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http://dx.doi.org/10.23925/1983-3156.2019v21i5p162-176 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 Negociações, rupturas e renegociações numa sala de aula com o saber equação do segundo grau Negotiations, breaks and renegotiations in a classroom with the knowledge of the second-degree equation _____________________________________ FERNANDO EMÍLIO LEITE DE ALMEIDA1 ANNA PAULA AVELAR DE BRITO LIMA2 Resumo O objetivo do artigo é analisar as relações contratuais, que emergem da relação didática, numa sala de aula de matemática no 9º ano do ensino fundamental, quando o saber algébrico é a equação do segundo grau entra em cena no jogo didático. Para tornar possível a investigação, elegemos como campo teórico e metodológico a noção de Contrato Didático, um dos pilares da teoria das situações didáticas, esse fenômeno implica regras que emergem da relação didática e que são determinantes para o funcionamento do sistema didático. Na metodologia utilizamos uma filmagem e, posteriormente, a transcrição e análise. Os resultados apontam que o professor contempla, negociações, rupturas e renegociações na relação didática. No entanto, podemos observar em alguns momentos uma reorganização contratual e o estabelecimento de um núcleo duro do contrato. Palavras-chave: Relação Didática. Contrato Didático. Negociações. Rupturas. Abstract The purpose of this article is to analyze the contractual relationships that emerge from the didactic relationship in a mathematics classroom in the 9th grade of the elementary school, when algebraic knowledge is the equation of the second degree comes into play in the didactic game. In order to make possible the investigation, we chose as a theoretical and methodological field the notion of Didactic Contract, one of the pillars of the theory of didactic situations, this phenomenon implies rules that emerge from the didactic relationship and that are determinants for the functioning of the didactic system. In the methodology we used a filming and, later, the transcription and analysis. The results indicate that the teacher contemplates, negotiations, ruptures and renegotiations in the didactic relationship. However, we can observe at times a contractual reorganization and the establishment of a hard core contract. Key-words: Didactic Relationship. Contract Didactic. Negotiations. Ruptures. Résumé Le but de cet article est d'analyser les relations contractuelles qui émergent de la relation didactique dans une classe de mathématiques en 9e. année de l'école primaire, lorsque la 1 Instituto Federal de Pernambuco, Brasil, fernandoemilioleite@yahoo.com.br 2 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, apbrito@gmail.com Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 163 connaissance algébrique est l'équation du second degré qui entre en jeu dans le jeu didactique. Afin de rendre possible l'investigation, nous avons choisi comme champ théorique et méthodologique la notion de Contrat Didactique, l'un des piliers de la théorie des situations didactiques, ce phénomène implique des règles qui émergent de la relation didactique et déterminent le fonctionnement du système didactique. Dans la méthodologie nous avons utilisé un tournage et, plus tard, la transcription et l'analyse. Les résultats indiquent que l'enseignant envisage, des négociations, des ruptures et des renégociations dans la relation didactique. Cependant, nous pouvons observer parfois une réorganisation contractuelle et l'établissement d'un contrat dur. Palavras-chave: Relation didactique. Accord didactique. Négociations. Ruptures Resumen El objetivo del artículo es analizar las relaciones contractuales, que emergen de la relación didáctica, en un aula de matemáticas en el 9º año de la enseñanza fundamental, cuando el saber algebraico es la ecuación del segundo grado entra en escena en el juego didáctico. Para hacer posible la investigación, elegimos como campo teórico y metodológico la noción de Contrato Didáctico, uno de los pilares de la teoría de las situaciones didácticas, ese fenómeno implica reglas que emergen de la relación didáctica y que son determinantes para el funcionamiento del sistema didáctico. En la metodología utilizamos una filmación y posteriormente la transcripción y análisis. Los resultados apuntan que el profesor contempla, negociaciones, rupturas y renegociaciones en la relación didáctica. Sin embargo, podemos observar en algunos momentos una reorganización contractual y el establecimiento de un núcleo duro del contrato. Palabras clave: Relación Didáctica. Contrato Didáctico. Negociaciones. Interrupciones. 164 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, 162-176, 2019 Introdução Este artigo3 procura analisar as relações contratuais, que emergem da relação didática (professor-aluno-saber), numa sala de aula de matemática do 9º ano do ensino fundamental, quando o saber algébrico equação do segundo grau a uma incógnita entra em cena. Para ser possível aprofundar na discussão e responder aos questionamentos, elegemos como campo teórica e metodológico a Didática da Matemática. Área de investigação que surgiu na França a partir dos Institutos de Pesquisa no Ensino da Matemática (IREM). Em especial, chamamos atenção para a noção de Contrato Didático. Tal noção é considerada por estudiosos um os pilares da Teoria das Situações Didáticas (TSD) (BROUSSEAU, 1986; JONNAERT; BORGHT, 2002; BESSOT, 2003; CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, dentre outros). Escolhemos investigar o Contrato Didático, por ser considerado um fenômeno intimamente ligado as questões de ensino e aprendizagem da matemática. Além disso, essa noção implica regras que emergem da relação didática e que são determinantes, no funcionamento da situação, na reconstrução dos saberes pelos alunos, na expectativa com relação às atividades, nas negociações dos saberes em sala de aula, na divisão de papéis entre o professor e os alunos com relação ao saber, dentre outros elementos. Sobre as investigações relacionadas a esse fenômeno e sua importância, Chevallard, Bosch e Gascón (2001) consideram que o contrato didático é a pedra de toque de toda a organização didática. Ele se estabelece quando a relação entre dois (professor e aluno) se transforma numa relação entre três (professor, os alunos e o saber). Acrescentamos ainda que a entrada do saber na relação é a primeira condição para que possa existir uma relação didática e, consequentemente, com a sua dinâmica interna, o contrato didático. Na escolha do contrato didático, se faz necessário determinar um campo de investigação. Particularmente, destacamos o campo algébrico e mais especificamente as equações do segundo grau. Tal escolha foi motivada, dentre outras questões, por alunos apresentarem dificuldades com equações do segundo grau. A esse respeito o Sistema de Avaliação da Educação Básica de Pernambuco (SAEPE), aponta que apenas 21,4% dos alunos do 9º ano do ensino fundamental, conseguem, por exemplo, identificar uma equação do 2º grau expressa em um problema (CÂMARA DOS SANTOS; RAMOS DE ALMEIDA, 2014). 3 Este artigo diz respeito a um recorte de Tese, defendida no programa de Ensino das Ciências e Matemática da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 165 Outro dado importante, que motivou a escolha pelo objeto matemático, pode ser encontrada nas informações publicadas pelo Sistema de Avaliação do Ensino Básico (2011), no descritor que trata da resolução de equações do segundo grau, aponta que 55% dos alunos não obtiveram êxito. O contrato didático A noção de Contrato Didático (CD) foi estudada e teorizada, inicialmente, por Brousseau (1986) e retomada em inúmeros outros estudos e reflexões teóricas, por pesquisadorescomo Chevallard, Bosch e Gascón (2001), Bessot (2003), Jonnaert (2004), entre outros, que compreenderam a sua relevância, bem como sua densidade teórica. As primeiras questões sobre o CD foram apontadas por Brousseau e Péres (1981) e surgiram, a partir de observações, contexto empírico (SARRAZY, 1995). Esses pesquisadores observaram que crianças que alcançavam sucesso em outras disciplinas apresentavam problemas de aquisição conceitual, dificuldades de aprendizagem ou falta de “gosto” pela matemática. Algum tempo depois, essas, observações tornou-se um estudo de caso, que ficou famoso na didática da matemática, como o caso Gael. Resumidamente, podemos dizer, que os pesquisadores constataram que a incapacidade de Gael de envolver-se no processo de aprendizagem, em que o conhecimento matemático era o produto de uma construção advinda da interação com o “meio4” didático. Esse meio, diz respeito a um sistema antagônico no qual o sujeito age, a ação do sujeito acontece sem o controle do professor. Com isso, Brousseau (2008) avança com as discussões da Teoria das Situações Didáticas (TSD) e, acrescenta um novo componente na relação triangular (professor, aluno e saber), o meio. A figura abaixo, considerada pela didática da matemática como triângulo das situações, propõe uma tentativa de sistematizar o que estamos falando. A dinâmica principal que pode ser entendida pela figura, diz respeito a um processo de “negociação” em que as regras do jogo são estabelecidas para que os alunos e o professor mantenham uma relação com o meio, em algum momento na relação o professor deixa de ser ativo na relação com o saber. O produto dessa dinâmica permite a evolução da relação didática na direção do aprendizado. 4 O meio que em francês é chamado de “mileu”. 166 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, 162-176, 2019 Figura 1: Triângulo da Situação e o Mileu Fonte: Adaptado de Brousseau (2008, p. 54) Por outro lado, a tensão didática, que é considerada natural numa relação triangular, promovem, além das negociações, rupturas e, consequentemente, renegociação. Vale destacar que as rupturas são necessárias para permitirem que os parceiros (professor e alunos) modifiquem permanentemente as suas relações ao saber. São as rupturas que nos permitem também ter acesso, pelo menos em parte, às regras implícitas, anteriormente negociadas em uma relação didática. Sobre as “rupturas” e as “obrigações” na relação, Brousseau (1996b, p. 51) defende que “não podemos pormenorizar aqui estas obrigações recíprocas; aliás, são as rupturas do contrato didático que são realmente importantes”. Ainda sobre a figura, podemos observar que o contrato didático se localiza no “coração” do triângulo e é indispensável ao funcionamento da relação didática. É, de fato, o que lhe “permite a interação entre uma personalidade singular (um professor e seu implícito) e uma personalidade plural (uma aula com seu costume) a propósito de um objeto de ensino e aprendizagem, respeitando as particularidades de cada um dos parceiros” (JONNAERT; BORGHT, 2002, p. 188). Para Brousseau (1986), um momento de destaque que contribui para a compreensão das possíveis razões de determinadas interpretações sobre o contrato didático é marcado por uma espécie de “culturalismo didático”. Esse aspecto, aparece como um mecanismo gerador de contrato, diz respeito às repetições de hábitos específicos do professor, que os “reproduz, conscientemente ou não, de forma repetitiva na sua prática de ensino” (SARRAZY, 1995). Esses hábitos que fazem parte da prática do professor permitem ao aluno decodificar a atividade didática. O resultado das atividades que lhes são oferecidas depende em grande Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 167 medida das ações repetidas pelo professor. Assim, o contrato didático se apresenta “como um traço das exigências habituais do professor sobre uma situação particular” (BESSOT, 2003, p.128). Brousseau (1986, p. 50) propõe que o contrato didático é a “regra do jogo e a estratégia da situação didática”. Acrescenta que a evolução das situações didáticas modifica o contrato, possibilitando, assim, a criação de novas situações. Em outro momento o autor introduz a ideia de que há “expectativas” e papéis a serem cumpridos por um e outro parceiro, no que chamou “jogo didático” (BROUSSEAU, 1986). Nesse contexto, Jonnaert (1994) comentam que o contrato didático apenas pode ter existência no contexto de uma relação didática. Isto porque, a relação didática é constituída de uma série de relações sociais, organizadas pelo contrato didático em um quadro socioespacial específico, entre um professor, alunos e um objeto determinado de ensino e aprendizagem. A relação didática é constituída pelo conjunto de trocas entre os alunos, o saber e o professor. Assim, o contrato didático gerencia essas relações, não as cristalizando em regras definitivas, mas, ao contrário, colocando-as em tensão, por meio de uma série de rupturas. Tais rupturas são necessárias para permitir que os parceiros (professor e alunos) modifiquem permanentemente as suas relações com o saber. Nessa dimensão complexa e dinâmica que envolve o conceito de contrato didático, Jonnaert (1994, p. 209) propõe três elementos essenciais: • A idéia de divisão de responsabilidades, onde a relação didática não aparece mais sob o controle exclusivo do professor, pois, o aluno deve cumprir o seu papel na mesma, ou seja, seu oficio de aluno. Assim, o contrato didático ensejaria “definir uma divisão de poder”. • A consideração do implícito: a relação funciona mais a partir do não-dito, do que das regras enunciadas (sem desconsiderar o que é explicitado). Muito embora, o contrato se inquieta mais com esses “não-ditos”. • A relação com o saber: o que é especifico do contrato didático é levar em conta a relação que cada um dos parceiros mantém com o saber, considera a assimétrica do professor e do aluno ao saber, discutida anteriormente. Ainda segundo o autor, o jogo do contrato didático é um jogo paradoxal, entre opostos: implícito versus explícito; unilateral versus negociável; espontâneo versus imposto; interno à sala de aula versus externo à aula. Esse jogo didático tem a intenção de criar e 168 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, 162-176, 2019 ampliar os espaços de diálogo na sala de aula, estabelecendo um equilíbrio entre esses polos contraditórios. Pelo fato de existir um grande número de elementos implícitos, o contrato didático pode torna-se difícil de ser capturado. Contudo, autores que se dedicam em investigar esse fenômeno apontam que embora exista essa dificuldade em observá-lo, ele pode ser identificado mais claramente quando há uma ruptura do mesmo. A ruptura pode acontecer por ambos os pares da relação, ou individualmente (BESSOT, 2003; JONNAERT, 1994). Em geral, quando o contrato é rompido torna-se em parte explicitado e deve ser renegociado. Pelo discurso do professor e dos alunos em uma situação de ruptura do contrato, podemos identificar os elementos que o compõem e as responsabilidades que cabiam a cada um dos parceiros da relação (JONNAERT, 1994). Ao pensarmos no contrato didático como objeto de análise, é fundamental a definição do campo de saber em que ele será investigado. O campo que nos interessou em nosso cenário de pesquisa, foi a álgebra escolar, que será contemplado a seguir. O Ensino e Aprendizagem em Álgebra As pesquisas relacionadas ao ensino e aprendizagem da álgebra têm ocupado, no cenário das pesquisas em Didática da Matemática, um lugar de destaque. Muitos pesquisadores demonstram interesse nesse campo de investigação; no Brasil podemos citar Almeida e Brito Menezes (2013), Bessa de Menezes (2010), Araújo (2009)entre outros. Em outros países, destacamos Kieran (1995), Usiskin (1995), Filoy e Rojano (2004), entre outros. Embora os debates tenham avançado bastante em relação à álgebra na educação básica, boa parte da literatura que apresentam esses estudos não aprofundam alguns fatores importantes. Podemos acrescentar que o sucesso da formação do aluno está condicionado à relação que ele mantém com o saber algébrico. Assim, a relação não sendo adequada, o aluno tem possibilidade de fracassar na disciplina matemática; por outro lado, quando a relação se torna adequada, surge o sucesso (CÂMARA DOS SANTOS, 2010; BOOTH, 1995). Nesse contexto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), alertam que é consenso entre os pesquisadores que a álgebra é um campo de estudo importante para formação crítica dos estudantes, constitui-se como um espaço bastante significativo para o desenvolvimento e o exercício da capacidade de abstração e generalização, além de lhe possibilitar a aquisição de uma poderosa ferramenta para resolver problemas. Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 169 No que diz respeito ao papel do professor, os documentos oficiais orientam que a ênfase que é dada em sala de aula ao ensino, especificamente da álgebra, não está sendo suficiente para combater e sanar algumas dificuldades dos alunos em matemática. Embora as pesquisas apontem para uma mudança e, mesmo que existam professores que desejam tornar a aprendizagem mais significativa, a realidade mostra o contrário: dados do SAEB (2011) indicam que 55% dos alunos não obtiveram êxito no descritor que trata da resolução de equações do segundo grau. Por outro lado, as atividades propostas pelos educadores seguem em caminhos contrários: nas orientações para o trabalho com problemas algébricos é dada ênfase puramente ao processo de resolução. Fazer o aluno pensar, questionar, fica em segundo plano, tornando estas atividades puramente mecânicas, rotineiras e muitas vezes desinteressantes para o mesmo. Esse fato que estamos discutindo, para Câmara dos Santos (2010) diz respeito ao “fracasso” na aprendizagem do aluno e pode estar relacionado com a falta de desenvolvimento do pensamento algébrico. O PCN (BRASIL, 1998, p. 64) orienta com relação ao ensino da álgebra, que esse deve visar ao desenvolvimento do pensamento algébrico dos alunos, por meio da exploração de situações de aprendizagem que levem o aluno a: • reconhecer que representações algébricas permitem expressar generalizações sobre propriedades das operações aritméticas, traduzir situações-problemas e favorecer as possíveis soluções; • traduzir informações contidas em tabelas e gráficos em linguagem algébrica e vice-versa, generalizando regularidades e identificando os significados das letras; • utilizar os conhecimentos sobre as operações numéricas e suas propriedades para construir estratégias de cálculo algébrico. Ainda sobre o ensino e aprendizagem em álgebra, Lins e Gimenez (1997) apresentam uma discussão sobre tendências letristas. Alguém que acredite que a atividade algébrica se resumo a um “calculo com letras”, pode propor o que para sala de aula? Talvez adote, seguindo algumas péssimas ideias encontradas em propostas para educação aritmética, a prática de utilizar a “sequência” técnica (algoritmo)/prática (exercícios) (LINS; GIMENEZ, 1997, p. 105). 170 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, 162-176, 2019 No tocante a essa discussão, os autores afirmam: “com toda franqueza, isso é praticamente tudo que encontramos na quase total maioria dos livros didáticos que estão disponíveis no mercado brasileiro” (LINS E GIMENEZ, 1997, p.105). Para as equações do segundo grau, Pernambuco (2012, p.103) apontam que utilizar apenas a aplicação direta da fórmula de Bhaskara, termina provocando, nos estudantes, dificuldades posteriores. Assim, os alunos acabam tomando o método de resolução de Bhaskara como um único e, quando “esquecem a fórmula”, não são capazes de resolver o problema. No que concerne a resolução das equações do segundo grau, as recomendações dos documentos aos estudantes passam pela ação didática do professor, que deve incentivar os estudantes a resolverem as equações utilizando a fatoração e o processo de completar quadrados, os quais, além de serem métodos eficazes, podem dar significados à fórmula de Bhaskara, que somente deverá ser apresentada aos estudantes no ensino médio (PERNAMBUCO, 2012, p. 103). Procuramos a seguir apresentar a abordagem metodológica e, na sequência, a análise dos dados. Abordagem Metodológica Para auxiliar a nossa pesquisa e responder o objetivo, optamos por uma abordagem qualitativa de cunho etnográfico. Para Ludke e André (1986), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Acrescentam ainda que a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada. Participaram do nosso estudo um professor de matemática e seus respectivos alunos do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pertencente à rede pública da cidade de Pesqueira, interior de Pernambuco (ALMEIDA, 2016). A investigação foi desenvolvida em três momentos, o primeiro momento, a filmagem de nove aulas e no segundo a transcrição, posteriormente, a análise dos dados. Quanto aos critérios de análise, construímos em função da literatura (ALMEIDA; BRITO LIMA, 2013). Critérios de Análise do Contrato Didático Expectativa O que o professor espera do aluno e o aluno espera do professor, em relação ao trabalho na sala de aula (relativo ao saber específico que está em cena). Quadro 1: Critérios de Análise Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 171 Negociação É a convenção de uma ou mais pessoas, a qual implica na aceitação de certos papéis e obrigações a cumprir por cada uma das partes envolvidas, acordo entre parceiros. Ruptura de contrato A ruptura do contrato didático pode ser percebida, por exemplo, quando os alunos não atuam da forma esperada pelo professor – frente ao saber – ou quando o professor não atua da forma esperada pelos alunos. De forma que pode existir uma reclamação por algumas das partes. Renegociação do contrato Quando há alguma ruptura no contrato didático e, em seguida, uma nova regra (explícita ou implícita) é negociada. Quando, embora não havendo claramente uma ruptura, é estabelecido um redirecionamento do jogo didático. Regras Explícitas e Implícitas As regras explícitas são claras, expressas sem ambiguidade pelas partes em questão no jogo didático. As regras implícitas, são aquelas que não são explicitamente formuladas por um dos parceiros (quase sempre, o professor), mas que são construídas de forma mais subliminar e, embora implícitas, são fundamentais para a condução da relação didática e faz valer o contrato didático negociado. Fonte: Almeida (2016). Análise dos Dados Uma primeira questão que apontamos para a análise, diz respeito a negociação do professor com os alunos sobre a necessidade de retomar a discussão sobre equação do primeiro grau para depois apresentar a equação do segundo grau. Essa negociação, sugere a necessidade de uma espécie de passagem entre a equação do primeiro grau para a equação do segundo grau. Observe o quadro abaixo e na sequência a análise. Quadro 2: Transcrição da aula Fonte: Os autores É possível perceber, que o professor procura negociar com os alunos, mais explicitamente, a importância de retomar alguns conceitos de equação do primeiro grau para poder na sequência apresentar a equação do segundo grau. Por outro lado, implicitamente, ele passa a impressão que existe relação entre os conceitos das duas equações,ou seja, pode existir conceitos que são comuns. Na sua fala podemos perceber: (P): A gente vai tentar trazer o conceito, apresentar ele (...). Para poder falar de equação e equação do segundo grau, eu vou propor o seguinte para gente. Vamos relembrar um pouquinho do que vimos no ano passado. Não é? Sobre equações (...) Por exemplo, equação do primeiro grau, como é que aparece a definição de equação do primeiro grau, toda equação que se pode escrever na forma, aí aparece aquela estrutura algébrica ax + b = 0, aí vem com a e b pertencentes aos reais. Então foi a partir desse momento que vocês começaram a estudar a equação, a estrutura dela. A estrutura algébrica. Então, a gente tem que voltar um pouquinho para falar de equação do segundo grau. Volto um pouquinho para lembrar a definição de alguns conceitos desses... 172 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, 162-176, 2019 “vamos relembrar um pouquinho do que a gente viu o ano passado (...), a gente tem que voltar um pouquinho para depois falar de equação do segundo grau. Volto um pouquinho para lembrar a definição de alguns conceitos desses (...)”. É possível inferir que procura iniciar com a equação do primeiro grau, para depois introduzir a equação do segundo grau, aponta para uma regra implícita de contrato: o ensino das equações do segundo grau deve acontecer não a partir de uma ruptura com os conceitos da equação do primeiro grau, mas através de uma continuidade desses conceitos. De forma semelhante, é necessário primeiro ter acesso aos tipos de tarefas das equações do primeiro grau para depois avançar na direção das equações do segundo grau. O quadro 3, trata da negociação do conceito de equação. O professor procura negociar, explicitamente, com seus alunos o conceito de equação, observe sua fala “o que é uma equação?”, no entanto, o aluno aponta para outro caminho, fala “Ah eu só lembro o que é incógnita...” e faz surgir um elemento conceitual que o professor não esperava, associado ao conceito de equação. Esse posicionamento do aluno, que sugere uma ruptura, obriga o professor a “reorganizar a situação didática”, com intuito, em fazer os alunos continuarem no jogo didático. Assim, com a reorganização, vão aparecendo outros conceitos sobre equação. Quadro 3: Transcrição da aula Fonte. Os autores. Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 173 Para chegar ao conceito de equação, o professor promove um diálogo sobre expressão algébrica, expressão literal, coeficientes, incógnita e a igualdade. Por fim, de forma explícita, fala que “a gente começa por aí para chegar a equação do segundo grau, o caminho é o mesmo, a gente tem que relembrar o que é uma expressão, nesse caso aqui seria uma sentença. Mas o que está faltando para isso aqui ser uma equação?”. Diante do questionamento o aluno responde: “a igualdade dos termos”. Essa negociação dialogada com os alunos mostra claramente uma tentativa de divisão de responsabilidade, bem como colocar os alunos no jogo didático. A aula vai seguindo e outras negociações vão emergindo na relação didática. Então, o professor apresenta uma equação x² + 49 = 0 e convida um aluno para resolver. Observe abaixo o diálogo do professor com os alunos. Quadro 4: Transcrição da aula Fonte: Dados da pesquisa. Encontramos na resolução das equações estratégias que foram utilizadas de forma repetitiva, e parece estar sendo cristalizada, gradativamente, durante as aulas. Essa forma costumeira da resolução está ligada ao hábito que o professor tem de resolver as equações. Assim, defendemos que a cristalização das estratégias de resolução, o hábito do professor constrói uma ideia de núcleo duro do contrato didático, observamos que em resolução (P): Alguém quer arriscar? (A1): Passa o “c” para o outro lado... (P): O “c” que você fala seria igual a menos quarenta e nove... (A1): E tira a raiz quadrada... (P): Tira a raiz quadrada? Então ficaria no caso x ao quadrado igual a 49... (A1): x é igual à raiz quadrada de 49, e x é igual 7... (P): Pronto? Terminou? (A1): Não, tem que colocar o conjunto solução... (P): Por que eu vou colocar o conjunto solução aqui nesse caso, alguém sabe? (A2): Por que se você fizer menos sete ao quadrado vai dar positivo, porque menos com menos... (P): Ah vai dar quarenta e nove também. (P): Eu não expliquei a diferença de quando a gente está resolvendo uma situação problema e de quando você está resolvendo apenas a equação? Lembram disso? Nesse caso você observa que aqui tá pedindo só pra resolver a equação. Não tem um contexto, não tem um problema envolvido, então nesses casos você segue direitinho o que pede pra ser feito. Resolver a equação e coloca o conjunto solução... Conjunto solução, opa! Qual é o problema aqui? Conjunto solução geralmente nós temos o quê? (Als): Zero... (P): Nós tínhamos zero na outra não é? A gente até viu porque dava sempre zero. Essa aqui vai dá zero também? (A2): Não... É o simétrico. (P): De onde foi que você tirou isso, que é o simétrico? Agora fiquei curioso. (...) De repente apareceu aqui esse comentário de que vai ser o simétrico, será que vai ser o simétrico mesmo? Se for, mas por que o simétrico aparece? De onde? Por que a gente fez uma conta aqui e apareceu o sete, de onde vem o menos sete? Se for, eu ainda não estou dizendo que é... (A2): Por que se você fizer menos sete ao quadrado vai dar positivo, porque menos com menos... (P): Ah vai dar quarenta e nove também. 174 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, 162-176, 2019 semelhantes e em momentos diferentes o professor utiliza o mesmo procedimento de forma exaustiva. Esse núcleo duro é semelhante à cristalização do contrato, que diz respeito, a forma costumeira, o hábito do professor de resolver a equação pelo mesmo procedimento matemático. No início da transcrição o professor negocia, implicitamente, com os alunos caminhos necessários para resolver a equação ax² + c = 0. Essas regras negociadas tratam da transposição de termos ou coeficientes, invertendo operações e desenvolver ou reduzir expressões. Na resolução, em que o aluno fala “x é igual à raiz quadrada de 49, e x é igual 7” e o professor pergunta “Pronto? Terminou?”, com intuito de fazer algumas considerações. No entanto, os alunos reclamam que ainda falta o conjunto solução, regra de contrato instituída em todas as resoluções. Essa atitude dos alunos faz o professor procurar uma reorganização contratual, em forma de questionamentos. Os questionamentos seguem na direção de comparações sobre situações problemas e resoluções de equações descontextualizadas. Esse direcionamento enfoca, em especial, as soluções. O professor continua o diálogo com os alunos e surge indícios de uma ruptura de contrato no momento em que aponta o conjunto solução com apenas o valor sete. O esquecimento do professor coloca em desequilíbrio a relação didática. Observe: “Conjunto solução, opa! Qual é o problema aqui? Conjunto solução geralmente nós temos o quê? (Als): Zero... (P): Nós tínhamos zero na outra, não é? A gente até viu porque dava sempre zero. Essa aqui vai dá zero também?”. Após a possível ruptura, o professor procura renegociar a situação didática. Por outro lado, a atitude dos alunos foi motivada pelo contrato anterior, em virtude da resolução da equação ax² + bx = 0, em que a resolução da equação, encontra sempre um dos valores, o zero como resposta. Considerações Finais Este artigo procurou analisar as relações contratuais, que emergem da relação didática (professor-aluno-saber), numa sala de aula de matemática do 9º ano do ensino fundamental, quando o saber algébrico equação do segundo grau a uma incógnita entra em cena. Os resultados apontam negociações, rupturase renegociações em vários momentos da relação didática. No entanto, em alguns momentos é perceptível que existe na relação didática algo próximo a uma ruptura, que entendemos como uma ruptura branda, essa Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.21, n.5, pp. 162-176, 2019 175 ruptura não precisaria uma renegociação clássica e, sim, uma reorganização do contrato didático. Por outro lado, encontramos também, algo que a literatura não apresenta, e que está relacionado a resolução da equação propriamente dita, uma espécie de núcleo duro de contrato. Defendemos a ideia de núcleo duro, porque em resolução semelhantes e em momentos diferentes é utilizado o mesmo procedimento de forma exaustiva. Esse núcleo duro é semelhante à cristalização do contrato, que diz respeito, a forma costumeira, o hábito do professor de resolver a equação pelo mesmo procedimento matemático. Alertamos a necessidade de aprofundar estudo nessa perspectiva. Referências ARAÚJO, A. J. O ensino de álgebra no Brasil e na França: estudo sobre o ensino de equações do 1º grau à luz da teoria antropológica do didático. 2009. 290f. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009. ALMEIDA, F. E. L.. 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