p. 202. Essa visibilidade tende a ser perpetuada, vivida e cada vez 
mais misturada em função da ambiguidade vidente-visto, uma marca da carne, da nossa carne. 
Ser visível é também ser julgado, avaliado e obrigado a estar em um corpo que está no mundo 
e não pode se esconder. 
Os transtornos alimentares revelam um sujeito que sofre com seu corpo, com seu 
corpo visto no espelho, com seu corpo que não deixa de ser visível (por si mesmo e pelos 
outros) e que é vivido como se ele não estivesse de acordo com o corpo "ideal", o corpo 
desejado; a contemplação do corpo sem sofrimento tornou-se impossível. Ao ganhar 
visibilidade, o "corpo está sob a jurisdição do visível", afirma Merleau-Ponty (2001, p. 527). 
Se o corpo é o que se destaca como o mais visível e o ponto de ancoragem no mundo, ele está 
constantemente sujeito a julgamentos baseados nessa visibilidade. No entanto, o que vê (os 
outros) e o que é visto (o corpo do sujeito) não é apenas uma impressão dos outros sobre o 
assunto e vice-versa, mas o resultado de nossa dinâmica relacional e cultural. Toda essa 
dinâmica, ressaltada pelo espelho, possibilita entender como o desequilíbrio, o confronto 
entre esse corpo que temos e o corpo que somos é perturbado pelo corpo visto no espelho. 
Esse corpo de carne que é refletido pelo espelho é nosso corpo, mas também é o modo como é 
visto pelos outros, pelo mundo. O espelho revela as marcas de nossa carnalidade e os 
transtornos alimentares revelam o impacto da visibilidade sobre o modo de experienciar o 
próprio corpo. Há uma vulnerabilidade instituída pelo visível em que o sujeito perde o caráter 
próprio do corpo que se encontra perdido entre aquilo que se é e aquilo que se tem. 
Outra influência importante para Merleau-Ponty é a de Paul Schilder, autor já 
mencionado anteriormente na discussão sobre o esquema corporal. Sua abordagem do 
espelho, independente da de Wallon e considerando que ele não conhecia o trabalho de Lacan, 
trata a incompletude como uma característica permanente do esquema corporal que afeta a 
estruturação identitária. Assim, a concepção de ser um corpo, nosso corpo, é ampliada se 
admitirmos que a incompletude é uma marca, uma característica, o que equivale a dizer que o 
“ser é fundamentalmente inacabado, o que induz uma correlação secreta entre ser seu corpo e 
ser no mundo, ser para o outro" (Saint Aubert, 2013, p. 187). É a nossa "incompletude" que 
 15 
nos fascina diante do espelho. Se o nosso corpo (ou mesmo a imagem que temos dele) não 
mudasse, não haveria necessidade de olhar para ele, de contemplá-lo com frequência diante 
do espelho. Temos uma "apetência pelo espelho" (Schilder, 1968, p. 285). Esse inacabamento 
carrega um peso: nos expropria do nosso corpo próprio e pode perturbar nossa relação com os 
outros, com o mundo. Em um manuscrito inédito e não publicado, Merleau-Ponty faz a 
pergunta: "Por que construímos espelhos: para nos ver, para converter o vidente em visível, 
para completar nosso corpo" (Merleau-Ponty, M. Merleau-Ponty, « Notes de préparation du 
cours (cours du jeudi, janvier-avril 1961) », in Notes de cours 1959-1961, cours du 2 février 
1961, p. 161; cité dans E. de Saint Aubert, op. cit., 2013, p. 198). O espelho persegue a 
dinâmica vidente-visto e nos conduz uma necessária tentativa de completar um corpo sempre 
inacabado. O sujeito que vivencia um transtorno alimentar é, particularmente, afetado e vive 
esse processo de forma aguda, rejeitando, questionandoe, sobretudo, sofrendo com o corpo e 
com a dinâmica que envolve os atos alimentares. 
Em O Olho e o Espírito, após ter indicado as sensações evocadas por Schilder durante 
a observação diante do espelho, Merleau-Ponty enfatiza o "jogo" que se instala frente ao 
espelho, expondo a carne e a dinâmica do visível (e do invisível das relações). O “homem é 
espelho para o homem" (Merleau-Ponty, 1964, p. 34), diz ele. Com esta afirmação, ele 
postula o espelho como "o instrumento de uma magia universal que transforma as coisas em 
espetáculos, espetáculos em coisas, eu em outros e outros em mim" (p. 34), ou seja, para além 
de um objeto, o espelho sustenta um poder de mudança e de posicionamento do sujeito diante 
de si e dos outros; ele perturba essa incompletude e acentua a mistura de nosso tecido carnal. 
Diante do espelho, não há apenas nós mesmos, não há apenas um corpo objeto refletido, tudo 
está embaralhado. 
Merleau-Ponty amplia assim o fenômeno do espelho em direção a um circuito de 
relações, de (co)pertencimento cujo "olhar do outro é espelho, os outros seres humanos são 
‘espelho para mim por seus corpos’" (Saint Aubert, 2013, p. 197). Existe uma suscetibilidade, 
e mesmo uma vulnerabilidade, em função da condição de ser espelho de nossa carne, o que 
revela nossa relação com o mundo sempre marcada por nossas projeções e introjeções. A 
carne faz de toda coisa um espelho e se torna um espelho dos outros e do mundo. É um 
"conjunto circular" de direções de sentido. Este corpo de carne denota a cumplicidade do 
sujeito com o mundo (Zielinski, 2002), ou seja, o impacto recíproco do mundo sobre o sujeito 
e do sujeito sobre o mundo. O espelho mostra esse impacto e sua importância em um mundo, 
nosso mundo, assombrado pelo outro, mas que exige e também impõe um engajamento, ao 
mesmo tempo, ativo e passivo. No caso dos transtornos alimentares, vive-se uma radicalidade 
 16 
do impacto do olhar do outro que afeta o modo de ser-no-mundo e o modo de experienciar o 
próprio corpo. Aquilo que se vê no espelho revela não apenas a forma corporal, mas também 
o modo de se relacionar com o próprio corpo, com os outros, com a comida. 
Sem dúvida, nossos atos alimentares são sustentados, e também sustentam, nossas 
relações. Há um longo percurso entre o fato de ser nutrido durante a infância e alimentar-se 
sozinho mais tarde, um percurso que conduz a ser capaz de escolher, medir e controlar o que 
se come. Uma de suas características é a entrada do corpo como sujeito e objeto, sempre 
inacabado, sempre mudando, mas visado e controlado cada vez mais. Assim, os modos de ser 
são construídos em relação com o mundo estabelecido e vivido por corpo que deve comer 
para (sobre)viver. Um corpo que põe em questão os atos alimentares, sempre em determinada 
situação. Evidentemente, é preciso comer, mas as consequências desse ato (ou mesmo de sua 
ausência) vão muito além da sobrevivência - o corpo está em cena em seu movimento com a 
tessitura carnal que reflete esse poder de incorporação. 
 
O poder de incorporação da carne 
 
A maneira como os outros nos veem nos afeta, o que pode, por exemplo, perturbar 
nossa maneira de nos vermos, especialmente se considerarmos a potência, inclusive 
introjetiva, desse olhar do outro. Podemos ver o mundo e os outros, provavelmente, por esse 
ângulo e com certa tendência projetiva, como parte de um jogo circular regido por 
incorporações. Trata-se também, é preciso se dizer, de uma dinâmica que pode mudar ou 
ainda que está sempre mudando diante do nosso (co)pertencimento e do contato com os 
outros no mundo. A ausência dessa abertura pode ser, inclusive, um sinal de um modo de vida 
patológico ou rígido diante de nossa mundanidade. 
Nosso corpo seria então afetado pelo outro, instalando uma dinâmica interacional 
marcada pela incorporação. Fuchs (2016) situa a incorporação como "uma característica 
invasiva do 'vivido' ou corpo subjetivo (Leib) que sempre transcende a si mesmo e se conecta 
com o ambiente" (p. 198). Na medida em que ele aponta uma incorporação mútua, ele mostra 
que em nossas relações o corpo vivido se estende e se prolonga nas relações com outros 
corpos. Em outras palavras, a evidência da encarnação, manifestada, sobretudo, pelo olhar, 
emerge da ação mútua de um sobre o outro. Somos mutuamente afetados pela encarnação e 
presença do outro na estrutura quiasmática do nosso corpo, o que permite nossas 
incorporações. Trata-se de um corpo que sente, expressa e afeta e é afetado pelo outro em 
uma dinâmica tecida pela carne. 
 17 
 Merleau-Ponty assume um viés fenomenológico da incorporação diferente daquele da 
psicanálise que a coloca em relação aos objetos e à sua assimilação no nível do corpo, 
considerando, principalmente, as relações parentais e a fase oral. Trata-se, nos termos 
psicanalíticos, de um processo que faz penetrar e manter um objeto no interior de seu próprio 
corpo, o que constituirá um objetivo pulsional e os modos característicos da fase oral. No 
entanto, deve-se salientar que a ênfase não está em uma zona erógena, como descrito por 
Freud na primeira edição de Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, mas em um modo 
de relação (incorporação). Essa relação, frequentemente utilizada em discussões sobre 
transtornos alimentares, concentra-se na atividade oral e na ingestão de alimentos, mesmo se 
outras áreas e outras funções também possam estar implicadas. A incorporação é trazida ao 
nível de uma experiência corporal, ainda que ela tenha elementos fantasiosos. A discussão 
psicanalítica da incorporação foi de grande interesse para Merleau-Ponty, que se refere a ela, 
em particular, nos cursos da Sorbonne em que ele considera a psicologia da criança. Não 
obstante, sua direção muda e, digamos, "incorpora" outros elementos na medida em que sua 
concepção de carne evolui e reconhece seu poder de incorporação. Colocar a incorporação 
dentro da carne deve ser considerado como uma ampliação no sentido de colocá-la em um 
tecido mais amplo, incluindo o sujeito, o mundo, os outros, a cultura, etc. Assim, a 
incorporação está ancorada no vivido corporal a partir de nossa tessitura carnal. 
 Temos as marcas de nossas incorporações em um jogo que constitui nossos modos de 
ser-no-mundo, nosso estilo. Com a preocupação de não hipostasiar excessivamente, podemos 
dizer que a incorporação é um caminho na psicopatologia e, mais especificamente aqui, para 
compreender os transtornos alimentares. Quando se come, há uma incorporação que traduz a 
constituição desse ato e também, de maneira concreta, o fato de que um objeto vindo de fora, 
exterior, é colocado para dentro, passa para o interior do próprio corpo: a comida se torna 
corpo e nesse sentido, é incorporado. Entretanto, essa incorporação não é apenas no nível do 
corpo objeto (Körper), atinge o sujeito em sua totalidade e também implica seus modos de 
relação com os outros, com o mundo. Mas tudo é incorporado? Nesse jogo ativo-passivo, há 
rejeições e, portanto, impossibilidade de receber e assimilar tudo, seja no nível desse corpo 
objeto, seja no nível relacional. Incorporar tudo seria da ordem do excesso e nada a incorporar 
da ordem da falta. Assim, o desequilíbrio da incorporação pode nos levar tanto à experiência 
psicopatológica por sua superação quanto por sua ausência. Os atos alimentares revelam uma 
direção de sentido e, nos transtornos alimentares, há uma concentração de atenção muito 
ampla sobre "comer" (ou não "comer") e sobre o corpo que está em ação. Há confusão e 
oposição entre falta de controle e rigidez em relação a "comer". O sofrimento não se origina 
 18 
apenas nos atos alimentares em si, mas no que eles traduzem por sua expressão. Essas 
expressões, esses modos de ser, são tecidos pela carne que nos coloca nesse circuito infinito 
de incorporação. 
 
Conclusão 
 Ao longo deste artigo, pudemos perceber a fertilidade da fenomenologia de Merleau-
Ponty para oestudo dos transtornos alimentares. Sua abordagem fenomenológica, traçada 
através do corpo, e se estendendo aos modos de organização com o esquema corporal e à 
radicalidade da tessitura carnal que evidencia nosso (co)pertencimento com e no mundo se 
evidencia nos transtornos alimentares. Insistimos na importância de ir além do corpo próprio 
sem abandoná-lo, considerando a fenomenologia de Merleau-Ponty em toda a sua amplitude, 
o que nos proporciona uma lente mais ampla para a compreensão dos transtornos alimentares 
inscritos na estrutura do corpo. 
O esboço de uma fenomenologia clínica dos transtornos alimentares, inspirada nas 
contribuições de Merleau-Ponty, coloca em cena o modo de ser corpo em seu enraizamento 
no mundo. Ao focar a experiência, ressaltamos a alteração do modo de se experienciar o 
corpo nos transtornos alimentares que se instaura a partir da dinâmica intersubjetiva. Trata-se 
de uma experiência corporal que se compõe a partir dos hábitos, que revela uma objetificação 
do corpo que conduz a um desequilíbrio entre o corpo sujeito e o corpo objeto, que se 
(des)organiza intercorporalmente através do esquema corporal e que se constitui em sua 
carnalidade marcada pela (in)visibilidade, pelo espelho e pelo circuito interminável de 
incorporações. Estas pistas, que merecem ser exploradas através de pesquisas com aqueles 
que vivenciam os transtornos alimentares, podem ser seguidas como lente e como inspiração 
na busca de compreender os diferentes modos de funcionamento que regem os transtornos 
alimentares. 
 
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