Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO PENAL DO INIMIGO E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO Estephany Paiva Lima1 Prof.ª Orientadora de Conteúdo: Virginia Luna Smith² RESUMO O presente artigo visa analisar o aumento da violência e da criminalidade que corrompe o direito penal brasileiro. Uma teoria elaborada por Guither Jakobs, chamada direito penal do inimigo mostra, uma perspectiva na análise da criminalidade. Para Jakobs existem dois tipos de criminosos, o primeiro é o criminoso cidadão que pratica um delito por um fator qualquer, já o segundo é o criminoso inimigo, é aquele que atenta diretamente contra o Estado, que separando-se de maneira inalterável do Direito e, assim, não seria justificável oferecer as garantias processuais e constitucionais. Dessa forma, o inimigo é considerado uma coisa, não sendo mais considerado um cidadão e nem um sujeito processual, pois quem não oferece segurança à sociedade não deve ser tratado como pessoa. Palavras-chave: Direito Penal. Direito Penal do Inimigo. Constitucionalidade do direito penal do inimigo. Punição. ABSTRACT This article aims to analyze the increase in violence and crime that corrupts Brazilian criminal law. A theory elaborated by Guither Jakobs, called the enemy's criminal law shows, a perspective in the analysis of crime. For Jakobs there are two types of criminals, the first is the criminal citizen who commits an offense by any factor, while the second is the enemy criminal, is the one who directly acts against the State, which is unalterable by the law and thus would not be justifiable to offer procedural and constitutional guarantees. Thus, the enemy is considered a thing, no longer considered a citizen or a procedural subject, because those who do not offer security to society should not be treated as a person. Keywords: Criminal Law. Enemy Criminal Law. Constitutionality of the criminal law of the enemy. Punishment. 1 Acadêmica de pós graduação do Curso de Direito Penal e Processual penal da Faculdade Estácio de Vitória - ES. E-mail: estephanypaiva@hotmail.com mailto:estephanypaiva@hotmail.com 2 INTRODUÇÃO O artigo fará uma delimitação do tema proposto, levantando a hipótese que pretende responder ao final das investigações realizadas. Para tanto, serão propostos objetivos específicos a fim de que a pesquisadora possa planejar a busca pautada do conhecimento. O tema escolhido para o artigo envolve um assunto de bastante relevância jurídica: Direito penal do inimigo e o regime disciplinar diferenciado. Para tanto, serão analisadas posições doutrinárias e jurisprudenciais. O presente trabalho pretende analisar o direito penal do inimigo e a legislação brasileira, uma teoria lançada por Gunther Jakobs, um Doutrinador Alemão que sustenta essa teoria desde 1985, com base nas políticas públicas que combatem a criminalidade nacional e internacional. Uma preposição na qual passa a ser conhecida como direito penal da terceira velocidade, se baseando nas mesmas premissas, ou seja, a punição seria com base no autor e não devido ao ato praticado por ele. Vale ressaltar que a designação tem maior destaque atualmente em razão de ataques terroristas ocorridos frequentemente. Jakobs propõe um direito diferenciado a pessoas de alta periculosidade, já que para estas o direito penal do cidadão não se faz eficaz, dessa forma, os inimigos seriam os sujeitos criminosos, que cometem delitos de ampla crueldade, como crimes econômicos, crimes organizados, infrações penais perigosas, crimes sexuais, bem como terroristas. O direito penal do inimigo, funciona para combater determinadas classes. Para atender a pesquisa, indaga-se: O direito penal do inimigo pode ser reconhecido? O tema em questão tem uma grande relevância social, visto que vem crescendo consideravelmente em escala nacional. No que tange a contribuição prática dessa discussão o presente artigo tem um cunho educativo, possibilitando o desenvolvimento de uma visão ampla acerca da problemática do direito penal do inimigo. Visto que, apesar das crescentes demandas no judiciário, ainda se trata de um tema pouco explorado. 3 A fim de se atingir os objetivos desse artigo utilizar-se-á a pesquisa teórico- dogmática, tendo em vista que serão abordados conceitos doutrinários para equacionar o problema apresentado na tentativa de criar uma solução para o conflito. Os setores de conhecimento abrangidos pela presente pesquisa apresentam caráter transdisciplinar, com incidência de investigações contidas entre searas da Ciência do Direito, tais como o Direito Penal e Direito Processual Penal. 1 DO DIREITO PENAL DO INIMIGO 1.1 Características e Fundamentos do Direito Penal do inimigo (Teoria de Gunter Jakobs). Em 1985 em uma palestra em Frankfurt, surgiu a teoria do Direito Penal do inimigo criada pelo doutrinador alemão Gunter Jakobs, tal conceito recebeu pouca publicidade e consequentemente pouca, ou quase nenhuma crítica. Mas em 1999, Jakobs empregou novamente o conceito de Direito Penal do inimigo, em uma palestra na Conferência do Milênio em Berlim, sendo imediatamente criticada por todos os presentes, e em diversos países de língua portuguesa. a (MORAES, 2008, p.181). Mesmo que de forma negativa, Jakobs, teria sido notado por sua teoria e dessa forma conseguido grande repercussão. Mas, seu pensamento exposto em 1985 não foi o mesmo que proferido em 1999 na conferência do Milênio em Berlim. O discurso, que antes era de censura, reverte-se, em 1999, em defesa da criação de um Direito Penal destinado exclusivamente ao inimigo. O eminente autor citou que em muitos dispositivos alemães já havia indícios desta nova forma de aplicação do direito; destarte, a criação de um Direito Penal do Inimigo não seria ilegítima, visto que protegeria o Direito Penal tradicional – o destinado ao cidadão – de uma possível ‘contaminação’ (SILVA,2013). 4 Segundo Sánchez o conceito de inimigo da teoria de Jakobs, seria o seguinte: O inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma organização criminosa, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental. Em todo caso, é alguém que não garante mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e manifesta esse déficit por meio de sua conduta. [...] Se a característica do ‘inimigo’ é o abandono duradouro do Direito e ausência da mínima segurança cognitiva em sua conduta, então seria plausível que o modo de o afrontar fosse com o emprego 14 de meios de asseguramento cognitivo desprovidos de penas (SÁNCHEZ, 2002, pag.149). Para Gunther Jakobs, o Direito Penal pode atuar, em relação ao inimigo, antes mesmo deste ter cometido qualquer infração, bastando ser perigoso para a sociedade, adotando-se, assim, a antecipação da tutela penal e o chamado Direito Penal do autor (MORAES, 2008, pag. 258-260). Dessa forma, Jakobs afirma que o “Direito penal do cidadão, mantém a vigência da norma. O Direito penal do inimigo (em sentido amplo) combate perigos; com toda certeza existem múltiplas formas intermediárias.” (JAKOBS, 2007, p. 30). Para que se possa entender o Direito Penal do inimigo é necessário saber que independentemente de o inimigo ter cometido um crime ou não ele já será considerado inimigo pelo simples fato de oferecer alguma periculosidade para a sociedade. Dessa forma entende Prado: O Direito Penal do inimigo é um Direito Penal de exceção, feito regra. Trata-se de uma construção teórica fundamentada essencialmente na distinção entre cidadãos e não-cidadãos (ou inimigos) que, no âmbito dogmático, consiste na própria separação entre pessoas e não-pessoas, conduzindo à distinção entre dois pólos de regulação normativa penal, coexistentes no ordenamento jurídico:um dirigido ao cidadão e outro ao 5 inimigo. Desse modo, de um lado, o Direito Penal do cidadão define e sanciona delitos cometidos por pessoas de forma incidental, ou seja, delitos que representam um abuso nas relações sociais de que participam. Assim, o cidadão oferece a chamada "segurança cognitiva mínima", ou seja, a garantia de que se submetem ao preceito normativo e, por isso, são chamados a restaurar a sua vigência por meio da imposição sancionatória. Por essa razão, esses indivíduos continuam a ser considerados pessoas e, portanto, cidadãos aptos a fruir de direitos e garantias assegurados a todos que partilhem dessestatus. O Direito Penal do inimigo, de seu turno, dirige-se a indivíduos que, por seu comportamento, externam uma pretensão de ruptura ou destruição da ordem normativa vigente e, portanto, perdem o status de pessoa e cidadão, submetendo-se a um verdadeiro Direito Penal de exceção, cujas sanções têm por finalidade primordial não mais a restauração da vigência normativa, mas assegurar a própria existência da sociedade em face desses indivíduos. O Direito Penal do inimigo tem como uma de suas marcantes características o combate a perigos, por isso representa, em muitos casos, uma antecipação de punibilidade, na qual o "inimigo" é interceptado em um estado inicial, apenas pela periculosidade que pode ostentar em relação à sociedade. Para ele, não é mais o homem (= pessoa de ‘carne e osso’) o centro de todo o Direito, mas sim o sistema, puramente sócionormativo (PRADO,2009). A princípio vale ressaltar que o Direito Penal resolve apenas alguns casos específicos e não deve ser utilizado para resolver todos os problemas sociais, com políticas de autoritarismo e excesso de severidade em algumas leis, os problemas podem em tese intensificarem-se. O Direito Penal do inimigo é uma proposta jurídica onde o Estado confronta não apenas os seus cidadãos, mas também seus inimigos (aqueles que não se encontram em nosso sistema normativo), punindo-os severamente, ou em alguns casos, até antecipando a sua punição, restringindo totalmente sua liberdade de agir, advinda de sua presunção de inocência e tirando deles diversas garantias e direitos fundamentais. O Direito Penal do inimigo não está diretamente ligado ao crime praticado, mas sim a periculosidade deste “inimigo” e seu contato com o meio, sendo que assim 6 seu tratamento deve ser diferenciado, assim como sustenta Marcelo Xavier afirma que: [...] Jakobs estrutura sua teoria na opção do indivíduo de não se submeter ao sistema normativo, decidindo por uma ruptura com o contrato social de modo que, não se submetendo ao sistema, a este não pertence. A consequência é que as normas do sistema não se aplicam ao “dissidente”, aplicando-se outras. Aquele que não é fiel ao sistema, rejeitando-o por total, não é pessoa, pelo contrário, é uma “não pessoa”, ou seja, o conceito puramente normativo de dignidade humana leva a classificar pessoas e “não pessoas”. Estes representam um perigo aos demais, justificando-se o tratamento diferenciado a ele dispensado. (CRESPO, 2009) Para Jakobs, quem possui as características de um “inimigo” deve ser considerado uma “não pessoa” (um perigo social que deve ser neutralizado), devendo desta forma ser tratado como um verdadeiro inimigo do Estado, criando assim uma divisão dentro do Direito, diferenciando o Direito Penal do cidadão comum e o Direito Penal do inimigo. Essa divisão para muitos é inviável e do ponto de vista constitucional e normativo (ZAFFARONI, 2007, p.18). Encontra-se, portanto, a seguinte definição para inimigos: Quem seriam as ervas daninhas da sociedade atual? Ou em outras palavras quem seria, se for possível admiti-lo, o inimigo? Entendemos que seria aquele ao qual as chamadas legislações de emergência são destinadas indiretamente, que se tornaram mais visíveis após crimes de destruição maciça e indiscriminada ocorridos em 11.09.2001. Falamos em uma destinação indireta ou mediata à medida que compreendemos como destinatários diretos ou imediatos das referidas leis emergenciais à própria população (COSTA, 2012, p.05). Jakobs, causa uma sensação de que o Direito Penal do Inimigo é uma teoria injusta, pois divide a população, formando dois tipos penais de Direito Penal, causando uma grande polêmica com sua teoria. 7 Como mencionado acima, em 1985 houve poucas críticas a essa teoria e assim sendo discutido mais o aspecto dogmático entre o Direito Penal do inimigo e o Direito penal do cidadão, mas em outro momento, surgiram inúmeras críticas referentes à obscuridade de tal teoria. Apenas com as manifestações de 1999, as críticas começaram a surgir na Alemanha e em diversos países. Dessa forma, a evolução dessa teoria se dá pelo fato da diferenciação entre as pessoas, ou seja, as se inserem adequadamente na sociedade, as pessoas "de bem", que cumprem as leis vigentes, estão conscientes de seus deveres e obrigações dentro da sociedade, fazendo com que esta prospere e os inimigos, que são pessoas ou grupos que não cumprem as leis, que são perigosas e que por isso devem ter um tratamento diferenciado na sociedade, sendo eles classificados como verdadeiros inimigos do povo e da sociedade. Desta forma afirma Eugenio Raul Zaffaroni: [...] O sendo comum mais elementar indica que a limitação dos direitos de todos os cidadãos para conter o poder punitivo que se exerce sobre estes mesmos cidadãos não pode ser eficaz. A admissão resignada de um tratamento penal diferenciado para um grupo de autores ou criminosos graves não pode ser eficaz para conter o avanço do atual autoritarismo cool no mundo, entre outras razoes porque não será possível reduzir o tratamento diferenciado a um grupo de pessoas sem que se reduzam as garantias de todos os cidadãos diante do poder punitivo, dado que não sabemos ab initio quem são essas pessoas. O poder seletivo está sempre nas mãos de agências que o empregam segundo interesses conjunturais e o usam também com outros objetivos. [...] Consequentemente, o que está efetivamente em discussão é saber se os direitos dos cidadãos podem ser diminuídos para individualizar os inimigos, ou seja, passa-se a se discutir algo 17 diferente da própria eficácia da proposta de contenção. [...] Caso se legitime essa ofensa aos direitos de todos os cidadãos, concede-se ao poder a faculdade de estabelecer até que ponto será necessário limitar os direitos para exercer um poder que está em suas próprias mãos. Se isso ocorrer, o Estado de direito terá sido abolido (ZAFFARONI, 2007, p. 191-192). 8 Os inimigos seriam, os personagens principais de certos tipos penais, certos crimes, que geram a insegurança pública, podendo levar uma sociedade ao caos. Seriam então os crimes contra a ordem econômica, os crimes sexuais, os traficantes, os homicidas, os terroristas e participantes do crime organizado (MACHADO, 2009, p.112). Dessa forma, é possível enxergar que não são levados em consideração os motivos nem as circunstâncias de tais crimes, e tão somente o seu perigo em abstrato, analisando genericamente cada crime. Trata-se de um tratamento desigual e desumano. insta salientar que para ser autor de qualquer um dos crimes acima citados, o sujeito deve ter efetivamente praticado, como preceitua o art. 4º do Código Penal brasileiro, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. De acordo com a Teoria do Direito Penal do inimigo, para evitar o dano futuro, seria preciso utilizar-se da prevenção, sendo que se deve caracterizar previamente os possíveis Inimigos, e assim os “excluir” da sociedade (NEUMANN, 2007, p. 159-1161). Por esse motivo ele acredita que os inimigos sejam tratados de forma diferenciada,assim como sustenta Luís Flavio Gomes: Como devem ser tratados os inimigos? o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. O inimigo, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais, como por exemplo o de se comunicar com seu advogado constituído. Cabe ao Estado não reconhecer seus direitos, ‘ainda que de modo juridicamente ordenado. Contra ele não se justifica um procedimento penal (legal), sim, um procedimento de guerra. Quem não oferece segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não deve esperar ser tratado como pessoa, senão que o Estado não deve tratá-lo 9 como pessoa (pois do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas) (GOMES, 2004, p. 02). Ao analisar esse pensamento podemos enxergar que o mesmo vai contra o princípio constitucional da presunção de inocência que através de norma constitucional, segundo o ordenamento brasileiro preceitua no inciso LVII do artigo 5º que: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Também vai contra o principio in dubio pro reo, que se encontra implícito no artigo 386 inciso II do Código de Processo Penal: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: VII – não existir prova suficiente para a condenação.” Jakobs defende pela prevenção do crime através da antecipação da punibilidade, e o aumento de penas e sua aplicação mais severa, a eliminação de diversas garantias constitucionais e processuais do Inimigo como forma de neutralizá-lo e assim garantir a paz social. (MORAES, 2008, p.196) O que se diferencia de um cidadão e um inimigo não é somente o fato de ele ter cometido o crime, mas também seu comportamento social, ou seja, o inimigo é aquele que de alguma forma se distancia, por algum motivo, das normas jurídicas. Jakobs e Meliá fazem referência a Rousseau, Hobbes e Fichte para afirmar que ‘o status de cidadão, não necessariamente, é algo que se possa perder’, dando especial destaque aos chamados ‘crimes de alta traição’, nos quais o indivíduo se volta contra o Estado e o obriga. Nesta senda concluem: ‘Um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa’ (CABETE, apud JAKOBS e MELIÁ, 2013, p.60). Afirma Jakobs que “o Estado moderno vê no autor de um fato normal, não um inimigo que deve ser destruído, mas um cidadão, uma pessoa que mediante sua conduta infringiu a vigência da norma e que por isso é chamada a equilibrar o dano à vigência da norma.” (JAKOBS, 2003, p.35). 10 Segundo essa teoria o cidadão comum pode ser autor de ilícitos penais, mas, diferente do inimigo, o cidadão teria consciência do ato ilícito que cometeu, e sendo assim, repararia seu dano e se retrataria, e dessa forma voltaria a agir de acordo com as normas jurídicas, mantendo a sociedade "equilibrada", De acordo com o jurista Luiz Flávio Gomes, as características do Direito Penal do inimigo são: (a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; (f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera- se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade (GOMES,2004). Paulo Queiroz sustenta quais são as diferenças entre cidadão e inimigo: a) o inimigo não é pessoa, mas inimigo (não pessoa), logo a relação que com ele se estabelece não é de direito, mas de coação, de guerra; b) o direito penal do cidadão tem por finalidade manter a vigência da norma; o direito penal do inimigo, o combate de perigos; c) o direito penal do cidadão reage por meio de penas; o direito penal do inimigo por meio de medidas de segurança; d) o direito penal do cidadão trabalha com um direito penal do fato; o direito penal do inimigo, com um direito penal do autor; e) por isso, o direito penal do cidadão pune fatos criminosos; o 11 direito penal do inimigo, a periculosidade do agente; f) o direito penal do cidadão é essencialmenterepressivo, o direito penal do inimigo, essencialmente preventivo; g) por essa razão, o direito penal do cidadão deve se ocupar, como regra, de condutas consumadas ou tentadas (direito penal do dano), ao passo que o direito penal do inimigo deve antecipar a tutela penal, para punir atos preparatórios (direito penal do perigo); h) o direito penal do cidadão é um direito de garantias; o direito penal do inimigo, um direito antigarantista (QUEIROZ, 2005, P.45). O que Jakobs espera com sua teoria é “manter a ordem”, ou seja, punir os inimigos até mesmo antes de eles terem cometido o fato delituoso, punindo de maneira repressiva, opressiva e severa. E desta forma dividir a sociedade em cidadãos comuns e 20 inimigos, sendo esta segunda categoria recriminada apenas por seu perigo abstrato e não por seu perigo concreto ou pelo crime praticado. 1.2 Finalidade do Direito Penal do inimigo Segundo Luiz Flavio Gomes, as principais características do Direito Penal do inimigo para Jakobs são: (a) flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas); (b) inobservância de princípios básicos como o da ofensividade, da exteriorização do fato, da imputação objetiva etc.; (c) aumento desproporcional de penas; (d) criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos); (e) endurecimento sem causa da execução penal; (f) exagerada antecipação da tutela penal; (g) corte de direitos e garantias processuais fundamentais; (h) concessão de prêmios ao inimigo que se mostra fiel ao Direito (delação premiada, colaboração premiada etc.); (i) flexibilização da prisão em flagrante (ação controlada); (j) infiltração de agentes policiais; (l) uso e abuso de medidas preventivas ou cautelares (interceptação telefônica sem justa causa, quebra de sigilos não fundamentados ou contra a lei); (m) medidas penais dirigidas contra quem exerce atividade lícita (bancos, advogados, joalheiros, leiloeiros etc.) (GOMES,2004). 12 Desta forma sua intenção seria que o Direito Penal fosse dividido em dois, o Direito Penal do cidadão e o Direito Penal do inimigo, tendo que haver dois ordenamentos distintos, sendo um mais severo que o outro. De acordo com a tese de Jakobs, o Estado pode proceder de dois modos contra os delinquentes: pode vê-los como pessoas que delinquem ou como indivíduos que apresentam perigo para o próprio Estado. Dois, portanto, seriam os Direitos penais: um é o do cidadão, que deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais; para ele vale na integralidade o devido processo legal; o outro é o Direito penal do inimigo.Este deve ser tratado como fonte de perigo e, portanto, como meio para intimidar outras pessoas. O Direito penal do cidadão é um Direito penal de todos; o Direito penal do inimigo é contra aqueles que atentam permanentemente contra o Estado: é coação física, até chegar à guerra. Cidadão é quem, mesmo depois do crime, oferece garantias de que se conduzirá como pessoa 21 que atua com fidelidade ao Direito. Inimigo é quem não oferece essa garantia (GOMES, 2004). No primeiro caso, o cidadão continuaria a ter o status de cidadão e, uma vez que infringisse a lei, ainda teria o direito ao julgamento dentro do ordenamento jurídico estabelecido e voltaria a ajustar-se à sociedade, ou seja, teria uma oportunidade de se restabelecer a validade dessa norma de maneira coercitiva. Nesse caso, o Estado não observa o sujeito como inimigo, e assim como autos de um delito habitual, ainda que cometendo um ato ilícito perante a sociedade ainda sim teria seu papel de cidadão dentro do direito. No segundo caso, seria chamado de inimigo do Estado e seria adversário, representante do mal, cabendo a estes um tratamento rígido e diferenciado, ou seja, seria autor de atos ilícitos, como delitos sexuais, ou pela ocupação profissional, assim como criminalidade econômica, tráfico de drogas, bem como a participação de uma organização criminosa, como por exemplo, terrorismo. Nesse caso, o sujeito se separou do direito, não produzindo uma garantia cognitiva primordial para que ocorra o tratamento como se fosse uma pessoa, e, portanto, deve ser tratado como inimigo, sendo assim, perderia o direito às garantias legais, não sendo capazes de se adaptar às regras da sociedade, 13 devem ser afastados, ficando sob tutela do Estado, perdendo o status de cidadão. Yuri Frederico Dutra, sustenta de tal forma: Para Jakobs a primordial função do direito penal seria a proteção da norma e, portanto, da sociedade, e só indiretamente a proteção de bens jurídicos. Explica o doutrinador alemão que não é possível obter a pacificação social através do direito penal tradicional, sendo indispensável o direito penal da exceção, que se obstina em restabelecer e proteger a norma jurídica. Ainda, continua explanando que não denomina o criminoso como pessoa, posto que os transgressores justifiquem sofrer maior rigor na punição eee execução da pena como forma de mantê-los fora da sociedade sem ter vistas á ressocialização ou reinserção social (LEITE apud DUTRA, 2013). No mesmo sentido: Em linhas gerais, pode-se afirmar que o direito penal do inimigo, desconsiderando-se as contrariedades internas da teoria é uma proposta voltada a impedir a destruição do ordenamento jurídico (concepção funcionalista) e, consequentemente, da sociedade. É uma teoria concebida como resposta à criminalidade que, em razão do seu teor ofensivo, põe em risco as estruturas sociais (MORAES, 2008, p. 22 09) A intenção de Jakobs é separar os inimigos dos cidadãos, e desta forma conseguir manter a ordem, ou seja, dar a sociedade a garantia de que “as fontes do perigo” (os inimigos) estarão sob domínio e cuidado do Estado, dando desta forma, uma “tranquilidade” aos cidadãos. 1.3 Negativismo da Teoria do Direito Penal do Inimigo. A teoria do Direito penal do Inimigo tem muito críticos, tanto por parte dos estudiosos de direito, filosofia, sociologia etc., como também por parte de 14 pessoas leigas. Até porque, afirmar que o Estado não possui o dever de respeitar os seres humanos é um choque para qualquer cidadão. Afastando qualquer dúvida que possa existir, é preciso dizer que, num Estado em que se protejam os direitos fundamentais, a tese da existência de um direito penal para punir o inimigo, ao lado de um direito penal para punir o cidadão, é completamente absurda. Não se pode de maneira alguma concordar com um direito que apenas negue direitos, isso é concordar com o totalitarismo, é abolir o controle social, mesmo que falho, e instituir a opressão, em que serão inimigos todos aqueles que quiserem os donos do poder (SIQUEIRA, 2010, p. 06). Em vários textos existe comparação dessa teoria com o nazismo, fascismo ou comunismo, pois foram as épocas em que a dignidade da pessoa humana em nada foi respeitada. Afinal, o direito penal do inimigo é, já por definição, aquele que se pune sem reconhecer o limite de que o homem é um fim em si mesmo, mas sim atendendo unicamente às necessidades de prevenção de novos delitos de parte daquele que é considerado perigoso. A afirmativa de Jakobs, de que ainda assim não é possível fazer com o inimigo o que se bem quiser, pois ele seria dotado de ‘personalidade potencial’, de modo que não seria permitido ultrapassar a medida do necessário, não é uma solução, mas justamente o problema. Afinal, quem é tratado apenas segundo considerações de utilidade e necessidade não é uma pessoa, e sim uma coisa. Aqui seria tão impossível falar em limites morais absolutos quanto o é no trato com quaisquer objetos do direito das coisas, entre os quais o autor foi claramente jogado (GRECO, 2005, p. 100) Nesse trecho acima citado, é possível ver o pavor que se tem ao tentar entender de fato, como funcionaria, caso esta teoria fosse aplicada na prática. Não se é possível identificar se seria uma prevenção geral negativa ou uma intimidação por parte do Estado, porém, qualquer uma dessas seria intolerante e nada humanitária. 15 Afinal, a palavra inimigo é tão carregada valorativamente, que parece muito difícil empregá-la apenas para descrever. A mera utilização da palavra já parece criar automaticamente divisões e polarizações, que começam a envolver até mesmo aquele que supostamente descreve em sua irresistível dinâmica. De modo quase que natural, vê-se aquele que acaba de utilizá-la forçado ou a legitimar a atribuição da qualidade de inimigo, ou a denunciá-la criticamente. Por isso não podemos estar surpresos como o fato de que Jakobs, apesar de repetir que está apenas descrevendo, na verdade, seja entendido por quase todos como alguém que esteja já legitimando. (GRECO, 2005, p. 103). Mesmo que a palavra "inimigo" seja muito utilizada por nós, até mesmo no cotidiano, nesse caso em questão é diferente, seja por se tratar do direito penal, no qual somos diretamente interessados, ou até mesmo no que diz respeito a dignidade da vida humana. Os crimes e as penas não são fenômenos que não podemos observar de longe, pois nos interessa diretamente como cidadãos, já que ninguém quer ser vítima de crime, ser injustamente acusado de um, ou até mesmo, quando o pratica não quer ser acusado de forma mais grave apenas pelo seu papel na sociedade. Desta forma nota-se que Jakobs não consegue se colocar no lugar do inimigo, mas tão somente no lugar da vítima, isso fica nítido em seu livro quando ele afirma: Quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito à segurança; mas diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído (JAKOBS, 2007, p. 49). Devemos analisar que quem vê o criminoso como inimigo não o reconhece como pessoa, mas se coliga ao autoritarismo e se torna seu orador. 16 Em uma crítica ao Direito Penal do inimigo, Saulo Henrique Silva Caldas afirma o seguinte: Mas, mutatis mutandis, se ‘bandido bom é bandido morto’, e se ‘direitos humanos é para humanos direitos’, o que dirão os justiceiros sociais que deflagram essa frase nos fóruns, nas esquinas, nos sites de relacionamento, com relação àqueles ‘bandidos’ como: 1) Robin Hood —que roubava dos ricos opressores,desafiava as autoridades constituídas, e dava para os pobres marginalizados? 2) Troy Anthony Davis —um negro acusado de assassinar um policial ‘branco’, no Texas, e que apesar de “sérias dúvidas” sobre a procedência das acusações foi condenado à morte e executado em novembro de 2011, após densa luta internacional contra a aplicação dessa pena irreversível? Possivelmente, foi vítima de um sistema judicial corrompido por questões raciais e étnicas; 3) Joana d'Arc —marginalizada e condenada à morte na fogueira, na época dos grandes suplícios públicos, ela foi acusada de heresia e assassinato, além de sequer ter direito de ir se defender durante dez sessões de julgamento. Além disso, foi presa em uma cela escura e vigiada severamente por vários soldados. Séculos mais tarde, a história lhe fez justiça, mas Joanna era, em seus dias, ‘bandida boa, bandida morta’, sem ‘direitos humanos’ porque ‘não era uma humana direita’ aos olhos de seus algozes. 4) Jesus Cristo e o apóstolo Paulo —sem mais delongas, foram considerados promotores de sedições perante o Império Romano. Em seus dias, experimentaram açoites e prisões severas, torturas delirantes, e a pecha de ‘bandido bom, bandido morto’, sem direitos humanos porque não foram considerados pela sociedade de sua época, e nem pelas autoridades, como ‘humanos direitos’. Séculos depois, a história lhes fez justiça. 5) Os Judeus na Alemanha —foram considerados ‘bandidos’ pela doutrina nacional socialista, que lançou as bases do ‘Direito Penal do Inimigo’, fomentando no coração da sociedade alemã que toda miséria, tragédia social, violência, desemprego etc advinha da má influência dos judeus no Estado Alemão. Logo após, baixaram-se leis (‘Leis de Nuremberg’, 1935 d.C) considerando que ‘judeus’ não eram ‘cidadãos’ e não podiam receber atendimento médico em hospitais públicos. Portanto, não tinham ‘direitos humanos’, pois não eram considerados ‘humanos’ pela gente daquele Estado (CALDAS, 2012). 17 As críticas ao Direito Penal do inimigo são incontáveis, já que são totalmente em desfavor a uma grande parte de princípios constitucionais que foram conquistados ao passar dos tempos, com muitas lutas. Luís Greco tem à seguinte conclusão a respeito do Direito Penal do inimigo: Com isso chegamos ao resultado de que o conceito de direito penal do inimigo não pode pretender um lugar na ciência do direito penal. Então não serve nem para justificar um determinado dispositivo, nem para descrevê-lo, nem para criticá-lo. Como conceito legitimadorafirmativo, ele é nocivo; como conceito descritivo, inimaginável; como conceito crítico, na melhor das hipóteses desnecessário (GRECO, 2005, p. 112). Desta forma vemos clara a posição dos estudiosos a respeito desta teoria, que podemos considerar desumana e autoritária. 2 O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO Será analisado um tipo de sanção disciplinar do ordenamento jurídico brasileiro, conhecido como Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), e a sua relação com a teoria do Direito Penal do Inimigo. Primeiramente, é importante ressaltar que o Regime Disciplinar Diferenciado é sanção de disciplina carcerária especial e não um regime de cumprimento de pena. Traçando um perfil desse regime, o penalista Mirabete afirma: Um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como medida de 18 caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisória, nas hipóteses previstas em lei (MIRABETE, 2004, p.19). Esse regime é um tanto quanto polêmico que até mesmo o desembargador Borges Pereira (TJ-SP), julgou, de forma incidental, pela inconstitucionalidade do RDD. Em sua decisão, o excelentíssimo argumentou o seguinte: 1. Ao contrário do que argumenta o lúcido parecer do d. representante da Procuradoria Geral de Justiça, a ordem deve ser conhecida. Com efeito, toda afronta aos Direitos Individuais dos cidadãos brasileiros, 38 independentemente de raça, credo, condição financeira etc., desde que cause constrangimento ilegal, é, e sempre deverá ser passível de habeas corpus. E de se observar, inclusive, que a impetrante questiona não só a ilegalidade RDD, como também pleiteia a transferência do detento para outro presídio da rede Estatal. 2. No que pertine ao mérito do pedido, razão assiste à impetrante. (...) (...) Trata-se, no entanto, de medida inconstitucional, como se sustenta a seguir: O chamado RDD (Regime disciplinar diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à saciedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor. (...) (...) Pelo exposto, concederam a ordem com o fim de determinar a imediata remoção do paciente do "regime disciplinar diferenciado", com Recomendação (PEREIRA, 2006, p.10). O referido julgador mencionou, no teor de sua decisão, à avaliação do Desembargador Marco Nahum a respeito da temática: A questão já foi abordada por está V Colenda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo: Na ocasião, como muito bem asseverou o e. des. Marco Nahum no Habeas Corpus no 893.915-315- 00 - São Paulo (v.u.), "o referido 'regime disciplinar diferenciado' determina que o preso seja recolhido em cela individual, com saídas diárias de 2 horas para banho de sol, o que significa dizer que a pessoa fica isolada por 22 horas ao dia. Sua duração é de um ano, sem prejuízo de que nova sanção seja aplicada em virtude de outra falta grave, podendo o prazo de isolamento se estender até 1/6 da pena. Ainda é proibido ao preso que ouça, veja, ou leia qualquer meio de comunicação, o que significa dizer que não recebe jornais, ou revistas, assim como não assiste televisão, e não ouve rádio. Independentemente de se tratar de uma política criminológica voltada apenas para o castigo, e que abandona os conceitos de ressocialização ou correção do detento, para adotar 'medidas estigmatizantes e inocuizadoras' próprias do 'Direito 19 Penal do inimigo', o referido 'regime disciplinar diferenciado' ofende inúmeros preceitos constitucionais (PEREIRA, 2006, p.12). Assim sendo, o Tribunal manifestou-se pela ilegitimidade do RDD, devido a sua adoção de práticas semelhantes às do Direito Penal do Inimigo, que desrespeitam a Constituição brasileira de 1988. Ratificando o já exposto, é nítido que a lei que instituiu o RDD é uma afronta a Constituição Federal de 88 e o autor Rômulo de Andrade Moreira reafirma esse fato, criticando e fazendo os apontamentos necessários: Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranqüilidade ser tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais, pois no Brasil não poderão ser instituidas penas cruéis (art. 50, XLVII. "e", CF/88), assegurando-se aos presos (sem qualquer distinção, frise-se) o respeito à integridade fisica e moral (art. 5°., XLIX) e garantindo-se, ainda, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5°, III). 39 Será que manter um homem solitariamente em uma cela durante 360 ou 720 dias, ou mesmo por até um sexto da pena (não esqueçamos que temos crimes com pena máxima de até 30 anos), coaduna-se com aqueles dispositivos constitucionais? Ora, se o nosso atual sistema carcerário absolutamente degradante tal como hoje está concebido, já não permite a ressocialização do condenado, imagine-se o submetendo a estas condições (MOREIRA, 2004, p.28). O RDD viola o princípio constitucional da Humanidade. Esse princípio que tem por objetivo a proscrição das penas cruéis e de qualquer pena que desconsidere o home como pessoa. A declaração Universal dos direitos humanos(atigo 5º, parágrafo 2º) afirma que nenhuma pessoa deve ser submetida a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Segundo Zaffaroni aduz o seguinte: Há um princípio geral de racionalidade que deriva da Constituição ou do princípio republicano, que exige certa vinculação equitativa entre o delito e sua consequência jurídica, mas este princípio vincula-se intimamente também como princípio de humanidade, que se deduz da proscrição da pena de morte, perpétua, de banimento, trabalhos forçados e penas cruéis (art. 50, XLVII CF). (...) A essa consequência contribui também o princípio da soberania popular, posto que pressupõe, necessariamente, 20 que cada homem é um ser dotado de autonomia ética pelo mero fato de ser homem, ou seja, que por esta circunstancia é capaz de escolher entre o bem e o mal e decidir a respeito. (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p.172). Logo, é visível que o Princípio da Humanidade assevera que, atualmente, a pena deve ter um caráter mais social, almejando que o punido seja ressocializado, visto que a pena já não possui mais o cunho de castigo e de martírio. 2.1 Principais julgados sobre o Regime Disciplinar Diferenciado Constitucionalidade do RDD: TRF-1 - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL AGEPN 86166120134014100 RO 0008616-61.2013.4.01.4100 (TRF-1) Data de publicação: 17/01/2014 Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. INCLUSÃO EM REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - RDD. ART. 52 DA LEI 7.210 /1984 (EXECUÇÕES PENAIS). INCONSTITUCIONALIDADE. AFASTADA. ALTO RISCO. 1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela constitucionalidade do art. 52 da Lei 7.210 /1984, com redação dada pela Lei 10.792/2003, que prevê o Regime Disciplinar Diferenciado - RDD. Precedentes do STJ. 3. O RDD é medida extrema, destinada exatamente aos presos de elevado potencial de criminalidade. 4. A medida não é um processo judicial à parte, mas tem natureza cautelar e, por isso, prescinde da existência de provas robustas. 5. Na hipótese, a decisão obedeceu ao determinado pelo art. 59 da Lei 7.210 /1984 e na alta periculosidade do agravante, o qual, mesmo em ambiente carcerário de segurança máxima, comete indisciplinas e ameaça de morte Agente Penitenciário, trazendo o risco para o estabelecimento penal, o meio social, a segurança e a ordem pública. 6. Agravo em execução a que se nega provimento. Competência para inclusão do preso no RDD: TRF-3 - REEXAME NECESSÁRIO CRIMINAL REENEC 7972 MS 0007972- 58.2011.4.03.6000 (TRF-3) Data de publicação: 22/10/2013 Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. REEXAME NECESSÁRIO EM HABEAS CORPUS. INCLUSÃO NO RDD - REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO DE DIREITO NÃO RATIFICADA PELO JUÍZO FEDERAL. REEXAME DESPROVIDO. 1. Reexame necessário de decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS que concedeu ordem, em habeas corpus 21 impetrado contra ato do Diretor do Presídio Federal de Campo Grande/MS, que determinou a inclusão do paciente no regime disciplinar diferenciado. 2. O Diretor do Departamento Estadual de Administração Penal do Estado de Santa Catarina havia requerido a inclusão do paciente no RDD, ao argumento que ele estaria envolvido com a facção criminosa PGC (Primeiro Grupo Catarinense), o que foi deferido pelo Juízo de Direito da Comarca de Criciúma/SC. 3. Após a inclusão do paciente no presídio federal, o Juiz Federal Corregedor da Penitenciária Federal de Campo Grande passou a ser o competente para analisar a execução da pena, nos termos do artigo 4º, § 2º da Lei nº 11.671 /2008. E a inclusão do preso no RDD depende de despacho do juiz competente, nos termos do artigo 60 da Lei de Execuções Penais, na redação dada pela Lei nº 10.792 /2003. 4. O Juízo Federal havia determinado apenas a inclusão provisória do paciente no sistema penitenciário federal, mas não no regime disciplinar diferenciado. 5. Não tendo o Juízo Federal expressamente determinado a inclusão do paciente no RDD, não poderia tê-lo feito o Diretor da Penitenciária Federal, com base em anterior determinação do Juízo Estadual. 6. Reexame necessário desprovido. Requisito para a aplicação do RDD: oferecer alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal. TRF-1 - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL AGEPN 67277220134014100 (TRF-1) Data de publicação: 25/07/2014 Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INCLUSÃO DE PRESO EM REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - RDD. ART. 52, §§ 1º E 2º, DA LEI 7.210 /1984 (EXECUÇÕES PENAIS). PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DECISÃO FUNDAMENTADA. GARANTIA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA ESTABILIDADE DA ORDEM PENITENCIÁRIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça decidiu pela constitucionalidade do art. 52 da Lei 7.210 /1984, com redação dada pela Lei 10.792 /2003, que prevê o Regime Disciplinar Diferenciado - RDD. Precedentes do STJ e deste Tribunal. 2. Decisão agravada em conformidade com os preceitos dos §§ 1º e 2º do art. 52 da Lei 7.210 /1984 e fundamentada no expediente produzido pela Área de Inteligência da Penitenciária Federal em Porto Velho, capitaneado pela InformaçãoAIPFPV, Relatórios de Áudio Vigilância e Relatório de Inteligência. O agravante é preso de alta periculosidade que, mesmo em ambiente carcerário de segurança máxima, demonstra propensão à reiteração delituosa, pois integrante de organização criminosa. Exerce 22 influência negativa sobre a massa carcerária para que os comandos proferidos pelos agentes penitenciários federais não sejam objeto de cumprimento. 3. Agravo em execução penal não provido. Característica do RDD: a instituição desse regime não é um processo judicial à parte, porém tem caráter cautelar. TRF-1 - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL AGEPN 819 RO 0000819- 34.2013.4.01.4100 (TRF-1) Data de publicação: 14/06/2013 Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. INCLUSÃO EM REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - RDD. ART. 52, §§ 1º E 2º, DA LEI 7.210 /1984 (EXECUÇÕES PENAIS). NULIDADE ABSOLUTA. AFASTADA. DEVIDO PROCESSO LEGAL RESPEITADO. PARTICIPAÇÃO ATUAL EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ALTO RISCO. 1. Não cabe alegar nulidade absoluta da decisão, em razão de não ter sido precedida de processo administrativo disciplinar, quando seu fundamento não diz respeito à disciplina do preso, mas à sua participação em organização criminosa e no risco que apresenta à segurança da coletividade. 2. Considera-se que o devido processo foi cumprido na hipótese em que, prolatada a cautelar, com contraditório diferido, em razão do caráter emergencial da medida, o preso apresenta sua defesa antes da decisão de mérito. 3. O RDD é medida extrema, destinada exatamente aos presos de elevado potencial de criminalidade que, mesmo recolhidos em estabelecimentos prisionais, continuam a participar de organizações criminosas, com poder de decisão. 4. A medida não é um processo judicial à parte, mas tem natureza cautelar e, por isso, prescinde da existência de provas robustas 5. Na hipótese, a decisão obedeceu ao que determinam os §§ 1º e 2º do art. 59 da Lei 7.210 /1984 e fundamentou-se na atualidade da participação do preso em organização criminosa, alto risco para o estabelecimento penal, o meio social, a segurança e a ordem pública. 6. Agravo em execução a que se nega provimento. A aplicação do RDD tem que respeitar o princípio constitucional do Devido Processo Legal: STJ - HABEAS CORPUS HC 89935 BA 2007/0208711-7 (STJ) Data de publicação: 26/05/2008 Ementa: EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. REGIME DISCIPLINARDIFERENCIADO (RDD). INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES LEGAIS. 23 IMPOSIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 2. DECISÃO DO JUIZ DAS EXECUÇÕES EM PROCESSO JUDICIAL. NECESSIDADE. 3. FALTA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. 4. LIMITE TEMPORAL MÁXIMO DE 1 ANO. IMPOSIÇÃO SEM MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO. NECESSIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 5. ORDEM CONCEDIDA. 1. Incabível a inclusão de preso em RDD se inocorrente no caso qualquer das hipóteses legais, previstas no artigo 52 da Lei de Execuções Penais. 2. O Regime Disciplinar Diferenciado é sanção disciplinar que depende de decisão fundamentada do juiz das execuções criminais e determinada no curso do processo de execução penal. 3. A decisão judicial sobre a inclusão do preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, o que não foi propiciado no presente caso. 4. Desproporcional a imposição do regime disciplinar diferenciado no seu prazo máximo de duração, de um ano, sem uma individualização da sanção adequadamente motivada (Inteligência do artigo 57 da Lei de Execução Penal ). 5. Ordem concedida para determinar a transferência do paciente do regime disciplinar diferenciado, retornando para o Conjunto Penal de Feira de Santana, onde se encontrava. Efeitos estendidos aos demais presos na mesma situação. 24 4 CONCLUSÃO Após o sucinto estudo sobre as informações de definem o chamado direito penal do inimigo, conclui-se que este, na forma em que foi apresentado no trabalho, conforme o pensamento de Jakobs, apresenta uma grande contrariedade aos desígnios do direito penal, em espécie ao modelo aplicável em um estado Democrático de Direito, que seria o estado ideal do direito. Quando se fala em uma valoração do Direito Penal do Inimigo como parte do ordenamento jurídico penal, é valido a verificação de sua aceitabilidade ou não como parte inevitável do direito penal moderno. A aplicação da teoria do inimigo seria cabível para que houvesse a redução da criminalidade, porém a tal aplicação em um país como o Brasil, que em muitas das vezes os atos praticados dependendo da classe de pessoas, se tornam impunes, não é o mesmo que acontece com os pobres, que até mesmo um furto irrisório com finalidade de se alimentar se torna um crime de grande valoração, é onde isso não deveria vigorar. O Brasil é um país falho, por diversas vezes punem inocentes, e por esse motivo retira suas garantias e os verdadeiros criminosos ficam impunes cometendo outros crimes. Por esse motivo, o direito penal do inimigo não deve ser aplicado em nosso sistema brasileiro, ao invés disso, deve ser deve ser oferecido alternativas ao Direito Penal do Inimigo. A Constituição Federal brasileira atribui igualdade de todos sem distinção de qualquer natureza, portanto, não se pode levar em consideração o fato de o povo brasileiro ser dividido em duas classes, sendo os cidadãos e os não cidadãos. Dessa forma, é primordial a necessidade de propostas, referindo-se a mudanças legislativas referente ao direito Penal e das flexibilizações das garantias processuais penais, seria primordial também fortalecer as sanções penais de determinados atos ilícitos. Conclui-se então, que o Direito Penal do Inimigo, deve originar diferentes ponderações, ao contrário de críticas sem propostas ou alternativas de solução para o problema. 25 REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. BOBBIO, Norberto, Da estrutura à função, novos estudos de teoria do direito, São Paulo, 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Direito Penal do Inimigo; Totalitarismo, eliminação e tortura. 1° de julho de 2013. Revista Jurídica Consulex. Ano XVII. N° 395 CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Direito Penal do Inimigo: sobre o que estamos falando?. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n 196, mar/2009. GOMES, Luiz Flávio - Muñoz Conde e o Direito Penal do Inimigo – Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/admin/clc_search/begin/index.php?query=dir eito+penal+do+inimigo>. Acesso em 09/02/2021. JAKOBS, Günter; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo. Noções e Críticas. Tradução André Luiz Callegari e Nereu José Giacomolli, 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Direito e Política na emergência Penal: uma análise crítica á flexibilização de direitos fundamentais no discurso do Direito Penal do Inimigo. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, ano IX, n 3, abr/ jun 2009. MACIENTE, Roberta Oliveira. Direito Penal do Inimigo - Punição alternativa frente à evolução do crime. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1031>. Acesso em 09/02/2021. 26 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2008. MORAES, Vinicius Borges de. Revista brasileira de ciências criminais/ vol. 74/ p. 09/ set 2008. Concepções iusfilosóficas do direito penal do inimigo: uma análise sobre os fundamentos da teoria de Günter Jakobs. NEUMANN, Ulfred. Direito Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 15, n 69, nov/dez 2010 PRADO, online, entrevista concedida a Carta Forense em março de 2009, . Acesso em: 09/02/2021. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2005. SANCHEZ, Jesús – Maria Silva. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, série: As ciências criminais no Século XXI, v. 11, 2002. SANNINI NETO, Francisco. Direito Penal do inimigo e Estado Democrático de Direito: compatibilidade. Disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acesso em 09/02/2021. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, São Paulo, Malheiros, 2000. SILVA, Ivan Carlos. O direito penal do inimigo. <www.unisionos.br/blogs/ndh/2013/07/29/o-direito-penal-do-inimigo/>. Acesso em 23/02/2021. ZAFFARI, Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Compartilhar