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Objetivo A corporeidade e motricidade humana tem o objetivo de analisar as vivências da corporeidade ao longo da história, mediante a identificação dos paradigmas científicos e das teorias que influenciam as suas diversas concepções de corpo, trazendo à tona discurso da corporalidade, e vivên- cia das possibilidades de identificar o corpo, de um modo sensível e reflexivo, nas relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo, bem como o corpo enquanto lugar de construção de saberes e abrigo de múltiplas inteligên- cias, sensações, emoções e inciativas crítico-criativas. Hoje em dia, o corpo pode ser estudado por diversas for- mas e contextos, principalmente na fisioterapia, em que as áreas de estudos podem ser divididas nos contextos bioló- gicos, psicológicos e sociais. Contudo, a observação de um corpo deve ser vista e reconhecida como uma totalidade de aspectos, que se interligam e interagem criando refle- xão de sensações que constituem esse corpo. Corporeidade na História da Humanidade Os estudos sobre as ações do corpo do ser humano são divididos em diversas áreas de pesquisa. As investigações sobre o corpo humano são divididas em áreas como psico- logia, anatomia, biologia, fisiologia humana e do exercício, dentre outras. Essa segregação do corpo humano em não é capaz de retratar o corpo em sua totalidade, especial- mente o diálogo entre as diversas áreas de estudos, pois são inúmeras as vertentes de entendimento, seja na segre- gação entre corpo e mente e as influências que o mundo exerce sobre ambos, seja no inverso, isto é, corpo e mente alterando o mundo em que estão inseridos. O homem, ao longo de toda a sua história, apresenta diver- sas formas e variações de como entende e trata seu corpo, o qual se comporta e se apresenta de formas distintas, de acordo com determinados contextos sociais. Nesse senti- do, Gonçalves retrata que os corpos, em diferentes contex- tos sociais, apresentam diversas técnicas em relação aos seguintes aspectos: • Controle de estruturas, funções e necessidades corpo- rais básicas para sobrevivência do ser humano, como autonomia na obtenção de alimentos, higiene pessoal etc. • Habilidades motoras fundamentais que estão direta- mente associadas a atividades da vida diária como andar, correr e saltar. • Movimentos corporais expressivos (Ex.: Gestos, pos- turas e expressões faciais), formas de expressão não verbais. • Ética corporal, que contempla as ideias, os conceitos e os sentimentos sobre a aparência do próprio corpo e do corpo de outro. Ex.: Pudor e ideal de beleza. Apesar de se constituírem como elementos identificados e presentes em diversas culturas, há uma gama considera- vel de técnicas corporais que podem se diferenciar quanto à ordenação e interação entre elas, assim como alterar a forma como se manifestam em cada sociedade e dentro de uma mesma sociedade, conforme características sociais próprias, como sexo, idade, religião, ofício, classe social e outros fatores socioculturais. GRÉCIA ANTIGA À IDADE MODERNA Os primeiros pensadores da Era Antiga, como os filósofos Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), Parmênides de Eleia (530-460 a.C.) e Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), mais precisamente da Grécia Antiga, considerada como o berço do pensamento ocidental, não tinham a preocupa- ção ou não colocavam em questão uma separação entre corpo e alma entendida como mente. Essa ideia de separação não existia, pois, o corpo e a mente eram concebidos de modo harmônico, compondo um ser único, indivisível e visível. O corpo do ser humano, para os gregos, apresentava uma grande abrangência de estrutu- ras em sua constituição. Primeiramente se tinha o soma, que é o corpo composto de uma matéria; em seguida se tinha a psique, que é considerada a alma ou a inteligência do ser humano, e, por último, mas sem uma ordem hierár- quica, tinha-se a pneuma, que era considerado o sopro que daria a vida a essa quantidade definida de matéria. Para exemplificar como o corpo não era visto de uma ma- neira segregada da mente (alma), na obra Ilíada, de Home- ro (séc. VIII a.C.), e Antígona, de Sófocles (496-406 a.C.), ocorrem dois episódios de morte, nos quais fica claro que o corpo na sociedade grega tinha muita importância, pois era necessário enterrá-lo para que a alma pudesse se sepa- rar desse ser humano que perdera a vida para se juntar ao reino das sombras ou dos mortos. Além disso, as obras gregas apresentam uma representação do corpo nas pinturas, nos afrescos e nas esculturas com grande detalhe e fidelidade às formas do ser humano. Com isso, soma e a psique, ou seja, corpo e alma não eram realidades segre- gadas ou separadas, mas ao contrário, se completavam, ou seja, um dependia do outro. FILÓSOFO PLATÃO Porém o filósofo grego Platão (429-347 a.C.) dá início ao Platonismo, com o gesto teórico de fundação da oposição entre corpo e alma, ao considerar um contrário ao outro, obtendo, dessa forma, um dualismo. Platão trouxe essa concepção de separação entre o corpo e alma do ser huma- no a partir do desenvolvimento de uma noção de divisão do mundo em duas realidades: uma realidade real e uma realidade ideal. Assim, há dois mundos: o mundo sensível e o mundo inteligível (ou mundo das ideias), a saber: Mundo sensível: É conhecido por meio dos sentidos, em que os corpos nascem e morrem, sendo esta uma realida- de sensível, captada pelos sentidos, compostos de matéria, que são dados à corrupção e à mentira. Os objetos produzi- dos nesse mundo são cópias das ideias (mundo ideal) per- feitas, porém a matéria é corroída pelo tempo e está fada- da ao desaparecimento. Mundo inteligível: Só poderia ser conhecido por meio do pensamento e da alma, sendo esta uma realidade ideal, captada somente pelo intelecto que é perfeito e eterno, sem transformações, pois as coisas sempre serão como elas são, não sendo possível o desaparecimento e destruí- ção pelo tempo. O ser humano é composto de um corpo, porção de matéria que habita o mundo real ou sensível, portanto, corruptível e que tende à morte uma alma, que é pertencente ao mundo ideal, logo, perfeita, eterna e imortal. Então com isso, tudo o que o homem percebe e entende do mundo em que vive não passa de uma cópia malfeita do mundo inteli- gível. O homem, por ser composto de um corpo material e também ter uma alma, acaba por participar ou pertencer aos dois mundos, porém o corpo material torna-se um obstáculo para que a alma possa atingir a verdade. A alma somente conseguiria atingir a verdade absoluta se conse- guisse dominar o corpo, com isso o corpo se tornava um túmulo que aprisionava a alma, impedindo-a de conhecer a plena verdade. Para Platão, a alma comandava e polarizava todas as ações do corpo, ou seja, movia o corpo do seu interior, sendo ela o princípio do movimento. E o corpo que é movido pela alma, é ao mesmo tempo a prisão da alma. Mesmo com essa afirmação, o homem não é somente corpo físico ou somente alma, mas necessariamente uma junção dessas duas realidades. Com essa separação, a alma acaba assu- mindo um papel de uma “quase divindade”, apresentando imortalidade, tendo a capacidade de pensar, denotando, assim, um ser único e com identidade. Por outro lado, o corpo é tido como mortal, assumindo várias formas, des- provido de inteligência, sujeito ao processo de decomposi- ção, por isso nunca permanecerá idêntico. Com isso, o homem acaba apresentando três tipos de alma, que são distintos, sendo duas almas de natureza inferior, total- mente ligadas ao corpo e suas sensações enganadoras, portanto, imperfeitas e mortais, e a terceira alma ligada a uma natureza superior, ao mundo ideal, ou seja, perfeita e imortal. • A alma superior está ligada à racionalidade e é respon- sável pelos pensamentos, que são sua principal virtu- de. Segundo Platão, essa alma está localizada na cabe- ça do ser humano. • A alma inferior está ligada aos bens materiais e à luxú- ria, quesão responsáveis pelos desejos e necessidades básicas; sua localização é a região abaixo do abdômen. • Por fim, a alma irascível, que é responsável pelas emo- ções e paixões, dando ao homem o ânimo necessário para enfrentar os problemas e os conflitos, e que se encontra no peito do ser humano. Com a ideia de separação entre o corpo e a alma, proposta por Platão, é interessante observar que a noção de imorta- lidade da alma e a relação do homem com as divindades gregas, pois é mediante a alma que os homens se relacio- navam com os deuses e estes os influenciavam. Assim, “por intermédio do corpo, a alma dá expressão ao que quer manifestar”. Tendo essa ideia de corpo sendo controlado pela alma, Platão afirma que existem três tipos de tempe- ramentos (ou caráter) que advêm dessas almas, os quais determinavam a ordem social e educacional. Caráter concupiscível: A alma inferior é predominante e faz tomar decisões com base nos desejos. Caráter irascível: A alma que predomina vai marcar as decisões do ser humano baseadas nas emoções. Caráter racional: A alma superior predomina, e as decisões são baseadas na racionalidade ou no uso da razão. Na obra República, Platão descreve que os tipos de caráter determinam como seria a educação das crianças e de toda a população, a partir da identificação da alma predomi- nante, e essa identificação direciona o lugar de cada um na sociedade. • Para as pessoas com caráter concupiscível, eram des- tinados trabalhos como artesanato e da agricultura. Pessoas com essas funções eram submissas às outras duas “classes sociais” consideradas superiores, as elas quais tinham a função de manutenção e conservação econômica do Estado. Pessoas dessas classes superio- res eram educadas até os 20 anos de idade. • Para os indivíduos que apresentavam uma predomi- nância de caráter irascível, lhes era conferida a função de guerreiros e guardiões das cidades, pois eles repre- sentavam a força de servir do direito, recebendo edu- cação até os 30 anos de idade. • E por último, os cargos de filósofos, magistrados e os governantes, eram ocupados pelas pessoas com pre- dominância de caráter racional, constituindo a classe social mais elevada e que, por conseguinte, exercia um domínio sobre as outras classes. Para Platão quem apresentava caráter racional, conhecia a realidade das coisas, a ordem ideal do mundo e da socie- dade, e por isso estavam aptos a orientar racionalmente o homem e a sociedade para o caminho da verdade. Esses indivíduos recebiam educação até os 50 anos de idade. O corpo era algo tão insignificante que ele considerava que a alma de um filósofo deveria se afastar do corpo por atrapalhar o raciocínio e os impedia de perceber a verda- deira realidade. Esse obstáculo para perceber a verda- deira realidade era causado pelos sentidos e sensações do corpo, como a visão, a audição ou a dor. É importante deixar claro que essa relação que Platão impõe, da alma sobre o corpo, está estreitamente ligada a um entendimento de que existe uma compreensão total do mundo e da humanidade. Essa concepção filosófica, prin- cipalmente no que se refere ao aspecto da imortalidade da alma, advém de uma forte relação do homem com ques- tões religiosas e divinas, no caso, os deuses da Antiga Grécia, uma vez que, por intermédio da alma, os deuses influenciavam os homens, os quais deveriam ser justos e dominar a si mesmos, suscitando assim uma harmonia do corpo e fornecendo à alma uma boa qualidade. Esse dualismo foi desenvolvido por Platão, com base na ideia de que corpo e alma possuem realidades completa- mente distintas, porém necessariamente relacionadas. Se o corpo é mortal e imperfeito, se faz necessário que a alma seja exercitada, para que o indivíduo se aproxime cada vez mais da perfeição que está muito distante do mundo físico. FILÓSOFO ARISTÓTELES Dentro do pensamento a respeito dessa relação entre o corpo e a alma, também na Grécia Antiga, deve-se citar o filósofo Aristóteles, que sustenta um pensamento dife- rente do platonismo, uma vez que coloca a alma como uma forma interior da vida, mas que está inteiramente ligada ao corpo. De acordo com Aristóteles, o homem deve investigar a realidade da natureza, e esse corpo (humano) pertencente à natureza, contemplar essa realidade, em um mundo que já é o ideal. E a alma deve ser entendida como um princípio vital de todo ser vivo, e ainda mais, é o ato do corpo organizado. Aristóteles considerava que a percepção da alma se dá através da capacidade do corpo de ser sensível aos diver- sos estímulos presentes no mundo. Essa ação de receber um determinado estímulo acaba por desenvolver um pro- cesso em que cada órgão responsável em receber os diver- sos estímulos irá interpretá-los de uma forma diferente. Portanto, essa interpretação indica um componente cogni- tivo. Também criou a teoria Hilemorfismo, a qual conside- ra que toda a realidade se fundamenta em dois princípios: a matéria e a forma. O filósofo entende que esses dois princípios são distintos e absolutamente complementares. Nesse sentido, ele considera que o conteúdo (alma) não poderia ser separado da forma (corpo), pois fazia parte do outro, ou seja, o corpo era uma extensão, uma realidade física limitada por uma superfície. Portanto, corpo e alma são dois aspectos distintos, porém inseparáveis, de uma mesma realidade. A alma era responsável por conservar e reproduzir a vida, e apresentaria três funções distintas o que levava Aristóteles a falar da alma constituída por três partes. • A primeira parte com função vegetativa, ou faculdades anímicas, tendo como finalidade a regulação das fun- ções biológicas do corpo, e estava presente em todos os seres vivos do planeta. Ela era a responsável pelos instintos, impulsos, crescimento, reprodução e nutri- ção. • A segunda parte da alma exercia função ou faculdade sensitiva, sendo responsável pelos sentidos, as sensa- ções e percepções dos objetos, e ainda, por coordenar os movimentos corporais. • A última parte é a alma intelectiva ou pensante, exclu- siva do ser humano. Ela determina a capacidade de pensar, elaborar teorias e formular juízos sobre a rea- lidade. Para Aristóteles era inconcebível uma visão dualista de se- paração entre corpo e alma, pois as ações das faculdades anímicas são possíveis somente por meio de uma relação entre corpo e alma, logo, é impossível haver pensamento sem uma atividade coordenada entre corpo e a alma. Mediante esta relação colocada por Aristóteles, a alma é o que anima o corpo, gerando, assim, o movimento. Qual- quer movimento físico somente é realizado por intermé- dio da alma e também só é realizado o pensamento, que é uma faculdade da alma, porque temos o corpo, estabele- cendo assim uma relação de dependência entre o corpo e a alma. A preocupação desse filósofo com o corpo fica clara quando faz recomendações às mulheres para que, durante o período da gravidez, não fiquem ociosas, que se alimen- tem bem, exercitem o corpo e que mantenham o equilíbrio espiritual para um bom desenvolvimento de suas crianças. É importante que o corpo se mantenha ativo e seja educa- do desde a infância, porém sem excessos e esgotamentos físicos, evitando problemas e, inclusive, danos físicos. DESCORPORALIZAÇÃO Já na Idade Média, período que é compreendido do século V ao século XV, o corpo do ser humano acaba por sofrer um processo de descorporalização, em razão de uma evo- lução ou uma importância contínua da racionalização ou processo racional ideia muito semelhante à de Platão. Para se compreender esse processo de descorporalização, é necessária certa noção a respeito de como o corpo huma- no era tratado na Idade Média. A maioria das ações do ho- mem, em sua vida cotidiana, estava ligada a atividades cor- porais, sendo o seu corpo instrumento de trabalho, sus- tento e comunicação com a sociedade. Segundo Gonçalves, o corpo tinha características relacionadas à noção tempo- ral,de personalidade e de economia. As ações humanas em relação à noção temporal estão ligadas ao desenrolar na- tural do tempo, por exemplo, trabalhar durante o dia e descansar no período noturno, assim como as estações do ano, que irão determinar os períodos de plantar e colher o que se plantou, ainda, ao crescimento das plantas e ao rit- mo de reprodução dos animais. Assim todas ações huma- nas são determinadas por uma demanda temporal, seja qual for o referencial de tempo. A ideia de personalidade se relaciona com as ações do cor- po do homem ao sistema de castas, sistema esse imposto durante a Idade Média, em que o indivíduo nascia “dentro ou fora dos muros”, e ele não poderia sair desta condição. Esses muros são referência ao espaço delimitado por altas paredes; em seu interior, era comum haver um castelo e algum comércio, constituindo uma cidadela. Essa era uma estrutura típica do sistema feudal: um modo de produção de economia em que as terras pertenciam a um dono, o senhor feudal, que cobrava altos impostos das pessoas que moravam em suas terras. Normalmente o senhor feudal vivia nesses grandes castelos, ao passo que o restante da população desenvolvia sua vida ao redor ou dos muros do castelo (em especial, os artesãos e comerciantes), ou em locais um pouco mais afastados (como as áreas agrícolas pertencentes ao senhor feudal, ou áreas florestais próxi- mas). A economia da Idade Média era orientada para a subsistência, os indivíduos tinham atividades como agri- cultura, criação de animais, caça e pesca, para o seu sus- tento e de sua família. As sensações de fome e sede regiam a relação econômica, em que quase não se conhecia a necessidade de haver um planejamento e cálculos com ideias monetárias, logo, a economia estava ligada à satisfa- ção das necessidades básicas. A personalidade das pessoas, sobretudo as que moravam fora dos castelos, eram renegadas, ou seja, a individuali- dade não era reconhecida e, portanto, não era valorizada; reconhecia-se apenas a classe social à qual a pessoa per- tencia. O sistema feudal, que era fundamentado no traba- lho braçal forçado das classes sociais mais baixas, sendo a nobreza e o clero (Igreja Católica) dominante sobre as de- mais pessoas. Assim, no sistema feudal, que ocorreu em grande parte da Idade Média, o corpo era compreendido a partir das ideias de subsistência, conformismo e uma submissão em relação às suas condições de vida e desen- volvimento do indivíduo e da população. Com isso inicia- se o processo de descorporalização, liderado por institui- ção que tinha grande poder e influência, social, econômica e religiosa nessa época. Essa descorporalização se dá prin- cipalmente por questões religiosas impostas na Idade Mé- dia, uma vez que a Igreja Católica tinha grande influência no sistema social, comercial e político nessa. Um dos res- ponsáveis pela concepção de corpo dentro dessa Igreja foi Santo Agostinho, que o definiu como um cárcere da alma, sendo uma parte orgânica, concebida ao homem, como uma forma de punição. Essas ideias vão ao encontro do conceito platônico e aca- baram por se constituir um dos fundamentos da Igreja, aplicando esse dualismo de oposição entre: bem e mal, graça e pecado, alma (etérea) e corpo (matéria), Deus e homem e, principalmente, luz divina e trevas eternas. Com essa fundamentação, Agostinho defende uma superiorida- de da alma, em que o espírito deve se sobrepor ao corpo, pois a alma é uma criação divina que deveria reinar e guiar o corpo a praticar o bem. Ele tinha um pessimismo em re- lação ao corpo do ser humano, em razão das sensações que ele produzia e das criações terrenas, que poderiam ser be- las e atraentes, mas que não passavam de objetos sem qualquer valor. Além das sensações, o homem, conside- rado pecador, apresenta o livre-arbítrio, que é o poder de escolher se quer ou não seguir determinada religião ou ordem de fé, e este livre-arbítrio costuma inverter a cha- mada “ordem ideal” defendida por Agostinho. O corpo passa a ter um controle sobre a alma, provocando assim uma submissão do espírito em relação ao corpo, trazendo uma vida de pecado, luxúria e prazer, considerada uma vida de “escravidão” em relação ao pecado. O homem so- mente conseguiria abandonar a vida de escravo do pecado e retornar aos caminhos divinos se houvesse a salvação por intermédio da combinação de um esforço pessoal e a vontade de Deus. Sem essa vontade, o homem não teria forças para conseguir realizar tal tarefa. Além do mais, segundo Agostinho, nem todas as pessoas são dignas de receber a graça divina, e sim apenas uma parcela da po- pulação. Mediante essa concepção, a alma deveria gover- nar e manter vigilância constante sobre o corpo e seus sentidos, para que esses não impedissem que se conhe- cesse a verdade divina e que somente a alma pudesse salvar o corpo, colocando-o no caminho da verdade divina. Essa visão dualista e negativa do corpo, primeiramente colocada por Platão e incorporada aos ensinamentos da Igreja, teria reflexos sociais, políticos e educacionais por muitos séculos seguintes. A CORPOREIDADE CONTEMPORÂNEA A visão dualista, desenvolvida principalmente pelos filó- sofos Platão e René Descartes, é antiga, porém permanece fortemente no homem e na sociedade. Pensadores como Nietzsche e Marx mudam a forma de compreender e parti- cularmente, a maneira como o corpo é observado em contraposição ao pensamento dualístico e cartesiano do corpo, sempre oprimido pela alma ou pela razão. As novas concepções de corpo de Nietzsche e Marx susci- taram modificações no pensamento contemporâneo, atri- buindo-se especial atenção para a importância do corpo dentro de uma visão mais complexa do que é o ser humano e de suas relações com o mundo em que ele vive e desen- volve. Michel Foucault pensador contemporâneo, pode ser destacado por terem essa visão mais complexa e abran- gente das relações do corpo com o mundo, corpo esse que altera a si mesmo e o próprio mundo. Michel Foucault tra- ta o corpo como manifestação da esfera política, sendo um alvo de relações de poderes dentro da sociedade moderna. Essa percepção de manipular o corpo de acordo com inte- resses políticos é utilizada desde a Idade Média, mediante castigos corporais e torturas, os quais se estendem até a Idade Moderna e Contemporânea, sendo o corpo treinável, submisso e “dócil”, passível de controle e manipulação. O CORPO SEGUNDO FOUCAULT A constituição do trabalho de Michael Foucault na concep- ção do homem moderno está ligada ao estudo das relações entre o poder, o saber e o corpo. A história dos humanos é criada por diversos meios, e esse corpo reflete a cultura em que está inserido, tornando-se sujeito e apresentando três linhas conceituais. • Objetivação do sujeito produtivo, do sujeito que trabalha, na análise de riquezas e economia. • O modo como o sujeito se constitui ao longo da vida, por questões internas e externas. • A forma pela qual o ser humano torna-se sujeito. O corpo sofre os efeitos do poder e os principais procedi- mentos de como o poder é manifestado sobre o corpo são a disciplina e a regulamentação. O poder intervém no indi- víduo materialmente, refletindo no sujeito, em seu corpo, ou seja, em sua corporeidade, seus hábitos, sentimentos, emoções e ações. Esse poder que interfere materialmente na realidade mais concreta do sujeito, o seu corpo, o corpo social, adentrando sua vida cotidiana, é caracterizado co- mo micropoder ou subpoder. O controle que Foucault re- trata em seus trabalhos não está relacionado ao poder político governamental, como disseminado pela filosofia marxista, mas em todos os locais, como as esferas sociais e as diversas classes sociais, atingindo todas as pessoas no processo de instalação das relações, nas ações (ou conjun- tos de ações) de um indivíduo sobre o outro. De acordo com esse entendimento, é estabelecido não um poder úni- co, mas diversas práticas de um poder cotidiano, e que abrangetodas as estruturas socais, por algum mecanismo de poder, do qual se destaca a disciplina. O poder discipli- nar é fruto de transformação de uma sociedade burguesa, que desloca o poder soberano para o corpo social, e com isso o poder é exercido na forma de micropoderes ou uma micropolítica. O poder é aplicado sobre os corpos indivi- dualmente, por meio de exercícios direcionados para uma ampliação de suas forças, criando assim o adestramento e corpos. Dentre as principais práticas disciplinares, pode-se ilus- trar e enumerar a imposição de gestos, a quantificação do tempo, o espaço medido e determinado, o corpo do operá- rio, o espaço do aluno, do soldado e os sistemas disciplina- dores, como prisões, hospitais e escolas, que são formas de como o poder se constitui sobre o corpo na Idade Contem- porânea. Um corpo disciplinado significa um corpo manti- do sob um controle o mantém “introjetado”, ou seja, sem a consciência de questionamento por parte do indivíduo. Essa disciplina acaba por levar a um autocontrole, portan- to, sem necessitar de comandos externos. Os dispositivos de poder disciplinar são caracterizados pelo detalhe, no sentido de que o corpo sofrerá uma forma de poder que irá separar e desmontá-lo para, em seguida, corrigi-lo por meio de uma nova mecânica. Com isso as práticas discipli- nares vão permitir o controle das diversas operações do corpo e a subordinação constante de suas forças, impon- do-lhe docilidade e utilidade. Esse corpo dócil está relacio- nado a uma política de controle da energia produtiva individual, cuja disciplina se baseia em quatro elementos: • A distribuição dos corpos em função predeterminada. • O controle da atividade individual pela reconstrução do corpo como portador de forças dirigidas. • Organização da formação pela internalização e apren- dizagem de funções. • Composição de forças, pela articulação funcional das forças corporais em aparelhos eficientes. Segundo Foucault, a origem da disciplina se configura por meio de três formas de adestramento do corpo sendo a vigilância hierárquica, sanções normalizadoras e o exame. Vigilância hierárquica: Um sistema de controle sobre o corpo que integra uma rede de controle vertical (hierar- quia), utilizando-se de meio de observação e conferindo o efeito de fiscalização de produção, principalmente em sis- temas produtivos, tendo como objetivo o lucro. Sanção normalizadora: Um sistema duplo de recompen- sa e punição, com o objetivo de corrigir e minimizar os desvios do sujeito na sociedade onde vive, tendo como premissa a micropenalidade baseada em tempo e compor- tamento, fundamentando-se em leis, programas e regula- mentos. Exame: O exame está relacionado às duas técnicas ante- riores (vigilância e sanção) cujas relações de poder cons- troem o saber e constituem o sujeito de relações de poder e saber. Esses são mecanismos disciplinares com os quais o poder é utilizado sobre o corpo, que o torna objeto e alvo de submissão. Por isso a disciplina tem como objetivo fa- bricar corpos exercitados para desempenhos e tarefas es- pecíficas, aumentando, assim, a força dos corpos, em ques- tões econômicas de utilidade e, ao mesmo tempo, dimi- nuindo o corpo em sentidos políticos de obediência. Ele compreende o fenômeno corpóreo como um ponto de vis- ta bélico, um jogo de forças, mediante o disciplinamento do corpo por uma força política, em que a disciplina esta- belece novas relações nos meios em que ela ocorre. Assim, o corpo é educado com relação a expressividade, sensibi- lidade e criatividade, havendo uma reflexão sobre poderes e as práticas que moldam esse corpo na idade atual. Motricidade Humana na Fisioterapia O corpo humano em movimento sempre foi um dos “encantos” para a fisioterapia, independentemente de em qual contexto esse movimento está sendo executado. No entanto, se a compreensão desse movimento for realizada de uma maneira segregada, por exemplo, somente nos aspectos fisiológicos, como a via energética utilizada, ou nos aspectos psicológicos como a aferição dos níveis de estresse ou ansiedade. Em muitos casos, a fisioterapia tem uma visão reducionista do homem em movimento, sem o entendimento das necessidades do corpo ou do ser huma- no em movimento, excluindo a complexidade de um ser e reduzindo-o apenas a um corpo físico, desconsiderando os aspectos psicológico, cultural, econômico e político, sem uma interação complexa e desses elementos. A motricidade revela a intencionalidade operante do ho- mem ao se movimentar, com sentido e conteúdo, relacio- nada à existência do ser humano, que tem como objetivo sempre se superar, e não apenas se submeter a uma mera reprodução de movimentos preestabelecidos. Com esse pressuposto, a motricidade irá evidenciar uma busca pela superação de algo que interessa o sujeito, que é particular de cada indivíduo, sendo a busca por rendimento máximo (físico, motor etc.) apenas um dos seus possíveis focos. A fisioterapia não pode observar o corpo somente como uma estrutura composta de músculos, esqueleto e articu- lações, que compõem o sistema locomotor, portanto, não devem se preocupar exclusivamente com o movimento produzido, mas com o sujeito, o ser humano que produz o movimento. A motricidade, partindo do próprio corpo, tem um significado para esse corpo, pois apresenta uma intencionalidade, um sentido, refletindo e manifestando, assim, a intenção do próprio corpo, aumentando o enten- dimento da percepção, sendo essa a ligação entre o corpo e o mundo. Dessa forma, motricidade é muito mais que um organismo, composto de um conjunto de conceitos; ela é o homem integral em movimento, expressando corporei- dade nos belos movimentos corporais, sempre com uma intencionalidade, em consonância com o mundo, relacio- nando com as coisas e inserindo o ser humano em um pro- cesso construtivo. Pela motricidade, o homem tem suas primeiras experiên- cias de exploração do mundo pelo movimento, constituin- do um processo de humanização, pois a aprendizagem de cada indivíduo ocorre em sua relação com o meio social. A motricidade humana é fenômeno com extrema complexi- dade, pois não nasce pronta, não tem uma ordem cronoló- gica nem um determinado estágio para ocorrer, pois é influenciada pelo meio social, dependendo de uma interação entre o ser humano e esse meio. Apesar de se observar o ser humano como uma única expressão, esse ser unitário apresenta múltiplas dimensões e que vai influenciar sua motricidade, em decorrência disso a cons- trução pode ser feita por uma infinidade de possibilidades. A motricidade é a corporeidade sendo representada pela intencionalidade de movimento. Corporeidade na Fisioterapia O objetivo dos estudos da fisioterapia é a compreensão do corpo do ser humano, estudado de uma maneira segrega- da e esquadrinhada em diversas áreas de atuação, como anatomia, fisiologia humana, biologia e psicologia. Existe uma tendência a uma visão dualista do homem, principal- mente pelas pesquisas realizadas, que sua procura estava relacionada a constatações de corpos medidos, compara- dos, desmembrados em variáveis e tipologias. A fisioterapia está relacionada à corporeidade e ao movi- mento do ser humano, ou seja, na intencionalidade do ho- mem de um ser corpóreo e de força motriz, abrangendo as diversas formas de atividades físicas, por exemplo, as gi- násticas em geral, os jogos, as manifestações rítmicas (que incluem diversos tipos de danças) a reabilitação física, a ergonomia e os esportes em geral. É preciso tratar da modificação do entendimento de corpo-objeto para o entendimento de corpo-sujeito, sendo o corpo-sujeito o que apresenta uma intencionalidade, caracterizando a corporeidade, Diferentes discussões que envolve a corpo- reidade, mediante diversas perspectivas teóricas, têm como objetivo restabelecer a relação entre o corpo e a mente, ou seja, a corporeidade se apresenta como uma proposta de superar a visão mecanicista ou a dicotomiafragmentadora da unidade do ser humano. Nesse sentido, o movimento passa a ser o reflexo ou a intencionalidade de um corpo com dimensões indissociáveis na constitui- ção do sujeito. Mesmo por meio da ciência, na tentativa de compreensão do ser humano em suas diversas facetas, ele, sendo um “ser-no-mundo”, necessita ter o seu relacionamento com o meio em que se desenvolve, para que lhe confira um signi- ficado. Na fisioterapia, ainda se desenvolve uma aborda- gem que o corpo é tratado como uma máquina de repro- dução de movimentos preestabelecidos e determinados, muitas vezes chamados de técnicas, retratando assim um ser mecanizado. É importante retomar que a ideia de corpo-máquina ou corpo objetivo foi desenvolvida por Descartes. Em sua perspectiva, o corpo é concebido como o cárcere da alma ou da mente, e só se movimenta pela ação da mente sem qualquer tipo de reflexão ou intencio- nalidade. Descartes relaciona o corpo-máquina ao um relógio, que realiza um trabalho mecânico sem qualquer reflexão, intencionalidade; relógio esse que se apresentar qualquer tipo de defeito pode ser consertado, ou suas pe- ças substituídas e assim voltar a funcionar corretamente. Esse conceito de corpo-objeto pode ser observado em ele- mentos estéticos das sociedades modernas, em que se tem um padrão a ser seguido na questão corporal, segundo um modelo preestabelecido. Ex.: Se está faltando volume nas mamas ou nas nádegas, implantam-se organismos não pertencentes ao corpo, tratando-o como um objeto passí- vel de manipulação, em busca de uma beleza padronizada. O corpo-objeto participa de um mundo objetivo de trocas, e a sua realidade é determinada pelos interesses de um sistema social, uma vez que sua divisão possibilita ao cor- po transformar-se em um objeto, uma mercadoria, que irá obedecer a uma lógica de determinado sistema político- social. Logo, o corpo nunca será real, mas haverá modelos corporais, e a eles a realidade corporal deverá ajustar-se ou reajustar-se, por meio de transições e mudanças corpo- rais. Segundo Melani, esses modelos instigam e forçam o consumo de bens do corpo real para se atingir o corpo ideal; porém os modelos normalmente são inatingíveis, gerando um fracasso pessoal e, consequentemente, uma angústia. Desse modo, o corpo-máquina ou corpo-objeto é conhecido e trabalhado em seus mínimos detalhes e de “mecanismos”, manipulando suas partes, ajustando, mol- dando e ditando seu funcionamento. Outra vertente da fisioterapia se situa no aspecto de algu- mas de suas abordagens estarem atreladas a característi- cas biológicas do ser humano, cujo foco é a preocupação com a manutenção da saúde corporal e do desempenho, ou seja, a conquista de aptidão física e funcionalidade que estão relacionadas a desenvolvimento de capacidades físi- cas, aprimoramento de habilidades motoras e também dos desempenhos esportivos. Como foi apontado e criticado por Foucault, na concepção de corpo-máquina há ideias do corpo como um corpo dócil, um objeto de poder de outra pessoa, pois esse corpo pode ser manipulado, modelado, treinado, sendo o homem passivo perante o mundo real, e o ato de se obter conhecimento é uma mera adequação à realidade vivente, ou seja, um conformismo. Perante isso, se traz a ideia de um corpo-mercadoria, um corpo que pode ser comprado, modificado e trocado, de acordo com “ondas de modismos” da cultura social vigente, em estreita relação com o ideal capitalista atual, que leva as pessoas ao consumo exagerado e desenfreado. Isso pode ser obser- vado em diversas ações de marketing para padrões e de expressões corporais da atualidade, que apresentam os resultados econômicos vantajosos para quem controla as tendências, porém vendendo ideias distorcidas. No decorrer do século XX, principalmente após 1960, o padrão vem se alterando. Busca-se um corpo magro com formas musculares bem-definidas, adotadas como um padrão de beleza e com boa aceitação pela sociedade, que passa a constituir um corpo-objeto de consumo, tendo em vista um mercado crescente. A busca pelo padrão de corpo ditado pela sociedade pode acarretar alguns problemas, como uma visão deturpada da imagem corporal, que consiste na figura do próprio corpo construída na mente da pessoa, em relação ao tamanho, à imagem e às formas corporais. Essa construção inclui processos que podem ser influenciados por vários fatores, entre eles, crenças e valores inseridos pela cultura. De acordo com Saikali et al, o conceito de autoimagem ou imagem corporal envolve os três componentes: Perceptivo: O componente perceptivo está relacionado à forma precisa da aparência física, que envolve estimativa do tamanho e do peso corporal. Subjetivo: O componente subjetivo está relacionado à uma satisfação da aparência, associado à preocupação e à ansiedade. Comportamental: O componente comportamental está relacionado a situações de fuga pelo indivíduo, por ter momentos de desconforto ligado à aparência corporal. ANOREXIA E BULIMIA A construção da autoimagem e os comportamentos rela- cionados a ela são intensificados por meio de reforço social, que é o processo de internalização de atitudes e de comportamentos, mediante a aprovação dos outros e da modelagem que se observa o comportamento de outras pessoas e a partir disso, o indivíduo tenta reproduzi-lo ou imitá-lo. Buscando essa afirmação pela sociedade, acaba- se gerando insatisfação com o próprio corpo “frequente- mente associada a uma discrepância da percepção e dese- jo relativo a um tamanho e uma forma corporal”. Com essa percepção deturpada da autoimagem que pode ocorrer transtornos de conduta alimentares, como a ano- rexia nervosa e a bulimia, que têm as mulheres como as principais vítimas, acarretando problemas clínicos de comprometimento da saúde, levando ao afastamento de atividades profissionais e em casos extremos, à morte. ANOREXIA A anorexia ou autoinanição pode ser fatal, os indivíduos acometidos por esse tipo de transtorno apresentam uma imagem corporal distorcida, porque embora, geralmente, estejam abaixo do peso ideal, acreditam que estão gordos ou obesos. Os primeiros si- nais da anorexia estão rela- cionados à realização de die- tas determinadas e secretas, à insatisfação após perda de peso, às metas de peso mais baixo após atingir o peso ini- cial desejado, ao excesso de exercício e, nas mulheres, à interrupção da menstruação. BULIMIA A bulimia consiste no consu- mo elevado de uma grande quantidade de alimento em um curto período de tempo (às vezes em poucos minu- tos) e à eliminação desse ali- mento ingerido, principal- mente pela indução do vômi- to, dietas hipocalóricas rigorosas ou jejum, exercícios de altíssima intensidade, laxantes e diuréticos. As pessoas com bulimia geralmente não estão acima do peso, porém têm uma preocupação com a boa forma e a sua manuten- ção. DISFORMIA MUSCULAR E VIGOREXIA Apesar de as mulheres serem mais suscetíveis à anorexia e à bulimia, os homens estão passíveis também de apre- sentar algum tipo de trans- torno de imagem corporal. Ocorre uma grande pressão principalmente por parte da mídia e da sociedade em re- lação ao aprimoramento cor- poral, vinculando um corpo perfeito à prática de ativida- de física como uma promoção da saúde e credibilidade social. Porém o excesso de atividade física pode acarretar riscos à saúde e desenvolver o transtorno de imagem cor- poral. DISFORMIA MUSCULAR A disformia muscular é um tipo de transtorno de imagem corporal no qual o indivíduo tem a percepção de que é fra- co e pequeno em relação à quantidade ou ao tamanho de sua massa muscular, mas na verdade apresenta uma mus- culatura desenvolvida em níveis acima da média popula- cional. VIGOREXIA A partir da disformia muscular se desenvolve a vigorexia, em que os indivíduos demonstram a descrição anterior- mente relatada, manifestando uma preocupação anormal com a massa muscular, que pode levar ao excesso de ativi-dades de força, práticas de dietas hiperproteicas (quanti- dades elevadas de proteínas), hiperglicídicas (quantidade elevada de carboidratos), hipolipídicas (pouca quantidade de lipídios e gorduras), uso de suplementos proteicos e, em casos extremos, consumo de esteroides anabolizantes. Ademais, pessoas com vigorexia não tendem a fazer ativi- dades com características aeróbias, pois acreditam que esse tipo de atividade acarreta perda de massa muscular, além de evitar a exposição de seus corpos por sentirem vergonha. Para homens, a principal faixa etária acometida pela vigo- rexia é entre 18 a 35 anos, porém as mulheres que reali- zam atividades esportivas, principalmente musculação de forma intensa e contínua, sem respeitar as características de descanso e recuperação, com a intensão de aumentar a massa muscular e ter maior definição muscular possível, não se importam com as consequências da rotina de ativi- dade ao sacrificar a vida social, os relacionamentos e o emprego, não estão isentas de apresentarem esse quadro. Pope Júnior, Phillips e Olivardia listam uma série de sinais de uma pessoa com vigorexia, como: • Preocupação frequente de que seu corpo não seja magro, e sim musculoso. • Perda de oportunidades sociais que teria usufruído em outras circunstâncias, porque prefere estar na aca- demia. • Gastar muito dinheiro em alimentos especiais ou suplementos dietéticos para aumentar a musculatura. • Evitar a exposição de seu corpo, principalmente em situação em que outras pessoas possam vê-lo, como piscina, praia e vestiários. • Realizar atividades físicas em situações de restrição médica ou lesionada. • Ingerir drogas, como anabolizantes. Fisioterapeuta e a Corporeidade O profissional pode apresentar dificuldades em perceber a corporeidade dentro de sua atuação profissional, tanto pela característica do meio acadêmico (processo científi- co) quanto pela divisão mediante a qual o ser humano em movimento é estudado, para que haja um aprofundamen- to em diversas áreas. Contudo, cada indivíduo deve formu- lar uma concepção diferenciada em relação ao corpo hu- mano, porém sem ter a ideia de que o corpo é uma maqui- na perfeita ou a ser melhorada nas questões de rendimen- to, mas sim procurar observar e refletir acerca de uma corporeidade viva, existencial, racional e sensível. Ao mesmo tempo em que a corporeidade considera o sujeito um ser biológico, ela o considera um ser social, relacionado ao seu contexto social, o que muitas vezes não é entendido ou concebido por algumas áreas de conheci- mento, principalmente por causa das ideias de divisão do ser humano. Os profissionais de fisioterapia devem ser capazes de compreender o homem em sua totalidade e produzir uma intervenção condizendo com essa realidade de um novo homem. Conseguir aplicar essa concepção em sua atuação irá exigir do profissional a busca por um corpo possível em um tratamento fisioterapêutico ou na prática de atividade e exercícios sistematizados, deixando de lado a ideia de um corpo ideal ou perfeito, ou seja, abandonan- do o modismo que acontece sazonalmente na sociedade. A corporeidade está relacionada a uma interação do ser humano com o mundo em que vive, e isso é representado pelo movimento, ou seja, pela motricidade, que é a inten- cionalidade, ocasionando a superação. O sujeito, por inter- médio da prática de atividades físicas ou tratamento fisio- terapeutico, tem de buscar a superação e ir além das possi- bilidades. No entanto, é preciso considerar as caracterís- ticas e limitações de cada pessoa, e não se utilizar exclusi- vamente tabelas e referências gerais de desempenho de aptidões físicas. Além disso, os profissionais têm de buscar a inclusão de diversos tipos de corpos nos exercícios físi- cos, e não somente aqueles que apresentam um suposto potencial para atingir a perfeição estética e performática. O corpo não é uma junção de diversas partes ou diversos órgãos com funções distintas, como se fosse uma máquina, nem é um ser que sobrevive baseado em meras relações de causa e efeito, por exemplo, que recebe um estímulo e apresenta uma resposta adequada a esse estímulo, sem qualquer tipo de reflexão ou pensamento. O corpo é uma unidade integrada e complexa, com sentidos, razões e por diversas experiências com o mundo, com o qual mantém relações complexas de dependência e individualidade. O profissional não pode desprezar as experiências do sujeito e o sistema social ou a cultura em que ele está inse- rido, por isso sempre deve procurar contribuir para o desenvolvimento desse corpo real ou existencial que, quando se movimenta, busca a constante superação. Isso faz com que o profissional utilize do corpo do sujeito, o qual ele é o autor de toda a sua história e sua cultura, que saiba trabalhar com o “sujeito relacional, criativo, depen- dente de conhecimento de si, dos outros e do mundo” Se os profissionais de fisioterapia compreenderem a concep- ção de um corpo-sujeito, um corpo dotado de uma percep- ção do mundo, ele agregará diversos valores que darão suporte à sua atuação. Essa corporeidade exigirá um trabalho do profissional, pois ele irá atuar com uma gama de sujeitos em diversos contextos socioculturais, ou seja, não apenas com aquele que apresenta dificuldades nas suas habilidades, mas e também com dificuldade em conseguir uma nova concep- ção no que diz respeito ao corpo, principalmente pelas mensagens vinculadas em diversos meios de comunicação em relação aos padrões estéticos e tipos de corpos aceitos pela sociedade e até mesmo as atividades que devem ser realizadas para atingir esse corpo. O profissional deve valorizar o sentido de humanidade, do entendimento de corpo do sujeito-autor, ao mesmo tempo, modificador de seu destino, e com isso produzir uma história e uma cultu- ra da qual também possa alterá-las.
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